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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I – RELATÓRIO: Trata-se de embargos de declaração opostos em face do Acórdão proferido por esta Câmara ao mov. 37.1, assim ementado: APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO DE OFÍCIO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - PACIENTE PORTADORA DE ARTRITE REUMATOIDE SOROPOSITIVA E OSTEOPOROSE - FORNECIMENTO DO FÁRMACO “TERIPARATIDA 250MG” - DIREITO À SAÚDE - ARTIGO 196, CF - DEVER DO ESTADO - OBSERVÂNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS NÃO IMPEDE A CONCESSÃO DO TRATAMENTO MÉDICO - PACIENTE QUE JÁ FEZ USO DE OUTROS FÁRMACOS - NECESSIDADE DO MEDICAMENTO DEVIDAMENTE DEMONSTRADA PELOS DOCUMENTOS ACOSTADOS AOS AUTOS - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO - SENTENÇA MODIFICADA PARA MINORAR E FIXAR A PERIODICIDADE MÁXIMA DAS ASTREINTES E, NO MAIS, MANTIDA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. Em suas razões recursais, o Embargante sustentou que o acórdão seria omisso, uma vez que deixou de analisar a tese firmada no bojo do RE 855.178-SE (Tema 793) e que a atribuição administrativa de fornecimento do tratamento pleiteado é da União, sendo a competência para o julgamento do feito da Justiça Federal. Ao mov. 17.1 (ED 1), os presentes embargos foram rejeitados por unanimidade de votos: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – ALEGAÇÃO DE OMISSÃO RELATIVA À INOBSERVÂNCIA DA TESE FIRMADA PELO STF NO RE 855.178-SE (TEMA 793) – INEXISTÊNCIA – DECISÃO EMBARGADA QUE SE ATEVE AOS TEMAS EXPOSTOS, CONFORME O ENTENDIMENTO VIGENTE NO MOMENTO DO JULGAMENTO - REDISCUSSÃO DA MATÉRIA – IMPOSSIBILIDADE PELA VIA ELEITA – PREQUESTIONAMENTO – PEDIDO DE EXPRESSA MANIFESTAÇÃO SOBRE ARTIGOS – DESNECESSIDADE – AUSÊNCIA DE VÍCIOS – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. Em face dessa decisão, o Estado do Paraná interpôs recurso extraordinário. Contrarrazões ao mov. 7.1 (Pet 2). A 1ª Vice-Presidência encaminhou os autos a esta 4ª Câmara Cível para, querendo, exercer juízo de retratação, considerando a decisão proferida em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, que fixou a tese do Tema 793, e o acórdão recorrido. É o relatório.
II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: Os presentes autos retornaram para exame a esta 4ª Câmara Cível para exercer eventual juízo de retratação, de acordo com o despacho de mov. 18.1 (Pet 2). Pois bem. Em 23/05/2019, na ocasião do julgamento dos ED no RE 855.178/SE, o Supremo Tribunal Federal fixou a tese do Tema 793 de repercussão geral nos seguintes termos: Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. Por meio de seu voto, quanto ao desenvolvimento da tese da solidariedade, o Ministro Edson Fachin enunciou, em síntese: i) A obrigação a que se relaciona a reconhecida responsabilidade solidária é a decorrente da competência material comum prevista no artigo 23, II, CF, de prestar saúde, em sentido lato, ou seja: de promover, em seu âmbito de atuação, as ações sanitárias que lhe forem destinadas, por meio de critérios de hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss. CF); ii) Afirmar que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles (entes), isoladamente ou conjuntamente” significa que o usuário, nos termos da Constituição (arts. 196 e ss.) e da legislação pertinente (sobretudo a lei orgânica do SUS n. 8.080/90) tem direito a uma prestação solidária, nada obstante cada ente tenha o dever de responder por prestações específicas; iii) Ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11, e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite) imputem expressamente a determinado ente a responsabilidade principal (de financiar a aquisição) pela prestação pleiteada, é lícito à parte incluir outro ente no polo passivo, como responsável pela obrigação, para ampliar sua garantia, como decorrência da adoção da tese da solidariedade pelo dever geral de prestar saúde; iv) Se o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação principal não compuser o polo passivo da relação jurídicoprocessual, compete a autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento; v) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas as suas hipóteses), a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90), de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação; vi) A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e a comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos no artigo 28 do Decreto federal n. 7.508/11.(destacou-se) Considerando que o inteiro teor do acórdão foi publicado em 16/04/2020, bem como o disposto no artigo 927, III, do Código de Processo Civil, 1 o posicionamento estampado acima deve ser seguido por este Tribunal de Justiça. Da leitura da tese supramencionada, bem como do acórdão, denota-se que o entendimento da Suprema Corte de que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios são solidariamente responsáveis pela prestação de serviços de saúde à população, podendo o polo passivo das demandas envolvendo a matéria ser composto por qualquer um deles, isolada ou conjuntamente, foi mantido. Entretanto, da segunda parte da tese fixada, extrai-se que o STF determinou que, embora a parte possa demandar em face de qualquer um dos entes federados, a autoridade judicial deve direcionar o cumprimento da obrigação de acordo com as competências administrativas do Sistema Único de Saúde, bem como determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. No presente caso, o Ministério Público do Estado do Paraná ajuizou ação civil pública contra o Estado do Paraná, visando o fornecimento do medicamento TERIPARATIDA à paciente Maria Aparecida de Almeida, acometida de artrite reumatoide soropositiva e osteoporose. Ocorre que o fármaco pleiteado não está elencado na RENAME 2022 e não integra as políticas públicas implementadas pelo Sistema Único de Saúde – SUS. Dessa forma, nos termos da tese fixada pelo STF no Tema 793 de repercussão geral, o feito deve ser encaminhado à Justiça Federal, a fim de que esta decida sobre a inclusão da União no polo passivo da demanda, levando em consideração a o artigo 109, I, da Constituição Federal1 e a Súmula 150 do Superior Tribunal de Justiça2. Nesse sentido, é o entendimento recente do STF: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS E TRATAMENTO MÉDICO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 855.178-RG/SE (TEMA 793). EQUÍVOCO NA APLICAÇÃO DA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL NA ORIGEM. MEDICAMENTOS OU TRATAMENTOS NÃO PADRONIZADOS E INCLUÍDOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS IMPLEMENTADAS PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS. NECESSIDADE DE A UNIÃO COMPOR O POLO PASSIVO DA AÇÃO OBRIGACIONAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. (Rcl 49918 AgR-ED, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 27/04/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 27-04-2022 PUBLIC 28-04-2022) Do corpo do voto apresentado pela Relatora, Ministra Cármen Lúcia, no julgado acima colacionado, extrai-se: Nesse contexto, a adequada aplicação do Tema 793 da repercussão geral exige seja a União incluída no polo passivo das ações obrigacionais quando os medicamentos ou tratamentos de saúde pleiteados: a) não tiverem seu uso ou aplicação aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa; b) forem solicitados para o tratamento de enfermidades diversas daquelas para as quais inicialmente prescritos pelos fabricantes e pelos órgãos de saúde (uso off label); c) não forem padronizados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – Conitec e incluídos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – Rename ou na Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde – Renases; d) embora padronizados, tiverem seu financiamento, aquisição e dispensação atribuídos à União, segundo critérios de descentralização e hierarquização do SUS previstos no ordenamento jurídico vigente. Por fim, importante salientar que, não obstante o deslocamento da competência para a Justiça Federal, os efeitos da decisão que determinou o fornecimento do medicamento TERIPARATIDA à paciente devem ser mantidos, em atenção ao direito fundamental à saúde e em observância ao disposto pelo artigo 64, §4º, do Código de Processo Civil: Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação.§ 4º Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente. Sobre o tema, é a lição de MARINONI, ARENHART e MITIDIERO: Declarada a incompetência, salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos da decisão proferida pelo juízo incompetente, até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente (…). Enquanto pende a questão concernente à declaração da incompetência do juízo, havendo situação de urgência, nada obsta a que o juízo cuja incompetência se arguiu decida a respeito de pedidos de tutela de urgência – seja de natureza cautelar, seja de natureza satisfativa (art. 300 e ss.). Isso porque é antiga a lição no sentido de que 'quando est periculum in mora incompetentia non attendititur'. A necessidade de tutela de urgência – como é intuitivo – é incompatível com a necessidade de prévia definição do juízo competente. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. v. 2. ed. 3, rev., atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2017. p. 71-72.) Diante do exposto, voto pelo exercício de juízo de retratação para adequar Acórdão ao entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 793 de repercussão geral, a fim de reconhecer a incompetência da Justiça Estadual para o processamento e julgamento do feito e determinar a remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com base no artigo 109, I, CF e na Súmula 150 do STJ.
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