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Acórdão
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RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível interposta pelo ESTADO DO PARANÁ em face da sentença (mov. 71.1) que, nos autos de Mandado de Segurança, concedeu a segurança requerida, para: “declarada a não incidência de ICMS sobre os valores de bonificações/descontos incondicionais concedidos nas operações próprias realizadas pela impetrante, assegurar-lhe o direito de obter a restituição ou a compensação (leia-se: via escrituração de créditos) dos valores recolhidos indevidamente a partir do dia 13.2.2014”. Em razão da sucumbência, condenou o ESTADO DO PARANÁ ao pagamento das custas e despesas processuais.Em suas razões recursais (mov. 77.1), alega o apelante que nas notas fiscais apresentadas pela apelada estão presentes os pressupostos de incidência do ICMS, pois houve operação tendo por objeto a circulação de mercadorias, e, também, houve transferência tanto da posse como da propriedade das mercadorias. Sustenta que não é necessária a onerosidade da operação para a incidência do tributo, exigindo-se apenas uma operação jurídica transferidora da propriedade de mercadorias, e que mesmo a doação constitui fato gerador do ICMS. Afirma que “há incongruência entre a caracterização da bonificação como incondicional e o termo (condicional!) para obter o benefício. Se para o comprador levar unidades extras do produto sem acréscimo no preço deve adquirir um número ou um valor estabelecido destas mercadorias (ou atender a outro critério definido pela empresa), como pode-se dizer que a bonificação é incondicional ou mesmo comparar esta bonificação com o desconto incondicional?”Argumenta que os produtos transferidos ao comprador sob a denominação de “remessa bonificada” são mercadorias que estão no mercado para serem revendidas com o intuito de obter lucro. Pede também a reforma da sentença com base na alegação de que a parte apelada não comprovou que enviou de forma incondicional em algum momento de sua atividade produtos bonificados vinculados a um contrato de venda e que sobre eles pagou ICMS.Sucessivamente, requer que a liquidação seja limitada aos documentos já anexados aos autos, com a comprovação de efetivo recolhimento do ICMS sobre as operações e da prova de que se tratam de operações únicas vinculadas a uma venda bonificada, incondicionais, e fora do regime de substituição tributária, sem a possibilidade de apresentação de novas notas fiscais. Por fim, pleiteia o provimento do recurso. Apresentadas contrarrazões (mob. 83.1).Nesta instância a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (mov. 11.1).É o relatório.
VOTO Trata-se de Mandado de Segurança impetrado pelo ora apelado, com vistas ao afastamento de ICMS sobre as vendas realizadas em bonificação/desconto incondicional, bem como seja assegurado o direito de proceder à restituição dos valores recolhidos indevidamente a esse título. Pois bem.As bonificações, de fato, equiparam-se aos descontos incondicionais, sendo concedidas ao cliente como forma de “fidelização”, e não poderiam, assim, integrar a base de cálculo do ICMS, uma vez que não se enquadram na previsão do art. 13, § 1º, II, “a”, da Lei Complementar nº 87/96), que estabelece: “Art. 13. A base de cálculo do imposto é:(...)§ 1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo:II - o valor correspondente a:a. seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição”. A questão já restou pacificada, nos termos da Súmula n. 457 e do Recurso Especial n. 1111156/SP, submetido ao regime dos repetitivos, art. 543-C do CPC/73 (art. 1.036, CPC/15), ambos do Superior Tribunal de Justiça: “Súmula n. 457. Os descontos incondicionais nas operações mercantis não se incluem na base de cálculo do ICMS.” “TRIBUTÁRIO. ICMS. MERCADORIAS DADAS EM BONIFICAÇÃO. ESPÉCIE DE DESCONTO INCONDICIONAL. INEXISTÊNCIA DE OPERAÇÃO MERCANTIL. ART. 13 DA LC 87/96. NÃO-INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO.1. A matéria controvertida, examinada sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, restringe-se tão-somente à incidência do ICMS nas operações que envolvem mercadorias dadas em bonificação ou com descontos incondicionais; não envolve incidência de IPI ou operação realizada pela sistemática da substituição tributária.2. A bonificação é uma modalidade de desconto que consiste na entrega de uma maior quantidade de produto vendido em vez de conceder uma redução do valor da venda. Dessa forma, o provador das mercadorias é beneficiado com a redução do preço médio de cada produto, mas sem que isso implique redução do preço do negócio.3. A literalidade do art. 13 da Lei Complementar n. 87/96 é suficiente para concluir que a base de cálculo do ICMS nas operações mercantis é aquela efetivamente realizada, não se incluindo os "descontos concedidos incondicionais".4. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que o valor das mercadorias dadas a título de bonificação não integra a base de cálculo do ICMS.5. Precedentes: AgRg no REsp 1.073.076/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 25.11.2008, DJe 17.12.2008; AgRg no AgRg nos EDcl no REsp 935.462/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 8.5.2008; REsp 975.373/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 15.5.2008, DJe 16.6.2008; EDcl no REsp 1.085.542/SP, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 24.3.2009, DJe 29.4.2009.Recurso especial provido para reconhecer a não-incidência do ICMS sobre as vendas realizadas em bonificação. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução 8/2008 do Superior Tribunal de Justiça.”(REsp 1111156/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/10/2009, DJe 22/10/2009). Deste modo, sem razão o apelante ao questionar de forma genérica a incidência de ICMS nos casos em que ocorreram descontos incondicionais nas operações mercantis.Todavia, não restou demonstrado nos autos a concessão de bonificações incondicionais pelo impetrante no momento da venda de seus produtos. Inicialmente, cabe destacar que o impetrante optou pela impetração de Mandado de Segurança, que, como se sabe, não admite dilação probatória, e exige, em razão de sua natureza, provas pré-constituídas e robustas do direito alegado. Porém, o impetrante apresentou somente uma nota fiscal, que, apesar da natureza da operação estar descrita como “bonificação”, não é possível verificar se a referida bonificação estava atrelada a uma operação de venda antecedente e contemporânea. A título exemplificativo, poderia o impetrante ter anexado aos autos notas fiscais que comprovassem a venda de determinados produtos, juntamente com as notas fiscais referentes aos produtos entregues a título de bonificação, de modo a comprovar que as operações se deram de maneira onerosa e de forma única. Conforme delineado pelo Egg. Superior Tribunal de Justiça a “bonificação é uma modalidade de desconto que consiste na entrega de uma maior quantidade de produto vendido em vez de conceder uma redução do valor da venda. Dessa forma, o provador das mercadorias é beneficiado com a redução do preço médio de cada produto, mas sem que isso implique redução do preço do negócio.”Ainda, leciona Hugo de Brito Machado: “A base de cálculo do ICMS, como regra geral, é o valor da operação relativa à circulação da mercadoria, ou o preço do serviço respectivo. A Lei Complementar n. 87/1996, todavia, estabelece várias normal para situações específicas.Na base de cálculo incluem-se as despesas recebidas do adquirente, ou a este debitadas, bem como os descontos condicionais a este concedidos, mas não se incluem os descontos incondicionais, porque evidentemente não integram estes o valor da operação. Condicional é um desconto cuja efetivação fica a depender de evento futuro e incerto, como por exemplo, o pagamento em certo prazo. Incondicional é o desconto que se efetiva ao momento da operação. Assim, o desconto para o pagamento à vista é um desconto incondicional, cujo valor não integra a base de cálculo do imposto” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 31ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 396). Reconhece-se que não é necessária a comprovação de todas as operações efetivadas na forma de bonificações, sendo possível a demonstração por amostragem. Contudo, no presente caso, o impetrante não logrou êxito em comprovar que nas operações de vendas principais houve uma bonificação vinculada, conforme exigido pelo Superior Tribunal de Justiça: “EMBARGOS
DECLARATÓRIOS
EM
RECURSO
ESPECIALREPRESENTATIVO
DE
CONTROVÉRSIA.
ART.
543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE POR INFRAÇÃO. SUCESSÃO DE EMPRESAS (INCORPORAÇÃO). ICMS. BASE DE CÁLCULO. VALORDA OPERAÇÃO
MERCANTIL.
EXCLUSÃO
DE
MERCADORIAS DADAS EM BONIFICAÇÃO DESDE QUE INCONDICIONAL. MATÉRIADECIDIDA
PELA
1a.
SEÇÃO, NO
RESP.
1.111.156/SP, REL. MIN.HUMBERTO MARTINS, DJE 22.10.2009, SOB O REGIME DO ART. 543-C DO CPC. ASSERTIVA DO ACÓRDÃO RECORRIDO DE QUE NÃOFICOU COMPROVADA ESSA INCONDICIONALIDADE, NA HIPÓTESEDOS
AUTOS. AUSÊNCIA
DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. PRETENSÃO
DE
ALTERAÇÃO
DO
JULGADO.EMBARGOS
DE
DECLARAÇÃO
REJEITADOS.
(...)
3.
Quanto
ao pedido de exclusão da base de cálculo do ICMS das mercadorias dadas em
bonificação,
restou
assentado
pelo
acórdão
recorrido,
consoante trecho transcrito no aresto ora embargado, que somente os descontos incondicionais estão livres de integrar a base de cálculo do imposto, e
que
a
empresa
não
fez
qualquer
prova
de
que
as
bonificações concedidas
foram
dadas
dessa
forma,
ou
seja,
sem
vinculação
a qualquer tipo de condição; esse entendimento não diverge daquele assentado
em
inúmeros
julgados
desta
Corte. (...)
6.
Embargos Declaratórios
rejeitados.” (EDcl
no
REsp
923.012/MG,
Rel.
Ministro NAPOLEÃO
NUNES
MAIA
FILHO,
PRIMEIRA
SEÇÃO,
julgado
em10/4/2013, DJe 24/4/2013). Ademais, necessário ressaltar que nos casos em que a empresa opera sob o regime da substituição tributária, não cabe tal desconto.Isto porque a substituição tributária não engloba essa hipótese de não incidência por não possuir qualquer garantia de que a bonificação dada ao substituído será efetivamente repassada ao consumidor final. Esse foi o entendimento do STJ em sede de embargos de divergência: “EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - TRIBUTÁRIO - ICMS - SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA - VENDAS COM BONIFICAÇÃO - RECOLHIMENTO DESTACADO - VALIDADE - AUSÊNCIA DE PRESUNÇÃO DA MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO.1. São inconfundíveis as teses versadas neste recurso. A tese consignada no acórdão impugnado diz respeito à incidência do ICMS nas operações mercantis realizadas sob o regime de substituição tributária.2. Situação fática diversa da examinada no acórdão paradigma (REsp 1.111.156/SP, rel. Min. Humberto Martins, Primeira Seção, DJ 22/10/2009), proclamando a não incidência do ICMS em venda de mercadorias com bonificações.3. Validade da exigência de destaque do ICMS no regime de substituição tributária pelo substituto tributário nas operações interestaduais.4. Embargos de divergência conhecidos e providos”.(EREsp 715.255/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/06/2010, DJe 23/02/2011) E também não restou comprovado nos autos que as operações do impetrante não estão abarcadas pelo regime da substituição tributária. Até mesmo porque, na única nota fiscal apresentada pelo impetrante consta como destinatário da mercadoria “Claudino S.A. – Lojas de Departamentos”. O ICMS é imposto sujeito ao princípio da não cumulatividade. Isto é, compensa-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas operações anteriores pelo mesmo, ou por outro Estado. Tal regra permite que o ICMS recaia tão somente sobre o valor acrescentado em cada fase da circulação do produto.Não se pode, pois, presumir a perpetuação da bonificação na cadeia, tendo em vista o intuito de lucro que permeia a atividade mercantil; ou seja, não se pode presumir que os valores bonificados vão chegar até o consumidor final. Nesse sentido são os seguintes precedentes deste E. Tribunal de Justiça do Paraná: “Tributário. Mandado de Segurança preventivo. ICMS. Entrega de mercadorias em bonificação. Equiparação a descontos incondicionais nas operações mercantis. Substituição tributária. Não incidência do tributo condicionada à prova da não repercussão. Impetrante, porém, que não se desincumbiu do ônus da prova a contento. Prova desnecessária apenas no caso de venda direta ao consumidor final. Precedentes. Apelação Cível provida. Reexame Necessário prejudicado. Considerando que o caso dos autos envolve situação de substituição tributária, torna-se plenamente legal a cobrança do ICMS sobre as bonificações realizadas pela empresa recorrente.”(TJPR - 1ª C.Cível - 0003641-41.2015.8.16.0004 - Curitiba - Rel.: Desembargador Salvatore Antonio Astuti - J. 28.02.2018) “APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. DENEGADA SEGURANÇA PELO JUÍZO A QUO. TRIBUTÁRIO. ICMS. MERCADORIAS DADAS COMO BONIFICAÇÃO. DESCONTO INCONDICIONAL. SÚMULA 457 DO STJ. EMPRESA QUE REALIZA OPERAÇÕES SOB REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. INFORMAÇÃO NÃO CONTESTADA PELA PARTE AUTORA. DESCABIMENTO DO DESCONTO. ICMS QUE DEVE INCIDIR SOBRE A BONIFICAÇÃO. ENTENDIMENTO PACÍFICO DO STJ. ERESP 715255/MG. INSUFICIÊNCIA DE CONJUNTO PROBATÓRIO NOS AUTOS. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVA ENTREGA DE BONIFICAÇÕES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO.”(TJPR - 3ª C.Cível - 0004299-31.2016.8.16.0004 - Curitiba - Rel.: Desembargador José Laurindo de Souza Netto - J. 05.12.2017) Sendo assim, não incide o ICMS sobre as operações de venda com bonificações apenas quando comprovado que esta não se deu em regime de substituição tributária. E não se diga que o presente Mandado de Segurança tem cunho meramente declaratório. A prova do alegado é necessária, uma vez que seria inócuo declarar apenas que o ICMS não incide sobre descontos incondicionados, pois a matéria encontra respaldo na súmula 457 do STJ.Em verdade, o que pretende o impetrante não é a mera declaração de não incidência de ICMS sobre as bonificações, mas sim a devolução dos valores já pagos, que entendem indevidos. É o que se conclui da análise dos pedidos formulados na inicial.De outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg nos Edcl no AREsp. 194.694/RS, de relatoria do Min. SÉRGIO KUKINA, consagrou entendimento de ser inviável a utilização de Mandado de Segurança com vistas ao aproveitamento de créditos de ICMS quando ausente nos autos documentação suficiente a comprovar o valor das mercadorias efetivamente adquiridas a título de bonificação.Ou seja, há necessidade, igualmente, de se comprovarem as negociações que ensejaram a bonificação, o que também não restou de plano demonstrado pelo impetrante.Destarte, é de se dar provimento ao recurso, reformando a sentença, para indeferir a petição inicial do Mandado de Segurança, extinguindo o feito sem resolução do mérito, invertendo o ônus sucumbencial.
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