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Dúvida/exame de competência
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Dúvida/exame de competência. Eventuais imagens serão suprimidas.
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ 2ª CÂMARA CRIMINAL - PROJUDI Rua Mauá, 920 - Alto da Glória - Curitiba/PR - CEP: 80.030-901 Autos nº. 0018276-63.2020.8.16.0000 Recurso: 0018276-63.2020.8.16.0000 Classe Processual: Petição Criminal Assunto Principal: Liminar Requerente(s): Município de Maringá/PR Requerido(s): Jean Carlos Marques Silva EXAME DE COMPETÊNCIA. HABEAS CORPUSCOM PEDIDO LIMINAR. ATO SUPOSTAMENTE COATOR PRATICADO POR PREFEITO MUNICIPAL. DECRETO QUE DETERMINA O “’TOQUE DE RECOLHER’ DIARIAMENTE A PARTIR DAS 21HS ATÉ AS 5 HS DO DIA SEGUINTE, ENQUANTO PERDURAR A SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA DECLARADA NO DECRETO Nº 445/2020”, COMO MEDIDA DE ENFRENTAMENTO DA EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA DECORRENTE DO SURTO DO COVID-19. AUSÊNCIA DE DISCUSSÃO SOBRE INFRAÇÃO PENAL (CONTRAVENÇÃO OU CRIME). NATUREZA ADMINISTRATIVA DO DEBATE. ORIGEM QUE VEM SEGUINDO, A PRIORI, O RITO DO MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO, BEM COMO PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO INTERNO ATUANTE COMO PARTE DO PROCESSO. RATIFICAÇÃO DA PRIMEIRA DISTRIBUIÇÃO (ARTIGO 90, INCISO II, ALÍNEA “H”, DO RITJPR). EXAME DE COMPETÊNCIA ACOLHIDO. I - RELATÓRIO Trata-se de Exame de Competência no Agravo de Instrumento com Pedido de Efeito Suspensivo nº 0018276-63.2020.8.16.0000, interposto pelo Município de Maringá em face de decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública de Maringá, nos autos de Habeas Corpus nº 0002512-49.2020.8.16.0190, que Jean Carlos Marques Silva impetrou em face de ato supostamente coator do Prefeito do Município de Maringá. Inicialmente, o recurso foi livremente distribuído na forma do artigo 90, inciso II, alínea “h”, do RITJPR (“Mandados de segurança e de injunção contra atos ou omissões de agentes ou órgãos públicos, ressalvada outra especialização”) na data de 17.04.2020, ao eminente Desembargador Luiz Mateus de Lima, integrante da 5ª Câmara Cível (mov. 3.0) que, no dia 20.04.2020, declinou da competência para julgamento do recurso, sob o seguinte argumento: “Observa-se, no entanto, que a ação originária (autos nº 0002512-49.2020.8.16.0190) trata-se de Habeas Corpus no qual o requerente visa a suspensão de artigos Decreto Municipal nº 464/2020 (23/03/2020), que instituiu o chamado ‘Toque de Recolher’ durante o período noturno (21 horas às 5 horas do dia seguinte) no Município de Maringá, enquanto perdurar a situação de emergência (Decreto Municipal nº 445/2020), decorrente da pandemia do Novo Coronavírus (Covid-19). Logo, trata de matéria não afeta a esta Câmara, tendo em vista que a ação principal se trata de Habeas Corpus. Logo, tem-se que a competência pertence a uma das Câmaras Criminais, nos termos do art. 92, inciso I, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que reza: Art. 92 - Às Câmaras Criminais Isoladas compete processar e julgar: I – habeas corpus e recursos de habeas corpus Sobre a competência das Câmaras Criminais para julgamento de Habeas Corpus, inclusive em caso semelhante ao ora em análise, o Desembargador José Maurício Pinto de Almeida, da 2ª Câmara Criminal desta Corte, ao apreciar o pedido liminar no HC de nº 0016440-55.2020.8.16.0000, assim decidiu, acabando por suspender o decreto editado: ‘(...) Sobreleva consignar que a liberdade de locomoção é desenhada como a possibilidade de, em tempo de paz, ingresso, circulação interna e saída do território nacional, ressalvada a obrigação de permanência em localidade determinada, quando houver a decretação de estado de sítio ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medidas tomadas durante o estado de defesa. O ‘toque de recolher’ representa, nessa direção, uma medida de restrição geral de circulação de pessoas em espaços e vias públicas, utilizada em situações absolutamente excepcionais como o estado de sítio e guerra. Esse tipo de medida é diferente de quarentena, medida sanitária, justificada em evidências técnicas, baseada em fatos concretos e em análises sobre as informações estratégicas em saúde, que pode incluir restrição de uso de certos espaços públicos, fundada em razões explicitadas pela autoridade sanitária e alicerçada pelos textos legal e constitucional. Não há fundamento legal ou constitucional para a declaração de ‘toque de recolher’ por Municípios no contexto das medidas de emergência de saúde pública. Trata-se, portanto, sob uma ótica perfunctória, de medida que transcendeu a necessidade real do município, impingindo a seus cidadãos coação na liberdade de ir e vir sem qualquer respaldo legal ou científico para tanto’. Logo, não restam dúvidas de que a competência para julgamento é afeta a uma das Câmaras Criminais deste Tribunal de Justiça. Assim sendo, redistribua-se o feito para uma das Câmaras Criminais, conforme atribuição prevista no artigo 92, inciso I, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.” (mov. 6.1) O recurso foi redistribuído na data de 20.04.2020, ao Exmo. Desembargador Laertes Ferreira Gomes, integrante da 2ª Câmara Criminal, como “infrações penais atribuídas a Prefeitos Municipais” (art. 93, inciso II, alínea “a”, do RITJPR) (mov. 10.0), o qual, na mesma data, suscitou exame de competência, com os pospostos fundamentos: “II -Denota-se que a redistribuição a esta Segunda Câmara Criminal baseou-se na competência por ‘Infrações penais atribuídas a Prefeitos Municipais’, o que por certo não é a questão trazida ao bojo das razões recursais, eis que não se trata de crime, mas apenas de determinação do chefe do Poder Executivo Municipal da cidade de Maringá/PR, o que ressalta a incompetência desta Segunda Câmara Criminal, para a análise do presente agravo de instrumento, ainda que se trate, a autoridade apontada como interessada, de Prefeito Municipal. Ademais, considerando que a competência para processar e julgar os feitos distribuídos a este Tribunal de Justiça, segue as normas do Regimento Interno e, não estando a pretensão aqui discutida descrita no artigo 93, inciso II, do mencionado Regimento, observa-se que falece competência a esta Segunda Câmara Criminal para prosseguimento da análise recursal, fazendo-se mister, sem mais delongas, a suscitação de conflito de competência. III -Pelo exposto, suscito conflito de competência à Primeira Vice-Presidência deste Egrégio Tribunal, nos termos do artigo 197, §§ 9º e 10º, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.” (mov. 16.1) A seguir, os autos vieram conclusos a esta 1ª Vice-Presidência para definição da competência recursal. É o relatório. II – DECISÃO Cinge-se a controvérsia em saber, em síntese, de quem é a competência para o julgamento do Agravo de Instrumento nº 0018276-63.2020.8.16.0000, interposto em face de decisão proferida no Habeas Corpus nº 0002512-49.2020.8.16.0190, cujo objeto é ato supostamente coator praticado pelo Prefeito Municipal de Maringá que, por meio do Decreto nº 464/2020, de 23.03.2020, determinou “toque de recolher diariamente a partir das 21hs até as 5 hs do dia seguinte, enquanto perdurar a situação de emergência declarada no Decreto nº 445/2020”, como medida de enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do surto do COVID-19. A situação revela-se complexa, tendo em vista que o Regimento não apresenta hipótese precisa que subsuma o caso em apreço com as Competências das Câmaras Criminais e Cíveis. Isso porquanto, dispõem os artigos 89, inciso I e 92, inciso I, do RITJPR: “Art. 89. Às Câmaras Cíveis isoladas compete processar e julgar: I - os habeas corpus, no caso de prisão civil; (...) Art. 92. Às Câmaras Criminais Isoladas compete processar e julgar: I - habeas corpus e recursos de habeas corpus;” Referidos dispositivos são conjugados com aqueles que cuidam, propriamente, da competência das Câmaras Cíveis e Criminais. Assim, em virtude de Habeas Corpus que se refira a prisão civil decretada em ação de alimentos, a competência é da 11ª e 12ª Câmaras Cíveis; já se decorre de um crime contra o patrimônio, da 3ª, 4ª e 5ª Câmaras Criminais, e assim sucessivamente. Ocorre que o Agravo de Instrumento em exame de competência decorre de uma Habeas Corpus que não discute prisão civil e, ao mesmo tempo, não advém de infração penal; ao contrário, seu objeto é ato administrativo praticado por Prefeito Municipal, que, por meio do Decreto 464/2020, instituiu restrição ao direito de locomoção dos cidadãos dentro de horário determinado, estatuindo que “quem descumprir o toque de recolher pode ser indiciado por crimes contra a Saúde Pública, como causar epidemia ou infringir medida sanitária preventiva, e de desobediência, além de multa de R$300,00 (trezentos reais), multiplicada por 02 (dois) a cada reincidência”. Esse contexto remonta à própria história do remédio constitucional no Brasil, isso porque, já na Constituição da República de 1891 (antes o Habeas Corpus era consagrado apenas no Código de Processo Criminal de 1832), a sua previsão redacional era ampla, dando ensejo a uma interpretação que permitia o seu manejo para anular, por exemplo, um ato administrativo que determinava o cancelamento de matrícula de um aluno em escola pública ou a garantia de realização de alguma profissão. Assim sucedeu porquanto um dos maiores expoentes do mundo jurídico da época, Rui Barbosa, sustentava que a garantia deveria ser aplicada em todos os casos em que o direito estivesse ameaçado, manietado, impossibilitado no seu exercício por abuso de poder ou ilegalidade, desenvolvimento este que foi cognominado de “ doutrina brasileira do Habeas Corpus”. O Supremo Tribunal Federal da época, com algumas nuances, entendia que o remédio tinha pertinência não só nos casos de restrição da liberdade de locomoção, como também em situações em que a ofensa a essa liberdade fosse meio de ofender outro direito (p. ex. ao se ofender a liberdade religiosa, obstando o ingresso de alguém no templo, seria cabível o habeas Corpus). No ano de 1926 a doutrina brasileira do Habeas Corpus foi confrontada, vendando-se a sua aplicação para a proteção de outros direitos que não a liberdade de ir e vir, sendo rememorada, contudo, no julgamento do Habeas Corpus nº 143.641, sob a Relatoria do Ministro Ricardo Lewandowiski, na 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, para fins de conhecimento do seu espectro coletivo, oportunidade em que visava a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, nos termos do artigo 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência. Todas as demais Constituições subsequentes incorporaram a garantia do Habeas Corpus, sendo apenas suspensa, momentaneamente, com o Ato Institucional nº 5, de 1968, quanto aos crimes políticos, contra a segurança nacional, contra a ordem econômica e social e contra a economia popular. O panorama em que se insere o Habeas Corpus, portanto, é no sentido de ser o meio adequado para proteger o direito de ir e vir do cidadão em face de violência, coação ilegal ou abuso de poder. A coação comumente advém de atos emanados do Poder Público, mas também pode decorrer de ato particular (p. ex. afastar internação involuntária em clínica psiquiátrica). Por este motivo, revela-se plausível que o Habeas Corpus seja utilizado tanto para impugnar decisões em procedimento ou processo criminal, como para afastar coação à liberdade de locomoção no âmbito civil ou administrativo (o que não se limita à prisão civil do devedor de alimentos ou do depositário infiel – esta última incompatível com a Convenção Americana dos Direitos Humanos). Na decisão liminar objurgada, para justificar a competência da 2ª Vara da Fazenda Pública de Maringá (e não de Vara Criminal), fundamentou o magistrado Dr. Nicola Frascati Júnior: “Antes de adentrar no mérito do presente remédio constitucional, revela-se forçoso reconhecer a competência deste Juízo para apreciar o pedido formulado pela parte impetrante. Com efeito, é bem verdade que a Resolução nº. 93/2013 não traz a competência específica deste Juízo para processar e julgar feitos que se enquadram como habeas corpus, principalmente porque a praxe revela a incidência deste remédio constitucional perante Juízos com competência Criminal. Todavia, a questão trazida à apreciação jurisdicional está atrelada a ato de cunho constitucional-administrativo do Chefe do Poder Executivo local, de sorte que se justifica o seu processamento perante esta Vara da Fazenda Pública, nos termos do art. 5º, da Resolução nº. 93/2013, que assim estabelece: ‘Art. 5º À vara judicial a que atribuída competência da Fazenda Pública compete: I – processar e julgar as causas em que o Estado do Paraná, os Municípios que integram respectiva Comarca ou Foro, suas autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas ou fundações forem interessados na condição de autores, réus, assistentes ou opoentes, bem assim as causas a elas conexas e as delas dependentes ou acessórias’ É induvidoso que o objeto da impetração revela, justamente, o interesse do Município de Maringá, porquanto o ato impugnado é da lavra de seu represente legal, além de repercutir de forma ampla à toda comunidade local. Se isso não bastasse, não se desconhece que o E. Tribunal de Justiça do Estado do Panará, analisando pedido análogo ao presente, reconheceu a sua incompetência para processar e julgar habeas corpus impetrando em face do Decreto Municipal de nº. 464/2020 deste Município de Maringá, determinando a sua redistribuição a uma das varas com competência administrativo-constitucional para processá-lo e julgá-lo.” (mov. 15.1, p. 2, da origem) O juízo de origem também rememorou os ensinamentos do nobre Des. Rabello Filho, integrante da 2ª Câmara Criminal, no Habeas Corpus nº 0016148-70.2020.8.16.0000, ao declarar a incompetência originária desta Corte: “Habeas corpus contra ato do Prefeito do Município de Maringá (Decreto Municipal n.º 464/2020), consistente, dito ato, em estabelecer, em virtude da situação de emergência advinda da propagação da Covid-19, o denominado ‘toque de recolher’ durante o período noturno – Competência para processamento e julgamento desse remédio constitucional, todavia, que não está alojada na competência originária desta Corte de Justiça – Foro por prerrogativa de função assegurado ao prefeito pelo artigo 29, inciso X, da Constituição Federal que não atrai a competência deste Tribunal de Justiça para processar e julgar habeas corpus em que o chefe do Poder Executivo Municipal figura como autoridade coatora – Imputação contida no presente remédio constitucional que nem de longe é relativa a infração penal que seja atribuída a prefeito – Matéria que não tem natureza penal, sim administrativa, constitucional-administrativa – Competência (residual) para processar e julgar este habeas corpus, portanto, que recai sobre o juiz de primeiro grau da comarca de Maringá, sob pena, inclusive, de supressão de instância. Declaração de incompetência absoluta deste Tribunal de Justiça para processar e julgar o presente habeas corpus, com determinação de remessa dos autos à comarca de Maringá, a fim de que a impetração seja livremente distribuída a uma das varas com competência administrativo-constitucional (= não penal).” (mov. 15.1, p. 3, da origem) Daí que, a princípio, coaduno com a linha argumentativa também do Exmo. Des. Laertes Ferreira Gomes, haja vista que o Habeas Corpus não questiona “infrações penais atribuídas a Prefeitos Municipais” (art. 93, inciso II, alínea “a”, do RITJPR). Indo além, não há apuração ou imputação de qualquer infração de natureza penal na origem, afastando-se, por este motivo, a competência das Câmaras Criminais que, em geral, possuem atribuição para infrações penais em sentido lato (crimes e contravenções), e não ato administrativo de Chefe do Poder Executivo. O Habeas Corpus nº 0002512-49.2020.8.16.0190 discute ato administrativo de envergadura constitucional, o que se conclui a partir da recente liminar apreciada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 6341, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, já no surto do COVID-19, que asseverou “que, preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso I do art. 198 da Constituição, o Presidente da República poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais.” O debate também se insere no âmbito do sistema constitucional das crises, destacando-se instrumentos (medidas excepcionais) para manter ou restabelecer a ordem nos momentos de anormalidades constitucionais, composto pelo estado de defesa e o estado de sítio (legalidade extraordinária) tendo, no último caso, como medidas coercitivas a serem tomadas, a obrigação de permanência em localidade determinada, detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns, restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei, suspensão da liberdade de reunião, busca e apreensão em domicílio, intervenção nas empresas de serviços públicos, requisição de bens. (Artigo 139, incisos I a VII, da CF) Portanto, num primeiro momento, a meu sentir, o presente recurso de Agravo de Instrumento deve ser distribuído junto a um grupo de Câmaras Cíveis; afinal, a relação jurídica controvertida debruça sobre ato praticado por Prefeito Municipal, de natureza administrativo-constitucional. Já no âmbito processual, ainda que distintos, o Mandado de Segurança e o Habeas Corpus possuem certa relação, já que visam proteger direito violado ou em vias de violação por ato ilegal ou abuso de poder. Aliás, o Mandado de Segurança, de criação brasileira, é um desdobramento da restrição da doutrina brasileira do Habeas Corpus com a reforma constitucional de 1926 que, sob forte influência da doutrina e da jurisprudência, foi inserido no artigo 113, n. 33, da Constituição de 1934, não constando na de 1937, e retornando na de 1946, sendo prevista nas ulteriores. Já o Mandado de Injunção foi constitucionalizado, pela primeira vez, em 1988, no artigo 5º, LXXI. Digo isso porquanto ser recomendável que a distribuição ocorra à 4ª e 5ª Câmaras Cíveis, na forma do artigo 90, inciso II, alínea “h”, do RITJPR, por ser o grupo de Câmaras com melhor vocação para avaliar o conflito entre ato administrativo praticado por agente político e direitos fundamentais (“Art. 90. Às Câmaras Cíveis serão distribuídos os feitos atinentes a matéria de sua especialização, assim classificadas: (...) II - à Quarta e à Quinta Câmara Cível: (...) h) mandados de segurança e de injunção contra atos ou omissões de agentes ou órgãos públicos, ressalvada outra especialização;”) Ocorre que o dispositivo regimental, aparentemente, informou menos do que queria dizer, o que é natural, tomando em conta a alta complexidade do direito e a infinidade de casos que podem ser dirigidos ao judiciário em virtude do princípio da indeclinabilidade (art. 5º, XXXV, da CF). Tal sugeriria tomar em conta a mens legis, para ampliar o sentido da norma para além do contido em sua letra, eis que a extensão do sentido está contida no espírito da lei (SAMPAIO JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 290-292) Essa problemática geralmente ocorre nas situações em que o regimento interno, ao definir a competência do órgão fracionário, toma em conta o procedimento, e não a matéria. Cito como exemplo o artigo 90, inciso VI, alínea “a”, do RITJPR, que cuida da competência das 13ª a 16º Câmaras Cíveis, para as “execuções fundadas em títulos extrajudiciais”, cuja exegese remota é no sentido de que o dispositivo abarca qualquer tipo de execução, ressalvadas as disposições expressas. Isso gera inúmeros conflitos de competência, afinal é muito comum, v. g., que um contrato assinado por duas testemunhas (preenchidos demais requisitos para a formação de um título executivo extrajudicial) tenha como base uma prestação de serviços, isso para ficar num só exemplo. O Superior Tribunal de Justiça, nos transatos anos 90, chegou a decidir em conflito de competência: “COMPETÊNCIA DA SEGUNDA SEÇÃO. CONFLITO NEGATIVO ENTRE SEÇÕES DO STJ. "HABEAS CORPUS". MATÉRIA DE DIREITO CIVIL. INTELIGÊNCIA DO ART. 9 DO REGIMENTO INTERNO DESTA CORTE. Interpretação do art. 9° do RISTJ, no sentido de que o critério por ele eleito para definição de competência de suas Turmas e Seções é concernente à matéria a ser decidida, ou seja, à área da ciência do Direito tal como instrumenta o ordenamento jurídico vigente. Em resumo, o objetivo não é priorizar o tipo de processo, mas sim o litígio que esse instrumento processual conduz perante o Tribunal. Competência da Segunda Seção, quando se tratar de tema da área do Direito Civil.” (CC 22.009/DF, Rel. Ministro BUENO DE SOUZA, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/09/1998, DJ 18/12/1998, p. 280) De igual modo, a alínea “h”, do inciso II, do RITJR, traz como um dos critérios de distribuição um instrumento processual, no caso o Mandado de Segurança e o Mandado de Injunção, muito embora, ontologicamente, o Habeas Corpus possa servir, de igual modo, para impugnar atos e omissões de agentes e órgãos públicos, com o plus de ser direcionado à tutela da locomoção. É por esta razão que, em inúmeros casos, esta 1ª Vice-Presidência, sempre com enorme apreço a pensamentos diversos, tem destacado que a distribuição de processos entre os Órgãos Fracionários não é inflexível, já que, acaso fosse, inúmeros processos poderiam ficar sem alguém responsável para apreciação por falta de enquadramento regimental. Faço essa respeitosa crítica a fim de destacar que, seja por Habeas Corpus, ou Mandado de Segurança, a abordagem do ato supostamente coator do Prefeito de Maringá se dará da mesma forma, sem se olvidar da subsidiariedade de um procedimento em relação ao outro. Aliás, na decisão de mov. 8.1, da origem, o Juiz de Direito determinou a intimação do Município de Maringá para manifestação em 72 (setenta e duas) horas, ao invocar o artigo 2º, da Lei 8.437/92, “aplicável ao Mandado de Segurança Coletivo”. Explica o magistrado que o pedido liminar do paciente é dirigido à “coletividade maringaense”, justificando a incidência da regra aplicável ao Mandado de Segurança Coletivo. Ou seja, ainda que incipiente, o processo tem seguido o rito do Writ Coletivo. Seguindo, na decisão de mov. 15.1, o magistrado de primeiro grau determinou a notificação pessoal do Prefeito Municipal de Maringá e, eletronicamente, do Município de Maringá, por meio do Procurador Municipal, para prestarem informações no prazo de 10 (dez) dias, o que coaduna com o artigo 7º, inciso I e II, da Lei nº 12.016/09, que disciplina o Mandado de Segurança Individual e Coletivo (“Art. 7o Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações; II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito;”) Adiante, importante destacar que, malgrado o impetrante do Habeas Corpus tenha imputado ato ilegal praticado pelo Prefeito de Maringá, é o próprio ente federado quem foi cadastrado e atua como parte no processo. É o Município de Maringá (pessoa jurídica de direito público interno) quem foi incluído no processo, respondendo às alegações iniciais (mov. 13.1) e figurando como agravante do recurso nº 0018276-63.2020.8.16.0000 ora em apreço, o que também poderia ensejar o enquadramento do artigo 90, inciso II, alínea “k”, do RITJPR (“Art. 90. Às Câmaras Cíveis serão distribuídos os feitos atinentes a matéria de sua especialização, assim classificadas: (...) II - à Quarta e à Quinta Câmara Cível: (...) k) salvo se previstas nos incisos I, III, IV, V, VI e VII deste artigo, as demais ações e recursos que figure como parte pessoa jurídica de direito público ou respectivas autarquias, fundações de direito público e entidades paraestatais;”) Por todo o exposto, com a devida vênia a juízos diferentes, para esta situação inusitada, justifica-se a ratificação da primeira distribuição, ao Exmo. Des. Luiz Mateus de Lima, na 5ª Câmara Cível, nos termos do artigo 90, inciso II, alínea “h”, do RITJPR, em virtude da matéria discutida na origem (impugnação de ato administrativo do Prefeito de Maringá) e da adoção, a priori, do rito do Mandado de Segurança Coletivo na origem, sem arredar a ampla liberdade dos julgadores para averiguar a pertinência do instrumento utilizado pelo impetrante. III – DISPOSITIVO Diante do exposto, com fundamento no artigo 197, § 10, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Paraná, determino o retorno do recurso ao Departamento Judiciário (Divisão de Distribuição), ratificação da distribuição ao Exmo. Des. Luiz Mateus de Lima, na 5ª Câmara Cível. Curitiba, 24 de abril de 2020. DES. COIMBRA DE MOURA 1º Vice-Presidente
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