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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I. RELATÓRIO 1. Trata-se de embargos de declaração opostos por JOSÉ MARCOS DE ALMEIDA FORMIGHIERI contra o r. acórdão que, apreciando declaratórios anteriores manejados por JAIME LERNER e JOSÉ MARCOS DE ALMEIDA FORMIGHIERI (0000909-68.2007.8.16.0004 ED 2 - Ref. mov. 1.14 – Projudi), acolheu-os, com efeitos infringentes, para excluir o primeiro das imputações lançadas na petição inicial e para readequar as sanções impostas aos demais réus. 2. Nas razões recursais (0000909-68.2007.8.16.0004 ED 5 - Ref. mov. 1.1), o embargante suscita a ocorrência da prescrição, já que a improbidade teria ocorrido em 03 de janeiro de 2002, ao passo que a ação foi proposta somente em 06 de setembro de 2007.Invoca a nulidade do julgamento, considerando que a Advogada Ana Paula Swiech cumpriu a intimação indicando a comunicação da renúncia em 02 de abril, mas essa petição somente foi juntada após o julgamento dos embargos de declaração, em 15 de abril. Aponta também a existência de erro de premissa, pois a cessão ocorreu na vigência da Emenda 14 e o ato foi praticado mediante exercício regular de direito, inexistindo dolo, até porque somente em momento posterior o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da lei que baseou a indenização. Requer, ao final, o acolhimento dos embargos de declaração, inclusive com atribuição de efeitos infringentes. 4. A d. Procuradoria Geral de Justiça exarou parecer (0000909-68.2007.8.16.0004 ED 5 - Ref. mov. 1.9) pelo não conhecimento dos embargos manejados por JOSÉ MARCOS DE ALMEIDA FORMIGHIERI. 5. Os embargos não foram acolhidos (mov. 13). Porém, por força de posterior reconhecimento de nulidade de intimação da advogada (mov. 28.1), determinou-se o regular trâmite do recurso. 6. No despacho de mov. 45.1, oportunizou-se às partes a manifestação sobre a nulidade reconhecida e acerca das novas disposições normativas ocorridas na lei de improbidade administrativa (Lei 14.230/2021). 7. JOSE MARCOS DE ALMEIDA FORMIGHIERI manifestou-se na petição de mov. 55.1, invocando a retroatividade da lei mais benéfica. Defende que deve ser aplicada a prescrição intercorrente, prevista no artigo 23 da lei de improbidade administrativa, constatando-se que transcorreram 8 anos desde os embargos de declaração que modificou o mérito. Argumenta que, no tocante à imputação de conduta ímproba prevista no artigo 10, incisos I, VII, IX, XI e XII e no artigo 11, caput e I, o Ministério Público tem o ônus de provar que a conduta do peticionante se encontra taxativamente enquadrada na hipótese, visto que o rol de atos ímprobos se tornou exaustivo. Aduz que se deve aplicar sanções somente com a confirmação do dolo específico da suposta conduta descrita pelo Ministério Público, excluindo-se hipóteses de culpa. Acrescenta que as sanções devem ser afastadas, em decorrência da inexistência de lesividade relevante, tal como disposto no artigo 11, §4º. Da lei de improbidade administrativa. Ao final, requer sejam levadas em consideração as alterações legislativas e sua aplicação imediata ao caso. 8. O embargado manifestou-se no mov. 60.1, pela irretroatividade dos novos prazos previstos no artigo 23 da lei de improbidade administrativa. 9. A d. Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se no mov. 69.1 pelo sobrestamento temporário do recurso, até a publicação do leading case do Tema n.º 1.199. 10. Oportunizada a manifestação das partes acerca do teor do julgado do Supremo Tribunal Federal juntado no mov. 80.2, a d. Procuradoria Geral de Justiça reiterou pronunciamento pelo não conhecimento ou, então, pelo não acolhimento dos declaratórios. O embargante, a seu turno, manifestou-se no mov. 101.1. É o relatório.
II. VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO 1. Os embargos de declaração comportam conhecimento, vez que tempestivos e, bem ou mal, foram apontados os supostos vícios do artigo 535 do Código de Processo Civil revogado. Se configurados ou não, trata-se de problemática inerente ao mérito. 2. O julgamento anterior foi anulado por vício de intimação do advogado. No acórdão anterior foi proferida a seguinte fundamentação, com transcrição na parte em que interessa, verbis: “[...] Em que pese à preliminar arguida pela d. Procuradoria Geral de Justiça (0000909-68.2007.8.16.0004 ED 5 - Ref. mov. 1.9), deve os embargos opostos por JOSÉ MARCOS DE ALMEIDA FORMIGHIERI serem conhecidos, pois, bem ou mal, foram apontados vícios cuja apreciação demanda uma análise objetiva, em cotejo com o artigo 535 do Código de Processo Civil/73, diploma este vigente à época da oposição dos declaratórios. Outrossim, presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná.(...) Inexiste omissão quanto à prescrição, pois tal matéria não foi anteriormente suscitada e constitui flagrante inovação recursal, o que é inadmissível, ainda que se trata de matéria de ordem pública. Neste sentido: “PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO. VÍCIO ALEGADO SOMENTE EM RECURSO INTEGRATIVO. INOVAÇÃO RECURSAL. MOMENTO PROCESSUAL INADEQUADO. 1. Na hipótese dos autos, nota-se que a parte pretende que a questão referente à prescrição seja analisada sob o argumento de que tal mátéria de ordem pública foi suscitada quando da interposição de Embargos de Declaração na instância a quo. 2. Todavia, nos termos da jurisprudência pacificada do Superior Tribunal de Justiça, mesmo as questões de ordem pública não podem ser objeto de análise em Embargos Declaratórios, caso não apresentados no momento processual oportuno, tendo em vista a impossibilidade de inovação de tese na ocasião do manejo do recurso integrativo3. Agravo Interno não provido.” (AgInt no REsp 1779489/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, 2ª. Turma, julgado em 27/08/2019, DJe 18/10/2019, g. n.) Ainda que assim não fosse, sabe-se que pela Súmula n.º 634 do Superior Tribunal de Justiça, “Ao particular aplica-se o mesmo regime prescricional previsto na Lei de Improbidade Administrativa para o agente público”. Partindo desta premissa e considerando que o mandato do então Governador se encerrou em 31 de dezembro de 2002, ao passo que a ação foi ajuizada em 06 de setembro de 2007, forçoso concluir que não transcorreu o lapso temporal de cinco anos. Impõe-se rechaçar, ainda, a nulidade arguida por cerceamento de defesa. Veja-se que a renúncia da Advogada Ana Paula Swiwch não havia sido aceita por este Relator ante a ausência de comprovação da notificação ao constituinte. O fato desta comunicação ter ocorrido apenas posteriormente e ter sido juntada após o julgamento dos embargos de declaração é irrelevante, porque enquanto não validado pelo Relator, resta patente que o embargante continuava sendo representado pela mesma Advogada.Por sim, inexiste o erro de premissa aventado. A inexistência de lesão ao erário não admite a absolvição do embargante, que cometeu ato ímprobo na modalidade dolosa. Daí porque permaneceu incólume o entendimento firmado quando do recurso de apelação, nos seguintes termos: “[...] JOSÉ MARCOS DE ALMEIDA FORMIGHIERI, por sua vez, objetivando se beneficiar da indenização elencada na Emenda n.º 14 da Constituição Estadual do Estado do Paraná, sem desejar expor o seu nome, valeu-se de ANTONIO REIS, a quem devia importância em dinheiro, e propôs que este assinasse o pedido administrativo, mediante retribuição do valor obtido, o que foi aceito. É o que se extrai, inclusive, do depoimento prestado por ANTONIO REIS junto ao Ministério Público do Estado do Paraná (fls. 523/524). Assim, dúvida não há de que JOSÉ MARCOS DE ALMEIDA FORMIGHIERI também agiu de má fé e incorreu em ato de improbidade administrativa, pois usou de um intermediário para obter a almejada indenização, pelo que violou os princípios da administração pública, máxime os deveres de honestidade e legalidade (artigo 11, caput da Lei n.º 8.429/92).” Destarte, inexiste qualquer erro de premissa, o que torna inviável a revisão do posicionamento jurídico firmado.” Sucede que, não obstante o entendimento exarado, após o julgamento do recurso de apelação cível e antes do trânsito em julgado – vez que o presente recurso resta pendente de julgamento – entrou em vigor legislação que alterou de forma profunda a lei de improbidade administrativa. No tocante às inovações concernentes à prescrição, sem razão ao embargante. O e. Supremo Tribunal Federal, no Tema n.º 1.199, Repercussão Geral do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 843.989/PR, fixou as seguintes teses: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”. Considerando, assim, que pela tese 4 acima exposta o regime prescricional não retroage, o prazo de 04 (quatro) anos previsto pelo artigo 23, § 5º, da Lei n.º 8.429/92 se iniciou apenas em 26/10/2021. Por isso, não houve o decurso do prazo da prejudicial de mérito. No tocante à modalidade culposa, o tema não merece maiores reflexões, vez que o acórdão expressamente reconheceu a conduta praticada como dolosa. Contudo, os embargos de declaração merecem acolhimento, com efeito modificativo, visando afastar a condenação imposta ao embargante JOSÉ MARCOS DE ALMEIDA FORMIGHIERI. Embora não se trate, na hipótese, de matéria inserida no campo do direito penal, o princípio da retroatividade da lei mais benéfica deve ser aplicado no tocante ao direito administrativo sancionador, sobretudo em se considerando a regência pelo princípio da legalidade, insculpido no artigo 5º., XXXIX da Constituição Federal, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.Na espécie, o acórdão que apreciou o recurso de apelação cível deixou claro que a condenação do embargante às sanções da lei de improbidade administrativa ocorreu por se entender que a conduta praticada se amoldava ao artigo 11, caput da Lei n.º 8.429/92 (Recurso: 0000909-68.2007.8.16.0004 - Ref. mov. 1.5, fls. 38, 47 e 48), ante a violação dos princípios da administração pública, da legalidade e da moralidade. Ocorre que tal modalidade de condenação estabelecida no caput deixou de ser contemplada na modificação legislativa. Pelo novel diploma, o rol estabelecido nos incisos do artigo 11 passou a ser taxativo. Ora, das teses firmadas pelo e. Supremo Tribunal Federal, nenhuma delas trata especificamente do tema, qual seja, da taxatividade das hipóteses do artigo 11 da Lei n.º 8.429/92. Houve, na verdade, um proposital recorte por ocasião do julgamento, de forma a referendar a retroatividade das normas aos processos em curso, vez que a ressalva da irretroatividade ocorreu apenas no tocante às decisões transitadas em julgado – o que não é o caso – e às regras inerentes à prescrição. Por isso, é possível aplicar a nova legislação mais benéfica e que deixou de prever a prática de ato de improbidade previsto no artigo 11, caput da Lei n.º 8.429/92. A propósito do tema (abolitio improbitatis), oportuno colacionar os seguintes julgados deste e. Tribunal de Justiça: “APELAÇÃO CÍVEL e REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO DE NULIDADE DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO, RESSARCIMENTO E CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – LICITAÇÃO PELA MODALIDADE CARTA CONVITE DO TIPO MENOR PREÇO PARA AQUISIÇÃO DE PRODUTOS DE HIGIENE E LIMPEZA - AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE –RECUSO CONHECIDO - MODIFICAÇÕES NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA APÓS O ADVENTO DA LEI Nº 14.230/2021 – TEMA 1199 STF - EXIGÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO NA CONDUTA DOS AGENTES, E DE COMPROVAÇÃO EFETIVA DE LESÃO AO ERÁRIO OU DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO – RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA AOS RÉUS – DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR – ART. 11, CAPUT E INCISO I, LIA – DISPOSITIVO REVOGADO – ABOLITIO IMPROBITATIS RECONHECIDA – PLEITO INICIAL DE CONDENAÇÃO COM FUNDAMENTO NOS ARTS. 10, INCS I, II, VIII, IX, XI e XII E 11, CAPUT E INCISO I, LIA – TESES DE DOLO GENÉRICO E EXISTÊNCIA DE DANO IN RE IPSA – IMPOSSIBILIDADE SOB A ÉGIDE DAS NOVAS DISPOSIÇÕES DA LEI Nº 8.429/92 – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE LESÃO AO ERÁRIO OU DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO – SERVIÇOS EFETIVAMENTE PRESTADOS – INEXISTÊNCIA DE PROVA DO SOBREPREÇO NA CONTRATAÇÃO – REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA – ART. 17, § 19, DA LIA - SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJPR - 5ª Câmara Cível - 0001113-79.2012.8.16.0120 - Nova Fátima - Rel.: DESEMBARGADOR RENATO BRAGA BETTEGA - J. 28.11.2022) “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ARTIGO 11, CAPUT E INCISO I, DA LEI Nº 8.429/92. ADVENTO DA LEI Nº 14.230/2021. REVOGAÇÃO DE REFERIDO INCISO I. ROL TAXATIVO DA MENCIONADA NORMA. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE MAIS BENÉFICA. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ATIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. INTENÇÃO DE REEXAME DA MATÉRIA. DESCABIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.” (TJPR - 5ª Câmara Cível - 0002943-91.2015.8.16.0050/2 - Bandeirantes - Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ MATEUS DE LIMA - J. 19.09.2022) Destarte, não subsistindo mais a norma que ensejou a condenação do ora recorrente (abolitio improbitatis), alternativa outra não resta senão acolher os embargos de declaração, com efeitos modificativos, a fim de afastar a condenação imposta. Sem honorários advocatícios ou custas pelo Ministério Público, por se tratar de ação civil pública.
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