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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
1.
Maria Helena da Silva e Yasmin Vitória da Silva, representada pela primeira autora, ajuizaram, perante o MM. Juízo de Direito da 7ª Vara Cível da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba – Foro Central de Curitiba, “Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais cumulada com Pensão Alimentícia” em face de Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba – Hospital Maternidade Maracanã, Hospital de Caridade Santa Casa de Curitiba e Hospital Santa Casa, em razão de suposto erro médico no atendimento da paciente Elen Cristina da Silva, de 16 (dezesseis) anos de idade, na realização do parto e diagnóstico de apendicite supurada, que teria causado o óbito da gestante. Por tais motivos, pugnaram pela condenação dos requeridos ao pagamento de: a) indenização por danos morais, no importe de 500 (quinhentos) salários mínimos; b) indenização pelos danos materiais sofridos, na quantia de R$ 6.200,00 (seis mil e duzentos reais); e c) pensão alimentícia no valor de 05 (cinco) salários mínimos até o final do primeiro curso universitário da segunda requerente.A primeira sentença, lançada no mov. 292.1, foi cassada por este Colegiado, determinando-se o retorno dos autos à origem para renovação da prova pericial, a ser realizada por especialista na área científica correspondente (mov. 316.6).Após a baixa e ultimado o feito, o juízo singular, no mov. 424.1, julgou improcedentes os pedidos em relação ao segundo e terceiro requeridos, e julgou procedentes os pedidos em relação à primeira demandada, condenando-a ao pagamento de: a) ressarcimento das despesas com o funeral, conforme comprovantes e recibos colacionados à petição inicial, corrigido monetariamente pela média dos índices INPC e IGP-M desde o desembolso, acrescido de juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês, desde a citação; b) indenização por danos materiais, referentes à pensão mensal de 01 (um) salário mínimo à segunda demandante, devida desde o evento danoso (24.07.2009) até seu aniversário de 25 (vinte e cinco) anos, ressaltando que a indenização vencida deverá ser paga uma única vez, atualizada monetariamente pela média dos índices INPC e IGP-M a partir da data prevista para cada pagamento, acrescida de juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês, a contar da data do sinistro; e c) indenização por danos morais, no montante de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) para cada uma das autoras, corrigida monetariamente pela média dos índices INPC e IGP-M a contar da data da prolação da sentença, acrescida de juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês desde o evento danoso (24.07.2009). De corolário, considerando a sucumbência parcial das requerentes, condenou-as ao pagamento de 30% (trinta por cento) das despesas processuais, cabendo a quitação dos 70% (setenta por cento) restantes à primeira demandada, bem como condenou as demandantes ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais dos patronos dos segundo e terceiro requeridos, arbitrados em R$ 3.000,00 (três mil reais), em atenção ao previsto no artigo 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil, ressalvada a concessão da justiça gratuita. Além disso, condenou a primeira demandada ao pagamento da verba honorária sucumbencial ao patrono das autoras, fixados em 10% (dez por cento) sobre o importe da condenação por danos morais e ressarcimento de despesas e em 10% (dez por cento) da soma das parcelas vencidas com o montante correspondente a 12 (doze) parcelas vincendas. Irresignada, a primeira requerida interpôs recurso de apelação cível (mov. 435.1), pugnando, preliminarmente, pela concessão do benefício da Justiça Gratuita. Quanto ao mérito, sustenta que: a) não houve falha na prestação de serviço porque o diagnóstico de apendicite foi prejudicado pela condição de gestante da paciente, já na 36ª semana de gestação; b) a perícia de mov. 407.1 reconheceu a dificuldade do diagnóstico; c) não havendo maiores evidências da possibilidade de quadro infecioso e diante da atipicidade dos sintomas, foram buscadas alternativas menos invasivas do que a laparotomia exploradora a fim de tratar a paciente; d) diante da ausência de falha na prestação de serviços, não estão presentes os requisitos da responsabilidade civil, razão pela qual devem ser afastadas as condenações que lhe foram impostas; e) mantido o pensionamento mensal, o valor deve ser reduzido para 2/3 (dois terços) do salário mínimo; f) uma vez que o pensionamento mensal foi fixado em correspondência ao salário mínimo, de rigor seja afastada a incidência de correção monetária e de juros de mora; e g) não houve comprovação do dano moral alegado e a quantia da indenização comporta redução, máxime a se considerar as condições da primeira requerida e os princípios da proporcionalidade e da vedação ao enriquecimento ilícito.As requerentes apresentaram contrarrazões no mov. 440.1, requerendo a manutenção da sentença.A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de mov. 14.1-TJ, manifestou-se pelo provimento do apelo, com a reforma da sentença para julgar integralmente improcedente a pretensão autoral, impondo-se a sucumbência exclusivamente às demandantes.O pedido de concessão da benesse da Justiça Gratuita, formulado pela primeira demandada, foi negado no mov. 17.1-TJ.Comprovado o preparo recursal (movs. 22.2/22.3-TJ), retornaram os autos conclusos para decisão. É o relatório.
Passo a fundamentar o voto. 2.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, tanto os extrínsecos como os intrínsecos, conheço do presente recurso.Cinge-se a controvérsia recursal acerca da alegada falha na prestação de serviços médico-hospitalares a paciente adolescente, filha e mãe das autoras que, em estado gestacional, veio a óbito após o parto, em decorrência de apendicite supurada, consubstanciada no erro de diagnóstico e tratamento, fatos geradores de abalo moral e dano material.Inicialmente, de se consignar que não houve irresignação contra o capítulo da sentença que julgou improcedente a pretensão autoral em relação aos demais requeridos. Feita essa consideração, cumpre transcrever o que dispõe o artigo 927 do Código Civil: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” Em conformidade com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, há duas formas distintas de responsabilização por falha na prestação de serviços médico e hospitalar: em se tratando de ilícito praticado pelo médico, haverá responsabilização subjetiva, ao passo que, se a conduta ilícita foi perpetrada pela própria estrutura hospitalar, em suas equipes de enfermaria, atendimento ou manutenção, haverá responsabilização objetiva. Senão vejamos: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA DA PRESIDÊNCIA DESTA CORTE QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA REQUERIDA.1. De acordo com a jurisprudência desta Corte, o hospital responde de forma solidária e objetiva por defeitos na prestação de serviço médico por profissionais a ele vinculados, desde que apurada a culpa do profissional. Precedentes.1.1. A conclusão a que chegou o Tribunal de origem, relativa à ausência de ato ilícito perpetrado pelo médico, fundamenta-se nas particularidades do contexto que permeia a controvérsia. Incidência da Súmula 7 do STJ.2. Agravo interno desprovido” (AgInt no AREsp 1581823/DF, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 23/03/2020, DJe 25/03/2020). “RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ERRO MÉDICO. CIRURGIA DE VASECTOMIA REALIZADA POR NEGLIGÊNCIA MÉDICA. PROCEDIMENTO CONTRATADO ERA APENAS DE RETIRADA DE FIMOSE. HOSPITAL E OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. CONFIGURADA. QUANTO AO MÉRITO INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO DE SUBORDINAÇÃO ENTRE O MÉDICO E O HOSPITAL. CONTRATAÇÃO PARTICULAR DA CIRURGIA SEM VÍNCULO COM O PLANO DE SAÚDE. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA EXCLUSIVA DO MÉDICO CIRURGIÃO. DANO MORAL. ARBITRAMENTO. EXORBITÂNCIA OU IRRISORIEDADE. NÃO VERIFICADAS. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. READEQUAÇÃO. [...] 5. A responsabilidade objetiva para o prestador de serviço, prevista no art. 14 do CDC, na hipótese de tratar-se de hospital, limita-se aos serviços relacionados ao estabelecimento empresarial, tais como estadia do paciente (internação e alimentação), instalações, equipamentos e serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia). [...] 10. Recurso especial interposto pelo médico e pelo paciente conhecido e não provido. Recurso especial interposto pelo hospital e pela operadora de plano de saúde conhecido e provido” (REsp 1579954/MG – 3ª Turma – Relatora: Min.ª Nancy Andrighi – Julgado em: 08.05.2018 – DJe: 18.05.2018). “RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ERRO MÉDICO. CIRURGIA ORTOPÉDICA. CORPO ESTRANHO. FIO DE AÇO NO JOELHO DO PACIENTE. DESCOBERTA POSTERIOR. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E SUBJETIVA DO HOSPITAL E DO MÉDICO INTEGRANTE DE SEU CORPO CLÍNICO. VALOR DO DANO MORAL. SÚMULA 7/STJ. EXORBITÂNCIA. NÃO CONFIGURADA. PECULIARIDADES FÁTICAS REGISTRADAS NA ORIGEM. [...] 4. O reconhecimento da responsabilidade solidária do hospital não transforma a obrigação de meio do médico, em obrigação de resultado, pois a responsabilidade do hospital somente se configura quando comprovada a culpa do médico integrante de seu corpo clínico, conforme a teoria de responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais abrigada pelo Código de Defesa do Consumidor. Precedentes. [...] 8. Recurso especial conhecido e não provido” (REsp 1662845/SP – 3ª Turma – Relatora: Min.ª Nancy Andrighi – Julgado em: 22.03.208 – DJe: 26.03.2018). A primeira demandada, portanto, será responsabilizada apenas se restar demonstrado que os profissionais médicos que realizaram os procedimentos, integrantes de seu corpo clínico, agiram com culpa (artigo 932, inciso III, do Código Civil).Estabelecidos estes pressupostos, passo a examinar o caso concreto.Trata-se de ação de indenização em que se discute a responsabilidade da primeira requerida sobre o falecimento da paciente Elen Cristina da Silva, adolescente de 16 (dezesseis) anos, gestante, internada no dia 15.07.2009 no hospital demandado, admitida no Centro Obstétrico às 21:00 horas, com registro de parto vaginal às 5:22 horas do dia 16.07.2009, e que foi submetida a laparotomia exploratória no dia 17.07.2009, às 18:00 horas, sendo transferida para a Santa Casa de Curitiba no dia 18.07.2009, onde foi submetida a nova cirurgia em 19.07.2009, com abertura de protocolo de morte encefálica em 23.07.2009 e declaração de óbito às 10:00 horas do dia 24.07.2009, em decorrência de septicemia pós-peritonite, pós-apendicite aguda e acidente vascular hemorrágico, conforme certidão de óbito de mov. 1.3.Na inicial, as requerentes relataram que as fortes dores na barriga se iniciaram em 13.07.2009, mas que o encaminhamento pela Unidade de Saúde para a primeiro demandada somente se deu no dia 15.07.2009, tendo as queixas da paciente sido recebidas pelos profissionais da primeira requerida com desdém em razão da sua pouca idade, e que a imperícia, a imprudência e a negligência médica em dar a devida atenção ao estado clínico da falecida acarretou o trágico resultado. Assim, buscam a reparação dos danos patrimoniais e morais em razão do óbito da familiar.Com a exordial foi apresentado Boletim de Ocorrência em que os fatos são narrados à autoridade policial, comprovante de pagamento das despesas com funeral, laudo do exame de necropsia e prontuários médico-hospitalares (movs. 1.3/1.5).Diante da necessidade de conhecimento técnico específico, foi deferida a produção de prova pericial para elucidação da controvérsia acerca da eventual ocorrência de erro médico (mov. 1.65), com a apresentação de quesitos nos mov. 1.67, 1.69 e 1.71, pelas partes e pelo Ministério Público.O laudo pericial de mov. 230.1, elaborado por médico com especialidade em pneumologia e tisiologia foi reputado genérico e em certos pontos contraditório em julgamento realizado por este Colegiado em 08.02.2018, consoante acórdão de relatoria do Eminente Des. Clayton de Albuquerque Maranhão, juntado no mov. 316.6, que determinou a renovação da produção da prova a ser realizada por especialista na área científica correspondente. Baixados os autos à origem, formulado quesito pelo Juízo (mov. 344.1) e pelo Ministério Público (mov. 397.1), foi realizada nova perícia, agora por médico mestre em Clínica Cirúrgica e especialista em Cirurgia Geral e Cirurgia do Aparelho Digestivo, com juntada de laudo no mov. 407.1.No tópico atinente à “Análise Técnica”, o expert pontuou considerações acerca dos registros médicos e correlatas condutas, emitindo valoração acerca da adequação e pertinência em cotejo ao quadro clínico da paciente, conforme trechos a seguir destacados, relativos ao atendimento a ela prestado nas dependências da primeira demandada (mov. 407.1): “O primeiro registro em prontuário de interesse para presente análise técnica ocorreu em 13/07/05, relacionado ao atendimento da Srta. Elen Cristina da Silva em Unidade de Saúde no Município de Pinhais (mov. 1.5).Na ocasião, a paciente queixava-se de dor tipo cólica em baixo ventre (‘DTCBV’), e já tinha outros sinais de início de trabalho de parto (presença de contrações e dilatação do colo uterino). Chama atenção, no registro em tela, que o médico consignou que a Srta. Elen teria sido avaliada no Hospital e Maternidade Alto Maracanã, ‘sem contrações ou dilatação’, e liberada com prescrição de Buscopan via oral.[...]Não houve nova procura de assistência médica até 15/07/09, quando a Srta. Elen foi admitida no Hospital Maternidade Alto Maracanã em trabalho de parto (dor tipo cólica em baixo ventre, dilatação do colo uterino, presença de contrações) e foi encaminhada ao centro obstétrico às 21h00 (mov. 1.5).O nascimento da sua filha ocorreu às 5h22 do dia 16/07/09, sem intercorrências (mov. 1.5).Até este momento, todas as queixas da paciente, seus exames físicos e evolução clínica foram característicos e compatíveis com trabalho de parto, não havendo qualquer motivo para se suspeitar da existência de alguma doença inflamatória abdominal.[...]Somente às 3h00 do dia 17/07/09 houveram (sic) sinais e sintomas que caracterizam um quadro de abdômen agudo, abaixo transcritos do prontuário médico (mov. 1.5):[...]Neste momento, havia dor abdominal difusa, distensão abdominal e redução dos ruídos hidroaéreos, que consiste em um sinal clínico indicativo da redução da mobilidade intestinal. Não foi constatada febre (temperatura máxima aferida de 36,8ºC, conforme prontuário).A médica que avaliou a Sra. Elen naquele momento solicitou ultrassonografia abdominal e hemograma (exame de sangue), além de prescrever fleet enema, hidratação e monitorização.Portanto, é lícito afirmar que se estava diante de um quadro de abdômen agudo, ainda sem diagnóstico etiológico firmado. Como consignado no item ‘IV a’ do presente laudo, o abdômen agudo consiste em quadro de dor na região abdominal, não traumática, de aparecimento súbito e de intensidade variável associada ou não a outros sintomas, que geralmente necessita intervenção médica imediata e pode ter inúmeras causas, cirúrgicas ou não.A equipe médica suspeitou, inicialmente, de constipação intestinal, tanto que prescreveram fleet enema (medicamento administrado via retal para estimular a evacuação).[...]Nota-se uma melhora transitória da dor abdominal e ausência de febre, até que se registrou uma piora clínica importante da paciente às 10h00 do mesmo dia (mov. 1.5):[...]Neste diapasão, cumpre esclarecer que, além de se buscar o diagnóstico específico da causa da dor nos quadros de abdômen agudo, é fundamental que se determine se há ou não a necessidade de tratamento cirúrgico.Em situações de gravidade, não é incomum que o cirurgião indique a intervenção operatória mesmo sem diagnóstico específico firmado, pois o conjunto de sinais e sintomas clínicos, subsidiados ou não por exames complementares, podem dar a certeza que se trata de patologia cirúrgica, ainda que de etiologia incerta. No caso em análise, inexistiam sinais de gravidade ou indicativos de necessidade de cirurgia até pelo menos às 7h00 do dia 17/07/09. As queixas de dor abdominal difusa e inespecífica, associadas com leve distensão abdominal, sem febre ou irritação peritoneal (sinal clínico fundamental no exame físico cirúrgico, pois sua presença indica a existência de processo inflamatório intra-abdominal), podem ser secundárias à diversas patologias, que exijam ou não o tratamento cirúrgico. O primeiro sinal de alarme, capaz de indicar necessidade cirúrgica, se apresentou a equipe médica somente às 10h00 do mesmo dia, quando foi registrado que o abdômen se encontrava ‘extremamente distendido’. Ainda assim, não havia irritação peritoneal ou febre, e os sinais vitais estavam estáveis (pressão arterial e frequência de pulso normais, descartando quadro de sepse naquela ocasião). A avaliação clínica seriada (repetição dos exames físicos), hidratação, monitorização dos sinais vitais e solicitação de exames complementares (laboratório e imagem), condutas adotadas no atendimento da Srta. Elen, foram integralmente compatíveis com o quadro clínico então apresentado.[...]Portanto, a ultrassonografia foi incapaz de diagnosticar a apendicite aguda. Entretanto, a evolução da paciente, com piora clínica progressiva (notadamente aumento da distensão abdominal e persistência da dor), associada com a identificação de grande quantidade de líquido livre na cavidade abdominal, deram a certeza a equipe médica que se tratava de um abdômen agudo cirúrgico, motivando a indicação da operação, realizada às 18h00 do dia 17/07/09.[...]Chama atenção que a cirurgia indicada foi uma Laparotomia Exploradora, confirmando que inexistia certeza do diagnóstico no pré-operatório. Sobre o assunto, cumpre destacar que laparotomia é a abertura da cavidade abdominal, e exploratória, como seu própria (sic) nome sugere, indica que a motivação do ato era a exploração intra-abdominal, visando identificar e simultaneamente tratar a enfermidade da paciente.Os achados intra-operatórios demonstraram que se estava diante de uma apendicite aguda avançada, já na fase perfurativa, não bloqueada e associada com peritonite purulenta. A conduta cirúrgica foi adequada, com resseção apendicular, lavagem copiosa da cavidade a e colocação de quatro drenos, cujo objetivo primordial é permitir a saída de novas coleções purulentas ou outros líquidos para fora do abdômen. O procedimento cirúrgico, embora indispensável, teve como consequência o aumento da translocação bacteriana (passagem da infecção para corrente sanguínea), levando a um quadro séptico com instabilidade hemodinâmica e comprometimento cardíaco (fibrilação arterial de alta resposta), motivando a transferência da Srta. Elen para o Hospital de Caridade Santa Casa de Curitiba em 18/07/09, diretamente para Unidade de Terapia Intensiva (UTI).A gravidade do caso é multicausal: apendicite aguda já em estado avançado, ausência de bloqueio adequado da infecção devido ao aumento do útero e estado de imunossupressão (redução na capacidade de defesa do organismo) próprio da gravidez e puerpério foram os principais. O diagnóstico, estabelecido apenas no ato cirúrgico, indiscutivelmente foi tardio, e seu atraso está relacionado com a apresentação clínica totalmente atípica (não foram observados qualquer dos sintomas clássicos de apendicite no caso em debate), surgimento do quadro simultaneamente com trabalho de parto/puerpério (fator de confusão) e inexistência de sinais de alarme ou gravidade até o final da manhã do dia 17/07/09, não havendo motivo para intervenção cirúrgica até então.Por óbvio, todos os casos de abdômen agudo levam a inevitável suspeita de apendicite aguda, justamente por ser sua causa mais comum. Entretendo, é necessária a existência de dados objetivos de processo inflamatório intra-abdominal para que se indique o tratamento cirúrgico, o que, efetivamente, não ocorreu com a Srta. Elen nos primeiros dias do seu internamento” (grifos acrescidos). Na sequência, o perito apresentou sua conclusão: “De acordo com o acima exposto, baseado na análise retrospectiva dos documentos médicos juntados ao caderno processual, é lícito afirmar que o óbito da Srta. Elen Cristina da Silva decorreu de complicações cardiológicas, pulmonares e neurológicas, secundárias à sepse grave de foco abdominal, cuja causa base foi uma apendicite aguda. O diagnóstico da apendicite aguda foi inegavelmente tardio, o que pode ser atribuído principalmente a apresentação clínica atípica (ausência de qualquer dos sintomas clássicos da doença) e desenvolvimento da enfermidade simultaneamente com o trabalho de parto/puerpério (fator de confusão), como devidamente discutido no corpo do presente laudo. A gravidade do quadro e sua evolução desfavorável também foram influenciadas por fatores próprios ao estado gravídico e puerperal da paciente (alterações anatômicas provocadas pelo aumento do útero e imunossupressão).” (grifos acrescidos) Dos quesitos e suas respostas, merecem destaque os seguintes fragmentos do laudo pericial (mov. 407.1): “VI a. Quesito do Juízo (mov. 344.1)Informe o Sr. Perito, se é possível afirmar a ocorrência de falha de diagnóstico e tratamento de apendicite na parturiente. R: Não existem evidências de falhas diagnóstica ou terapêutica nos autos.O diagnóstico de apendicite aguda, no caso da Srta. Elen Cristina da Silva, foi inegavelmente tardio, o que levou a uma série de complicações e seu subsequente óbito. Entretanto, as condutas adotadas pela equipe médica foram condizentes com o quadro clínico observado, em cada uma das suas fases, como detalhadamente discutido no item ‘IVb’ do presente laudo. [...]VI b. Quesitos da Autora (mov. 1.69)[...]6 - Quais as chances de sobrevivência de ELEN CRISTINA caso tivesse tido outro tipo de atendimento? R: Prejudicado. Impossível determinar.[...]VI c. Quesitos do Reclamado (mov. 1.71)4 - Diga o (a) Sr. (a) perito (a), de acordo com as fichas de atendimento, se a avaliação materno-fetal realizada nas datas de 21/05/2009, 11/07/2009, 12/07/2009, 13/07/2009 e 14/07/2009 indicava sintomas anormais e que impusessem o internamento imediato da paciente; R: Nas avaliações de 21/05/2009, 11/07/2009 e 12/07/2009, não.Em 13 e 14/07/2009 já haviam sinais de início de trabalho de parto, e a necessidade de internamento deveria obedecer a critérios obstétricos.[...]VI d. Quesitos do Ministério Público (mov. 397.1)[...]6. O diagnóstico da apendicite ocorreu antes ou após o parto?R: Após o parto. O diagnóstico efetivo de apendicite somente foi estabelecido durante a cirurgia realizada em 17/07/09.[...]13. Quais foram os procedimentos adotados pelos médicos? Eles foram compatíveis/adequados ao quadro da paciente? Justifique.R: As condutas médicas adotadas no caso em debate estão devidamente elencadas e discutidas no item ‘IV b. Análise Técnica Pericial’. As condutas foram compatíveis com o quadro clínico apresentado, pelas razões consignadas no corpo deste laudo.14. Havia condutas ou procedimentos médicos que poderiam ter evitado o resultado danoso? Em caso positivo, quais?R: Analisando o caso de forma retrospectiva, pode-se supor que o tratamento cirúrgico mais precoce possivelmente teria evitado as complicações, mas não existe meio de se ter certeza neste sentido.15. A insuficiência/precariedade de equipamentos de exame e diagnóstico (ex. de ultrassonografia) contribuiu para o resultado danoso? Justifique.R: Não. A ultrassonografia é um exame complementar e, como seu próprio nome sugere, ele é empregado para complementar a avaliação clínica, que o parâmetro mais importante.16. Que fatores ocasionaram a demora no diagnóstico? Essa demora contribuiu para o resultado danoso? R: Os principais fatores que levaram a demora no diagnóstico foram a apresentação clínica atípica (ausência de qualquer dos sintomas clássicos da doença) e desenvolvimento da enfermidade simultaneamente com o trabalho de parto/puerpério (fator de confusão). A demora foi um dos fatores que contribuíram para o resultado danoso.” (grifos acrescidos) Portanto a perícia considerou que o diagnóstico foi efetivamente tardio, mas que a demora é justificável diante da atipicidade da apresentação de sintomas clássicos da apendicite, ao menos no início do atendimento, e da peculiaridade da condição gestacional da paciente. E, embora o magistrado, em atenção ao princípio da livre convicção, não deva ficar adstrito à prova pericial, podendo decidir segundo as regras de experiência e demais elementos probatórios, não há nos autos prova capaz de refutar as conclusões da perícia, notadamente no sentido de que as queixas da falecida eram atípicas ao quadro de apendicite. Igualmente, não há qualquer indicativo contundente de que a moléstia pudesse ser verificada com facilidade e que a equipe médica do hospital requerido tivesse deixado de realizar testes clínicos ou laboratoriais capazes de auxiliar o diagnóstico. De se consignar que, consoante doutrina especializada, a constatação de erro médico não decorre apenas a partir da existência de um de diagnóstico posteriormente não confirmado, mas também passa, necessariamente, pela averiguação da adequação da conduta médica diante das peculiaridades do caso. Confira-se, a esse respeito, a lição do ilustre doutrinador Miguel Kfouri Neto, na sua obra “Responsabilidade Civil do Médico”, 3ª edição em e-book baseada na 10ª edição impressa, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019: “Não é propriamente o erro de diagnóstico que incumbe ao juiz examinar, mas sim se o médico teve culpa no modo pelo qual procedeu ao diagnóstico, se recorreu, ou não, a todos os meios a seu alcance para a investigação do mal, desde as preliminares auscultações até os exames radiológicos e laboratoriais – tão desenvolvidos em nossos dias, mas nem sempre ao alcance de todos os profissionais –, bem como se à doença diagnosticada foram aplicados os remédios e tratamentos indicados pela ciência e pela prática.Fernanda Schaefer observa, com agudeza: ‘Pode-se então dividir o erro de diagnóstico em evitável e inevitável. Serão inevitáveis quando decorrentes das próprias limitações da medicina, ou seja, são inúmeras as doenças ainda não catalogadas e outras tantas das quais não se conhecem as causas, os avanços tecnológicos às vezes não se mostram suficientes para determinar um correto diagnóstico. Não constituem faltas graves; portanto, não são puníveis.’” Nesse contexto, embora evidente o sofrimento da paciente e que o desfecho trágico acarretou dor imensurável nas requerentes, a primeira demandada logrou êxito em comprovar que o atendimento médico ofertado foi adequado, que o diagnóstico inicial era condizente com as queixas e o estado de gravidez da falecida e que o diagnóstico tardio da apendicite restou plenamente justificável na espécie.A propósito do tema, destacam-se as decisões desta Corte de Justiça em casos análogos: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. FÍSTULA VESICO-VAGINAL. ALEGAÇÃO DE ERRO NA REALIZAÇÃO DE PARTO CESÁREO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO TARDIO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PROVA TESTEMUNHAL E PERICIAL SUFICIENTES PARA RECONHECER A ADEQUAÇÃO DA CONDUTA DO PROFISSIONAL MÉDICO. RISCO INERENTE AO PRÓPRIO PROCEDIMENTO. TRATAMENTO PRESCRITO APROPRIADO. ERRO MÉDICO NÃO CARACTERIZADO. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS. CABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO” (TJPR - 9ª C. Cível - 0000080-76.2015.8.16.0014 - Londrina - Rel.: Desembargador Arquelau Araujo Ribas - J. 30.03.2020). “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ÓBITO FETAL. PARTO PREMATURO. SUPOSTO ERRO MÉDICO. AUTORA QUE RECEBEU ALTA, RETORNANDO AO HOSPITAL NO MESMO DIA. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO QUE TERIA SIDO REALIZADO TARDIAMENTE, O QUE OCASIONOU A MORTE DO FETO PREMATURO. APLICAÇÃO DO CDC. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO MÉDICO E OBJETIVA DO HOSPITAL. OBRIGAÇÃO DE MEIO. PROVA PERICIAL QUE EVIDENCIOU A CORRETA ADOÇÃO DO TRATAMENTO EM CONFORMIDADE COM A LITERATURA MÉDICA. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS NÃO VERIFICADA. NEXO CAUSAL NÃO CONFIGURADO. QUADRO IMPREVISÍVEL QUE NÃO PODE SER ATRIBUÍDO COMO ERRO MÉDICO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO” (TJPR - 9ª C. Cível - 0030893-03.2017.8.16.0019 - Ponta Grossa - Rel.: Juiz Guilherme Frederico Hernandes Denz - J. 09.03.2020). “CÍVEL. APELAÇÃO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO PELA REALIZAÇÃO DE PARTO NORMAL AO INVÉS DE CESARIANA. MORTE DO FETO POR ANÓXIA POR COMPRESSÃO DO CORDÃO UMBILICAL DECORRENTE DE DISTÓCIA DE OMBRO. EMERGÊNCIA OBSTÉTRICA (DIFICULDADE DE PASSAGEM DO OMBRO DO FETO APÓS A DA CABEÇA DO FETO, PELA SÍNFISE PÚBICA). INOCORRÊNCIA DE CONDUTA CULPOSA NA ESCOLHA DA MODALIDADE DE PARTO. PROVA PERICIAL MÉDICA QUE CONCLUIU QUE AS CONDIÇÕES DA GESTANTE, AO SER INTERNADA EM TRABALHO DE PARTO, FAVORECIAM O PARTO VAGINAL, BEM COMO QUE AS CONDIÇÕES DELA E DO FETO NÃO IMPUNHAM A REALIZAÇÃO DE CESÁREA. COMPLICAÇÃO DE DIFÍCIL PREVISÃO E DE ALTA MORBIMORTALIDADE. CULPA NÃO CONFIGURADA. SUJEIÇÃO DA AUTORA A CURETAGEM, DIAS APÓS O PARTO PARA RETIRADA DE SUPOSTOS RESTOS PLACENTÁRIOS NO ÚTERO. LAUDO PERICIAL QUE APONTA DIVERSAS HIPÓTESES PARA O FATO, EXCLUINDO ERRO MÉDICO. HIPÓTESE, ADEMAIS, DE AUSÊNCIA DE DANOS DECORRENTES DA RETENÇÃO PLACENTÁRIA OU DO PROCEDIMENTO DE CURETAGEM. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL. SENTENÇA CONFIRMADA. RECURSO NÃO PROVIDO. Demonstrado pela prova dos autos que o tratamento médico dispensado à autora foi adequado ao caso concreto, inexistindo conduta negligente ou imperita, não há que se falar em responsabilidade civil dos requeridos nem, consequentemente, em dever de indenizar” (TJPR - 10ª C. Cível - AC - 1451100-3 - Pitanga - Rel.: Desembargadora Lilian Romero - Unânime - J. 01.09.2016). Desse modo, não evidenciada qualquer responsabilidade imputável à requerida, de rigor o provimento do apelo, com a reforma da sentença no capítulo atinente ao hospital apelante, julgando-se improcedente a pretensão autoral, uma vez não demonstrada a culpa médica.Por fim, imperiosa a modificação da sentença para adequação da sucumbência, condenando-se as demandantes ao pagamento da integralidade das custas processuais, além dos honorários advocatícios aos procuradores do recorrente, os quais, em conformidade com o artigo 85, §§ 2º e 9º, do Código de Processo Civil, fixo em 15% (quinze por cento) do proveito econômico do apelante, ou seja, incidente sobre o montante resultante da soma das obrigações vencidas acrescidas de 12 (doze) prestações vincendas que o recorrente logrou afastar, sem prejuízo dos honorários advocatícios devidos ao procuradores dos demais requeridos, definidos na sentença em capítulo não impugnado.Por fim, consigne-se a suspensão da obrigação em razão de serem as autoras beneficiárias da Justiça Gratuita, conforme determina o artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil. DIANTE DO EXPOSTO, voto no sentido de conhecer e dar provimento ao apelo interposto pelo Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, mantenedora do Hospital e Maternidade Alto Maracanã.
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