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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ 5ª CÂMARA CRIMINAL - PROJUDI RUA MAUÁ, 920 - 7º andar - Curitiba/PR RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N°0005275-40.2018.8.16.0013 DA 3ª VARA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA JEFERSON DA ROCHA e ROSMARI KUDLARECORRENTES: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁRECORRIDO: DES. JORGE WAGIH MASSADRELATOR: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – PREVENTIVOHABEAS CORPUS – CULTIVO E MANIPULAÇÃO DE DROGA PARA FINS TERAPÊUTICOS – PRESCRIÇÃO MÉDICA –INEFICIÊNCIA ESTATAL NO DIREITO À SAÚDE E À VIDA DIGNA DO CIDADÃO ENFERMO – RISCO IMINENTE E CONCRETO DE COAÇÃO ABUSIVA OU ILEGÍTIMA À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO – DECISÃO REFORMADA – EXPEDIÇÃO DE SALVO-CONDUTO – RECURSO PROVIDO. Demonstrado o risco concreto e iminente de coação ilegítima ou abusiva à liberdade de locomoção dos pacientes, deve ser concedida a ordem de preventivo, com a consequente expediçãohabeas corpus de salvo-conduto. O cultivo, colheita e/ou preparação de configuraCannabis sativa ação criminosa, conforme previsão da Lei nº 11.343/06. Todavia, demonstrada a excepcionalidade de tais atos para comprovado uso medicinal do Canabidiol, componente da maconha, com o devido reconhecimento pelo competente órgão de saúde da União (ANVISA), bem como evidenciada a ineficiência estatal na garantia do direito fundamental à saúde do enfermo, não pode ser preso o responsável pelo específico plantio e manejo, nem retido o psicoativo. Recurso conhecido e provido. Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Jeferson da Rocha e Rosmari Kudla contra a decisão da Meritíssima Juíza de Direito da 3ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, que não conheceu do pedido de concessão de preventivo contra lesão ao direito de ir e vir decorrente de ato doHabeas Corpus Delegado-Chefe da Polícia Federal do Paraná, do Delegado-Chefe de Polícia Civil do Estado do Paraná e do Comandante da Polícia Militar do Estado do Paraná (mov. 25.1 – Habeas ).Corpus Em resumo, o mencionado foi impetrado pelos advogados Anderson Rodrigueswrit Ferreira e Sandra Lia Leda Bazzo Barwinski, em favor dos recorrentes, e expõe a situação gravemente enferma da filha destes, a menor J. K. da R., cujo tratamento mais eficaz requer a ingestão de óleo de Canabidiol (CDB), uma das substâncias químicas componentes da ).Cannabis sativa (maconha Embora obtida autorização da ANVISA para importar o fármaco, devido aos custos, superiores à capacidade financeira da família, e à ineficiência estatal em, com a urgência necessária, prover a doente do referido produto, os pais passaram a cultivar Cannabis sativa para a finalidade exclusiva de extração do referido composto. Com isso, estaria a conduta do casal, a princípio, enquadrada nos delitos previstos no art. 28 ou no art. 33, ambos da Lei nº 11.343/06, tornando real o risco de serem presos. Alegam, contudo, estarem agindo no estrito e excepcional exercício do direito à saúde e à vida da filha e, assim, sob excludente de ilicitude. Por conseguinte, seria ilegítima qualquer eventual restrição às suas liberdades de locomoção em decorrência do mencionado plantio terapêutico. Para evitá-la, bem como para impedir a apreensão das mudas, ingressaram com a ação constitucional (art. 5º, inciso LXVIII, da Lei Maior), requerendo a expedição de salvo-conduto para serem os agentes policiais obstados de segregarem Jeferson da Rocha e Rosmari Kudla, e também de reterem o citado vegetal (mov. 1.1 – HC). Como antecipado, a ilustre Magistrada julgou pela impossibilidade de admitir o .writ Primeiramente, quanto ao Delegado Federal apontado como autoridade coatora, o não foi conhecido por incompetência do Juízo.Habeas Corpus No restante, o motivo do não exame do pleito foi a falta de demonstração de “ameaça ” ( ) (mov. 25.1 – HC).concreta e iminente ao direito de liberdade dos pacientes sic Insatisfeitos com a decisão, foi apresentado este recurso em sentido estrito, no qual Jeferson e Rosmari reiteraram as razões da peça de mov 1.1 (HC). Narram, novamente, o quadro patológico de J. K. da R. e o inédito e considerável incremento que o Canabidiol trouxe à qualidade de vida da menina, sendo, inclusive, liberada a família a comprar o produto no exterior. Reforçaram, entretanto, a insuficiência econômica para o pagamento da importação e a solução encontrada para tanto: o plantio domiciliar da maconha. Logo, insistem estarem diante de aproximada probabilidade de prisão, já que, teoricamente, o cultivo evidencia uma prática delitiva. A restrição, porém, seria inidônea e culminaria em ofensa aos citados direitos fundamentais dos pais e da filha vulnerável. Neste passo, pugnam pela reforma da prolação da Juíza, para ser conhecida e concedida a ordem solicitada no (mov. 52.1 – HC).Habeas Corpus Oportunizado o juízo de retratação, a decisão restou mantida por seus próprios (mov. 63.1 – HC).fundamentos O digno representante da Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer, opinou para “conceder a ordem de ofício nos termos do artigo 654, §2º do Código de Processo Penal, ou sendo diverso o entendimento, prover-se parcialmente o presente recurso em sentido estrito, determinando-se que o juízo de ( ) (mov.primeiro grau, conheça da ordem impetrada e analise o mérito do pedido, conforme pleito inicial” sic 8.1 – RESE). É o relatório. Presentes os pressupostos de admissibilidade objetivos e subjetivos, conheço da súplica, inclusive no tocante à autoridade coatora ser o Delegado Federal, dada a absoluta competência em razão da matéria, no caso, do Juízo Estadual. No mais, acolho o pedido dos recorrentes. Nos termos dos art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal e do art. 647 do Código de Processo Penal, a concessão de exige, na sua modalidade preventiva, aHabeas Corpus existência de iminente risco de violência ou coação sobre a liberdade de locomoção do paciente e que tal probabilidade decorra de ilegalidade ou de abuso de poder. discordo do entendimento da ilustre Magistrada quanto à inadmissibilidadeData venia, da impetração, pois está suficientemente demonstrado o risco sólido e próximo de Jeferson e Rosmari serem presos, porquanto estão plantando e manuseando em casa mudas do entorpecente maconha, conduta prevista como infração penal – art. 28 ou art. 33, ambos da Lei n.º 11.343/06: “Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou :regulamentar será submetido às seguintes penas I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.” (destaquei) “Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;” (destaquei) Assim, reformo o impugnado para conhecer da impetração e, observada adecisum previsão do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, desde logo pelasconceder a ordem razões que seguem. O foi impetrado em favor dos recorrentes, cuja filha, totalmente dependente dos pais,writ nasceu com severas enfermidades. Relatam e comprovam ser a criança portadora de holoprosencefalia (CID 10 - Q04.2) com malformação cerebral complexa (síndrome de Chiari – CID 10 – Q07.0), patologias incuráveis e que também lhe causam, dentre outras debilidades, atraso do desenvolvimento psicomotor (CID 10 – F82), paralisia cerebral (CID 10 – G80) e epilepsia (CID 10 – G40). A menina, ademais, tem dores generalizadas, não anda e não fala. Desde seu nascimento, em 2008, a garota usa diversas medicações alopáticas (antiepiléticos, anticonvulsivantes, ansiolíticos e analgésicos) e já fez várias cirurgias (movs. 1.5 e 1.10 – HC). Porém, com o passar do tempo, mesmo aumentadas as doses, os efeitos curativos dos fármacos foi diminuindo, enquanto as incapacidades e sequelas colaterais da infante, multiplicando-se. Em 2014, os recorrentes, através de prescrição da médica neuropediatra, descobriram e testaram o tratamento de J. K. da R. mediante uso de óleo de Canabidiol (CDB), produto derivado da maconha, e assistiram a expressiva melhora no quadro clínico da filha (mov. 1.10 – HC). Segundo a impetração, ela passou de uma média de sete crises epiléticas por dia para uma a cada quinze dias, teve redução de dores e, dos cinco remédios tomados diariamente, pode interromper três. Assim, Jeferson e Rosmari entraram com um pedido de importação da referida solução à ANVISA, obtendo a autorização para tanto em 2017 (mov. 1.11 – HC). Contudo, o custo mensal de tal aquisição soma cerca de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), tornando-se inviável, haja vista a renda da família ser praticamente equivalente a este valor. Diante disso, resolveram cultivar plantas de maconha na própria residência para a finalidade exclusiva de extração do óleo. Não perderam de vista, todavia, a possibilidade de virem a ser segregados – dada a, em tese, tipicidade criminal da conduta – e terem as mudas do psicoativo apreendidas. Com isso, os cuidados e o tratamento da filha seriam paralisados, sob indevida violação não apenas da garantia de ir e vir dos pais, mas, principalmente, do direito à saúde e à vida digna da menor. Por conseguinte e dada a burocracia e morosidade dos processos de renovação da concessão pela ANVISA (vencida, no caso, em março de 2018, quando ajuizaram o Habeas ) e de custeio ou fornecimento do remédio pelo Estado, Jeferson e Rosmari requerem aCorpus expedição de salvo-conduto com o objetivo de serem as autoridades de polícia impedidas de os levarem sob custódia e de apreenderem a mantida pela família (mov. 1.1 –Cannabis sativa HC). Na peça recursal, repisaram tal situação, apresentando, para mais, o ciclo do plantio e o passo-a-passo do procedimento inteiramente caseiro para a obtenção do óleo e a forma de descarte, igualmente restrita ao imóvel dos recorrentes, de toda a matéria inútil à finalidade medicinal (mov. 52.1 – HC). A documentação atestando as patologias, os efeitos do tratamento com a solução canabinóide, a determinação clínica e especificações do uso desta substância pela garota e a licença de importação do remédio pela agência de vigilância foram devidamente juntadas nos movs. 1.5 a 1.13 (HC). Tais registros evidenciam a eficácia da terapia com ingestão do derivado da maconha para a enferma; a própria decisão recorrida, aliás, reconheceu a prova neste sentido. Outrossim, os atestados apontam para a intenção dos pais de J. K. da R. de conservar o cultivo e manejo da matéria-prima psicoativa restritos aos limites da moradia familiar e para o exclusivo propósito certificado pela neuropediatra. A meu ver, pela análise perfunctória desta via de ação, tem-se bastante evidenciada nos autos a excepcional situação de Jeferson e Rosamari ao agirem como descrito, em prol do direito à saúde da menor, afastando a ilicitude dos correspondentes fatos tipificados na Lei Antitóxicos. Explico. Primeiro, importante brevemente introduzir o panorama atual do tema no país. Não obstante siga sob intenso debate legislativo e judicial, o qual ainda deve perdurar por algum tempo devido à incontestável complexidade e importância da matéria, em junho do corrente ano, a ANVISA aprovou a proposta de liberação do cultivo de paraCannabis sativa fins medicinais (Consulta Pública n° 655, de 13 de junho de 2019; D.O.U. de 14/06/2019). Além disso, desde 2015, quando o componente Canabidiol deixou de ser considerado “substância proibida” e passou à classificação de “substância sujeita a controle especial” (RDC nº 17/2015 da ANVISA), a referida autarquia homologa pedidos de importação de remédios à base do citado elemento, sob certificada necessidade e destinação restrita a tratamento de saúde, como ocorre .in casu Recentemente, na data de 03/12/2019, a instituição sanitária aprovou a regulamentação do uso medicinal da maconha no Brasil, autorizando a venda de produtos importados a base de Canabidiol em farmácias brasileiras. O plantio não foi permitido apenas porque o órgão entendeu a matéria não ser de sua competência. Nesse passo, à luz dos art. 2º, parágrafo único, e do art. 31, ambos da Lei Antitóxicos, embora tais atos ainda não impliquem na efetiva normatização para cultivo e manuseio da vedada matéria-prima do CDB ( ; proibição constante da Portaria nº 344/98),Cannabis sativa indicam a tendência da Anvisa em não ir contra tal alternativa. No mesmo caminho, tramita no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5708 pela qual se busca derrubar o entendimento que criminaliza o cultivo, a colheita, a guarda, o transporte, a prescrição, a aquisição e o ato de ministrar maconha para fins medicinais e de bem-estar terapêutico. Também na referida Corte Suprema, o plenário analisa o Recurso Extraordinário 635.659 – Repercussão Geral, no qual se discute a própria constitucionalidade da tipificação do porte de pequenas quantidades de entorpecente para consumo pessoal. O alicerce por trás de tal debate e inclinação das instituições e da sociedade em excluir determinadas condutas do rol de infrações da Lei nº 11.343.06 reside, principalmente, nos invocados direitos à saúde e à vida [digna] (art. 1º, inciso III, art. 5º, art. 6º e art. 196, todas da Lei Maior). A natureza fundamental destas tutelas exige do Estado sua garantia de forma plena, bem como pode justificar, diante de situações de grave risco de lesão irreparável, a primazia daqueles em relação ao postulado, igualmente caro ao ordenamento, da legalidade. A propósito, teleologicamente, a citada legislação sobre narcóticos tem no seu cerne a mesma preocupação. Nessa toada, como bem inferiu o douto Procurador de Justiça, já em cotejo com o caso concreto (mov. 8.1 – RESE): “Até mesmo porque, permito-me adicionar uma reflexão, o objetivo da Lei 11.343/06 se inscreve exatamente na Proteção da Saúde Pública, de sorte que, visando essa proteção da saúde o legislador proibiu a plantação, o consumo, enfim, qualquer forma de utilização da canábis; resolveu-se que ela deveria ter seu uso proscrito. Ora, se no caso em análise – como em outras situações análogas – e isso está cientificamente demonstrado – a substância, ao contrário de causar dano, trará, isto sim, benefícios à saúde de pessoas doentes, diminuindo ou eliminando sintomas, dores, crises, etc, causados pelas doenças, com notáveis ganhos na qualidade de vida dessas pessoas e de seus familiares, nenhum sentido haveria em manter a ameaça penal para seu cultivo e utilização. A manutenção da sanção penal nesse caso, atuaria a ” ( )contrário senso do objetivo legal que, a final, é a melhoria das condições gerais de saúde pública. sic Vê-se, pois, que a hipótese de J. K. da R. encontra-se sob essa conjuntura. Conquanto de posse de autorização da ANVISA para comprar no estrangeiro o medicamento de melhor efeito clínico sobre debilidades permanentes da enferma, a família da garota não dispõe de suficiência de recursos financeiros para custear a importação. Para mais, de fato, é conhecida a burocracia e a lentidão envolvendo a entrada no Brasil de bens, principalmente medicamentosos, advindos de outros países. É verdade que, com a recém regulamentação da venda de tais remédios diretamente em drogarias nacionais, provavelmente, o acesso será facilitado. Todavia, a oferta ainda não foi iniciada. A medida da agência reguladora, portanto, embora reconheça o imperativo da substância de CDB e o direito da menor adoentada, ainda não garante o pleno exercício deste, indicando a ineficácia estatal. É bem verdade, como destacado pela digna Promotora de Justiça em manifestação de mov. 22.1 (HC), que os recorrentes dispõem, sim, de medidas de postulação junto ao Juízo Cível de custeio e/ou fornecimento do óleo do mencionado componente pelo Sistema Único de Saúde e/ou outro responsável órgão público da União, estados ou municípios. Contudo, diante da nítida ameaça inidônea de violação à liberdade de locomoção, não pode a jurisdição penal omitir-se à provocação, deixando o cidadão sem resposta e sem a devida cobertura de seus direitos em risco. E vale ressaltar que a demonstrada possibilidade de profícua produção artesanal da mencionada substância não só se mostra adequada ao indivíduo carecedor. A alternativa também interessa ao próprio Estado, porquanto lhe poupa de novos gastos enquanto, simultaneamente, atende seu dever constitucional. As Cortes nacionais, na linha, inclusive, da orientação global e do direito comparado, com base em comprovação científica do potencial medicinal do CDB, vêm decidindo nesse norte. Para ilustrar, trago a recente concessão originária de preventivo peloHabeas Corpus Tribunal de Justiça de Minas Gerais, protegendo o cultivo domiciliar de a umCannabis sativa paciente com epilepsia generalizada:
Destaco, ainda, serem Jeferson e Rosmari primários, portadores de bons antecedentes e sem qualquer suspeita de envolvimento com narcóticos e/ou com práticas delitivas. Portanto, diante da demonstração da necessidade de consumo de óleo de Canabidiol para fins de eficaz tratamento médico pela combalida J. K. da R., da insuficiente condição financeira de sua família para importar mensalmente o correspondente remédio e da atual ineficiência estatal em, com a urgência necessária, garantir-lhe o fornecimento ou custeio do fármaco, o cultivo de maconha para preparação e guarda na casa de sua família se apresenta, a princípio, como a única alternativa capaz de garantir o direito à saúde e à vida digna da menor, extraordinariamente afastando a ilicitude da respectiva conduta típica da Lei nº 11.343/06. Ante o exposto, dou provimento ao recurso para conceder e assegurar, com imediata expedição, salvo-conduto em favor de Jeferson da Rocha e Rosmari Kudla, pais da enferma J. K. da R., determinando a abstenção pelas autoridades policiais de atentar contra a liberdade de locomoção dos recorrentes por cultivar e manusear em sua residência a planta de e ministrar o óleo desta extraído à sua filhaCannabis Sativa adoentada, bem como de apreender tais vegetais. Além disso, determino que, iniciada a comercialização, nas farmácias nacionais, do medicamento prescrito a J. K. da R., deverá a aquisição do produto ser a opção de tratamento adotada à recorrente, automaticamente caindo tal autorização de cultivo. Dada a excepcionalidade do caso, a concessão fica condicionada à observância das :seguintes regras pelos recorrentes 1) Comprovação anual, averiguada e atestada por profissional médico com registro regular no Conselho Regional da profissão, da continuidade e imprescindibilidade do tratamento de J. K. da R. com óleo de Canabidiol. 2) Restrição do plantio à residência de Jeferson da Rocha e Rosmari Kudla, limitado à quantidade estritamente suficiente para a ingestão diária prescrita à menor (mov. 1.10 – AP), a ser formal e trimestralmente relatado ao Delegado de Polícia e fiscalizado pelos órgãos de Vigilância Sanitária do Paraná, os quais, em averiguando qualquer excesso ou irregularidade no cultivo e manutenção da maconha, deverá comunicar os órgãos de segurança pública; 3) Proibição de descarte em lixo comum de todo o resto de que nãoCannabis Sativa resulte no óleo de CDB, devendo ser este excedente utilizado para formação de adubo orgânico a servir à continuidade da plantação; 4) Proibição de repasse, venda ou qualquer outra forma de fornecimento da maconha e seus produtos para qualquer outra pessoa, inclusive da família, que não J. K. da R.. O descumprimento ou a suspeita de desvio de conduta em relação às restrições impostas não impedem eventual instauração de investigação policial criminal. É como decido. Esta decisão haverá de ser chancelada pela Câmara quando do Julgamento. ACORDAMos integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PARA CONCEDER ORDEM DE PREVENTIVO, COM EXPEDIÇÃO DEHABEAS CORPUS SALVO-CONDUTO AOS RECORRENTES, DETERMINANDO A ABSTENÇÃO PELAS AUTORIDADES POLICIAIS ESTADUAIS DE ATENTAR CONTRA SUAS LIBERDADES DE LOCOMOÇÃO EM DECORRÊNCIA DO CULTIVO E MANIPULAÇÃO DOMICILIAR, PARA FINS MEDICINAIS, DE MUDAS DE CANNABIS SATIVA, BEM COMO DE APREENDER TAIS PLANTAS, nos termos do voto do relator. SimoneParticiparam do julgamento os Juízes de Direito Substitutos em Segundo Grau Cherem Fabricio De Melo e Kennedy Josué Greca De Mattos. Curitiba, 23 de janeiro de 2020. JORGE WAGIH MASSAD Relator
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