Ementa
APELAÇÃO CRIME – ESTUPRO DE VULNERÁVEL (art. 217-A, CP) – pedido de absolvição –RECONHECIMENTO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA DO RÉU – apenas BEIJOS ENTRE ELE E A que NÃO teriam sido LASCIVOS – NÃO acolhimento – réu que mesmo casado, deixou mulher convalescente em casa (acidente doméstico) com filha pequena para buscar namoro com criança, enteada de um primo – suposta “pureza” do ósculo que não se coaduna, segundo as praxes da experiência, a esse tipo de atitude do réu –
NOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL DE CRIANÇAS OU ADOLESCENTES ATÉ 14 ANOS DE IDADE, HÁ PRESUNÇÃO JURE ET DE jure DE vulnerabilidade – DESCLASSIFICAÇÃO PARA A FORMA TENTADA – possibilidade no caso – iter absolutamente inicial –
exegese da norma penal – PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE e da dignidade do ser humano – PRÁTICA DE ATO LIBIDINOSO diverso de penetração ou contato direto em parte íntima da vítima –
BEIJO LASCIVO – tentativa reconhecida –desclassificação para o art. 215-A do CP IMPOSSÍVEL – DOSIMETRIA - APLICAÇÃO DO REDUTOR DA PENA EM 2/3 (ART. 14, PARÁGRAFO ÚNICO, CP) –
REGIME ABERTO – CONDIÇÕES A SEREM FIXADAS PELO JUÍZO DE ORIGEM - PEDIDO DE CONCESSÃO DE JUSTIÇA GRATUITA - MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO - NÃO CONHECIMENTO.I – O beijo. Muitas podem ser as motivações de um beijo, é verdade. Na república dos “barões” do café, leite e açúcar, inaugurada “democraticamente” pelas baionetas de Deodoro e Floriano para afugentar os brasileiros negros da vida pública, temos o dramaturgo Nelson Rodrigues que compôs famosa obra “O beijo no Asfalto”, beijo de misericórdia ao último desejo de um moribundo atropelado. No Cântico dos Cânticos,
o beijo de boca dos esposos enamorados. No monte das Oliveiras, o beijo da traição de Judas. Nas epístolas do Apóstolo S. Paulo, o ósculo santo entre a fraternidade cristã. Porém, “O primeiro registro do ato veio do Oriente, do hindus. Em 1200 a.C no livro védico Satapatha (textos sagrados em que se baseia o bramanismo), recheado de sensualidade: “Amo beber o vapor de seus lábios”. Outro registro foi o Mahabarata (poema épico com mais de 200 mil versos, compilados em aproximadamente 1000 a.C.) descreve: “Pôs a sua boca em minha boca, fez um barulho e isso produziu em mim um prazer”. Em 400 e 200 d.C, teve outra versão, com preceitos do prazer detalhados. Cerca de 200 passagens detalhando a prática, moral e ética do beijo. O “manual” chamado Kama Sutra, descreve os três tipos de beijo: o beijo “nominal”, no qual só poderia tocar a boca do amante com os lábios; o “palpitante”, que permite movimentar apenas o lábio inferior, e havia o de “toque”, no qual a moça está autorizada a passar a ponta da língua nos lábios do namorado. ” (fonte: https://segredosdomundo.r7.com/beijo-na-boca-historia/).
No caso dos autos, é elementar que os beijos que o réu deu na vítima, não foram de esposos enamorados, nem de
ósculo santo, nem de traição à vítima (certamente à esposa sim), muito menos de misericórdia. Foram beijos “nominais”, “palpitantes” (sempre) ou de “toque” (de língua), tão bem descritos no Kama Sutra. Logo, a tipicidade de seus beijos tem fundamento jurídico não lhe cabendo a absolvição sob alegação de ausência de libidinosidade do ato. Todavia, imputar-lhe a pena cheia do crime de estupro, é resposta excessiva e portanto, odiosa que não retrata a devida justiça, ao ver desta relatoria.
II - Da melhor exegese da norma penal quanto a consumação do crime de estrupo. A interpretação no caso concreto necessita observar o que foi praticado ao longo do iter criminis pelo agente. Tal análise é recomendada pela razoabilidade e isto com base na evolução histórica da norma penal brasileira. Nesta quadra atual, pode-se dizer que juridicamente o objetivo final de uma investida sexual visa o contato dos/nos órgãos genitais da vítima, podendo exaurir-se por meio da penetração na forma do coito vaginal propriamente dito, ou da sua manipulação pelas mais diferentes formas (sexo anal, felação, masturbação etc). Nestas hipóteses, a conduta típica se perfectibiliza, consumando, portanto, o crime. Do contrário, tal qual nas situações de toques por cima da roupa, nas genitálias e zonas erógenas ou toques na pele em outras áreas do corpo, bem como ainda o frotteurismo (esfregadelas por cima da roupa) etc, serão casos intermediários que devem ser tidos como tentativa, ou seja, estupro na forma tentada, se outro tipo penal não couber.
III - O crime de estupro ontem e hoje. A evolução histórica da percepção quanto ao crime de estupro, oscila no tempo entre dois extremos. No passado só se considerava ocorrer o estupro com a intromissão do pênis intra vas (na vagina), aliado a ausência de qualquer indicativo mínimo de cedimento ou resignação da vítima. No presente, já se considerou estupro consumado um mero “beijo roubado” num baile de carnaval na Bahia. Por conta desse exagero, já são encontradas algumas vozes nos próprios Tribunais Superiores entendendo ser necessário encontrar-se o caminho do meio.
IV- Da impossibilidade de desclassificar para o art. 215-A do CP. É impossível a desclassificação do art. 217-A para o art. 215-A do CP, quando a conduta típica tiver por vítima alguém menor de 14 anos, uma vez que esse tipo penal se define pela prática de ato libidinoso contra alguém, sem a sua anuência. Ora, como a criança não dispõe de capacidade civil para dar ou negar seu consentimento, ainda mais para a prática de ato sexual, o tipo não se aplica. O ato sexual é um ato de disposição da vida civil (além de um fato da natureza), que requer consentimento entre as partes, sob pena de ser criminalizado. A criança não dispõe de liberdade sexual, sendo antes, objeto da tutela estatal quanto ao direito a ter preservada a sua integridade sexual. Assim, não se discute o “consentimento” em prática de ato libidinoso envolvendo criança, razão pela qual a desclassificação do art. 217-A para o art. 215-A do CP é impossível. Cabível apenas a aplicação da tentativa de estupro de vulnerável.apelo CONHECIDO EM PARTE E provido NA PARTE CONHECIDA._____________
(TJPR - 3ª Câmara Criminal - 0001239-46.2019.8.16.0133 - Pérola - Rel.: DESEMBARGADOR RUY ALVES HENRIQUES FILHO - Rel.Desig. p/ o Ac�rd�o: DESEMBARGADOR GAMALIEL SEME SCAFF - J. 24.11.2020)
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