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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
O ilustre representante do Ministério Público ofereceu denúncia em face de ELIZEU KOMINECK, brasileiro, agricultor, portador da Carteira de Identidade R.G. nº 423.926-0/PR, nascido aos 07/04/1974, com 42 anos de idade à época dos fatos, filho de Josefa Komineck e Sebastião Komineck, residente na localidade de Lagoa Bonita, Zona rural, Virmond/PR, imputando-lhe a prática do seguinte fato delituoso:“No dia 10 de julho de 2016, por volta das 23h40min, na Localidade de Lagoa Bonita, Zona Rural, na cidade de Virmond/PR, Comarca de Cantagalo/PR o denunciado ELIZEU KOMINECK, com consciência e vontade voltadas à prática da ação, e consciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, efetuou ao menos oito disparos em local habitado, qual seja, a propriedade de Joelson Pilarski, disparos estes que foram realizados com arma tipo carabina, calibre 22 LR, número de série E038342, registro número 9.116.128, com capacidade para 10 (dez) munições apreendida nos autos, e que atingiram a casa de Joelson Pilarski.Consta dos inclusos do caderno penal, que Elizeu efetuou os disparos na direção da residência de Joelson, em razão de desentendimentos pretéritos existentes entre os dois. A referida arma de fogo, carregador com capacidade para 10 disparos e uma caixa com 20 munições intactas, foram apreendidos (cf. Mandado de Busca e Apreensão, f. 29, e Boletim de Ocorrência fls. 03/05) e submetida a arma a exame de eficiência e prestabilidade, foi constatado o funcionamento normal de seus mecanismos, e aptidão à realização de disparos.” A denúncia foi recebida em 17/09/2018 (mov. 27.1).Encerrada a instrução criminal, o douto Juízo a quo prolatou a sentença (mov. 125.1) julgando procedente o pedido da denúncia para o fim de condenar o réu ELIZEU KOMINECK pela prática do crime previsto no artigo 15, da Lei nº 10.826/2003.Passou a dosar a pena em relação ao réu.Na análise das circunstâncias judiciais, fixou a pena-base acima do mínimo legal, valorando negativamente a culpabilidade e as circunstâncias do crime, restando-a em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, além de 14 (quatorze) dias-multa.Reputou presente a agravante do motivo fútil, assim como a atenuante da confissão espontânea. Entendeu que a primeira prepondera sobre a segunda, de modo a autorizar aumento, ainda que inferior, à pena. Desse modo, definiu a pena intermediária em 02 (dois) anos e 10 (dez) meses de reclusão e pagamento de 15 (quinze) dias-multa.Ausentes causas de diminuição e aumento de pena, tornou a pena no patamar definitivo de 02 (dois) anos e 10 (dez) meses de reclusão e pagamento de 15 (quinze) dias-multa, esta cujo valor unitário restou em 1/3 (um terço) do salário mínimo nacional vigente.Nos termos do artigo 33, §2º, alínea “c”, do Código Penal, fixou o regime aberto para o início do cumprimento da reprimenda para o réu, impondo condições. Por não preencher os requisitos dos artigos 44, III, do Código Penal, deixou de substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, assim como registrou incabível a concessão de sursis da pena.Inconformado, JELSON PILARSKI, assistente da acusação, apelou. Em suas razões (mov. 17.2 TJPR), intenta a majoração da pena, sustentando, em síntese: a) que devem ser reconhecidas as circunstâncias negativas e motivos do crime, haja vista que os disparos foram efetuados à noite, em direção à residência da vítima, que era ocupada por ela e familiares, acrescentando que foram efetuados 08 (oito) disparos de arma de fogo; b) sustenta que o acusado é Vereador, pelo que sua conduta mostra-se ainda mais reprovável; c) requer, também, o afastamento da confissão espontânea reconhecida como favorável ao réu, posto que, a seu ver, a versão dispensada por Elizeu difere da obtida na instrução do processo; d) o reconhecimento do concurso material, eis que, a seu ver, foram praticados 08 (oito) crimes de disparo de arma de fogo, cujas penas devem ser somadas e; e) Por fim, objetiva o aumento concernente à fixação dos dias-multas, devendo ser levado em consideração que o acusado aufere renda superior a 04 (quatro) salários-mínimos. O apelado Elizeu Komineck apresentou contrarrazões (mov. 32.1 TJPR), pleiteando a intimação do Ministério Público quanto a possibilidade de oferecimento de acordo de não persecução penal ao apelado, nos termos do art. 28-A, do Código de Processo Penal. No mérito, pugnou pelo desprovimento do apelo.O Ministério Público apresentou contrarrazões (movimento n° 22.1 TJPR), pugnando pelo parcial conhecimento e desprovimento do apelo.Nesta instância, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de mov. 35.1 - TJPR, opinou pelo parcial conhecimento e desprovimento do recurso de apelação proposto pelo assistente de acusação, com alteração de ofício nas condições impostas ao regime aberto ao apelado Elizeu.É o relatório.
Pois bem. Ante o pedido formulado em sede de contrarrazões por parte do apelado Elizeu Komineck, tem-se por prejudicada a análise da apelação interposta pelo assistente de acusação.Explico.O acordo de não persecução penal foi trazido pela Lei Anticrime no artigo 28-A do Código de Processo Penal, ao permitir que o investigado que tenha confessado formal e circunstancialmente a prática da infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 04 (quatro) anos, firme acordo que redunde na não instauração de processo penal em seu desfavor.No caso em análise, a propositura do acordo de não persecução penal em nenhum momento foi oferecida ao acusado, após a sua entrada em vigor, tendo o seu requerimento sido formulado pela defesa técnica na primeira oportunidade de regular manifestação, quando da apresentação de contrarrazões, de mov. 32.1 (TJPR), tendo sido protocolado também no primeiro grau (mov. 166.1).Pois bem.Em atento exame dos autos, entende-se que o caso merece melhor valoração.É sabido que as alterações legais em matéria processual penal são aplicadas de imediato, sob a ordem do princípio do tempus regit actum, calcado no art. 2º, do Código de Processo Penal. Assim, considerando que a reforma promovida pelo pacote anticrime instituiu o Acordo de Não Persecução Penal, seria possível inferir, de plano, que tal disciplina aplica aos processos em curso, desde que não sentenciados.Contudo, esse não é o entendimento que melhor se coaduna com o tema. Isso porque a norma que disciplina o acordo de não persecução penal, instituto inserido no âmbito da justiça negociada no processo penal, pode-se afirmar, possui caráter híbrido, isto é, um conteúdo processual e, ao mesmo tempo, material. Assim entende, por exemplo, a doutrina jurídica: Iniludível, pois, a natureza híbrida da norma que introduziu o acordo, trazendo em seu bojo carga de conteúdo material e processual. O âmbito de incidência das normas legais desse jaez, que consagram inequívoco programa estatal de despenalização, deve ter aplicação alargada nos moldes previstos no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal: “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.” Nesta senda, entendemos incidir também aos processos criminais em curso, apanhados pelo princípio da obrigatoriedade da ação penal. Cabe ao Estado, agora, abrir ao réu a oportunidade de ter sua punibilidade extinta mediante a proposição de acordo pelo Ministério Público e consequente cumprimento das condições convencionadas. (in: MAZLOUM, Ali. MAZLOUM, Amir. Acordo de Não Persecução Penal é aplicável a processos em curso. Consultor Jurídico. 7/02/2020) Nesse mesmo sentido leciona Damásio de Jesus, ao afirmar que os princípios da irretroatividade da lei mais gravosa e o da retroatividade da lei mais benéfica ao réu constituem direitos subjetivos de liberdade, com fundamento no art. 5º, incisos XXXVI e XL da CR/88 (JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, v. 1. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 63). Não obstante a vigência da lei anticrime apenas ter ocorrido após ter sido proferida a sentença penal condenatória, é fato consabido que a lei processual penal deve retroagir em benefício do acusado, nos termos do artigo 5º, LX, da Constituição da República, principalmente quando em voga a existência de direito subjetivo do réu, no caso, o de oferecimento de benefício despenalizador da não persecução penal.Nesse sentido já entendeu o Supremo Tribunal Federal quando analisou os benefícios despenalizantes introduzidos pela Lei nº 9.099/1995.EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. JUIZADOS ESPECIAIS. ART. 90 DA LEI 9.099/1995. APLICABILIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA EXCLUIR AS NORMAS DE DIREITO PENAL MAIS FAVORÁVEIS AO RÉU. O art. 90 da lei 9.099/1995 determina que as disposições da lei dos Juizados Especiais não são aplicáveis aos processos penais nos quais a fase de instrução já tenha sido iniciada. Em se tratando de normas de natureza processual, a exceção estabelecida por lei à regra geral contida no art. 2º do CPP não padece de vício de inconstitucionalidade. Contudo, as normas de direito penal que tenham conteúdo mais benéfico aos réus devem retroagir para beneficiá-los, à luz do que determina o art. 5º, XL da Constituição federal. Interpretação conforme ao art. 90 da Lei 9.099/1995 para excluir de sua abrangência as normas de direito penal mais favoráveis ao réus contidas nessa lei. (ADI 1719, Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 18/06/2007, DJe-072 DIVULG 02-08-2007 PUBLIC 03-08-2007 DJ 03-08-2007 PP-00029 EMENT VOL-02283-02 PP-00225 RB v. 19, n. 526, 2007, p. 33-35) (grifo nosso) Assim, ainda que a sentença tenha sido proferida antes da vigência da lei anticrime (seq. 125.1), com a novel legislação híbrida entrando em vigor apenas em 23/01/2020, é fato que, para além da questão temporal, deve ser assegurado ao réu usufruir do direito subjetivo ao benefício despenalizador, notadamente porque a novel lei processual penal deve retroagir em benefício do condenado.Desse modo, entende-se que a formulação do acordo de não persecução penal é direito subjetivo do acusado, e deve ser proposto pelo órgão ministerial quando presentes seus requisitos, a serem aferidos em audiência específica a este fim, pelo promotor competente.Como no caso, contudo, a referida audiência sequer chegou a ser designada, entende-se que deve ser aplicada a regra prevista no artigo 28-A, do Código de Processo Penal, para que o órgão do Ministério Público de primeiro grau possa aferir a respeito da existência ou não dos requisitos previstos na legislação processual penal para propositura do acordo de Não persecução Penal.Portanto, deve ser cassada a sentença e determinada a remessa do feito ao órgão do Ministério Público de Primeiro Grau, nos termos do artigo 28-A, do Código de Processo Penal, a fim de aferir a existência ou não dos requisitos previstos na legislação processual penal para propositura do acordo de não persecução penal no presente caso. Diante o exposto, vota-se em julgar prejudicado o recurso de apelação, com a cassação da sentença e determinar a remessa do feito ao órgão do Ministério Público para o fim de aferir a existência ou não dos requisitos previstos na legislação processual penal para propositura do acordo de não persecução penal no presente caso.
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