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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ 18ª CÂMARA CÍVEL - PROJUDI RUA MAUÁ, 920 - ALTO DA GLORIA - Curitiba/PR - CEP: 80.030-901 Recurso: 0047294-66.2019.8.16.0000 Classe Processual: Agravo de Instrumento Assunto Principal: Recuperação judicial e Falência Agravante(s): PLANTANENSE AGROINDUSTRIAL LTDA Agravado(s): Luiz Eduardo Vacção da Silva Carvalho AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL CONVOLADA EM FALÊNCIA. LEI 11.101/05. ABUSO DE DIREITO DE VOTO. NÃO PREENCHIMENTO DE QUALQUER REQUISITO QUE GERE IMPEDIMENTO NO DIREITO DE VOTO. EVENTUAL FRAUDE QUE DEVE SER ANALISADA EM AÇÃO AUTÔNOMA. ABUSO DE DIREITO DE VOTO NÃO VERIFICADO. DECISÃO QUE INDEFERIU A HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL FUNDAMENTANDO SUAS RAZÕES SOMENTE NA ABUSIVIDADE DE VOTO. AUSÊNCIA DE ANÁLISE DO VOTO DOS DEMAIS CREDORES. POSSIBILIDADE DE APROVAÇÃO DO PLANO VIA CRAM DOWN. FLEXIBILIZAÇÃO DO INSTITUTO. PRECEDENTE STJ. APROVAÇÃO DO PLANO VERIFICADA. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A Lei de Recuperação de Empresas e Falência 11.101/05 determinou que possuem direito a voto na assembleia-geral de credores arrolados no quadro-geral de credores ou na sua ausência deve ser observada a relação apresentada pelo administrador judicial ou, ainda, a relação apresentada pelo próprio devedor. Ainda, acrescenta que podem votar aqueles que estejam habilitados na data que for realizada a assembleia. De forma oposta, tem-se que a referida normativa estipulou, também, credores específicos que não terão direito de voto na Assembleia-Geral de Credores, seja porque tais credores não possuem interesse no processo de recuperação, seja porque os citados credores possuem conflito de interesses com a recuperação judicial em si, seja para beneficiá-la ou para prejudicá-la. No caso, tem-se que o sócio-administrador das empresas Luiz Alfredo Chioquetta é ex-marido da credora Dulce e ex-sócio da empresa Santa Rosa, fato esse incontroverso nos autos. O que fica claro é que em que pese houvesse relação entre as citadas partes, elas já haviam sido desfeitas antes do pedido de recuperação judicial, não se impondo a incidência do disposto no artigo 43 da Lei de Recuperação Judicial, eis que a credora Dulce há tempos já era divorciada do sócio Luiz, enquanto que este último já não mais perfazia o quadro social da credora Santa Rosa. 2. Qualquer credor poderá requer a análise dos atos fraudulentos aparentemente praticados pela Recuperanda, conforme se depreende da leitura do artigo 19 da LRE, porém tal pedido deve ser feito pela via ordinária, em autos apartados, a fim de não tumultuar o trâmite da recuperação. Aliás, o reconhecimento de fraude nos moldes feitos pelo Juízo de origem encontra-se viciado, uma vez que a má-fé não pode ser presumida. 3. Da leitura da ata da Assembleia-Geral de Credores, verifica-se que, independe do voto da credora Dulce, haveria apenas a aprovação qualitativa do plano de recuperação judicial na classe a que pertence, uma vez que não houve a aprovação quantitativa na Classe III. Todavia, em razão da possibilidade da recuperação pelo critério do Cram Down, houve a aprovação de mais de 1/3 (um terço) dos credores da citada classe, o que também seria atingido caso não se computasse o voto da mencionada credora. Por sua vez, ainda que o voto da credora Santa Rosa permita a aprovação do plano na Classe II de forma qualitativa, tal aprovação não atinge sequer a quantia exigida pelo Cram Down, pois seu voto de forma isolada não atinge o percentual de 1/3 (um terço) dos votos dos credores da Classe II. Todavia, tem-se que tal matéria será melhor analisada no item seguinte. Consequentemente, não há que se falar em abusividade de voto de tais credores, sendo o caso de reformar a decisão agravada nesse sentido. 4. Nos termos do artigo 45 da Lei 11.101/05, nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores devem aprovar a proposta, havendo percentual mínimo de aprovação para cada uma, conforme disposições dadas pelos parágrafos do artigo 45.No caso, é incontroverso que não houve a aprovação do plano nestes moldes. 5. Resta analisar se houve aprovação pela via transversa estatuída pelo artigo 58 da LRF, instituto conhecido pela doutrina como “Cram Down”.Na hipótese, tem-se que houve aprovação de todas as classes de credores, de modo que resta preenchido o requisito do inciso I, o que se mantém, inclusive, se houver retirada dos votos dos credores Dulce e Santa Rosa. Ainda, resta também preenchido o requisito estabelecido no inciso II, uma vez que indubitavelmente houve aprovação do plano tanto na Classe I quanto na Classe IV. Por sua vez, no que se refere à condição expressa no inciso III, tem-se que houve o voto favorável de 1/3 (um terço) dos credores presentes na Classe III, o que também se mantém se excluído o voto da credora Dulce, porém, houve a aprovação de 1/4 (um quarto) dos credores presentes na Classe II. Ademais, sequer há como considerar abusivo o voto da credora Santa Rosa, a qual não teve o condão de alterar o voto dos demais credores da referida classe. Ou seja, considerando ou não o voto dos credores Dulce e Santa Roda, observa-se que não houve apenas o cumprimento parcial das condições do inciso III do artigo 58 supramencionado. 6. "No caso, foram preenchidos os requisitos dos incisos I e II do art. 58 e, no tocante ao inciso III, o plano obteve aprovação qualitativa em relação aos credores com garantia real, haja vista que recepcionado por mais da metade dos valores dos créditos pertencentes aos credores presentes, pois "presentes 3 credores dessa classe o plano foi recepcionado por um deles, cujo crédito perfez a quantia de R$ 3.324.312,50, representando 97,46376% do total dos créditos da classe, considerando os credores presentes" (fls. 130). Contudo, não alcançou a maioria quantitativa, já que recebeu a aprovação por cabeça de apenas um credor, apesar de quase ter atingido o quórum qualificado (obteve voto de 1/3 dos presentes, sendo que a lei exige "mais" de 1/3). Ademais, a recuperação judicial foi aprovada em 15/05/2009, estando o processo em pleno andamento. Assim, visando evitar eventual abuso do direito de voto, justamente no momento de superação de crise, é que deve agir o magistrado com sensibilidade na verificação dos requisitos do cram down, preferindo um exame pautado pelo princípio da preservação da empresa, optando, muitas vezes, pela sua flexibilização, especialmente quando somente um credor domina a deliberação de forma absoluta, sobrepondo-se àquilo que parece ser o interesse da comunhão de credores". (REsp 1337989/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 04/06/2018). 7. Não parece que a aprovação do plano, no caso, configure motivo egoístico ou contrário à boa-fé e ao fim econômico social. Ademais, deve-se levar em consideração a vontade da maioria dos credores, seja , de modo que deve ser consideradoquantitativa ou qualitativamente aprovado o plano de recuperação judicial. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº. 0047294-66.2019.8.16.0000, da 2ª Vara Cível da Comarca de Pato , em que é Agravante PLANTANENSE AGROINDUSTRIAL LTDA e Agravada LuizBranco Eduardo Vacção da Silva Carvalho. I – RELATÓRIO Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto contra decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Pato Branco que, nos 0007530-57.2015.8.16.0083autos da ação de recuperação judicial nº. , não homologou o plano de recuperação e converteu o feito em falência (mov. 5104.1). Insatisfeito, o agravante interpôs o presente recurso alegando, em síntese, :in verbis Informa, nesta oportunidade, que a sentença que convoloua) " Recuperação Judicial em Falência baseou-se em situações periféricas, fatos alheios ao procedimento Recuperacional, já em discussão em outros processos"; b) "[...] não restou alcançada votação “por cabeça” na Classe II, razão pela qual o Plano foi submetido a apreciação judicial pelo critério do Cram Down. É fato que a Recuperanda, a despeito de todas as adversidades, conseguiu alcançar expressiva votação, obtendo a maioria dos votos dos credores e a maioria dos créditos. A Sentença Agravada decretou a quebra utilizando como fundamento situações periféricas, sem contextualizar com objeto dos autos. Como por exemplo, fundamentou suas razões na decisão proferida no mov. 241.1, que declinou competência e declarou cautelarmente indisponibilidade dos imóveis descritos nas matrículas n. 3.523, 3.527, 21.120, 3.522 e 3.526, sob argumento de que as transações foram efetuadas em data próxima a do protocolo do pedido de Recuperação Judicial"; c) "Não pode a Ilustre Magistrada utilizar-se de fundamentação genérica, sem qualquer documentação comprobatória para proferir sentença que culminará em prejuízo a todos os credores"; d) "Excelência, conforme se observa do laudo de viabilidade econômico financeiro acostado no mov. 128.3, a empresa Agravante possui plena capacidade de honrar com o pagamento do Plano de Recuperação Judicial proposto. A convolação do procedimento recuperacional em falência não se justifica no caso de empresas economicamente viáveis bem como se a decretação da quebra resultar em graves prejuízos à sociedade, à economia local, ao erário e ao concurso de credores"; e) "Se a viabilidade da empresa ficou demonstrada, tanto que o Administrador Judicial e o Ministério Público pugnaram pela concessão do benefício, a convolação em falência não se mostra razoável, sob pena de inviabilizar o atingimento dos fins postos na lei de regência: "a superação da situação de crise econômicofinanceira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica" (artigo 47)"; f) "[...] é de se convir que desde o início do processo o Credor Itaú Unibanco externou seu desejo de convolação da Recuperação Judicial em Falência, considerando, principalmente, o fato de que em todas as oportunidades que se manifestou no processo, intencionou tumultuar o feito com infundadas alegações, argumentando sobre não homologação do plano, abuso de direito de voto de credores, irregularidade de créditos arrolados na Recuperação Judicial, etc. O fato é que referido credor possui volumoso crédito arrolado na Classe II, sendo que, para ele, a decretação da Falência é, em tese, vantajosa, considerando especialmente o fato de que receberá antes dos credores da Classe III. A questão da abusividade do voto do referido credor (ITAÚ) está sendo discutida no REsp n. 1.836.187 – PR, interposto pela Agravante Plantanense Agroindustrial Eireli, o qual foi admitido e se encontra pendente de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça"; g) "Excelência, o que, de fato, culminou na sentença de quebra foi o acolhimento do Requerimento formulado pelo credor Itaú, no que diz respeito a declaração de abusividade dos votos das credoras Dulce Regina Franciosi e Santa Rosa Agroindustrial LTDA. Conforme amplamente explicado pelas referidas credoras quando das manifestações acostadas nos mov. 1926.1 e 1932.1, não há qualquer vínculo com a devedora a ensejar declaração de abusividade de voto e a consequente decretação da falência"; h) "Não há nos autos qualquer documento apto a comprovar postura individualistas das referidas credoras, que redundariam em prejuízo a coletividade. Deve-se ter em mente que a regra é que todos os credores podem participar e votar na assembleia geral, sendo que, por exceção, estão impedidos de votar aqueles mencionados nos artigos 10, §1; 39, caput, parte final e §1; 43, caput e parágrafo único; 45 § 3º e 49 §§ 3º e 4º, todos da Lei 11.101/2005, o que não se vislumbra no caso dos autos"; i) "Não há qualquer abuso de direito de voto, mas sim, apenas regular exercício de direito de voto das credoras Dulce Regina Franciosi e Santa Rosa Agroindustrial Ltda, devidamente amparados por Lei. Ainda, é de se ressaltar que não houve protocolo de impugnação de crédito visando rever o crédito das referidas credoras inseridas no Quadro Geral. Ou seja, é autorizado por qualquer credor, devedor, sócios e Ministério Público, a teor do art. 8º da Lei 11.101/05 a protocolar impugnação de crédito, se manifestando contra legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado no Quadro Geral de Credores"; j) "Nesse contexto, salienta-se que o direito de voto é um direito quase sagrado conferido ao credor, pelo qual ele poderá externar sua vontade em relação ao plano de recuperação judicial proposto pelo devedor. É como se fosse o instrumento pelo qual o credor participa das negociações de forma plena e até com poder de influência, dependendo do grau de seu crédito, nas diretrizes da recuperação judicial. Excluir esse direito fundamental seria o mesmo que negar sua inserção no negócio complexo do qual deve e precisa integrar. Qualquer divergência acerca do valor do crédito e/ou direito dos credores de exercer o voto em Assembleia Geral de Credores, deveria ter sido levantada, quando da publicação do edital a que se refere o art. 7, §2, da Lei 11.101/2005. Todos os credores admitidos na recuperação judicial têm direito a voz e voto na Assembleia. São credores admitidos e, por conseguinte, em princípio titulares do direito à voz e voto na Assembleia os que se encontram na última lista publicada'; k) "Vale salientar que na Assembleia Geral de Credores do dia 19 de fevereiro de 2018, se não tivesse sido colocada em pauta proposta de suspensão, os credores teriam votado Plano de Recuperação Judicial, sem qualquer objeção ou impugnação do credor Itaú Unibanco. Não houve, portanto, nenhum fato novo que justifique a declaração de abusividade do voto das credoras Dulce Regina Franciosi e Santa Rosa Agroindustrial Ltda. No mov. 3160.1 o Parquet ressaltou o fato de que “nada mudou no contexto fático dos autos”, pugnando pela homologação do Plano na forma como posta. O fato de que a credora Dulce se trata de ex-esposa do sócio da devedora já era de conhecimento da Instituição Financeira Itaú Unibanco'; l) "Vale frisar que não há fato novo que justifique a declaração de abusividade dos votos das credoras Dulce e Santa Rosa. O direito de voto e seu regular exercício são a regra, a presunção legal. O direito de voto somente pode ser restringido em situações excepcionalíssimas ou anômalas, devidamente comprovadas, o que não é o caso dos autos"; m) "O Ministério Público, no exercício inerente de suas funções, como fiscalizador dos direitos dos credores, bem como da atuação do devedor e do Administrador Judicial se manifestou, em diversas oportunidades, pela homologação do Plano de Recuperação Judicial'; n) "O reconhecimento da viabilidade financeira feito pelo administrador judicial deve prevalecer, o que se faz em razão de sua maior proximidade com a causa. Registra-se que o administrador judicial é profissional de confiança do juízo, que goza de imparcialidade e, pois, de equidistância em relação às partes diretamente envolvidas no processo de recuperação judicial. A sua idoneidade é a regra (artigo 21 da Lei n. 11.101, de 9.2.2005) e sua má-fé não se presume, exigindo efetiva comprovação nos autos. Suas manifestações são de especial importância para a condução deste processo, não podendo ser desconsideradas. A despeito de todas as posições favoráveis, baseando-se em argumentos expendidos unilateralmente por um credor, sem qualquer documentação comprobatória, a Recuperação Judicial da empresa Plantanense Agroindustrial Eireli foi convolada em falência"; o) "O instituto da recuperação judicial foi introduzido no sistema jurídico brasileiro pela Lei 11.101/2005, cujo artigo 47, norma programa de densa carga principiológica, assim dispõe: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. Tal dispositivo encarta o princípio da preservação da atividade empresarial, servindo como parâmetro a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, que objetiva o saneamento do colapso econômico-financeiro e patrimonial da unidade produtiva economicamente viável, evitando-se a configuração de grau de insolvência irreversível e, inexoravelmente, prejudicial aos trabalhadores, investidores, fornecedores, às instituições de crédito e ao Estado que deixará de recolher tributos garantidores da satisfação das necessidades públicas. Ou seja, o instituto da recuperação judicial tem por escopo a reorganização administrativa e financeira da empresa em crise, a fim de garantir a manutenção da fonte produtora, os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores, ensejando, assim, a concretização do mandamento constitucional voltado à realização da função social da empresa. Nessa ordem de ideias, a hermenêutica conferida à Lei 11.101/2005, no tocante à recuperação judicial, deve sempre se manter fiel aos propósitos do diploma, isto é, nenhuma interpretação pode ser aceita se dela resultar circunstância que, além de não fomentar, na verdade, inviabilize a superação da crise empresarial, com consequências perniciosas ao objetivo de preservação da empresa economicamente viável, à manutenção da fonte produtora e dos postos de trabalho, além de não atender a nenhum interesse legítimo dos credores, sob pena de tornar inviável toda e qualquer recuperação, sepultando o instituto'; p) "Nesse contexto, invocando princípio primordial da LREF, qual seja, princípio da preservação da empresa, pugna-se, vez mais, pela reforma da sentença proferida, a fim de que seja concedida Recuperação Judicial da empresa Plantanense Agroindustrial Eireli pelo critério do Cram Down". Por tais razões, requer, liminarmente, a atribuição de efeito suspensivo e, no mérito, o provimento do recurso para reformar a decisão atacada (mov. 1.1). Por este Relator foi deferido o almejado efeito suspensivo (mov. 5.1). Na sequência, o administrador judicial apresentou manifestação (mov. 14.1). Por fim, foi ofertado parecer pelo douto Procurador de Justiça (mov. 17.1). É a breve exposição. II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: Presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos (interesse, legitimidade, cabimento e adequação) e extrínsecos (preparo, regularidade formal e tempestividade), o recurso deve ser conhecido. 1. Do abuso de direito de voto Em suas razões recursais, pretende o Apelante o afastamento da declaração de abusividade de direito de voto dos credores DULCE REGINA FRANCIOSI E SANTA ROSA AGROINDUSTRIAL LTDA, especialmente porque não possuem qualquer impedimento legal para tanto. Pois bem. No caso, tem-se que o sócio-administrador das empresas Luiz Alfredo Chioquetta é ex-marido da credora Dulce e ex-sócio da empresa Santa Rosa, fato esse incontroverso nos autos. Com efeito, a Lei de Recuperação de Empresas e Falência 11.101/05 determinou que os credores, da empresa que pretende a recuperação judicial, possuem direito a voto na assembleia-geral de credores, desde que sejam aqueles arrolado no quadro-geral de credores ou na sua ausência deve ser observada a relação apresentada pelo administrador judicial ou, ainda, a relação apresentada pelo próprio devedor. Ainda, acrescenta que podem votar aqueles que estejam habilitados na data que for realizada a assembleia: Art. 39. Terão direito a voto na assembléia-geral as pessoas arroladas no quadro-geral de credores ou, na sua falta, na relação de credores apresentada pelo administrador judicial na forma do art. 7º , § 2º , desta Lei, ou, ainda, na falta desta, na relação apresentada pelo próprio devedor nos termos dos arts. 51, incisos III e IV do 99, inciso III do ou 105,caput, caput, inciso II do desta Lei, acrescidas, em qualquer caso, das que estejamcaput, habilitadas na data da realização da assembléia ou que tenham créditos admitidos ou alterados por decisão judicial, inclusive as que tenham obtido reserva de importâncias, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 10 desta Lei. De forma oposta, tem-se que a referida normativa estipulou, também, credores específicos que não terão direito de voto na Assembleia-Geral de Credores, seja porque tais credores não possuem interesse no processo de recuperação, seja porque os citados credores possuem conflito de interesses com a recuperação judicial em si, seja para beneficiá-la ou para prejudicá-la. No primeiro caso, entende-se como desinteressados aqueles que não participarão da recuperação judicial, correspondente aos credores: (a) fisco; (b) proprietário fiduciário de bens; (c) arrendador mercantil; (d) proprietário ou promitente vendedor de imóvel com contratos formulados com cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias; (e) proprietário em contrato de venda com reserva de domínio; (f) decorrente de adiantamento a contrato de câmbio; (g) aquele que não tem seu crédito alterado ou afetado pelo plano de recuperação judicial, conforme se vê: Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. § 7º As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica. Art. 39. [...] § 1º Não terão direito a voto e não serão considerados para fins de verificação do quorum de instalação e de deliberação os titulares de créditos excetuados na forma dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei. Art. 49. [...] § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. § 4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei. Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro: II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3º e 4º , da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente; Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta. § 3º O credor não terá direito a voto e não será considerado para fins de verificação de quorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito. Por sua vez, os segundos, aqueles com conflitos de interesses, são os descritos no artigo 43 da Lei 11.101/05, cuja redação é expressa no sentido de que, embora possam participar da assembleia, são impedidos de votar: Art. 43. Os sócios do devedor, bem como as sociedades coligadas, controladoras, controladas ou as que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% (dez por cento) do capital social do devedor ou em que o devedor ou algum de seus sócios detenham participação superior a 10% (dez por cento) do capital social, poderão participar da assembléia-geral de credores, sem ter direito a voto e não serão considerados para fins de verificação do quorum de instalação e de deliberação. Parágrafo único. O disposto neste artigo também se aplica ao cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, colateral até o 2º (segundo) grau, ascendente ou descendente do devedor, de administrador, do sócio controlador, de membro dos conselhos consultivo, fiscal ou semelhantes da sociedade devedora e à sociedade em que quaisquer dessas pessoas exerçam essas funções. Em tais condições, é possível verificar que eventual abusividade de voto dos credores Dulce e Santa Rosa serão analisadas de acordo com o interesse de ambos no feito, uma vez que se discute a relação de proximidade de ambos com a sociedade, em razão de vínculos existentes com o sócio Luiz. Nesse contexto, cumpre destacar explanações feita pelo Administrador Judicial, a respeito do vínculo existente entre citadas pessoas (mov. 14.1): [...] de fato a Sra. Dulce Regina Franciosi manteve relação marital com o sócio da recuperanda, Sr. Luiz Alfredo Chiochetta, no entanto o divórcio ocorreu em 22/11/2011, conforme documentos juntados em seq. 227.9 e 227.10 dos autos de origem, ou seja, quatro anos antes do ajuizamento do processo em questão. [...] Quanto à credora Santa Rosa Agroindustrial LTDA, conforme já afirmado pela administradora judicial em seq. 3152 dos autos de origem, não se encaixa nas hipóteses de exclusão do direito de voto do art. 43 da Lei 11.101/05, pois apesar do sócio da recuperanda ter sido sócio da credora, já não é mais. Assim, também argumenta que faltam provas para configurar abusividade em relação à transação imobiliária com a recuperanda. Ora, o que fica claro é que em que pese houvesse relação entre as citadas partes, elas já haviam sido desfeitas antes do pedido de recuperação judicial, não se impondo a incidência do disposto no artigo 43 da Lei de Recuperação Judicial, eis que a credora Dulce há tempos já era divorciada do sócio Luiz, enquanto que este último já não mais perfazia o quadro social da credora Santa Rosa. Ademais, não se pode ignorar que a legislação exige que faça parte da recuperação judicial os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, conforme se extrai da redação do “caput” do artigo 49 da Lei 11.101/05: Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. Em tais condições, como tais credores já estavam habilitados na recuperação judicial há época da realização da Assembleia-Geral de credores, evidente seus direitos de voto. Por sua vez, a referida normativa, por meio do artigo 168 estabelece que é crime “praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de ”. Contudo, não háobter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem prova de que os referidos negócios decorreram de ato fraudulento, seja para privilegiar tais credores ou a empresa que pretende a recuperação judicial Nesse aspecto, o artigo 19 prescreve que a verificação de fraude deve ser feita pela via ordinária, em autos apartados: Art. 19. O administrador judicial, o Comitê, qualquer credor ou o representante do Ministério Público poderá, até o encerramento da recuperação judicial ou da falência, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil, pedir a exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito, nos casos de descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou, ainda, documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores. § 1 A ação prevista neste artigo será proposta exclusivamente perante oo juízo da recuperação judicial ou da falência ou, nas hipóteses previstas no art. 6 , §§ 1 e 2 , desta Lei, perante o juízo que tenha originariamenteo o o reconhecido o crédito. § 2 Proposta a ação de que trata este artigo, o pagamento ao titular doo crédito por ela atingido somente poderá ser realizado mediante a prestação de caução no mesmo valor do crédito questionado. Ou seja, a verificação da fraude em si deve ser feita em autos apartados, especialmente porque a má-fé das partes não pode ser presumida. Não só, não se verifica qualquer abuso de poder de voto de referidos credores, como muito bem fundamentado pelo Procurador de Justiça José Kumio Kubota em seu parecer (mov. 17.1): À vista disso, é evidente que os votos dos credores possuem sentido econômico, eis que estes buscam a satisfação de seu crédito, em condições aprovadas inclusive por outros credores e, ainda, em consonância com os fins propostos na lei de regência (art. 47, da Lei n. 11.101/2005). Ademais, estes não representam uma barreira intransponível à realização dos interesses público e social buscados pelo processo recuperacional, notadamente por serem favoráveis à aprovação do Plano de Recuperação Judicial. Desta forma, admite-se que, a título exemplificativo, a abusividade de votos pode ser reconhecida em casos de intransigência (recusa em negociar), bem como em casos de irracionalidade econômica dos votos, de forma a demonstrar que o credor ignora os interesses da coletividade de credores e prejudica o processo recuperacional, o que não se observa in casu. Isto porque, com os votos favoráveis à aprovação do Plano, não resta demonstrado o prejuízo à coletividade, pelo que, entendendo-se que a abusividade dos votos somente pode ser declarada em favor da recuperanda (e não como ocorreu no caso dos autos), não se justifica a convolação do procedimento recuperacional em falência. Para além disso, como bem defende o Administrador Judicial em sua manifestação (mov. 14.1), a decisão de quebra, ao afastar o direito de voto dos credores Dulce Regina Franciosi e Santa Rosa Agroindustrial, invocou fatos e argumentos que não foram devidamente comprovados nos autos, de forma não compatível ao procedimento recuperacional, sendo utilizadas meras suposições pelo r. Juízo, a fim de decretar a falência da agravante. Importa salientar, aqui, que é presumida a boa-fé dos credores, no tocante aos argumentos utilizados pela d. Magistrada, de forma que, em não sendo devidamente comprovada a má-fé das credoras Dulce Regina Franciosi e Santa Rosa Agroindustrial, referidas suposições não são suficientes a ensejarem a declaração de abusividade constatada. Nesse aspecto, não se está ignorando a tese apresentada pelo credor Itaú, formalizado frente ao juízo de origem e que levou ao reconhecimento da abusividade de tais votos, mas apenas delimitando que o bojo da recuperação judicial não é o meio adequado para verificar a pretensão alegada, a qual, inclusive, demanda produção de provas, vez que neste momento tratam-se apenas de suposições. Sendo assim, importa analisar como ocorreu o voto dos citados credores. Compulsando os autos, da leitura da ata da Assembleia-Geral de Credores , verifica-se que, independente do voto da credora Dulce,(mov. 3098.2) haveria apenas a aprovação qualitativa do plano de recuperação judicial na classe a que pertence, uma vez que não houve a aprovação quantitativa na Classe III. Todavia, em razão da possibilidade da recuperação pelo critério do Cram Down, houve a aprovação de mais de 1/3 (um terço) dos credores da citada classe, o que também seria atingido caso não se computasse o voto da mencionada credora. Por sua vez, ainda que o voto da credora Santa Rosa permita a aprovação do plano na Classe II de forma qualitativa, tal aprovação não atinge sequer a quantia exigida pelo pois seu voto de forma isolada nãoCram Down, atinge o percentual de 1/3 (um terço) dos votos dos credores da Classe II. Todavia, tem-se que tal matéria será melhor analisada no item seguinte. Consequentemente, não há que se falar em abusividade de voto de tais credores, sendo o caso de reformar a decisão agravada nesse sentido. Aliás, a alegação de fraude também não tem o condão de afastar o seu poder de voto, especialmente porque são meras suposições, não havendo nenhuma prova em concreto neste sentido. 2. Da aprovação do plano de recuperação judicial Em breve histórico, trata-se de pedido de recuperação judicial PLANTANENSE AGROINDUSTRIAL LTDA ajuizado por (mov. 1.1), cujo processamento foi deferido pelo juízo em 28/08/2015 (mov. 39.1). Foi realizada a Assembleia-Geral de Credores para aprovação do plano de recuperação (mov. 3098.2), tendo o plano atingido os seguintes índices de aprovação, conforme apontado pelo administrador judicial (mov. 3098.1): Classe I: Dos 6 credores, 05 votaram pela aprovação, 01 pela rejeição; Classe II: De 100% dos créditos presentes com direito a voto, 50,91% votou pela aprovação, 49,09% pela rejeição; Classe III: De 100% dos créditos presentes com direito a voto, 62,09% votaram pela aprovação, 37,91% pela rejeição; Classe IV – O único credor votou pela a aprovação. Ato contínuo, o juízo converteu a recuperação judicial em falência, sob os seguintes fundamentos (mov. 5104.1): Por consequência, em não sendo válidos os votos das credoras Dulce Regina Franciosi e Santa Rosa Agroindustrial Ltda, conforme se verifica nos documentos apresentados pelo administrador judicial, o plano de recuperação judicial não foi aprovado pela maioria dos credores presentes, sendo imperiosa, portanto, a convolação da recuperação judicial em falência. Presente, assim, a hipótese que justifica a convolação da recuperação judicial em falência, nos termos dos arts. 73, III c/c art. 56, §4°, ambos da Lei 11.101/2005. Posto isso, hoje, CONVOLO EM FALÊNCIA a recuperação judicial da empresa PLANTANENSE AGROINDUSTRIAL LTDA, inscrita no CNPJ sob o n° 81.623.613/0001-87, estabelecida no Município de Francisco Beltrão, Estado do Paraná, na Avenida Luiz Antônio Faedo, nº 760, Bairro Centro. Ora, em tais condições fica claro que sequer houve uma análise pormenorizada da possibilidade de homologar o plano de recuperação judicial, primeiro porque a decisão considerou somente a abusividade de voto de credores, sem apontar como ocorreu a votação de todos os credores e a impossibilidade de utilização do critério do Cram Down, ou seja, de plano verifica-se a nulidade do julgado. Em um segundo plano, ainda que decisões proferidas anteriormente sejam adequadas para, "quem sabe", entender ser o caso de convolação de "recuperação , a fim de se "evitarjudicial em falência", o fato de a Magistrada somente reportá-las tautologia", é atitude extremamente temerária, especialmente por violar o disposto no art. 489, §1º, CPC, o qual esclarece que a decisão sem fundamentação é nula. Ademais, analisar de forma pormenorizada como ocorreu a votação do plano de recuperação judicial é essencial a fim de homologar a recuperação judicial ou convolá-la em falência, sob pena de nulidade do julgado. Ainda, afirmar que se reporta as decisões anteriormente proferidas, não fundamentando todos os motivos que levaram a conversão da recuperação judicial em falência, gera um precedente absolutamente temerário. Nessa lógica, não se pode esquecer que o instituto da falência deve ser invocado somente como última medida, quando se esvai todas as possibilidades viáveis e com as fundamentações mais claras possíveis, esgotando-se a matéria em litígio, o que fica evidente que não ocorreu no caso concreto. Contudo, a fim de não haver mais prejuízos ao processo, impõe-se a análise do plano, nos termos da lei de regência. Sendo assim, necessário verificar, em um primeiro momento, se de fato houve aprovação do plano de recuperação judicial, seja pela forma disposta no artigo 45 da Lei 11.101/05, seja pela via excepcional trazida pelo artigo 58 da mesma Lei. Com efeito, nos termos do artigo 45 da Lei 11.101/05, nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial todas as classes de credores devem aprovar a proposta, havendo percentual mínimo de aprovação para cada uma, conforme disposições dadas pelos parágrafos do artigo 45, in verbis: Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta. §1 Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41 destao Lei, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes. § 2 Na classe prevista no inciso I do art. 41 desta Lei, a proposta deverá sero aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito. § 2 Nas classes previstas nos incisos I e IV do art. 41 desta Lei, a propostao deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014) § 3 O credor não terá direito a voto e não será considerado para fins deo verificação de quorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito. Logo, nota-se que o legislador estabeleceu de forma expressa que as deliberações acerca do plano (aprovação, modificação, rejeição) necessitam da aprovação de todas as classes de credores listados no artigo 41 da legislação recuperacional: Art. 41. A assembléia-geral será composta pelas seguintes classes de credores: I – titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; II – titulares de créditos com garantia real; III – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados. IV - titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte. (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014) No caso dos autos, não houve o preenchimento do disposto no artigo 45, especialmente porque, efetivamente, houve a reprovação do plano de recuperação pela classe II de credores, pois embora tenha sido atingido o percentual necessário, não houve o voto da maioria simples dos respectivos credores (mov. 3098.2). Neste sentido, a par de não ter a recuperanda atingido o quórum mínimo de aprovação tratado no artigo 45 da LRF, resta analisar se houve aprovação pela via transversa estatuída pelo artigo 58 da LRF, instituto conhecido pela doutrina como Com efeito, cumpre esclarecer que invocado“cram down”. instituto possibilita ao juiz impor, aos credores discordantes, a aprovação do plano apresentado pelo devedor. Para parte da doutrina, não se trata de um controle de legalidade ou de viabilidade do plano rejeitado, mas a verificação de um quórum alternativo para a aprovação do plano no qual o juiz deveria aprovar o plano caso identificado. Assim, alguns requisitos de ordem objetiva devem ser observados, no caso de nosso ordenamento jurídico, aqueles dispostos no §1º do artigo 58 da Lei n. º 11.101/2005, que assim prevê: Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia geral de credores na forma do art. 45 desta Lei. § 1º O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembleia, tenha obtido, de forma cumulativa: I - o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes; II - a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas; III - na classe que houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei. Outrossim, a regra é clara quanto à exigência do cumprimento cumulativo dos requisitos dispostos nos respectivos incisos. Na hipótese, tem-se que houve aprovação de todas as classes de credores, de modo que resta preenchido o requisito do inciso I, o que se mantém, inclusive, se houver retirada dos votos dos credores Dulce e Santa Rosa. Ainda, resta também preenchido o requisito estabelecido no inciso II, uma vez que indubitavelmente houve aprovação do plano tanto na Classe I quanto na Classe IV. Por sua vez, no que se refere à condição expressa no inciso III, tem-se que houve o voto favorável de 1/3 (um terço) dos credores presentes na Classe III, o que também se mantém se excluído o voto da credora Dulce, porém, houve a aprovação de 1/4 (um quarto) dos credores presentes na Classe II. Ademais, sequer há como considerar abusivo o voto da credora Santa Rosa, a qual não teve o condão de alterar o voto dos demais credores da referida classe. Ou seja, considerando ou não o voto dos credores Dulce e Santa Roda, observa-se que não houve apenas o cumprimento parcial das condições do inciso III do artigo 58 supramencionado. Em tais condições, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu ser possível flexibilizar a previsão do inciso III quando ocorrer votação qualitativa do voto dos credores na classe de credores com garantia real, a fim de não haver abuso de direito de voto por uma classe exclusiva de credores, em detrimento a toda coletividade de credores que entendeu pela possibilidade de soerguimento da empresa devedora: RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO. APROVAÇÃO JUDICIAL. CRAM DOWN. REQUISITOS DO ART. 58, § 1º, DA LEI 11.101/2005. EXCEPCIONAL MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. 1. A Lei n° 11.101/2005, com o intuito de evitar o "abuso da minoria" ou de "posições individualistas" sobre o interesse da sociedade na superação do regime de crise empresarial, previu, no § 1º do artigo 58, mecanismo que autoriza ao magistrado a concessão da recuperação judicial, mesmo que contra decisão assemblear. 2. A aprovação do plano pelo juízo não pode estabelecer tratamento diferenciado entre os credores da classe que o rejeitou, devendo manter tratamento uniforme nesta relação horizontal, conforme exigência expressa do § 2° do art. 58. 3. O microssistema recuperacional concebe a imposição da aprovação judicial do plano de recuperação, desde que presentes, de forma cumulativa, os requisitos da norma, sendo que, em relação ao inciso III, por se tratar da classe com garantia real, exige a lei dupla contagem para o atingimento do quórum de 1/3 - por crédito e por cabeça -, na dicção do art. 41 c/c 45 da LREF. 4. No caso, foram preenchidos os requisitos dos incisos I e II do art. 58 e, no tocante ao inciso III, o plano obteve aprovação qualitativa em relação aos credores com garantia real, haja vista que recepcionado por mais da metade dos valores dos créditos pertencentes aos credores presentes, pois "presentes 3 credores dessa classe o plano foi recepcionado por um deles, cujo crédito perfez a quantia de R$ 3.324.312,50, representando 97,46376% do total dos créditos da classe, considerando os credores presentes" (fl. 130). Contudo, não alcançou a maioria quantitativa, já que recebeu a aprovação por cabeça de apenas um credor, apesar de quase ter atingido o quórum qualificado (obteve voto de 1/3 dos presentes, sendo que a lei exige "mais" de 1/3). Ademais, a recuperação judicial foi aprovada em 15/05/2009, estando o processo em pleno andamento. 5. Assim, visando evitar eventual abuso do direito de voto, justamente no momento de superação de crise, é que deve agir o magistrado com sensibilidade na verificação dos requisitos do cram down, preferindo um exame pautado pelo princípio da preservação da empresa, optando, muitas vezes, pela sua flexibilização, especialmente quando somente um credor domina a deliberação de forma absoluta, sobrepondo-se àquilo que parece ser o interesse da comunhão de credores. 6. Recurso especial não provido. (REsp 1337989/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 04/06/2018) (sem grifo no original) Na realidade, infere-se da citada decisão que, em havendo abuso de voto de uma determinada classe, em detrimento do interesse da comunhão de credores, nada impede que seja flexibilizado o instituto do Aliás, dianteCram Down. do apresentado, é mais fácil verificar abuso de direito de voto dos credores bancários com garantia real, os quais podem impedir o soerguimento de uma empresa, em detrimento do princípio que rege a Lei de Recuperação Judicial: preservação da empresa. Com efeito, não parece que a aprovação do plano, no caso, configure motivo egoístico ou contrário à boa-fé e ao fim econômico social. Ademais, deve-se levar em consideração a vontade da maioria dos credores, seja quantitativa ou qualitativamente. Neste sentido é a lição de Sidnei Agostinho Benetti a respeito da soberania das Assembleias: Questão da maior relevância é a de decisão da assembleia ser ou não vinculante para o juiz. Parece que a lei realmente pretende que a atividade do juiz seja homologatória da decisão da assembleia, restando abroquelada pelo caráter interna corporis típico das deliberações assembleares. (O processo de recuperação judicial, in Luiz Fernando Valente de Paiva (coord.), Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, São Paulo, Quartier Latin, 2005, pp. 237-238 – apud Mário Sergio Milani em Lei de recuperação judicial, recuperação extrajudicial e falência comentada. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 258). Isso se deve exatamente em razão das decisões das Assembleias-Gerais de Credores serem soberanas, em vista da concordância da Tal entendimento, inclusive, já foiprópria maioria dos credores com o plano. manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça, como se denota: RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. APROVAÇÃO DE PLANO PELA ASSEMBLEIA DE CREDORES. INGERÊNCIA JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. CONTROLE DE LEGALIDADE DAS DISPOSIÇÕES DO PLANO. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. A assembleia de credores é soberana em suas decisões quanto aos planos de recuperação judicial. Contudo, as deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, requisitos esses que estão sujeitos a controle judicial. 2. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp 1314209/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/05/2012, DJe 01/06/2012) Em tais condições, é o caso de aprovar o plano de recuperação judicial nos moldes delineados na Assembleia-Geral de Credores. De outro lado, não se analisará nesse recurso qualquer (i)legalidade existente no plano em si, a fim de não haver supressão de instância. Dessa forma, deverá o Juízo de origem analisar eventuais objeções que apontem ilegalidades no plano em si, adequando-as se existente. Conclusão Em face do exposto, deve ser conhecido e provido o recurso, DULCE REGINAafastando o reconhecimento de abusividade de votos dos credores FRANCIOSI E SANTA ROSA AGROINDUSTRIAL LTDA, bem como reconhecendo que houve a aprovação do plano de recuperação judicial pela Assembleia-Geral de Credores. Por fim, conforme a fundamentação supra, tem-se por prequestionados os dispositivos legais apontados no recurso, que tenham expressa ou implicitamente pertinência com as questões examinadas no julgamento. III - DECISÃO: Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 18ª Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E PROVIDO o recurso de PLANTANENSE AGROINDUSTRIAL LTDA. O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargador Marcelo Gobbo Dalla Dea (relator), com voto, e dele participaram Juíza Subst. 2ºgrau Luciane Bortoleto e Juiz Subst. 2ºgrau Carlos Henrique Licheski Klein. Curitiba, 11 de dezembro de 2019. Des. MARCELO GOBBO DALLA DEA Relator
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