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Acórdão
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I – RELATÓRIO: Trata-se de Carta Testemunhável apresentada contra a decisão proferida no mov. 126.1 dos Autos de Execução de Pena nº 0005748-56.2017.8.16.0079, que deixou de receber o recurso de agravo interposto contra o decisum que indeferiu a prisão domiciliar em favor do apenado D.P.P., em virtude de sua intempestividade. Em suas razões, aponta a Defensoria Pública que, em 23 de março de 2020, protocolou pedido de concessão de prisão domiciliar, na qualidade de custus vulnerabilis, em razão da pandemia do COVID-19, tendo em vista que o apenado é idoso e integrante do grupo de risco. Ressaltou que o magistrado indeferiu o pedido em 27 de março de 2020, porém, a respectiva intimação ocorreu apenas em nome do advogado constituído, sendo que a Defensoria Pública somente foi habilitada nos autos em 7 de maio de 2020. Afirmou que, sem receber a intimação da decisão denegatória do pedido, interpôs tempestivamente o recurso de agravo em execução, pois sequer houvera abertura do prazo recursal, porém, o juiz a quo não recebeu a insurgência. Disse que “a atuação como custos vulnerabilis não visa a imparcialidade, mas a demonstração de posicionamento institucional na defesa dos vulneráveis, ainda que em processo individual, atuando em nome próprio e não como postulante da parte interessada ou como guardião da Lei” e que “a Defensoria Pública é Órgão da Execução Penal, conforme expressamente disposto no art. 61, VIII da Lei 7.210/84, e possui a atribuição de velar pela regular execução da pena e da medida de segurança, oficiando, no processo executivo e nos incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e coletiva, conforme disposto no art. 81-A da Lei acima mencionada”. Narrou que negar a intimação desse órgão acerca das decisões judiciais que postula implica em negar sua função institucional (ref. mov. 141.1). Em contrarrazões, o Ministério Público requereu o não provimento do recurso (ref. mov. 144.1). A decisão foi mantida por seus próprios fundamentos (ref. mov. 147.1). Os autos foram remetidos a este Tribunal. A Procuradoria Geral de Justiça, através por meio do parecer exarado no mov. 17.1, opinou pelo provimento do recurso. Os autos vieram conclusos a este Relator. É o relatório
II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: Estão presentes os pressupostos legais de admissibilidade do recurso, razão pela qual merece ser conhecido. Nos termos do artigo 639 do Código de Processo Penal, caberá carta testemunhável em face “da decisão que denegar o recurso”. Na hipótese presente, observa-se que a Defensoria Pública do Estado do Paraná ingressou com pedido de prisão domiciliar em favor do apenado D.P.P. em razão da pandemia do COVID-19 (ref. mov. 103.1). Embora o apenado tivesse defensor constituído, a atuação do referido órgão é justificada nos termos dos artigos 61, inciso VIII, e 81-A da Lei 7.210/84, pois tem a função de zelar pela regular execução da pena, oficiando no processo executivo para a defesa dos necessitados, de forma individual ou coletiva: “Art. 61. São órgãos da execução penal:(...)VIII - a Defensoria Pública. Art. 81-A. A Defensoria Pública velará pela regular execução da pena e da medida de segurança, oficiando, no processo executivo e nos incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e coletiva”. Outrossim, suas funções institucionais encontram amparo no artigo 134 da Constituição Federal e 4º, inciso XI, da Lei Complementar nº 136/2011, extraindo-se que a Defensoria Pública pode atuar na defesa dos direitos dos idosos, como na hipótese em exame, verbis: “Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:(...) XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado”. Nesse sentido, aliás, decidiu, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, em caso envolvendo a pandemia do COVID-19, acerca da atuação da Defensoria Pública na função de custus vulnerabilis: “Em suma, requer-se a admissão da Defensoria Pública da União, como custos vulnerabilis, na presente ação, que trata da possibilidade de, por meio de habeas corpus coletivo, determinar a liberdade, independentemente do pagamento da fiança, em favor de todos aqueles a quem foi concedida liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança e ainda se encontram submetidos a privação cautelar de liberdade em razão do não pagamento do valor, tendo em vista os riscos advindos da pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19).Apesar de não existir previsão legal para a figura do custos vulnerabilis, depreende-se de alguns dispositivos legais a chancela para a sua admissão.O art. 134 da Constituição Federal de 1988 tutela que: A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.Já o art. 1.038, I, do Novo Código de Processo Civil, emprestado ao processo penal por meio de aplicação analógica expressamente autorizada pelo artigo 3º do Código de Processo Penal, estabelece que o relator poderá solicitar ou admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, considerando a relevância da matéria e consoante dispuser o regimento interno.Por sua vez, ao analisar a figura do custos vulnerabilis, que já vinha sendo admitida pela doutrina, decidiu-se, nesta Corte Superior de Justiça que: Admite-se a intervenção da Defensoria Pública da União no feito como custos vulnerabilis nas hipóteses em que há formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos (Informativo n. 657 de 25 de outubro de 2019) Consta ainda do citado informativo que:[...]Segundo a doutrina, custos vulnerabilis representa uma forma interventiva da Defensoria Pública em nome próprio e em prol de seu interesse institucional (constitucional e legal), atuação essa subjetivamente vinculada aos interesses dos vulneráveis e objetivamente aos direitos humanos, representando a busca democrática do progresso jurídico-social das categorias mais vulneráveis no curso processual e no cenário jurídico-político. A doutrina pondera ainda, "que a Defensoria Pública, com fundamento no art. 134 da CF/88, e no seu intento de assegurar a promoção dos direitos humanos e a defesa [...] de forma integral, deve, sempre que o interesse jurídico justificar a oitiva do seu posicionamento institucional, atuar nos feitos que discutem direitos e/ou interesses, tanto individuais quanto coletivos, para que sua opinião institucional seja considerada, construindo assim uma decisão jurídica mais democrática".[...]Sendo assim, depreende-se do exposto acima que é cabível a admissão da Defensoria Pública da União como custos vulnerabilis nos casos em que há formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos.In casu, como já ressaltado, trata-se da defesa de presos - que praticaram atos de menor gravidade - que não possuem condições financeiras de saldar o valor estipulado a título de fiança e por isso permanecem presos (ainda que em período reconhecido como de pandemia). Ora, a vulnerabilidade econômica do grupo social que aqui se avulta é patente, mas, além dela, trata-se, também, de pessoas em vulnerabilidade social.No mais, também não há dúvida de que ao tratar de prisão de pessoas em vulnerabilidade econômica e social em presídios com superlotação e insalubridade em tempos de COVID-19, estamos tratando de direitos humanos, vez que se defende, aqui, a liberdade como direito civil e também a liberdade real advinda dos direitos sociais.Assim, defiro o pedido da Defensoria Pública da União para atuar no feito como custos vulnerabilis” (STJ, Pet no HC 568.693/ES, relator Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 1º/04/2020). In casu, o magistrado de primeiro grau indeferiu o pedido por decisão datada de 27 de março de 2020 (ref. mov. 109.1), sendo que desta decisão foi intimado o sentenciado (ref. mov. 121.1) e o advogado constituído em 7 de abril de 2020 (ref. mov. 122.1), mas não o postulante, no caso, a Defensoria Pública. A Defensoria Pública interpôs o recurso de agravo em 22 de abril de 2020 (ref. mov. 124.1), o qual não foi conhecido por ser intempestivo, ao argumento judicial, em resumo, de que a intimação de qualquer um dos defensores do apenado é suficiente, sendo dispensável a ciência do órgão postulante da prisão domiciliar (ref. mov. 126.1). Porém, ao contrário do que consta no decisum objurgado, a atuação da Defensoria Pública na condição de custus vulnerabilis é considerada espécie de terceiro interessado, sendo indispensável sua intimação acerca dos atos decisórios relativos a pleitos por ela formulados. Deste modo, como bem destacado no parecer da douta Procuradoria-Geral da Justiça, “sendo assim, não há se falar em intempestividade do agravo manejado, posto que inexistiu intimação formal da Defensoria Pública, presumindo-se, portanto, que tomou conhecimento da decisão alhures fustigada somente após a sua habilitação”, o que torna o recurso de agravo em execução tempestivo. Nesse sentido, é claro o disposto no artigo 156, inciso I, da Lei Complementar Estadual nº 136/2011: “Art. 156. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado do Paraná, dentre outras previstas em lei:I - receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-se-lhes em dobro todos os prazos”. Outrossim, como bem defendido pelo recorrente, “não há que se falar que com a intimação do honrado advogado constituído resolve-se também a intimação da Defensoria Pública no presente feito. A Defensoria Pública, o Ministério Público e a Advocacia Privada são Instituições ímpares, todas de nobreza e relevo, que cumprem funções e papeis distintos à Justiça Nacional, não devendo se confundir suas atribuições e formas de atuação. E, por óbvio, tratando-se de Instituições distintas, devem, cada qual, ser regularmente intimadas no processo de execução penal em um Estado Constitucional Democrático. Pensar de forma contrária, justificando a não intimação da Defensoria Pública em razão da presença de douto advogado constituído nos autos, em processo que há atuação na qualidade de custos vulnerabilis, caracteriza nefasta mácula aos Princípios da Autonomia e Independência Funcional esculpidos no§4º do art. 134 da CFR/88. Em análise última, trata-se de agressão ao próprio princípio democrático, vez que a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, conforme esculpido no art. 134 caput da CFR/88.Viola ainda os princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º LV CFR/88), vez que não oportuniza ao peticionário –repita-se, na qualidade de terceiro interveniente e não como representante postulatório–o conhecimento da decisão denegatória de sua postulação, incorrendo em verdadeiro obstáculo ao acesso à justiça –nas palavras de Cappelleti e Garth, o mais básico dos direitos humanos” Desse modo, deve ser dado provimento ao recurso, determinando-se ao magistrado de primeiro grau que processe o recurso de agravo em execução juntado no mov. 124.1 dos Autos de Execução de Pena nº 005748-56.2017.8.16.0079.
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