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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000, DA 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE PATO BRANCO. AGRAVANTE: BANCO DO BRASIL S/A AGRAVADOS: PASSARINI COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA e OUTROS RELATOR: DES. LAURI CAETANO DA SILVA AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. LEI Nº 11.101/2005. DECISÃO AGRAVADA QUE HOMOLOGOU O PLANO. CRAM DOWN. ART. 58, §1º. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DE LEGALIDADE (STJ, RESP Nº 1.532.943/MT). QUESTIONAMENTO, PELA AGRAVANTE, DE CLÁUSULAS DO PLANO. TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE CREDORES DA MESMA CLASSE. ALEGAÇÃO AFASTADA. CREDORES MICRO E PEQUENOS EMPRESÁRIOS QUE DETÉM PRIVILÉGIO ESPECIAL. FORMA DE PAGAMENTO DOS CREDORES QUIROGRAFÁRIOS. DESÁGIO, CARÊNCIA E PRAZO DE PAGAMENTO. INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE OU ILEGALIDADE. SUPERVISÃO JUDICIAL (ART. 61) QUE SE INICIA APÓS O TRANSCURSO DO PRAZO DE CARÊNCIA. SUPRESSÃO DAS GARANTIAS REAIS E FIDEJUSSÓRIAS. MATÉRIA CONTROVERTIDA. CLAÚSULA CONFUSA E CONTRADITÓRIA. INTERPRETAÇÃO DA LEI QUE CONDUZ À POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DE TAIS GARANTIAS, QUE SERÃO RETOMADAS NO CASO DE DESCUMPRIMENTO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 47396-88.2019.8.16.0000, da 1ª Vara Cível da Comarca de Pato Branco, em que é agravante Banco do Brasil S/A e são agravados Passarini Comércio de Alimentos Ltda e Outros. ACORDAM os Desembargadores integrantes da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000 2 I – RELATÓRIO 1. As sociedades empresárias Passarini Comércio de Alimentos Vere Ltda (CNPJ nº 13.045.053/0001-70), Passarini Dois Vizinhos Comércio de Alimentos Ltda (CNPJ nº 14.201.227/0001-00), Passarini Comércio de Alimentos Ltda (CNPJ nº 08.963.38/0001-71) e suas filiais (CNPJ nos 08.963.380/0002-52 e 08.963.380/0003-33) formularam pedido de recuperação judicial (autos nº 4411-95.2018.8.16.0079) em setembro/2018 narrando que atuam no ramo varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios. Afirmaram que, a partir do ano de 2018, começaram a sofrer com a queda nas vendas e falta de caixa para cobrir os investimentos realizados e os contratos bancários firmados, motivo pelo qual solicitaram a recuperação judicial. 2. O processamento da recuperação judicial foi deferido no dia 19.09.2018 (mov. 43.1), ocasião em que foi nomeado como administrador judicial o Dr. Helcio Kronberg1. 3. As recuperandas apresentaram o Plano de Recuperação Judicial e respectivos aditivos, conforme documentos de movs. 144.1, 446.2 e 531.2. 4. Na Assembleia Geral de Credores, realizada no dia 09.05.2019, o plano de recuperação judicial não foi aprovado. Na oportunidade, a classe dos credores quirografários manifestou-se desfavoravelmente ao plano recuperacional, de modo que a aprovação foi submetida ao juízo da recuperação judicial (mov. 535.2). 5. Após manifestação favorável do representante do Ministério Público em 1º grau (mov. 591.1), o MM. Dr. Juiz a quo entendeu pela homologação do plano de recuperação judicial, nos seguintes termos (mov. 601.1): 2. Da Ata da AGC, constata-se que o plano foi aprovado na Classe I, mediante aprovação por 100% dos credores que representam o total dos créditos presentes; 100% da Classe II; 39,72% da Classe III, ME e EPP 100% aprovados. -- 1 Termo de compromisso juntado no mov. 102.2. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000 3 Não obstante a reprovação do plano em 60,28% do total dos créditos classe III, verifica-se que alcançou o quórum mínimo para aprovação do plano de recuperação judicial. Balancetes apresentados pelas recuperandas no movimento 554. Movimento 559.1 houve o aditamento do plano de recuperação conforme manifestação pelo Administrador Judicial de movimento 491.1. Na hipótese, no dia 09/05/2019 em sede de Assembleia Geral de Credores, a maioria global dos credores aptos votaram a favor da aprovação do plano apresentado. Os arts.45 e 58 da Lei nº11.101/2005 estabelecem o seguinte: “Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta. § 1º Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes. § 2º Nas classes previstas nos incisos I e IV do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito. § 3º O credor não terá direito a voto e não será considerado para fins de verificação de quorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito. (...) Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei. § 1º O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembleia, tenha obtido, de forma cumulativa: I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes; II – a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas; III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei. § 2º A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1o deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado. Tem-se, pois, que a homologação do plano de recuperação judicial pela regra do art. 45 da Lei nº 11.101/2005 pressupõe prévia aprovação do plano por todas as classes de credores, no caso, credores trabalhistas, credores com garantia real e credores quirografários, sendo que, nestas duas últimas classes, deve haver “dupla maioria”, consistente na maioria simples dos presentes (votos “per capita”) e pela maioria do crédito. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000 4 O § 1º do art. 58 da mesma Lei, no entanto, faz exceção a essa regra, tornando possível a homologação do plano pelo sistema “cram down”, desde que preenchidos os requisitos cumulativos de seus incisos, ou seja, desde que exista “voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes” (I); desde que haja aprovação de pelo duas das três classes de credores (II), e, por fim, e mais importante, que, na classe que rejeitou o plano, exista “mais de 1/3 (um terço) dos credores”, tanto dos votos “per capita” quanto dos créditos enquadrados naquela classe. Desta feita, o Juízo determinou a manifestação do Sr. Administrador Judicial bem como do representante do Ministério Público acerca do pedido de homologação os quais apresentaram concordância quanto aos percentuais deliberados em ata de Assembleia preenchendo os requisitos dispostos na exceção, com ressalva dos honorários do Sr. Administrador conforme manifestação de movimento 588.1. Nesse sentido a jurisprudência: (...) Além do mais, observado o estabelecido pelo artigo 47 da Lei nº 11.101/2005, que proclama a manutenção da fonte produtiva, de modo a preservar a empresa, sua função social, gerar empregos, tributos, tenho por mitigar tais requisitos, de modo a homologar o plano de recuperação. Portanto, há necessidade de se utilizar a razoabilidade e proporcionalidade para ponderar a aplicação dos princípios de preservação da empresa e da atividade econômica com a manutenção e observância do interesse dos credores, sendo certo que, nos casos de processos que envolvam recuperação judicial, deve-se priorizar o interesse geral comum, sem descurar da viabilidade de continuidade da sociedade empresária, a qual, conforme acima referido, verifica-se ser plenamente possível. Logo inviável a decretação da quebra, impondo-se a homologação do plano apresentado e submetido à votação em assembleia, com aplicação do cram down, mitigando-se os requisitos previstos no § 1º do artigo 58 da Lei de Recuperação Judicial. Desta forma, considerando que a Assembleia Geral de Credores se deu de forma regular, com apresentação e aprovação do Plano de Recuperação Judicial por maioria dos credores presentes na forma cram down, individualmente e representantes do total dos valores creditícios devido pela recuperanda, não havendo qualquer ilegalidade, estando assegurado o direto dos credores e o princípio maior da preservação da empresa, HOMOLOGO o Plano de Recuperação Judicial para que produza seus efeitos legais e jurídicos, devendo a mesma ter prosseguimento nos demais termos da Lei nº 11.101/05. Deixo de condicionar a presente homologação ao cumprimento do artigo 57 da Lei nº 11.101/05, vez que, além de não impor a lei qualquer sanção para seu descumprimento, certo é que as Execuções fiscais não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, nos termos do artigo 6º, §7º da Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Some-se a isto, a dispensa da apresentação de qualquer certidão negativa para que o devedor possa exercer suas atividades, conforme inciso II do artigo 52 do já mencionado diploma legal. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000 5 6. Inconformado, o Banco do Brasil S/A interpôs o presente recurso de agravo de instrumento sustentando que (a) conforme a regra do artigo 58, §2º da Lei nº 11.101/2005, a recuperação judicial somente pode ser concedida se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado; (b) no caso, todavia, o plano prevê nítido favorecimento aos credores quirografários que se caracterizem como micro ou pequenos empresários (cláusula 7.5 e 7.6); (c) o Poder Judiciário somente pode verificar a legalidade do plano de recuperação judicial, porém não pode analisar a viabilidade econômica da empresa; (d) é ilegal a previsão de carência de 24 meses, especialmente porque, se assim o for, os pagamentos terão início somente quando findado o prazo de supervisão judicial (art. 61, Lei nº 11.101/2005); (e) o deságio de 60% e o prazo de pagamento (15 anos) são abusivos, pois causarão prejuízos aos credores e o enriquecimento ilícito das recuperandas; (f) não é possível a extensão dos efeitos da recuperação judicial aos coobrigados, conforme disposição do artigo 49, §1º da Lei nº 11.101/2005; (g) a novação dos créditos em face dos coobrigados demanda a manifestação favorável do credor titular da respectiva garantia; e (h) deve ser observado o teor da Súmula nº 581 do Superior Tribunal de Justiça. Destarte, requereu a atribuição de efeito suspensivo à decisão e, ao final, o provimento do recurso com a reforma da decisão agravada e convolação da recuperação judicial em falência. 7. Pela decisão de mov. 6.1 foi indeferido o almejado efeito suspensivo. 8. Sem contrarrazões. 9. O Representante do Ministério Público em 2º Grau manifestou-se no mov. 19.1, opinando pelo parcial provimento do recurso para “que as cláusulas do plano de recuperação judicial que impliquem suspensão/extinção das garantias e responsabilidades dos coobrigados/codevedores tenham eficácia, mas tão somente em relação aos credores que especificamente as tenham anuído, na esteira do voto divergente apresentado pelo Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, no julgamento dos Edcl no Recurso Especial nº 1.532.943”. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000 6 É o relatório. II – VOTO Estão presentes na espécie os pressupostos processuais de admissibilidade do recurso. É tempestivo, adequado, foi regularmente processado e preparado. 10. Inicialmente, é preciso ter em mente que o instituto da recuperação judicial tem por objetivo “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica” (art. 47, Lei nº 11.101/2005). Assim, é possível afirmar que, dentre os princípios norteadores do sistema recuperacional, destacam-se (i) a relevância dos interesses dos credores, (ii) a par conditio creditorum e (iii) a preservação da empresa. Sob essa ótica é que deve deliberar a Assembleia Geral de Credores, órgão de representatividade máxima dos credores existentes ao tempo do pedido de recuperação judicial, com atribuição e responsabilidades pela aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação (art. 35, I, “a”, Lei nº 11.101/2005). É relevante consignar que o plano, como um dos elementos mais importantes da recuperação judicial2, visa estabelecer um projeto de superação da crise econômico-financeira enfrentada pela sociedade empresária. É o “caminho que o devedor propõe aos credores para sair da situação caótica, deficitária e chegar a um estado saudável da atividade negocial3”. Também neste -- 2 “(...) O Plano de Recuperação Judicial, em que se discrimina, de forma pormenorizada, o modo como se dará o soerguimento e a reestruturação da empresa combalida, bem como a viabilidade econômica desta, com a avaliação de seus bens e ativos e a consecução de laudo econômico-financeiro, consubstancia o principal instrumento para que o processo de Recuperação Judicial, num esforço comum dos credores, da empresa e da sociedade em geral, obtenha êxito, mantendo-se, por conseguinte, o prosseguimento da atividade econômica”. (STJ, RMS 30.686/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, DJe 20/10/2010) -- AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000 7 sentido, esclarece o Ministro Fernando Gonçalves: “A recuperação judicial tem como finalidade precípua o soerguimento da empresa mediante o cumprimento do plano de recuperação, salvaguardando a atividade econômica e os empregos que ela gera, além de garantir, em última ratio, a satisfação dos credores4”. 11. Nesta linha de raciocínio, a jurisprudência pátria vem entendendo pela possibilidade de controle de legalidade do plano de recuperação judicial, especialmente no que diz respeito à licitude do ato. Com efeito, conforme redação do caput do artigo 58 da Lei nº 11.101/2005, a concessão da recuperação judicial com a homologação do plano se dará desde que cumpridas as exigências previstas na mencionada lei. Desse modo, tratando-se de uma condicionante à concessão da recuperação judicial, parece evidente que é dado ao judiciário poder expresso de controle de legalidade. Aliás, ao proferir voto no Recurso Especial nº 1.314.209, a Ministra Nancy Andrigui consignou tal possibilidade, valendo transcrever trecho da decisão: A apresentação, pelo devedor, de plano de recuperação, bem como sua aprovação, pelos credores, seja pela falta de oposição, seja pelos votos em assembleia de credores (arts. 56 e 57 da LFRJ) consubstanciam atos de manifestação de vontade. Ao regular a recuperação judicial, com efeito, a Lei submete à vontade da coletividade diretamente interessada na realização do crédito a faculdade de opinar e autorizar os procedimentos de reerguimento econômico da sociedade empresária em dificuldades, chegando-se a uma solução de consenso. Disso decorre que, de fato, não compete ao juízo interferir na vontade soberana dos credores, alterando o conteúdo do plano de recuperação judicial, salvo em hipóteses expressamente autorizadas por lei (v.g. art. 58, §1º, da LFRJ). A obrigação de respeitar o conteúdo da manifestação de vontade, no entanto, não implica impossibilitar ao juízo que promova um controle quanto à licitude das providências decididas em assembleia. Qualquer negócio jurídico, mesmo no âmbito privado, representa uma manifestação soberana de vontade, mas que somente é válida se, nos termos do art. 104 do CC/02, provier de agente capaz, mediante a utilização de forma prescrita ou não defesa em lei, e se contiver objeto lícito, possível, determinado ou determinável. Na ausência desses elementos (dos quais decorre, com adição de outros, as causas de nulidade previstas nos arts. 166 e seguintes do CC/02, bem como de anulabilidade dos arts. 171 e seguintes do mesmo diploma legal), o negócio jurídico é inválido. A decretação de invalidade de um negócio jurídico em geral não implica interferência, pelo Estado, na 3 MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro. v.4. 4.ed. São Paulo: Editora Atlas, 2010. p. 152. -- 4 STJ, AgRg no CC 86.594/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJe 01/07/2008. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000 8 livre manifestação de vontade das partes. Implica, em vez disso, controle estatal justamente sobre a liberdade dessa manifestação, ou sobre a licitude de seu conteúdo.5 Ainda com relação ao tema, ensina Fabio Ulhoa Coelho que o pressuposto de impossibilidade de sujeição do plano à análise pelo judiciário é falso, pois a consistência do plano de recuperação judicial é essencial para o sucesso da reorganização da empresa em crise, sendo certo que um plano inconsistente não atingirá o objetivo almejado6. Vale dizer: Devemos nos preocupar com esse tópico. Mesmo nos países com muito mais experiência em recuperação judicial de empresas, nos quais a medida também depende de demonstração da viabilidade econômica do devedor, como nos Estados Unidos, os juízes tergiversam com o rigor da lei e beneficiam devedores inviáveis, em prejuízo dos credores. Pela lei brasileira, os juízes, em tese, não poderiam deixar de homologar os planos aprovados pela Assembleia dos Credores, quando alcançado o quórum qualificado da lei. Mas, como a aprovação de planos inconsistentes levará à desmoralização do instituto, entendendo que, sendo o instrumento aprovado um blá-blá-blá inconteste, o juiz pode deixar de homologá-lo e incumbir o administrador judicial, por exemplo, de procurar construir com o devedor e os credores mais interessados um plano alternativo7. E continua: Note-se que um bom plano de recuperação não é, por si só, garantia absoluta de reerguimento da empresa em crise. Fatores macroeconômicos globais ou nacionais, acirramento da concorrência no segmento de mercado em causa ou mesmo imperícia na sua execução podem comprometer a reorganização pretendida. Mas um plano ruim é garantia absoluta de fracasso da recuperação judicial. (...) Os órgãos da recuperação judicial, inclusive juiz e o promotor de justiça, devem ter particular preocupação em que se alcance um plano viável e tecnicamente consistente, para que todos os esforços investidos, gastos realizados e providências adotadas se justifiquem, para que a perda de tempo e recursos caros à sociedade brasileira não frustres as expectativas de reerguimento da atividade econômica em foco8. -- 5 “(...) 1. A assembleia de credores é soberana em suas decisões quanto aos planos de recuperação judicial. Contudo, as deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, requisitos esses que estão sujeitos a controle judicial. 2. Recurso especial conhecido e não provido”. (STJ, REsp 1314209/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/05/2012, DJe 01/06/2012) -- 6 COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. p. 162. -- 7 COELHO. p. 163. -- 8 COELHO. p. 159. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000 9 12. No caso, a parte agravante afirma (i) a impossibilidade de homologação do plano com fundamento no artigo 58, §1º da Lei nº 11.101/2005, pois as condições nele previstas acarretarão tratamento diferenciado entre os credores quirografários (art. 58, §2º, Lei nº 11.101/2005); (ii) a abusividade na previsão de carência de 24 meses, deságio de 60% e prazo de pagamento de 180 meses (05 anos); e (iii) a impossibilidade de extensão dos efeitos da recuperação judicial aos coobrigados. 12.1. As duas primeiras insurgências dizem respeito à forma de pagamento dos créditos quirografários, prevista na cláusula 7.5 e 7.6 do plano de recuperação judicial: 7.5. Créditos Quirografários (Exceto Micro e Pequenas Empresas) As dívidas da empresa para com os credores cujos direitos não estão amparados por garantias reais domam a importância de R$5.513.740,61, contemplando os agentes financeiros (bancos), pessoas físicas com empréstimos particulares e fornecedores médios e grandes, excetuando os micro e pequenos. O detalhamento destes créditos encontra-se demonstrado nas tabelas 08, 09 e 10 dos anexos deste plano. Proposta de Pagamento: Deságio: 60% (sessenta por cento), sobre o saldo devedor atualizado até 19/09/2018. Carência – 24 meses, a partir da homologação do plano de recuperação judicial, conforme deliberação da assembleia dos credores. Amortização – 180 parcelas mensais iguais e ininterruptas atualizadas anualmente pela variação acumulada da TR. A primeira parcela vencendo no último dia do 25º mês após a homologação do plano, e as demais em igual data correspondente aos meses subsequentes. 7.6. Créditos Quirografários – Somente Micro e Pequenas Empresas Do total da dívida junto aos fornecedores, R$180.077,04 se referem a Micro e Pequenas Empresas Fornecedoras. Tais empresas tem destaque a parte com política de pagamento ligeiramente diferenciada. O detalhamento destes encontra na tabela 11 nos anexos. Para definição de Micro e Pequena Empresa, adotou-se a vinculação a consulta dos optantes ao Simples Nacional no site da Receita Federal do Brasil em 15/10/2018, por certo, alguns fornecedores podem ser micro e pequenas empresas e não aderir ao regime simplificado, o que deve ser contestado se lhes convier com prova documental expedida pelas juntas comerciais ou equivalente. Proposta de Pagamento: Deságio: 50% (cinquenta por cento), sobre o saldo devedor atualizado até 19/09/2018. Carência – 12 meses, a partir da homologação de plano de recuperação judicial, conforme deliberação da assembleia de credores. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000 10 Amortização – 60 parcelas mensais iguais e ininterruptas atualizadas anualmente pela variação acumulada da TR. A primeira parcela vencendo no último dia do 13º mês após a homologação do plano, e as demais em igual data correspondente aos meses subsequentes. Neste aspecto, entendo inexistir justo motivo para o acolhimento da pretensão da agravante. 12.1.1. Note-se que o plano de recuperação judicial, apesar de não aprovado na Assembleia Geral de Credores (art. 45, Lei nº 11.101/2005)9, foi homologado pelo MM. Dr. Juiz a quo pois verificados os requisitos previstos no artigo 58, §1º Lei nº 11.101/2005: (a) obteve voto favorável de credores que representam mais da metade do valor de todos os créditos (inciso I); (b) houve a aprovação de outras 02 classes de credores, na forma do artigo 45 (inciso II); e (c) na classe que rejeitou a proposta (quirografários), houve o voto favorável de mais de 1/3 dos credores presentes (inciso III). Do que se extrai da ata da Assembleia Geral de Credores, bem como da informação prestada pelo Administrador Judicial no mov. 588.1, é possível afirmar que (a) o plano de recuperação judicial foi aprovado por credores detentores de 52,0152% dos créditos; (b) as classes I (trabalhista), II (detentores de garantia real) e IV (micro e pequenos empresários) aprovaram o plano por unanimidade; e (c) 39,3175% dos credores quirografários aprovaram a proposta. Dito isso, não há que se falar em tratamento diferenciado entre os credores da classe que rejeitou o plano (art. 58, §2º, Lei nº 11.101/200510). Em verdade, a própria legislação diferencia os credores micro e pequenos empresários, classificando- os como detentores de privilégio especial (art. 83, IV, d, Lei nº 11.101/2005). Não se tratando de credores inseridos na mesma classe -- 9 A Assembleia Geral de Credores foi realizada no dia 09.05.2019 (mov. 535.2), e, como relatado, o plano de recuperação judicial não alcançou o quórum previsto para a sua aprovação na Classe III, sendo que os credores quirografários detentores de 60,6825% dos créditos (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil S/A) votaram pela sua rejeição. -- 10 Art. 58, §2º. A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no §1º deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000 11 da agravante (classe quirografária), o pagamento de forma diferenciada dos demais credores quirografários não caracteriza qualquer ofensa à lei. Aliás, vale citar: “A criação de subclasses entre os credores da recuperação judicial é possível desde que seja estabelecido um critério objetivo, justificado no plano de recuperação judicial, abrangendo credores com interesses homogêneos, ficando vedada a estipulação de descontos que impliquem em verdadeira anulação de direitos de eventuais credores isolados ou minoritários11”. 12.1.2. De outro lado, a forma de pagamento dos créditos está inserida dentre as tratativas negociais passíveis de deliberação entre o devedor e os credores, de modo que não se mostra possível a intervenção do Poder Judiciário para fins de controle de legalidade. O parcelamento e a concessão de prazos e condições são formas expressamente previstas na Lei nº 11.101/05 como meio de recuperação judicial (art. 50, I) inexistindo qualquer previsão a respeito de limitação das condições especiais passíveis de outorga pelos credores à empresa recuperanda. Tratando-se de direitos patrimoniais disponíveis, não cabe ao Poder Judiciário intervir nas condições livremente estipuladas. Nesse sentido: “A concessão de prazos e descontos para pagamento dos créditos novados insere-se dentre as tratativas negociais passíveis de deliberação pelo devedor e pelos credores quando da discussão assemblear sobre o plano de recuperação apresentado, respeitado o disposto no art. 54 da LFRE quanto aos créditos trabalhistas12”. 12.1.3. O mesmo se diga em relação ao prazo de carência estabelecido. Não é demais anotar que a jurisprudência já vem adotando entendimento no sentido de que o prazo de supervisão judicial de 02 anos, previsto no artigo 61 da Lei nº 11.101/2005, se inicia somente após o transcurso do prazo de carência, justamente para evitar manobras da recuperanda para tornar inócua a fiscalização que a lei atribuiu ao juízo da recuperação. -- 11 STJ, REsp 1700487/MT, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 26/04/2019. -- 12 STJ, REsp 1631762/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 25/06/2018. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000 12 Com relação ao tema: 3. Presumiu o legislador que o devedor que se submeteu a todos os percalços do pedido de recuperação, que preencheu todas as exigências legais, que cumpriu suas obrigações por dois anos consecutivos, certamente já terá atingido uma situação na qual deverá cumprir todas as demais obrigações assumidas. Dessa forma, após dois anos, mesmo pendentes diversos pagamentos futuros, prevê a lei (art. 63) o encerramento da recuperação judicial desde que todas as obrigações vencidas estejam cumpridas. Neste ponto, a presunção do legislador está correta, pois efetivamente, se pretendesse fazer da recuperação um trampolim para a falência fraudulenta ou para o descumprimento de suas obrigações, certamente não teria cumprido todas as obrigações assumidas, para só descumprir aquelas vencidas após os dois anos previstos. Esta última afirmação de crença na boa-fé do recuperando, porém começa a sofrer certo abalo, quando se vê que diversos devedores têm tomado o cuidado de fixar o pagamento de parcelas mínimas nos dois primeiros anos, de forma a tornar inócua a fiscalização que a lei atribuiu ao juízo da recuperação. Aliás, como reação a esta tentativa de tornar inócua a fiscalização nos dois primeiros anos, está se formando jurisprudência, entendendo que “ nestas situações, a solução é a de, antes que intervir no conteúdo da cláusula, determinar que o período de supervisão judicial se inicie a partir do término do prazo de carência (v.g. TJSP, AI 2081908- 89.2016.8.26.0000, rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 17.10.2016; AI 2140328- 87.2016.8.26.0000, rel. Des. Fábio Tabosa, j. 28.11.2016; AI 2099546-38.2016.8.26.000, rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 31.10.2016)”, excerto transcrito do AI 2042945- 75.2017.8.26.0000, TJSP, Rel. Claudio Godoy, j. em 02.10.2017. Ou seja, havendo carência para o pagamento da primeira parcela após a concessão da recuperação, o prazo de fiscalização de dois anos inicia-se após findo o prazo de carência. Por outro lado, se houver pagamentos irrisórios, apenas para mascarar a existência da carência, certamente a jurisprudência caminhará no sentido de considerar este prazo de pagamentos irrisórios, como verdadeiro prazo de carência. Enfim, é a eterna luta da jurisprudência a tentar aplicar a letra da lei de forma correta, a partir de uma realidade concreta, muitas vezes não suposta pelo legislador, mas emergente da criatividade dos atuantes no dia a dia processual13. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pacificou a questão por meio do Enunciado II do Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial, segundo o qual “o prazo de 2 (dois) anos de supervisão judicial, previsto no artigo 61, caput, da Lei 11.101/05, tem início após o transcurso do prazo de carência fixado”. Assim, a decisão não merece reforma neste ponto. -- 13 BEZERRA FILHO, MANOEL. Lei de Recuperação de Empresas e Falência [e-book]. Revista dos Tribunais, 2019. Comentário ao art. 61. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000 13 12.2. A outra insurgência da instituição financeira agravante diz respeito à previsão da cláusula 9 do plano, especialmente no que diz respeito à extensão dos efeitos da recuperação judicial aos coobrigados, avalistas e fiadores. Referida cláusula estabelece o seguinte: 9. Da novação Este Plano de Recuperação Judicial opera a novação de todos os créditos relacionados no edital que refere o art. 7º, §2º da Lei 11.101/2005 (ainda a ser consolidado), todos estabelecidos anteriores ao pedido de recuperação (13/06/2016), nos termos do art. 59 da Lei 11.101/2005, e do inciso I, do artigo 360 da Lei 10.406/2002 (Código Civil), obrigando o devedor e todos os credores a ele sujeitos. A homologação judicial do plano acarretará a automática, irrevogável e irretratável liberação e quitação de todos os garantidores, sejam estes solidários ou subsidiários e seus sucessores e cessionários, por qualquer garantia por força de fiança e aval, que tenha sido prestada à credores para assegurar o pagamento de qualquer dos créditos sujeitos aos efeitos da Recuperação Judicial. As garantias fidejussórias remanescentes – novadas nos termos do Plano – acompanharão a dívida novada e serão liberadas mediante a quitação dos credores nos termos deste Plano, ao final do último ano de pagamento. Todos os gravames, ônus e garantias reais constituídos para assegurar o pagamento de um crédito (inclusive, mas não exclusivamente, hipotecas, penhores, alienações e outros), permanecerão em vigor, nos moldes e nos prazos fixados no Plano até o pagamento dos créditos de seus respectivos titulares e serão automáticas, incondicional e irrevogavelmente liberados mediante a quitação dos créditos nos termos deste Plano. Exceto se previsto de forma diversa neste Plano, os Credores não mais poderão, a partir da aprovação do Plano: (i) ajuizar ou prosseguir qualquer ação ou processo judicial de qualquer tipo relacionado a qualquer crédito anterior à data da distribuição do pleito recuperacional junto às Recuperandas e seus garantidores e avalistas; (ii) executar qualquer sentença judicial, decisão judicial ou sentença arbitral contra as Recuperandas, seus garantidores, desde que relativos a créditos existentes anteriormente à data da distribuição do pleito recuperacional, mesmo que referidos Créditos, à época da referida distribuição, ainda não estivessem liquidados, certos e exigíveis; (iii) penhorar quaisquer bens da Recuperanda para satisfação dos referidos Créditos; (iv) buscar a satisfação de seus Créditos ou quaisquer outros meios. Todas as execuções judiciais em curso em face da Recuperanda, seus sócios, funcionários, administradores, diretores, consultores, advogados, garantidores, devedores solidários ou não, desde que relativas a créditos existentes – mesmo que não liquidados, certos e exigíveis, à época da distribuição da presente recuperação – serão extintas e as penhoras e constrições existentes serão, em consequência, liberadas. 12.2.1. Neste aspecto, convém registrar que subsiste controvérsia a respeito do tema, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. De um lado, editou-se a Súmula nº 581 que, com AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000 14 base na previsão do artigo 49, §1º da Lei nº 11.101/2005, entendeu que “a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória”. Desse modo, a princípio, a Lei nº 11.101/2005 é expressa em assegurar os direitos dos detentores de garantias reais e fidejussórias. Melhor esclarecendo: “em regra, a despeito da novação operada pela recuperação judicial, preservam-se as garantias, no que alude à possibilidade de seu titular exercer seus direitos contra terceiros garantidores e impor a manutenção das ações e execuções promovidas contra fiadores, avalistas ou coobrigados em geral, a exceção do sócio com responsabilidade ilimitada e solidária (§ 1º, do art. 49 da Lei n. 11.101/2005). E, especificamente sobre as garantias reais, estas somente poderão ser suprimidas ou substituídas, por ocasião de sua alienação, mediante expressa anuência do credor titular de tal garantia, nos termos do § 1º do art. 50 da referida lei”14. De outro lado, a lei também autoriza a negociação das condições originalmente contratadas, por meio do plano de recuperação judicial, de modo que passou a se justificar a supressão das garantias quando aprovada pela Assembleia Geral de Credores. Neste sentido: STJ, REsp 1532943/MT, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/09/2016, DJe 10/10/2016; e STJ, REsp 1700487/MT, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 26/04/2019. 12.2.2. Dito isso, entendo que a redação da cláusula em análise (cláusula 9) é confusa e contraditória, não sendo possível compreender o alcance da previsão de liberação dos devedores coobrigados. E, mesmo diante de toda a controvérsia existente sobre o tema, a interpretação da lei conduz para a possibilidade de -- 14 STJ, REsp 1700487/MT, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 26/04/2019. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000 15 suspensão dos efeitos das garantias e não a sua supressão. Tal entendimento evita, inclusive, a utilização do procedimento de recuperação judicial como manobra para obtenção de vantagens indevidas em desfavor dos credores. Aliás, quando do julgamento do recurso de agravo de instrumento nº 54266-86.2018.8.16.0000, a questão foi assim abordada: (...) Quando os credores e o devedor deliberam e aprovam por maioria ou não a proposta de equacionamento da dívida, firmam um contrato plurilateral, pelo qual são impostos obrigações e deveres para todas as partes envolvidas nessa negociação, inclusive para os terceiros estranhos e garantidores da obrigação assumida pelo devedor. Na hipótese de descumprimento desse contrato plurilateral, os credores retomam os direitos decorrentes do contrato originário que foi negociado, facultando-lhes o ajuizamento das ações pertinentes, inclusive contra os coobrigados. Anoto que a chamada novação15 prevista na lei de falência e recuperação não pode ser confundida com aquela prevista pelo artigo 366 do Código Civil. Para a adequada interpretação do plano quando delibera a respeito das garantias do contrato originário e que está sendo renegociado, devemos entender, pelas regras da lei que autoriza e regulamenta essa renegociação, que não estamos diante de liberação ou supressão das garantias, mas de suspensão dos seus efeitos enquanto se desenvolve o cumprimento das obrigações negociadas no contrato plurilateral. Tanto é verdade que as garantias e responsabilidades são restabelecidas quando ocorre o descumprimento das obrigações assumidas no plano16. Sendo assim, nos parece que a cláusula 9 do plano de recuperação judicial da agravada, na forma como redigida, não encontra amparo legal e, portanto, merece ser excluída, declarando- se a sua nulidade. 13. Diante do exposto, voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso para declarar a nulidade da cláusula nº 9 indicada no plano de recuperação judicial, mantendo-o em relação aos demais pontos impugnados. -- 15 REsp nº 1.333.349/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão. -- 16 Art. 61, §2º, Lei nº 11.101/2005. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 47396-88.2019.8.16.0000 16 III – DECISÃO ACORDAM os Desembargadores integrantes da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso. O julgamento foi presidido pelo Desembargador FERNANDO PAULINO DA SILVA WOLFF FILHO, com voto, e dele participou o Juiz Subst. em 2ºG. FRANCISCO CARLOS JORGE. Curitiba, 04 de maio de 2020. DES. LAURI CAETANO DA SILVA Relator
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