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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ 4ª CÂMARA CÍVEL - PROJUDI RUA MAUÁ, 920 - ALTO DA GLORIA - Curitiba/PR - CEP: 80.030-901 Autos nº. 0003343-69.2019.8.16.0146 Apelação / Remessa Necessária n° 0003343-69.2019.8.16.0146 Vara da Fazenda Pública de Rio Negro Apelante(s): ESTADO DO PARANÁ Apelado(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Relatora: Desembargadora Regina Helena Afonso de Oliveira Portes APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - PESSOA COM DEFICIÊNCIA E EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE –ACOLHIMENTO EM RESIDÊNCIA INCLUSIVA – ACESSO AOS SERVIÇOS ASSISTENCIAIS GARANTIDO CONSTITUCIONALMENTE – RESPONSABILIDADE DO ESTADO DO PARANÁ –DESNECESSIDADE DE O MUNICÍPIO DE QUITANDINHA FIGURAR NO POLO PASSIVO DA DEMANDA – RECURSO DESPROVIDO – SENTENÇA MANTIDA. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível e Reexame Necessário nº 0003343-69.2019.8.16.0146, da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Rio Negro em que é oApelante ESTADO DO PARANÁ e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.Apelado I – RELATÓRIO: Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Estado do Paraná contra os termos da sentença de mov. 97.1, proferida em sede de Ação de Obrigação de Fazer ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Paraná, pela qual o Magistrado singular julgou procedente o pedido inicial e determinou que o ente estatal proceda ao acolhimento do Sr. Lauro Calimam Moyses em entidade de residência inclusiva, a ser custeada pelo Estado caso não seja disponibilizada vaga em unidade estatal própria. Em suas razões recursais (mov. 106.1), o Apelante sustenta que a sentença deveria ter envolvido o dever do ente municipal de participar do custeio do acolhimento institucional, o qual deve ser ofertado em serviço da política de assistência social do Município; que o Supremo Tribunal Federal já se posicionou quanto ao dever constitucional do Município em relação à prestação de serviços residenciais terapêuticos, na decisão monocrática proferida no julgamento do RE 812626/RS; que a internação e o acolhimento são medidas distintas que não ocorrem no mesmo espeço e não são executadas pelo mesmo serviço; que, não havendo na rede pública de Quitandinha unidade de residência inclusiva que possa suprir a presente demanda, o Município deve desenvolver estratégias alternativas, como a contratação de vaga em Organização da Sociedade Civil – OSC ou entidade privada de prestação de serviço similar; que a atuação do Estado deve ser supletiva; que a inserção de pessoa em serviços de assistência social regionalizado, de responsabilidade do Estado do Paraná, não se dá automaticamente na hipótese de insuficiência dos serviços municipais, a qual também não restou demonstrada. Requer o provimento do recurso, a fim de que seja anulada a sentença para que seja incluído o Município de Quitandinha no polo passivo. Contrarrazões apresentadas ao mov. 109.1, pelas quais o Apelado alega que o Apelante se limitou a copiar os argumentos já utilizados em sede de contestação, motivo pelo qual defende a inépcia do recurso por violação ao princípio da dialeticidade. No mérito, pugna pelo desprovimento do apelo. Parecer da Procuradoria Geral de Justiça ao mov. 9.1 (TJ) pelo conhecimento e desprovimento do recurso de apelação, com a manutenção da sentença. É o relatório. II – VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: Preliminarmente, consigno que a alegação do Apelado no sentido de que o recurso não deve ser conhecido diante da violação do princípio da dialeticidade não merece prosperar. Isso porque, apesar de o Apelante repetir os argumentos já expostos em sede de contestação, há impugnação específica dos fundamentos utilizados na sentença. Sendo assim, presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso interposto. O Ministério Público do Estado do Paraná ajuizou Ação de Obrigação de Fazer em face do Estado do Paraná, visando o encaminhamento de Lauro Calimam Moyses à residência inclusiva, em razão de quadro de retardo mental moderado (CID F71.1), epilepsia, déficit cognitivo, agitação psicomotora, alucinações auditivas e comportamento agressivo, com proferimento de ameaças de morte e quebra de objetos, além de ausência de vínculos familiares próximos, devido ao fato de seus genitores terem falecido, não havendo pessoas que possam lhe dispensar cuidados no ambiente em que reside. Ao sentenciar, o Magistrado singular julgou procedente o pedido inicial e determinou que o ente estatal proceda ao acolhimento do Sr. Lauro Calimam Moyses em entidade de residência inclusiva, a ser custeada pelo Estado caso não seja disponibilizada vaga em unidade estatal própria. Inconformado com os termos da decisão, o Estado do Paraná interpôs o presente recurso de apelação. Pois bem. Primeiramente, entendo que a alegação do Apelante no sentido de que o custeio do serviço de residência inclusiva é de responsabilidade do Município de Quitandinha, não merece prosperar. O acolhimento institucional é medida de assistência social que constitui política pública de garantia do mínimo existencial para as pessoas com deficiência, de modo que a omissão do poder público ou a insuficiência na oferta do serviço configura afronta à dignidade da pessoa humana, a qual deve ser respeitada de maneira incondicional pelo Estado. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015) impõe a adoção de providências para a implementação de residências inclusivas, conforme se vê: Art. 31. A pessoa com deficiência tem direito à moradia digna, no seio da família natural ou substituta, com seu cônjuge ou companheiro ou desacompanhada, ou em moradia para a vida independente da pessoa com deficiência, ou, ainda, em residência inclusiva. § 2º A proteção integral na modalidade de residência inclusiva será prestada no âmbito do Suas à pessoa com deficiência em situação de dependência que não disponha de condições de autossustentabilidade, com vínculos familiares fragilizados ou rompidos. Art. 33. Ao poder público compete: I - adotar as providências necessárias para o cumprimento do disposto nos arts. 31 e 32 desta Lei; e Consoante estabelece o artigo 23, inciso II, da Constituição Federal, é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e da assistência pública, bem como da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência, razão pela qual os entes integrantes da federação atuam em cooperação administrativa recíproca, visando alcançar os objetivos descritos pela Constituição. Nesse contexto, a norma Operacional Básica do Sistema único de Assistência Social (NOB/SUAS 2012) estabelece que Art. 4º São seguranças afiançadas pelo SUAS: I - acolhida: provida por meio da oferta pública de espaços e serviços para a realização da proteção social básica e especial, devendo as instalações físicas e a ação profissional conter: h) oferta de uma rede de serviços e de locais de permanência de indivíduos e famílias sob curta, média e longa permanência. Art. 15. São responsabilidades dos Estados: IV - organizar, coordenar e prestar serviços regionalizados da proteção social especial de média e alta complexidade, de acordo com o diagnóstico socioterritorial e os critérios pactuados na CIB e deliberados pelo CEAS; Da Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, que aprovou a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, extrai-se que o serviço de residência inclusiva é uma modalidade de acolhimento institucional e, portanto, caracteriza-se como Serviço de Proteção Social Especial de Alta Complexidade, conforme se vê: Art. 1º. Aprovar a Tipificação nacional de Serviços Socioassistenciais, conforme anexos, organizados por níveis de complexidade do SUAS: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade, de acordo com a disposição abaixo: (...) -III Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade: a) Serviço de Acolhimento Institucional, nas seguintes modalidades: - abrigo institucional; - -Casa Lar; -Casa de Passagem; - .Residência Inclusiva Desta forma, sendo a residência inclusiva uma unidade de serviço de acolhimento institucional e, portanto, enquadrada no âmbito da Proteção Social Especial de Alta Complexidade, o Estado do Paraná tem o dever de disponibilizar vaga para o substituído no presente caso. Ainda, faz-se oportuno destacar que a Lei nº 8.742/1993, que dispõe sobre a organização da assistência social, prevê: Art. 15. Compete aos Municípios: (...) V - prestar os serviços assistenciais de que trata o art. 23 desta lei. Art. 23. Entendem-se por serviços socioassistenciais as atividades continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações, voltadas para as necessidades básicas, observem os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidos nesta Lei. Já o artigo 13 do mesmo diploma legal dita que Art. 13. Compete aos Estados: V - prestar os serviços assistenciais cujos custos ou ausência de demanda municipal justifiquem uma rede regional de serviços, desconcentrada, no âmbito do respectivo Estado. De acordo com a Política Nacional de Assistência Social instituída pela Resolução nº 145/2004 do Conselho Nacional de Assistência Social, nos municípios com mais de 101.000 habitantes, ou seja, de grande porte, a rede de assistência social deve ser mais complexa e diversificada, envolvendo rede de proteção especial de média e alta complexidade, além de serviços de proteção social básica. Entretanto, conforme se extrai do sítio eletrônico do IBGE, a população estimada do Município de Quitandinha em 2019 era de 19.049 pessoas, o que configura o referido ente como município de pequeno porte.[1] Assim, é dever do Estado dar suporte aos Municípios de pequeno porte quando a rede de assistência social for insuficiente para casos de acolhimentos institucionais complexos. Sendo o Município de Quitandinha considerando como de pequeno porte, não há justificativa para que haja a implantação de uma rede de atendimento de pessoas com deficiência abrangidas pela Assistência Social de Média e Alta Complexidade, na qual se enquadra a residência inclusiva. Deste modo, a inclusão do ente municipal no feito não se faz necessária, ao contrário do que faz crer o Apelante. Supremo Tribunal Federal ter se posicionado quanto aoNeste ponto, cumpre salientar que, apesar de o dever constitucional de município em relação à prestação de serviços residenciais terapêuticos, na decisão monocrática proferida no julgamento do RE 812626/RS, tal caso não se assemelha ao exposto nos presentes autos, uma vez que aquele feito envolvia município de grande porte. Por fim, ressalto que o direito de o substituído ser acolhido em residência inclusiva restou demonstrado. De acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se: X - residências inclusivas: unidades de oferta do Serviço de Acolhimento do Sistema Único de Assistência Social (Suas) localizadas em áreas residenciais da comunidade, com estruturas adequadas, que possam contar com apoio psicossocial para o atendimento das necessidades da pessoa acolhida, destinadas a jovens e adultos com deficiência, em situação de dependência, que não dispõem de condições de autossustentabilidade e com vínculos familiares fragilizados ou rompidos; Por meio dos documentos acostados aos autos, verifica-se que Lauro Caymam Moyses apresenta quadro de retardo mental moderado (CID F71.1), epilepsia, déficit cognitivo, agitação psicomotora, alucinações auditivas e comportamento agressivo, com proferimento de ameaças de morte e quebra de objetos, além de ausência de vínculos familiares próximos, devido ao fato de seus genitores terem falecido, não havendo pessoas que possam lhe dispensar cuidados no ambiente em que reside. Assim, sendo o substituído adulto com deficiência, com situação de dependência e sem vínculos familiares, o acolhimento deste em residência inclusiva se mostra adequado. Feitas essas considerações, voto no sentido de negar provimento ao recurso de apelação e manter a sentença em sede de reexame necessário. [1] Disponível em: < https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pr/quitandinha/panorama>. III – DECISÃO: Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 4ª Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso e manter a sentença em sede de reexame necessário. O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargadora Regina Helena Afonso De Oliveira Portes (relatora), com voto, e dele participaram Desembargador Abraham Lincoln Merheb Calixto e Desembargadora Maria Aparecida Blanco De Lima. 04 de maio de 2020 Desembargadora Regina Helena Afonso de Oliveira Portes Relatora
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