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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ 1ª CÂMARA CRIMINAL - PROJUDI R. Mauá, 920 - Alto da Glória - Curitiba/PR - CEP: 80.030-901 Autos nº. 0057165-23.2019.8.16.0000 Desaforamento de Julgamento n° 0057165-23.2019.8.16.0000 Vara Plenário do Tribunal do Júri de Araucária Autor(s): Ministério Público do Estado do Paraná Réu(s): ANDRE GARCIA e CRIS SANDERCLEY DE ARAUJO Relator: Juiz Subst. 2ºGrau Márcio José Tokars DESAFORAMENTO DE JULGAMENTO Nº 0057165-23.2019.8.16.0000 – VARA PLENÁRIO DO TRIBUNAL DO JÚRI DE ARAUCÁRIA REQUERENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ REQUERIDOS: ANDRÉ GARCIA CRIS SANDERCLEY DE ARAUJO RELATOR: MÁRCIO JOSÉ TOKARS (Subs. Des. Telmo Cherem) DESAFORAMENTO – FUNDADA DÚVIDA ACERCA IMPARCIALIDADE DOS JURADOS – ART. 427 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – ELEMENTOS CONCRETOS QUE DEMONSTRAM POSSIBILIDADE DE INTERFERÊNCIA SOBRE O CONSELHO DE SENTENÇA – PEDIDO DEFERIDO. Vistos, etc. I – RELATÓRIO Trata-se de pedido de desaforamento formulado pelo Ministério Público, com base nos arts. 427 e seguintes do Código de Processo Penal. Alega, para tanto, que o pronunciado André Garcia é bastante conhecido em Araucária por suas influências sociais e, na região em que reside, por sua periculosidade. Afirma que ele é membro de organização criminosa e muito temido na região, por ser um dos chefes do tráfico de drogas, bem como por seu envolvimento em vários homicídios, sendo que, por duas vezes, foi impronunciado porque testemunhas presenciais modificaram suas versões em juízo por temer represálias. Salienta que embora o número de habitantes de Araucária seja alto, o município possui características de cidade de interior, bem como que o pronunciado André Garcia é multiprocessado, eis que foi denunciado por envolvimento em vários homicídios em Araucária, além de ter sido condenado por porte ilegal de arma de fogo e contar com uma ação penal em andamento por coação no curso do processo. Afirma que nos autos de ação penal 0008927-63.2017.8.16.0025, na qual André Garcia também era réu, o Ministério Público ingressou com pedido de desaforamento, o que foi acolhido pela 1ª Câmara Criminal (autos 1736497-1). Sustenta que, igualmente, o pronunciado Cris Sandercley de Araújo é pessoa perigosa e conhecida em Araucária, tendo em vista que consta como suspeito de dois homicídios e responde a ação penal por coação no curso do processo, além de ostentar várias anotações processuais. Requer, dessa forma, o deferimento do pedido, transferindo-se o julgamento dos acusados para o Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, que possui duas Varas privativas do Tribunal do Júri. Prestadas informações em mov. 8.1. A defesa de André Garcia pugnou pelo indeferimento do pedido de desaforamento (mov. 25.1), alegando, em síntese, que não há prova efetiva da dúvida a respeito da possível imparcialidade do Conselho de Sentença de Araucária. A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer de mov. 29.1, manifestou-se pelo conhecimento e deferimento do pedido de desaforamento. É, em suma, o relatório. II - VOTO Trata-se de pedido de desaforamento de julgamento formulado pelo Ministério Público, sob o fundamento de haver dúvida sobre a imparcialidade dos jurados. Dispõe o art. 427 do Código de Processo Penal: “Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.” O desaforamento trata-se de medida excepcional, diante de dúvida razoável acerca da imparcialidade do júri, o que deve ser demonstrado a partir de circunstâncias concretas. Sobre o tema leciona Renato Brasileiro de Lima: [1] “Dúvida sobre a imparcialidade do júri: estará presente quando a infração penal, apaixonando a opinião pública, gerar no meio social animosidade, antipatia e ódio ao acusado. Bom exemplo dessa hipótese é quando o pronunciado ou sua família exercem grande influência econômica ou política, ou ambas, e essa influência seja capaz de abalar a imparcialidade do júri em seu benefício.” Consta das informações prestadas pela magistrada em mov. 8.1 que a quo “resta clarividente que André Garcia é criminoso conhecido no Foro Regional de Araucária, respondendo a inúmeros processos nesta Comarca; o que, tal como já ocorrera em momento anterior, dificulta a imparcialidade dos jurados, ante o manifesto temor de represálias.” Conforme informações prestadas pela magistrada , nos autos de nº 0003049-07.2010.8.16.0025 oa quo Conselho de Sentença teve de ser dissolvido. Nesse sentido, afirmou que na data anterior à Sessão Plenária, a Secretaria da Vara Criminal recebeu uma ligação anônima informando para os servidores do fórum “tomarem cuidado”, eis que André seria arrebatado no momento da audiência, o que ensejou reforço na escolta e no policiamento do Fórum, bem como que uma das juradas se apavorou no momento da sessão, tendo em vista que o patrono de André Garcia, mencionou o nome dos jurados e apontou o dedo em direção à eles, por mais de uma vez, sendo que em realização de nova Sessão Plenária, André Garcia foi absolvido por negativa de autoria. Ainda, em decorrência do caso acima narrado, salientou a magistrada a quo que “André Garcia e seus amigos, pouco antes da instrução em plenário, estariam coagindo testemunhas e a própria vítima da tentativa de homicídio, o que culminou com a decretação da prisão preventiva de vários de seus comparsas em decorrência da prática do crime de Coação no Curso do Processo (autos de nº 0012056-13.2016.8.16.0025). Ao que tudo indica, pretendia-se que a vítima Jocinei Kubis alterasse a versão dos fatos, imputando a prática delitiva a terceira pessoa.” Ainda, depreende-se de mov. 206.1 dos autos supramencionados, uma informação do Oficial de justiça no sentido de que, no intervalo da sessão do Tribunal do Júri daquela Comarca, ele foi procurado por dois jurados, que disseram que achavam que os parentes do pronunciado estavam fotografando ou filmando o corpo de jurados. Outrossim, conforme entendimento do Superior Tribunal de justiça, as informações do juiz da causa, diante da proximidade com as partes e com a comunidade julgadora, possuem grande relevância para a apreciação do pedido: “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. DESAFORAMENTO. DÚVIDAS EM RELAÇÃO À IMPARCIALIDADE DOS JURADOS. MOTIVOS CONCRETOS E RELEVANTES QUE COMPROMETEM O JULGAMENTO POPULAR. TRANSFERÊNCIA . AGRAVOPARA A COMARCA DA CAPITAL. POSSIBILIDADE IMPROVIDO. 1. Esta Corte Superior firmou o entendimento de que o desaforamento do processo, com sua transferência para a comarca da Capital, não viola o art. 427 do Código de Processo Penal, uma vez que a escolha da nova localidade deve ser com lastro em fatos concretos, levando-se em conta o interesse da ordem pública, a imparcialidade do júri ou, ainda, eventual risco à segurança pessoal do acusado, não havendo obrigatoriedade de se remeter o feito à Comarca mais próxima. 2. Estando o juiz da causa mais próximo das partes e da própria comunidade julgadora, tem maior sensibilidade para aferir os detalhes e os problemas que envolvem o processo, motivo pelo qual, em feitos deste jaez, suas informações alcançam enorme relevância para a apreciação do pedido em tela, podendo (HCmuito bem aferir o peso de possível parcialidade do Tribunal do Júri 307.963/PI, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 27/6/2017, DJe 1º/8/2017). 3. Agravo regimental improvido.” (AgRg no HC 490.467/PE, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 28/03/2019, DJe 05/04/2019) Nesse sentido, consta nos autos fundada dúvida de que o Conselho de Sentença possa ser influenciado em sua decisão, por temer represálias por parte do ora pronunciado. No mesmo sentido, consta dos autos que o pronunciado Cris Sandercley de Araújo, seria integrante do suposto grupo criminoso de André, sendo que ambos foram impronunciados nos autos nº 0004561-83.2014.8.16.0025, bem como foi denunciado pelo crime de coação no curso do processo, no qual André Garcia também figura como réu (autos 0012056-13.2016.8.16.0025). Percebe-se, pois, fundada dúvida quanto ao risco à imparcialidade dos jurados que farão parte do Conselho de Sentença da Comarca. Dessa forma, restando configurada a hipótese do art. 427 do Código de Processo Penal, deve haver o desaforamento para o Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, conforme requerido pelo Ministério Público. Ante o exposto, voto no sentido de deferir o pedido de desaforamento, a fim de deslocar o julgamento dos pronunciados para o Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, conforme requerido pelo Ministério Público. CBS [1] DE LIMA, Renato Brasileiro. . Salvador: Juspodivm, 2016, p.Código de Processo Penal Comentado 1165. Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 1ª Câmara Criminal do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E PROVIDO o recurso de Ministério Público do Estado do Paraná. O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargador Antonio Loyola Vieira, sem voto, e dele participaram Juiz Subst. 2ºgrau Márcio José Tokars (relator), Juiz Subst. 2ºgrau Naor Ribeiro De Macedo Neto e Desembargador Miguel Kfouri Neto. 20 de fevereiro de 2020 Juiz Subst. 2ºGrau Márcio José Tokars Juiz (a) relator (a)
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