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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I - RELATÓRIO1. Cuida-se de Ação Rescisória proposta pelo Município de Santa Mariana em face de Alice Todan Guiraldelli, visando rescindir a sentença proferida pelo MM. Dr. Juiz da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Santa Mariana, em Ação de Cobrança autuada sob o nº 996-55.2013.8.16.0152.Na petição inicial, o autor sustentou que (a) a ação de cobrança ajuizada pela ora ré tinha por objeto a condenação ao pagamento de auxílio alimentação a partir de janeiro de 2012, por força do que dispunha o artigo 117-A da Lei Complementar 02/2000 , incluído pela Lei Complementar Municipal nº 01/2012; (b) o pedido foi julgado procedente, o que foi mantido em grau recursal. No entanto, as decisões violaram norma jurídica; (c) o benefício de auxílio alimentação, objeto da condenação, está vinculado ao salário mínimo, em flagrante afronta ao disposto no artigo 7º, inciso IV da Constituição Federal ; (d) a decisão também é contrária à Súmula Vinculante nº 04 do Supremo Tribunal Federal , ao artigo 33, §3º da Constituição do Estado do Paraná e ao artigo 927, inciso II do Código de Processo Civil ; (e) ainda, após o trânsito em julgado, foi declarada a inconstitucionalidade do artigo 117-A da Lei Complementar 02/2000, com a alteração introduzida pela Lei Complementar Municipal nº 01/2012, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (ação direta de inconstitucionalidade nº 1.747.260-1 decisão publicada no dia 19.08.2019); (f) no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o entendimento foi mantido por decisão do Ministro Roberto Barroso (Reclamação nº 37.367); (g) assim, o pedido rescisório está fundamentado em evidente violação à norma jurídica (art. 966, V, CPC ), bem como em existência de prova nova (art. 966, VII, CPC ); (h) a decisão de inconstitucionalidade possui efeitos imediatos e ex nunc para os servidores que já receberam a verba; e (i) no caso a ré não recebeu, encontrando-se o feito em fase de cumprimento de sentença.Assim, pugnou pela antecipação dos efeitos da tutela para suspender o cumprimento de sentença nos autos principais, determinando a liberação de eventuais valores constritos ou, então, a suspensão de qualquer ato constritivo. Ao final, requereu a anulação da sentença, com fundamento no artigo 966, incisos V e VII do Código de Processo Civil, com novo julgamento do processo.2. Por meio da decisão de mov. 5.1 foi deferida a tutela de urgência para suspender o procedimento de cumprimento da sentença rescindenda. 3. A ré Alice Todan Guiraldelli foi citada e apresentou contestação (mov. 16.1), alegando, preliminarmente, a inépcia da petição inicial, uma vez que não observou o requisito do artigo 319, inciso II do Código de Processo Civil . Pediu, assim, pela intimação da parte autora para a emenda da petição inicial. Sustentou, ainda, o transcurso do prazo de 02 anos para ajuizamento da ação rescisória. Prosseguiu com a narrativa histórica acerca do auxílio alimentação no Município de Santa Mariana. Disse que a utilização do salário mínimo como base para fixação da verba não é ilegal e difere da hipótese de vinculação/indexação vedada pela Constituição Federal. Sustentou que a decisão proferida na ADI nº 1.747.260-1 só produziu efeitos após a sua publicação, não atingindo fatos anteriores. Invocou o princípio da segurança jurídica e a coisa julgada, pleiteando pela improcedência dos pedidos iniciais.4. Intimado, o autor manifestou-se no mov. 20.1. 5. O Ministério Público manifestou-se pela não intervenção (mov. 23.1).É o relatório.
II VOTO6. Da análise dos autos, tem-se, em síntese, que: 6.1. Alice Todan Guiraldelli propôs ação de cobrança (autos nº 996-55.2013.8.16.0152) em face do Município de Santa Mariana pugnando pelo reconhecimento do seu direito à percepção de auxílio alimentação enquanto vigente o artigo 117-A da Lei Complementar Municipal nº 02/2000. Pediu, ainda, a condenação do ente municipal ao pagamento da verba, corrigida monetariamente e acrescida de juros legais, entre janeiro/2012 e julho/2012 e a partir de janeiro/2013 até a efetiva implantação na folha de pagamento.6.2. O pedido foi julgado parcialmente procedente (mov. 29.1):Diante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE, o pedido deduzido na presente demanda, a fim de CONDENAR o réu ao pagamento da rubrica auxílio alimentação à parte autora desde janeiro de 2013 até a efetiva implantação, nos termos do art. 117-A da Lei Complementar Municipal n.º 001/2012. Tais vantagem deverão ser corrigidas pelo INPC/IBGE, desde a data dos respectivos vencimentos, e os juros de mora são devidos a contar da citação, à razão de 1% ao mês e, desde 01/07/2009 (Lei nº 11.960/2009), passam a ser calculados com base na taxa de juros aplicáveis à caderneta de poupança (RESP 1.270.439). Interpostos recursos de apelação (mov. 34.1 e 35.1), a procedência dos pedidos foi mantida. A sentença foi complementada para (i) condenar o Município de Santa Mariana ao pagamento do auxílio alimentação a partir de 02.01/2012 até a efetiva implantação, ressalvada a possibilidade de compensação de valores já pagos sob a mesma rubrica; e (ii) determinar que os valores deverão ser corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora conforme art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997 (mov. 48.1) . O acórdão transitou em julgado no dia 30.08.2017 (mov. 48.1).6.3. Deu-se início, então, à fase de cumprimento de sentença (mov. 53.1), com a expedição da Requisição de Pequeno Valor (RPV) (mov. 70.1 e 130.1). Considerando que a Municipalidade não efetuou o pagamento no prazo legal, o Magistrado de 1º grau autorizou o bloqueio judicial de ativos financeiros (mov. 92.1). Foi bloqueado, em conta de titularidade do Município, o valor de R$13.822,64 (mov. 98.1). O alvará foi retirado no dia 13.03.2019 (mov. 106.1).6.4. A exequente Alice Todan Guiraldelli requereu o cumprimento de sentença do saldo residual de R$223,44 referente à correção monetária e juros dos valores devidos e de R$3.482,84, referentes à não implantação do auxílio alimentação em folha de pagamento do período de outubro de 2017 até março de 2019. Por fim, requereu a intimação do Município para realizar a imediata implantação do auxílio alimentação em folha de pagamento, sob pena de multa diária (mov. 107.1).6.5. O Município de Santa Mariana requereu a declaração de nulidade dos atos praticados a partir do sequestro de ativos, em razão da ausência de intimação (mov. 109.1). O pedido foi indeferido (mov. 110.1).6.6. Após a manifestação do Município (mov. 113.1), o MM. Juiz a quo determinou a intimação da municipalidade para que, no prazo de quinze dias, promovesse a efetiva implantação do auxílio alimentação sob pena de multa diária fixada em R$ 500,00, a verter-se em favor da exequente. Ainda, tendo em vista a ausência de impugnação específica, homologou o cálculo apresentado no mov. 107.1 (mov. 115.1). 6.7. O Município requereu (mov. 126.1) o reconhecimento da impenhorabilidade das verbas constritas e liberadas mediante alvará, determinando-se, consequentemente, a devolução, com posterior expedição de alvará em seu favor.6.8. No dia 18.06.2019 foi expedida Requisição de Pequeno Valor (RPV) na importância de R$3.706,28 (mov. 130.1).6.9. Após manifestações do Município (mov. 150.1, mov. 159.1, mov. 160.1 e 166.1) e da exequente (mov. 161.1), o magistrado singular determinou a suspensão do cumprimento de sentença, pelo prazo de 90 dias, ou até ulterior decisão proferida em sede liminar da presente ação rescisória (mov. 168.1). 6.10. No dia 14.02.2020, o Município de Santa Mariana protocolou o pedido rescisório, invocando a violação à norma jurídica (art. 7º, IV, CF; Súmula Vinculante nº 04 do STF editada em abril de 2008; art. 33, §3º, Constituição do Estado do Paraná; e art. 927, II, CPC), bem como a existência de fato novo, consubstanciado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.747.260-1, cujo acórdão foi publicado no dia 19.08.2019.7. A ré sustenta a inépcia da petição inicial, por não ter observado o requisito do artigo 319, inciso II do Código de Processo Civil, bem como o transcurso do prazo decadencial bienal para ajuizamento da ação rescisória.7.1. Da preliminar de inépcia da inicialDe acordo com o artigo 319, inciso II do Código de Processo Civil, a petição inicial deverá indicar os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu. A qualificação das partes se faz essencial para o regular desenvolvimento do processo. Justamente por isso, tal requisito pode ser mitigado quando, a despeito da falta de informações (...), for possível a citação do réu (art. 319, § 2º, CPC), ou quando a obtenção de tais informações tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça (art. 319, § 3º, CPC). No caso dos autos, a petição inicial não pode ser qualificada como inepta, uma vez que a autuação e a citação da parte ré não foram de modo algum obstaculizadas.7.2. Da prejudicial de decadênciaO Código de Processo Civil prevê que o direito à rescisão se extingue em dois anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (art. 975, caput, CPC). No caso, para justificar a tempestividade da medida rescisória, o autor invocou o disposto no artigo 535, §§ 5º e 8º do Código de Processo Civil , afirmando que a data de ingresso da ação rescisória seria inferior a 2 anos da data de julgamento pela inconstitucionalidade do artigo 117-A da Lei Complementar 02/2000 (julgamento realizado no âmbito do TJPR, ADI nº 1.747.260-1).De acordo com o artigo 535, § 5º do Código de Processo Civil, considerar-se-á inexigível a obrigação de pagar em desfavor da Fazenda Pública reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. Da leitura do § 7º do referido dispositivo, depreende-se que a inexigibilidade do título poderá ser arguida por meio de impugnação nos próprios autos quando a decisão pela inconstitucionalidade da lei ou ato normativo for proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda. Por outro lado, caso a inconstitucionalidade seja reconhecida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na forma do § 8º. A interpretação dessa hipótese excepcional trazida pelo Código de Processo Civil de 2015, contudo, deve ser feita de modo restritivo e em consonância com os princípios constitucionais da segurança jurídica e da intangibilidade da coisa julgada, sobretudo no que diz respeito ao termo inicial do prazo decadencial para propositura da ação rescisória. Nesse sentido, valho-me dos ensinamentos de Nelson Nery Junior acerca da questão:Determina o texto comentado que o dies a quo desse prazo seja o do trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF. Haveria, portanto, dois prazos de rescisória? O prazo 1 dois anos a contar do trânsito em julgado da própria sentença exequenda e o prazo 2 dois anos a contar do trânsito em julgado do acórdão do STF que reconheceu a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em que se funda a sentença exequenda? A pretensão rescisória extinta pela decadência não pode renascer pela decisão futura do STF. Saliente-se que a ADIn, por exemplo, não tem prazo de exercício previsto em lei, de sorte que se trata de pretensão perpétua, que pode ser ajuizada dois, cinco, dez, vinte anos depois da entrada em vigor da lei apontada inconstitucional. Por óbvio, a rescisória instituto que se caracteriza como exceção à regra constitucional da intangibilidade da coisa julgada material (CF 5º XXXVI), que, como exceção, deve ser interpretada restritivamente não pode receber esse mesmo tratamento e nem as partes devem submeter-se à essa absoluta insegurança jurídica. Daí por que, extinta a pretensão rescisória pela decadência, não pode renascer pela superveniência de acórdão do STF que, quando proferido, já havia sido extinta a pretensão rescisória da Fazenda Pública. Entendimento diverso ofenderia o princípio constitucional da segurança jurídica e garantia fundamental da intangibilidade da coisa julgada (CF 5º XXXVI). Para que possa dar-se como constitucional, o dies a quo fixado no texto normativo sob comentário deve ser interpretado conforme a Constituição. Assim, somente pode ser iniciado o prazo da rescisória a partir do trânsito em julgado da decisão do STF, se ainda não tiver sido extinta a pretensão rescisória cujo prazo tenha-se iniciado do trânsito em julgado da decisão exequenda. Em outras palavras, o que o texto comentado autoriza é uma espécie de alargamento do prazo da rescisória que está em curso. Vê-se que, uma vez extinta a pretensão rescisória pela decadência, na forma do artigo 975, caput, do Código de Processo Civil, é irrelevante a superveniência de acórdão do STF reconhecendo a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. O que se tem, em verdade, é uma espécie de ampliação do prazo decadencial bienal se, e somente se, a decisão que reconhece a inconstitucionalidade for proferida antes de fulminada a pretensão rescisória pela decadência, cujo termo inicial deverá ser o trânsito em julgado da sentença rescindenda. Se observado o referido prazo, abrir-se-á novo prazo bienal a ser contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal para a propositura da ação rescisória.No caso dos autos, tem-se que a sentença rescindenda transitou em julgado no dia 30.08.2017 (mov. 48.1), e que, no dia 19.08.2019, foi publicada a decisão na ADI nº 1.747.260-1, por meio da qual o Órgão Especial desta Corte declarou a inconstitucionalidade do artigo 117-A da Lei Complementar 02/2000, incluído pela Lei Complementar Municipal nº 01/2012.Tendo sido proferida a decisão pela inconstitucionalidade do referido dispositivo legal dentro do prazo bienal previsto no artigo 975, caput, do Código de Processo Civil, o Município de Santa Mariana/PR teria até 19.08.2021 para ajuizar a respectiva ação rescisória o que o fez tempestivamente, no dia 14.02.2020.Não alheio às recentes decisões deste órgão colegiado em casos análogos , no sentido de que a redação do artigo 535, § 8º do Código de Processo Civil deve ser interpretada em sua estrita literalidade aplicando-se somente às decisões que reconhecem a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo proferidas pelo Supremo Tribunal Federal , entendo, com a devida vênia, que esse posicionamento não deve prevalecer.Assim como as decisões proferidas pela Supremo Tribunal Federal, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas por Órgão Especial de Tribunal Estadual que declaram inconstitucional lei municipal têm eficácia erga omnes e retroativa, dentro do âmbito de sua competência, para atingir processos em desenvolvimento. No caso concreto, sobretudo por se tratar de lei municipal cujo alcance está invariavelmente restrito à competência desta Corte , não vislumbro óbice para que a decisão proferida na ADI nº 1.747.260-1 seja utilizada para aplicação, por simetria, do disposto no artigo 535, § 5º do Código de Processo Civil.Destarte, com base nesses critérios, afasto a prejudicial de decadência apresentada pela ora requerida e passo à análise do mérito.8. No caso, o autor fundamenta o pedido rescisório em dois principais argumentos: (i) violação à normas jurídicas relacionadas à impossibilidade e vinculação do salário mínimo (art. 7º, IV, CF; Súmula Vinculante nº 04, STF; art. 33, §3º, Constituição do Estado do Paraná; e art. 927, II, CPC); e (ii) a existência de fato novo, consubstanciado no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade nº 1.747.260-1.De fato, a procedência do pedido formulado na ação de cobrança teve como fundamento a regra do artigo 117-A da Lei Complementar Municipal nº 001/2012:Art. 117-A. O auxílio alimentação será concedido ao servidor no percentual de 20% (vinte por cento) do valor do salário mínimo vigente, sendo o procedimento regulamentado por Decreto do Executivo, dependendo de estudo prévio acerca dos limites de despesas com pessoal instituídos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.No entanto, a Constituição Federal é clara ao coibir a vinculação do salário mínimo para qualquer finalidade, conforme dispõe o seu artigo 7º, inciso IV: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.Tal entendimento é reforçado pela Súmula Vinculante nº 04: Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.Desse modo, parece-nos evidente a existência de violação a norma jurídica. Tanto é assim que o artigo 117-A do Estatuto dos Servidores Público do Município de Santa Mariana foi declarado inconstitucional pelo Órgão Especial desta Corte, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.747.260-1, assim ementada:AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR Nº 02/2000, ALTERADA PELA LEI COMPLEMENTAR Nº 01/2012, DE SANTA MARIANA/PR - INSTITUIÇÃO DO VALE-ALIMENTAÇÃO E DA INDENIZAÇÃO POR ANO TRABALHADO (ARTIGOS 117-A E 147-A) - SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUTÁRIOS - INDEXAÇÃO DO VALOR DOS REFERIDOS BENEFÍCIOS AO SALÁRIO MÍNIMO - ARTIGO 7º, INCISO IV, DA CR/88 - INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL CONFIGURADA - APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO EXPRESSO NA SÚMULA VINCULANTE Nº 04/STF - INDENIZAÇÃO POR ANO TRABALHADO - TRANSPOSIÇÃO DO REGIME DO FGTS AOS SERVIDORES ESTATUTÁRIOS MUNICIPAIS - AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E À REGRA DO ARTIGO 33, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ - PROCEDÊNCIA DA AÇÃO - EFEITOS MODULADOS EX NUNC PARA QUE A DECLARAÇÃO SURTA EFEITOS A CONTAR DA PUBLICAÇÃO DA DECISÃO NA IMPRENSA OFICIAL. A vinculação ao salário mínimo é inconstitucional, por força do artigo 7º, inciso IV, da Constituição da República. A compreensão da Súmula Vinculante nº 04 do Supremo Tribunal Federal não permite ao Poder Judiciário substituir a indexação inconstitucional, sob pena de atuar como legislador positivo. A previsão de regime similar ao FGTS aos servidores públicos estatutários não está compreendida dentre as hipóteses do artigo 33, § 3º, da Constituição Estadual. Razões de interesse social e segurança jurídica impõem, no caso, a modulação de efeitos da decisão, resguardando a situação daqueles que, porventura, já receberam os valores declarados inconstitucionais. Artigo 27 da Lei nº 9.868/1999. Precedentes desta Corte. Ação julgada procedente. (TJPR - Órgão Especial - AI - 1747260-1 - Curitiba - Rel.: Desembargador Jorge Wagih Massad - Unânime - J. 05.08.2019)Registro que a ausência de trânsito em julgado do acórdão supracitado não causa qualquer interferência no posicionamento ora adotado . A violação à norma jurídica é expressa e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade apenas corrobora com tal entendimento.Segue, ainda, o entendimento jurisprudencial:AÇÃO RESCISÓRIA. ACÓRDÃO QUE CONFIRMOU OBRIGAÇÃO DO MUNICÍPIO DE SANTA MARIANA AO PAGAMENTO DE AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO, VERBA SALARIAL VINCULADA AO SALÁRIO MÍNIMO, NOS TERMOS DO ARTIGO 117-A DA LEI COMPLEMENTAR 002/2000, ACRESCENTADO PELA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL 001/2012. OCORRÊNCIA DE CONTRARIEDADE A NORMA JURÍDICA, PRECISAMENTE AO ARTIGO 7º, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A SÚMULA VINCULANTE Nº 4. RESCISÃO AUTORIZADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 966, V, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PROCEDÊNCIA. (TJPR - 2ª Seção Cível - 0005550-57.2020.8.16.0000 - Santa Mariana - Rel.: Desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima - J. 20.07.2020)9. Assim, voto no sentido de julgar procedente o pedido rescisório para desconstituir o acórdão da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná proferido no julgamento da apelação cível nº 1.579-211-1. Consequentemente, condeno a parte ré ao pagamento das custas e despesas processuais da ação rescisória, bem como honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa, atendendo aos requisitos disciplinados no artigo 85, §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil .10. Com fundamento no artigo 974 do Código de Processo Civil , passo ao novo julgamento dos recursos de apelação juízo rescisório. Ademais, registro que a sentença está subordinada ao reexame necessário (art. 496, CPC).Nos termos relatados, estamos diante de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado por Alice Todan Guiraldelli para condenar o Município de Santa Mariana/PR ao pagamento de (a) auxílio alimentação desde janeiro/2013 até a efetiva implantação, nos termos do art. 117-A da Lei Complementar Municipal nº 001/2012; (b) correção monetária pelo índice INPC/IBGE, desde a data dos respectivos vencimentos; e (c) juros de mora desde a citação, à razão de 1% ao mês e, desde 01/07/2009 (Lei nº 11.960/2009), passam a ser calculados com base na taxa de juros aplicáveis à caderneta de poupança (RESP 1.270.439).A autora interpôs recurso de apelação pugnando pela (i) reforma da sentença para condenar o Município de Santa Mariana ao pagamento do auxílio alimentação no período entre janeiro/2012 e julho/2012, em razão da retroatividade expressamente contida na Lei Complementar Municipal nº 001/2012; (ii) majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais (mov. 34.1).O réu, por sua vez, apelou da sentença pleiteando pela total improcedência dos pedidos e, sucessivamente, pela reforma da sentença quanto ao índice de correção monetária aplicado (mov. 35.1).11. Conforme já mencionado no juízo rescindente, o artigo 117-A da Lei Complementar Municipal nº 001/2012, que fundamentou a procedência do pedido formulado na ação de cobrança, contraria norma jurídica, em especial a regra do artigo 7º, inciso IV da Constituição Federal, que coíbe a vinculação do salário mínimo para qualquer finalidade. Tal entendimento é reforçado pela Súmula Vinculante nº 04: Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.Tanto é assim que o referido dispositivo legal foi declarado inconstitucional pelo Órgão Especial desta Corte, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.747.260-1, já citada.A atual jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná segue no mesmo sentido:APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. SERVIDORA PÚBLICA. MUNICÍPIO DE SANTA MARIANA. AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO. LEI COMPLEMENTAR Nº 001/2012 E DECRETOS Nº 039/2012 E 007/2013. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA PARA DETERMINAR O PAGAMENTO DA VERBA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ADI Nº 1.747.260-1, SUPERVENIENTE DECISÃO DO ÓRGÃO ESPECIAL DECLARANDO A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI. VINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO. BENEFÍCIO INDEVIDO PELA INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGALIDADE DA LEI MUNICIPAL QUE O INSTITUIU. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO. RECURSO ADESIVO NÃO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1. O art. 117-A, da Lei Complementar Municipal nº 02/2000, inseridos pela LCM nº 01/2012, foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade nesta Corte, ocasião em que o Órgão Especial entendeu pela impossibilidade de indexação do vale alimentação ao salário mínimo nacional.2. A vinculação ao salário mínimo é inconstitucional, por força do artigo 7º, inciso IV, da Constituição da República. A compreensão da Súmula Vinculante nº 04 do Supremo Tribunal Federal não permite ao Poder Judiciário substituir a indexação inconstitucional, sob pena de atuar como legislador positivo. A previsão de regime similar ao FGTS aos servidores públicos estatutários não está compreendida dentre as hipóteses do artigo 33, § 3º, da Constituição Estadual. Razões de interesse social e segurança jurídica impõem, no caso, a modulação de efeitos da decisão, resguardando a situação daqueles que, porventura, já receberam os valores declarados inconstitucionais. Artigo 27 da Lei nº 9.868/1999. Precedentes desta Corte. Ação julgada procedente. (TJPR. ADI 1.747.260-1. Órgão Especial. Rel. Jorge Wagih Massad. J. 05.08.2019-RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO.RECURSO ADESIVO NÃO PROVIDO. (TJPR - 5ª C.Cível - 0000833-07.2015.8.16.0152 - Santa Mariana - Rel.: Desembargador Nilson Mizuta - J. 27.07.2020)12. Diante do exposto, voto pelo provimento da apelação interposta pelo Município de Santa Mariana/PR, para julgar improcedentes os pedidos formulados na ação de cobrança, ficando prejudicados o reexame necessário e o apelo da autora. Consequentemente, fica a autora condenada ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil. Observe-se eventual concessão do benefício da gratuidade judiciária à parte autora.13. VOTO VISTA DA DES. LIDIA MAEJIMA. Cuida-se de Ação Rescisória, proposta pelo Município de Santa Mariana, em face de Alice Todan Guiraldelli, visando rescindir a sentença proferida nos autos nº 0000996-55.2013.8.16.0152, com base na declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Órgão Especial deste Tribunal no julgamento da ADI nº. 1.747.260-1.In casu, o eminente relator, fazendo uma interpretação extensiva quanto ao dies a quo relativo à contagem do prazo DECADENCIAL de dois anos para propor ação rescisória, considerou tempestiva a AÇÃO AUTÔNOMA DE IMPUGNAÇÃO proposta pelo município, desconstituindo a coisa julgada e, em sede de juízo rescisório, a improcedência da ação de cobrança intentada pela servidora municipal. Segundo o relator, o disposto no artigo 535, §§ 5º e 8º, do Código de Processo Civil, não se restringiria às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, mas também alcançaria decisão proferida pelo Órgão Especial de Tribunal de Justiça Estadual em Ação Direta de Inconstitucionalidade, fazendo interpretação extensiva dos aludidos dispositivos citados.Pedi vista dos autos para melhor analisar o caso, considerando a cautela que a abordagem da relativização da coisa julgada requer e, em especial, diante dos fundamentos trazidos no voto do relator e, igualmente, dos que se originaram na produtiva ponderação realizada pelos componentes deste Órgão Julgador a respeito do tema, notadamente diante da inexorável necessidade de uniformização do entendimento a ser aplicado, mormente para a própria credibilidade do Poder Judiciário perante os jurisdicionados, até para que não se repita casos como o citado pelo Exmo. Des. Eduardo Sarrão na sessão anterior, em que duas situações jurídicas iguais, tiveram desfecho no tribunal antagônicos. Ressalto que em julgamento anterior, na qualidade de vogal, caminhei no sentido da impossibilidade de interpretação ampliativa do aludido comando legal (artigo 535, §§5º e 8º, do CPC), reconhecendo a decadência em caso análogo ao presente.Contudo, melhor avaliando os elementos jurídicos da controvérsia, entendo pela necessidade de rever tal posicionamento, acompanhando o voto do eminente relator do presente feito, até porque, quanto a situação meritória em exame, há consenso geral entre meus pares que a lei municipal em debate é inconstitucional, diante de sua vinculação ao salário mínimo.Rescindibilidade com fundamento em superveniente declaração de inconstitucionalidade.Inicialmente, destaco que independente da exegese atribuída ao artigo 535, §§ 5º e 8º, do CPC, a decisão de inconstitucionalidade de lei municipal proferida pelo c. Órgão Especial deste Tribunal de Justiça encontra fundamento rescisório previsto no art. 966, V, do CPC, que estabelece a hipótese de rescindibilidade da decisão de mérito que violar manifestamente norma jurídica.O entendimento que as cortes superiores tinham do art. 485, V, do diploma processual civil revogado - que previa a rescisão de sentença que 'violar literal disposição de lei' era no sentido de que somente uma interpretação que não fosse razoável daria ensejo à rescisória, e assim como expresso na Súmula nº. 343/STF , não caberia ofensa literal de dispositivo de lei cuja interpretação fosse controvertida nos tribunais. Aliás, na análise do saudoso Ministro Teori Zavascki , não se pode cogitar de interpretação apenas razoável, mas somente interpretação juridicamente correta.Assim, como forma de instrumentalizar a força normativa da Constituição, a Corte Suprema entende como inaplicável a Súmula nº. 343/STF quando a decisão rescindenda se baseie em norma declarada inconstitucional, ainda que posteriormente:EMENTA: Embargos de Declaração em Recurso Extraordinário. 2. Julgamento remetido ao Plenário pela Segunda Turma. Conhecimento. 3. É possível ao Plenário apreciar embargos de declaração opostos contra acórdão prolatado por órgão fracionário, quando o processo foi remetido pela Turma originalmente competente. Maioria. 4. Ação Rescisória. Matéria constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343/STF. 5. A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. 6. Cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal. 7. Embargos de Declaração rejeitados, mantida a conclusão da Segunda Turma para que o Tribunal a quo aprecie a ação rescisória.(RE 328812 ED, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 06/03/2008, DJe-078 DIVULG 30-04-2008 PUBLIC 02-05-2008 EMENT VOL-02317-04 PP-00748 RTJ VOL-00204-03 PP-01294 LEXSTF v. 30, n. 356, 2008, p. 255-284) (Grifei)Importante ressaltar que não se desconhece o posicionamento do STF quando definiu o Tema 136: Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente. [Tese definida no RE 590.809, rel. min. Marco Aurélio, P, j. 22-10-2014, DJE 230 de 24-11-2014,Tema 136.]. Contudo, o entendimento exarado pelo Órgão Especial no julgamento da ADI nº. 1.747.260-1 não se trata de superação de precedente anterior pelo Órgão Julgador, admitindo, portanto, o manejo da presente ação rescisória. Destarte, considerando a subsunção do caso à hipótese rescisória prevista em outro dispositivo (art. 966, V, do CPC), para o que aqui importa os efeitos de eventual ampliação da interpretação dada ao dispositivo legal se restringem à inauguração de um novo termo inicial do prazo decadencial para o aviamento da ação rescisória com fundamento em posterior declaração de inconstitucionalidade em controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade.Do controle de constitucionalidade realizado pelos Tribunais Estaduais.É cediço que não se encontra dentro da competência do STF o processamento e julgamento de ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal (art. 102, I, a , da Carta da República).Não obstante a Lei nº. 9.882/99, disciplinando o contido no art. 102, §1º , da Carta Magna, tenha previsto a arguição de descumprimento de preceito fundamental perante o Supremo Tribunal Federal de lei ou ato normativo municipal, esta tem escopo diverso da ADI, quer pela definição do conceito de preceito fundamental quer, ainda, pelo principio da subsidiariedade (art. 4º, §1º, da Lei nº. 9.882/99 ) que pressupõe para a admissibilidade da ADPF a inexistência de qualquer outro meio juridicamente idôneo apto a sanar, com real efetividade, o estado de lesividade eventualmente causado pelo ato impugnado .Por sua vez, a Constituição da República atribuiu aos Estados a tarefa de instituir um mecanismo de controle judicial de constitucionalidade concentrado das leis municipais em face da Constituição Estadual:Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.[...]§ 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.Não obstante o parâmetro estabelecido na norma constitucional supracitada, o STF tem entendido pela possibilidade dos Tribunais de Justiça dos Estados exercerem tal controle diretamente, tendo como parâmetro as próprias normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos estados, como é o caso analisado pelo E. Órgão Especial na ADI nº. 1.747.260-1.Muito embora haja decisões neste sentido anteriormente, foi somente no julgamento do Tema 484, no RE 650.898/RS , que o STF analisou o tema sob o regime da repercussão geral, fixando a tese jurídica de que Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos Estados.Conquanto consolide entendimento anterior da Corte Constitucional, o julgamento da tese somente ocorreu em 2017, posteriormente à entrada em vigência do novo diploma processual civil brasileiro e, consequentemente, da norma em apreço.Nota-se, destarte, que o artigo 535, §§ 5º e 8º, do CPC cria via excepcional de rescisão (por impugnação à execução, quando a declaração é antes do trânsito em julgado da decisão exequenda) ou dies a quo diferenciado para o manejo da ação rescisória (quando a declaração de inadequação constitucional for superveniente), a uma declaração de inconformidade com a Carta Magna que tem o mesmo parâmetro daquele realizado pelo Tribunal Estadual (quando este o faz habilitado na hipótese trazida no Tema 484, de forma reflexa).Em ambos os casos o vício de inconstitucionalidade é o confronto da norma em análise com a Constituição Federal. Mais ainda, quando é feito pela Corte Estadual a ofensa verificada malfere preceitos constitucionais cuja centralidade é tal, que a reprodução pelo Poder Constituinte Decorrente estadual é compulsória .Inegável que a guarda da Constituição Federal, enquanto controle abstrato, é tarefa precípua do Supremo Tribunal Federal, mas considerando as particularidades do federalismo brasileiro , as cortes locais realizam esta tarefa, ainda que de forma reflexa e excepcional.Por conseguinte, uma exegese da norma prevista no artigo 535, §§ 5º e 8º, do CPC que resulte em expansão do texto literal para abarcar as decisões proferidas pelos Tribunais Estaduais em controle concentrado de constitucionalidade não alcançaria decisão estranha à ali prevista, sendo diversa, tão somente, quanto ao órgão prolator.Da interpretação extensiva.Norberto Bobbio, ao iniciar o estudo sobre as lacunas do ordenamento jurídico salientou para a importância da completude do ordenamento. Para ele, um ordenamento é completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular qualquer caso que se lhe apresente, ou melhor não há caso que não possa ser regulado com uma norma tirado do sistema. E neste viés, ensinava Carlos Maximiliano que a interpretação extensiva consiste em pôr em realce regras e princípios não expressos, porém contidos implicitamente nas palavras do Código. A pesquisa do sentido não constitui o objetivo único do hermeneuta; é antes o pressuposto de mais ampla atividade. Nas palavras não está a lei e, sim, o arcabouço que envolve o espírito, o princípio nuclear, todo o conteúdo da norma. O legislador declara apenas um caso especial; porém a ideia básica deve ser aplicada na íntegra, em todas as hipóteses que na mesma cabem (2). Para alcançar este objetivo, dilata-se o sentido ordinário dos termos adotados pelo legislador.Se a interpretação extensiva revela o núcleo da norma, importa notar que é mais importante o disposto no artigo 535, §§ 5º e 8º, do CPC preservar a supremacia da Constituição face a coisa julgada, agregando mecanismo processual que vise extirpar pronunciamento judicial violador da Lei Maior, do que identificar por meio de qual Órgão Julgador a análise da constitucionalidade da lei se realizou.Nestas hipóteses que revelam o cabimento da interpretação extensiva, continuava o autor, O texto menciona o que é mais vulgar, constante; dá o âmago da ideia que o intérprete desdobra em aplicações múltiplas.Neste aspecto, como visto, o controle de constitucionalidade concentrado em face da Constituição da República é próprio do Supremo Tribunal Federal, de forma que lei faz prever sua hipótese mais característica ao mencioná-lo de forma expressa.Neste diapasão, Luís Barroso afirma que a doutrina tem se posicionado pela interpretação extensiva de normas que asseguram direitos, estabelecem garantias e fixam prazos. Como visto, o efeito final da hermenêutica realizada é a definição do prazo decadencial para o manejo da rescisória.Não se desconhece, no entanto, que no julgamento do REsp nº. 1.189.619/PE, Tema 420/STJ, a Corte Cidadã interpretou restritivamente o art. 741, parágrafo único, do CPC/73, que conferia aos embargos à execução eficácia rescisória.Pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça este mecanismo processual (rescisão pelos embargos à execução) ficou restrito à rescisão de sentenças que: (a) aplicaram norma declarada inconstitucional; (b) aplicaram norma em situação tida por inconstitucional; ou (c) aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional. E ainda que a declaração inconstitucionalidade tenha se dado mediante: (a) declaração de inconstitucionalidade com ou sem redução de texto; ou (b) interpretação conforme a Constituição.Contudo, impende destacar que a tese ali firmada se refere às sentenças que tenham reconhecido o direito a diferenças de correção monetária das contas do FGTS , sendo que a eficácia vinculante deste precedente se limita à tese firmada, hipótese diversa do caso que ora se apresenta.Ademais, da leitura do acórdão, o eminente relator, Ministro Castro Meira faz importante remissão ao REsp 720.953/SC, da relatoria do Ministro Teori Zavascki, que teria exaustivamente examinado a aplicabilidade do art. 741, parágrafo único, do CPC/73 a casos análogos, pacificando a controvérsia sobre o tema.Neste elucidativo julgado, o saudoso relator, Min. Teori Zavascki, reconhece que o citado dispositivo legal também tem aplicação subsidiária do dispositivo às ações executivas lato sensu. e não apenas aos embargos do devedor, como previa a literalidade da norma.Extrai-se, portanto, que a interpretação restritiva não é a única possível dos dispositivos legais que relativizam a coisa julgada.Por certo que é necessária cautela neste tema, mas o que aqui resulta não é a criação de uma hipótese rescisória, ou inovação de um prazo antes inexistente, aqui, a aplicabilidade é muito mais restrita, com efeitos mais singelos como visto, tão somente de se reconhecer outro termo inicial ao prazo decadencial já estabelecido no Codex.Outrossim, dotar as decisões de inconstitucionalidade de norma municipal proferidas pela Corte Estadual dos mesmos efeitos previstos às declarações de constitucionalidade do STF é, pela aplicação do princípio da simetria, congruente com o princípio federativo adotado pela Constituição Federal.Neste sentido, conquanto se trate de decisão proferida em cognição sumária, no julgamento da Medida Cautelar na ADPF nº. 615/DF, o e. Min. Roberto Barroso se manifestou pela aplicabilidade do dispositivo ora em apreço às decisões dos Tribunais locais proferidas em ação direta:Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. MEDIDA CAUTELAR EM ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. CONJUNTO DE DECISÕES JUDICIAIS QUE REJEITAM ARGUIÇÕES DE INEXEQUIBILIDADE DE SENTENÇAS INCONSTITUCIONAIS TRANSITADAS EM JULGADO ANTES DE DECISÃO CONTRÁRIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL EM CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. POSSÍVEL VIOLAÇÃO À SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO. CAUTELAR DEFERIDA.1. A coisa julgada mereceu importante proteção constitucional em nome da segurança jurídica e outros preceitos constitucionais. Não constitui, porém, direito absoluto, como reconhecido pela legislação e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2. De fato, o Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) prevê que, antes de consumada a execução, é possível arguir a inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação quando o fundado em lei ou ato considerado inconstitucional (art. 535, III e § 5º). Embora o dispositivo se refira à declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, sua lógica se aplica à decisão do Tribunal de Justiça proferida em ação direta.3. Ademais, prevê o CPC/2015 a possibilidade de ação rescisória, se o julgamento de inconstitucionalidade tiver sido proferido após o trânsito em julgado da decisão exequenda. Nessa hipótese, o prazo será contado da data da decisão declaratória de inconstitucionalidade (art. 535, § 8º).4. Como se vê, o Sistema Jurídico Brasileiro prevê, expressamente, a ponderação da coisa julgada com a supremacia da Constituição que, mais do que um princípio, é uma premissa lógica dos modelos de Constituição Rígida. [...] (Grifei)Não obstante no E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo existam decisões divergentes, não se revelando pacífico o tema naquela corte, cito, a título exemplificativo, dois julgados com a mesma solução proposta pelo eminente relator no voto condutor:AÇÃO RESCISÓRIA. PRETENSÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE ACÓRDÃO TRANSITADO EM JULGADO. ACÓRDÃO RESCINDENDO. Reconhecimento do direito ao prêmio incentivo para servidor em estágio probatório. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. NÃO CABIMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA. Interpretação do artigo 535, § 8º, do CPC. Muito embora o dispositivo tenha feito a opção restrita à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, o caso merece interpretação ampliativa. Pelo princípio da simetria, a mesma norma se aplica aos casos de controle de constitucionalidade concentrado realizados pelo Tribunal de Justiça, tendo como parâmetro a Constituição Estadual. VIOLAÇÃO MANIFESTA DE NORMA JURÍDICA E DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO ÓRGÃO ESPECIAL. Pretensão de rescisão de acórdão para obstar o pagamento de prêmio-incentivo a servidora municipal no período de estágio probatório, conforme previsto pela Lei Municipal n. 406/94. Admissibilidade. Declaração de inconstitucionalidade da norma pelo Órgão Especial no julgamento da ADI n. 2095312-76.2017.8.26.0000, que declarou inconstitucional a Lei Municipal nº 406/94 e diplomas legislativos correlatos. Precedentes do 4º Grupo de Câmaras de Direito Público. Violação manifesta de norma jurídica. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ACÓRDÃO ANULADO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO MEDIATO FORMULADO NA AÇÃO DE ORIGEM.(TJSP; Ação Rescisória 2089371-14.2018.8.26.0000; Relator (a): José Maria Câmara Junior; Órgão Julgador: 4º Grupo de Direito Público; Foro de Ribeirão Preto - 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 31/08/2018; Data de Registro: 31/08/2018) (Grifei)AÇÃO RESCISÓRIA Recálculo dos adicionais temporais dos servidores de Guarulhos/SP Art. 97 da Lei Orgânica do Município - Inconstitucionalidade de gratificação declarada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça Art. 535, §8º do CPC, aplicado, por simetria, em relação às decisões proferidas pelo Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça, sob pena de violação ao Poder Constituinte Derivado Decorrente e ao Pacto Federativo Em juízo rescindendo, o acórdão deve ser rescindido e, em juízo rescisório, a ação merece parcial provimento, resguardada a execução das parcelas anteriores à declaração de inconstitucionalidade Mantido o acórdão em relação às questões não alcançadas pela inconstitucionalidade - Ação procedente em parte, com observação.(TJSP; Ação Rescisória 2144703-34.2016.8.26.0000; Relator (a): Magalhães Coelho; Órgão Julgador: 3º Grupo de Direito Público; Foro de Guarulhos - 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 18/02/2019; Data de Registro: 20/02/2019) (Grifei)Do termo inicial do prazo decadencial.Isto posto, entendo como cabível conferir ao artigo 535, §§ 5º e 8º, do CPC, interpretação extensiva, para ser aplicada às decisões de inconstitucionalidade proferidas em controle abstrato pelo Órgão Especial deste Tribunal de Justiça.Como habilmente apontado pelo eminente relator no voto condutor, adotando a proposição trazida por Nelson Nery Junior com o fito de não sujeitar tal prazo à infinitude, ainda não tendo se exaurido o prazo decadencial bienal surgido com o trânsito em julgado da decisão de mérito, a superveniente declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo que fundou o julgado, faz alargar o prazo decadencial com novo prazo bienal do surgimento desta.Desta feita, no dia 19/08/2019, com a publicação ADI nº. 1.747.260-1, fez-se inaugurar novo termo inicial prazo decadencial, que remanesce de 02 (dois) anos, ex vi do art. 975, do CPC, não tendo decaído o direito do autor ao ajuizamento da presente ação de impugnação.Ante o exposto, como já antecipado, tenho a honra de acompanhar o voto do eminente relator para afastar a preliminar de inépcia da inicial, rejeitar a prejudicial de decadência arguida, julgando procedente a ação rescisória e, em juízo rescisório, julgar improcedente a ação de cobrança ajuizada pela servidora.
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