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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ 5ª CÂMARA CÍVEL - PROJUDI RUA MAUÁ, 920 - ALTO DA GLORIA - Curitiba/PR - CEP: 80.030-901 Autos nº. 0006010-44.2020.8.16.0000 Agravo de Instrumento n° 0006010-44.2020.8.16.0000 9ª Vara Cível de Curitiba Agravante(s): Hilmo Wunsch Agravado(s): Edson Luiz de Oliveira e DELMA RONSSEM Relator: Desembargador Nilson Mizuta AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. TOMADA DE DECISÃO APOIADA. O AUTOR SUPOSTAMENTE VULNERÁVEL, MAS NÃO INCAPAZ, EM PRINCÍPIO. A TOMADA DE DECISÃO APOIADA DEVE SER COMPREENDIDO COMO INSTRUMENTO DE APOIO PARA O EXERCÍCIO DA CAPACIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, E NÃO LIMITADOR DE SUA AUTONOMIA E LIBERDADE. A ELE DEVE SER GARANTIDO O PLENO EXERCÍCIO DA CIDADANIA. RECOMENDAÇÃO A OBSERVANCIA AO ART. 1.783-A, § 3º, DO CPC/2015, COM A OUVIDA DA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR E O MINISTÉRIO PÚBLICO ANTES DE SE PRONUNCIAR SOBRE O PEDIDO DE TOMADA DE DECISÃO APOIADA. RECURSO PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Agravo de Instrumento nº 0006010-44.2020.8.16.0000, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - 9ª Vara Cível, em que são: agravante HILMO WUNSCH e agravados DELMA RONSSEM e EDSON LUIZ DE OLIVEIRA e interessados ROSIE MARIE WUNSCH, VÂNIA MARA WUNSCH e WILMA JOSEANE WUNSCH. RELATÓRIO Hilmo Wunsch ajuizou a ação declaratória de nulidade de escritura pública de compra e venda de imóvel em face de Edson Luiz de Oliveira e Delma Ronssem. De início, invocou o autor o instituto civil da tomada de decisão apoiada por ser portador de diversas doenças próprias da velhice, que o incapacitam para a tomada de decisão sobre atos da vida civil. Relatou o autor que da primeira núpcia teve três filhas. Após o divórcio, contraiu segunda núpcia com Delma Ronssem, mãe de Edson Luiz de Oliveira. Atualmente encontra-se vivendo na Casa de Repouso Recanto das Hortências (Lar para Idosos), somente com a assistência material de suas filhas. Afirmou ter sido vítima de negócio jurídico simulado, pois o réu Edson aproveitando-se da idade avançada do autor e da convivência diária, simulou com ele compra e venda de imóvel quando na verdade, pela ausência de pagamento do preço pretensamente ajustado, tratava-se de uma doação. Aduziu jamais ter pretendido doar o único bem imóvel que tinha, e somente descobriu a simulação após contar para suas filhas o negócio que antes firmara. As filhas ao analisarem o documento lhe informaram que a escritura que assinara anteriormente tratava-se Escritura de Compra e Venda, cujo preço nela indicado nunca lhe foi pago. Descreveu as relações pessoais como a cônjuge e o filho dela, oriundo de matrimônio anterior, ora réus na demanda. Ressaltou que, após ter casado com a ré, conviveu no seu próprio domicilio, por ele sozinho adquirido já que à época era divorciado, até fins de 2018, assim constituído: "...Lote de terreno sob n2 01 (um), da quadra ne 03 (três), da Planta Jardim São Braz, situado nesta Capital com a área total de 495,00m2, cadastrado junto à Prefeitura Municipal de Curitiba-PR sob a indicação fiscal n° 39-069-001-000-0, com demais limites e características constantes da matrícula n° 42.455 do Cartório de Registro de Imóveis da Bg Circunscrição desta Comarca...", conforme consta da Escritura Pública de Venda e Compra lançada às fls. 042, do Livro n2 0199-E (Protocolo /0), do Serviço Distrital do Campo Comprido, desta cidade, em 13/08/2010, bem como do R. 2/42.455, da sobredita Matricula, da 8ª CRI desta Capital, em 30/10/1986. O réu sabendo do valor do imóvel e da sua excelente localização, aproveitou-se da proximidade com seu padrasto, com o auxílio da sua genitora, convenceu o autor a ceder-lhe o imóvel. A proposta feita consistia na edificação de um condomínio com três sobrados, dos quais um seria destinado ao autor como meio de pagamento pelo imóvel doado. A fim de concretizar o negócio firmaram escritura pública de compra e venda. Posteriormente, apurou-se tratar de doação, pois não houve qualquer pagamento ou contraprestação. Alegou, ainda, que na escritura de compra e venda não constou a existência de edificação no imóvel. Também, a cônjuge foi qualificada como assistente, sem a necessária outorga uxória. Depois de três dias da assinatura da escritura, foi averbado o casamento da sua mãe Delma na matrícula do imóvel. Discorreu sobre: (i) a fraude perpetrada pelos réus, com a complacência do escrivão, contra o autor; (ii) as consequências geradas pela fraude; (iii) o direito aplicável à espécie; (iv) a ausência de pagamento ou mesmo transferência de um dos sobrados construídos no terreno para o autor; (v) o reconhecimento da nulidade do negócio; (vi) a não ocorrência de prescrição ou de decadência do direito do autor; (vii) a ofensa ao direito fundamental de propriedade; (viii) do enriquecimento sem causa; (ix) a aplicabilidade do Estatuto do Idoso; (x) da intervenção do Ministério Público. Requereu: “em sede antecipação de tutela de urgência, seja desde logo seja determinada a averbação desta lide na Matrícula do sobredito imóvel, com proibição judicial de qualquer tipo de oneração e/ou incidência de gravame particular, e bloqueio judicial para vedação de comprometimento e/ou venda/oneração particular total ou parcial do aludido prédio urbano, além de outras providências que esse r. Juízo entenda convenientes e/ou aplicável ao caso concreto; 90.1. Mais: ainda em antecipatória de tutela de urgência, pede também o Autor que a exclusivo critério desse d. Juízo, pede seja determinada logo no primeiro despacho do feito a proibição para que o Réu continue recebendo aluguéis dos sobrados existentes no imóvel, com determinação para que os(as) locatários(as) depositem em contas judiciais subordinadas ao(à) d. Julgador(a) os respectivos aluguéis, até quando assim se entender conveniente/necessário;”. No mérito, pugnou pela procedência do pedido, condenando-se os réus nos ônus de sucumbência (mov. 1.1). A MM. Juíza Drª Michela Vechi Saviato deferiu “PARCIALMENTE a liminar, apenas para o fim de determinar a expedição de Ofício ao 8° Cartório de Registro de Imóveis de Curitiba para que providencie anotação na matrícula de n° 42.455, indicando a existência de ação declaratória de nulidade de ato jurídico sob o nº 0026713-27.2019.8.16.0001 perante a 9ª Vara Cível de Curitiba/PR.” (mov. 17.1). Os Embargos de Declaração opostos (mov. 32.1) foram acolhidos para indeferir o pleito, não analisado, da tomada de decisão apoiada (mov. 38.1). Os novos Embargos de Declaração opostos (mov. 41.1) foram rejeitados (mov. 46.1). Inconformado o autor interpôs o presente Agravo de Instrumento contra a decisão que indeferiu o pleito de homologação da tomada de decisão apoiada (mov. 38.1). Alega o agravante que, diante da idade avançada, quase 90 anos, requereu o apoio das filhas para ajuizamento da ação declaratória de nulidade de escritura pública de compra e venda de imóvel ante a ocorrência de simulação, através do instituto da tomada de decisão apoiada. Sustenta que o fato de ter reconhecido que sua capacidade é relativa em função dos lapsos de memória, decorrente da própria idade avançada, não pode ser tido como fato impeditivo para a homologação do termo de apoio. Os deficientes, entre eles os portadores de transtornos mentais de qualquer natureza, deixaram de ser considerados incapazes or conta da nova redação dos arts. 3º e 4º do Código Civil. Relata que, diante de sua atual condição, não pode ser considerado absolutamente incapaz, mais sim relativamente incapaz, configurando eventualmente a hipótese prevista no art. 4º, III, do Código Civil. Além disso, a tomada de decisão apoiada é um instituto que promove a dignidade da pessoa humana, apoiando o exercício da autonomia, reconhecendo a liberdade e independência de quem goza de capacidade (ainda que relativa), mas precisa de auxílio para exercer plenamente seus direitos. De fato, com a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a regra passou a ser a garantia do exercício da capacidade legal pelo portador de transtorno mental de qualquer natureza, em igualdade de condições com os demais sujeitos, como estabelecido no seu art. 88. Requer a concessão da antecipação da tutela recursal para: “deferir os efeitos da Tomada de Decisão Apoiada enquanto não for julgado o presente Agravo; bem como para que, ao final, dê-se total provimento ao Recurso, homologando-se o Termo de Decisao Apoiada juntado no Mov. 1.2.”. No mérito, almeja o provimento do recurso para reformar a decisão agravada. Foi concedido o pedido de tutela recursal (mov. 5.1). Não houve oferecimento de contrarrazões. VOTO Inseriu-se no sistema do Código Civil, através do novo artigo 1.783-A, novo modelo alternativo ao da curatela, que e o da tomada de decisão apoiada. Neste, por iniciativa da pessoa com deficiência, são nomeadas pelo menos duas pessoas idôneas ‘com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da ’.vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade E modelo que guarda certa similaridade com a ideia da assistência, mas que com ela não se confunde, já que o .sujeito que toma a decisão apoiada não e incapaz Como então a deficiência não e sinônimo de incapacidade e limitação – fenômenos estes produzidos socialmente –, o art. 84 da Lei n. 13.146/2015 consagra que a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas, e somente terá restringido esse exercício de seus direitos por si próprio em situações excepcionais, por meio da curatela ou do instituto novo da tomada de decisão apoiada. Frisa-se que nesses dois institutos a intenção será sempre a de proteger a pessoa com deficiência quando extraordinariamente estiver em dificuldade de realizar algum direito. Já a tomada de decisão apoiada, criação da LBI, a partir de seu art. 116 e do art. 12 da Convenção (CDPD), não restringe o exercício dos direitos da pessoa com deficiência, mas se trata de uma salvaguarda para que aquela pessoa, em situação pontual, principalmente em casos que necessite contratar, negociar ou transigir com terceiros, sejam pessoas físicas ou jurídicas, ou seja, tomar uma decisão importante em que a sua situação de hipossuficiência possa interferir negativamente naquele ajuste, não seja prejudicada. Para isso, pode ela dispor e indicar duas pessoas de sua confiança para orienta-lá e acompanha-lá na realização de atos da vida civil, fornecendo esses auxiliares, com os quais ela mantém vínculos afetivos ou profissionais, os elementos e as informações necessários para que possa exercer sua capacidade. Esses auxiliares ou acompanhantes na tomada de decisão deverão assumir compromisso formal perante a Justiça e prestar contas na mesma forma preconizada na interdição, sob pena de destituição e responder por danos na esfera cível e penal. A tomada de decisão apoiada e prerrogativa personalíssima da pessoa com deficiência, só ela e legitimada para solicitar esse apoio ao Judiciário. Também poderá fazer por meio de advogado, defensor público ou até mesmo do Ministério Público. Mas a iniciativa, o pedido, parte da pessoa com deficiência interessada, inclusive indicando os dois acompanhantes de sua confiança. O que o juiz, com a equipe multiprofissional, e o próprio parecer do Ministério Público, vai avaliar e se o pedido e pertinente e se os acompanhantes. Indicados possuem condições legais, técnicas e morais para assumir a responsabilidade de orientar o interessado no ato que precise de apoio. Se o juiz indeferir o pedido e não houver recurso, o processo se extingue. Caso, no decorrer do processo, for verificado que e melhor uma interdição ao interessado, se ele quiser, ou um dos legitimados do art. 1.768 do Código Civil, terá que propor nova ação de curatela nos moldes preconizados pelo Código de Processo Civil de 2015. A tomada de decisão apoiada e a interdição são institutos distintos, não se confundem, mas os dois são para a proteção e a garantia dos direitos das pessoas com deficiência, sempre resguardando sua autonomia. Feita esta breve e necessária exposição, passa-se a análise do pleito recursal. O Código de Processo Civil em seu art. 1.783-A dispõe :verbis “Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)” No caso, a tomada de decisão apoiada foi indeferida, ante pleito do Ministério Público e reconhecimento do juízo da ausência de capacidade de discernimento do autor, consubstanciado no laudo médico juntados aos autos. Entretanto, nesta fase de cognição sumária, não se identifica, de pronto, a ausência de discernimento do agravante, já que no laudo médico ora juntado o paciente respondeu todas as questões formuladas pelo médico, relatando pontos relevantes de sal vida passada. Constou do laudo que o paciente apresenta lapso de memória, de forma eventual, demência senil, bronquite crônica e síndrome da perna inquieta :in verbis Todavia, estas situações não permitem concluir, desde logo, sobre a ausência de discernimento do agravante. O autor é vulnerável, mas não incapaz, em princípio. Nessa toada, o instituto da tomada de decisão apoiada deve ser compreendido como instrumento de apoio para o exercício da capacidade da pessoa com deficiência, e não limitador de sua autonomia e liberdade. A ele deve ser garantido o pleno exercício da cidadania. Não bastasse isso, o r. juízo poderia valer-se da faculdade prevista no art. 1.783-A, § 3º, do CPC/2015, qual seja, ouvir a equipe multidisciplinar e o Ministério Público “antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada, o juiz, assistido por equipe multidisciplinar, após oitiva do Ministério Público, ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)”. Em sendo assim, nesta fase recursal, identifica-se a probabilidade do direito sustentado pelo agravante. De igual modo, se faz presente o perigo de dano, pois o prosseguimento do feito com dúvida razoável sobre a capacidade do agravante poderá eivar de nulidade eventuais e futuros atos praticados no feito, sem o auxílio dos apoiadores. Do exposto, voto no sentido de dar provimento ao Agravo de Instrumento interposto por HILMO WUNSCH para reformar a decisão agravada que indeferiu a tomada de decisão apoiada, sem antes de ouvir a equipe multidisciplinar, após oitiva do Ministério Público, nos termos doart. 1.783-A, § 3º, do CPC/2015. . Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 5ª Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E PROVIDO o recurso de Hilmo Wunsch. O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargador Luiz Mateus De Lima, sem voto, e dele participaram Desembargador Nilson Mizuta (relator), Desembargador Carlos Mansur Arida e Desembargador Leonel Cunha. 17 de julho de 2020 Desembargador Nilson Mizuta Juiz (a) relator (a)
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