Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I - RELATÓRIOO representante do Ministério Público, no uso de suas atribuições, ofereceu denúncia (mov. 30.1) contra o Réu, ora Apelante, como incurso na sanção prevista no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 pela prática, em tese, do seguinte fato delituoso:“No dia 02 de agosto de 2019, por volta de 20h15, na Rua Nestor Castro, n.160, no Centro, em Curitiba-PR1 , o denunciado LUAN LUIZ TABORDA, dolosamente agindo, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, trazia consigo e transportava 28g (vinte e oito gramas) da droga TETRAHIDROCANABINOL, vulgarmente conhecida como ‘maconha’, droga apontada como capaz de causar dependência física e psíquica e de venda proscrita em todo território nacional, conforme Portaria 344/98 SVS/MS, consoante Auto de Exibição e Apreensão de mov.1.7 e Auto de Constatação Provisória de Drogas de mov. 1.9. Ainda foi localizado na posse do denunciado a quantia em dinheiro no valor de R$ 446,50 (quatrocentos e quarenta e seis reais e cinquenta centavos) em notas trocadas.”Recebida a denúncia (mov. 70.1), o feito foi devidamente instruído.Após, sobreveio sentença na qual o Juízo de origem julgou procedente a pretensão acusatória, condenando o Réu pela prática do crime de tráfico de entorpecentes à pena privativa de liberdade de 06 (seis) anos de reclusão, em regime inicial fechado, além de multa de 600 (seiscentos) dias-multa (mov. 125.1).Inconformado, o Réu interpôs o presente recurso de Apelação em cujas razões requereu, em síntese, a absolvição do crime de tráfico, sob o argumento de insuficiência probatória. Pugnou, ainda, pela redução da pena de multa, em razão de sua hipossuficiência econômica. Ainda, pleiteou a fixação de regime aberto para início de cumprimento de pena. Por fim, pugnou pela concessão do direito de recorrer em liberdade (mov. 142.1).O Ministério Público apresentou contrarrazões nas quais pleiteou o provimento do recurso interposto, para o fim de: a) absolver o apelante pela prática do delito de tráfico, com fulcro no art. 386, incisos VI e VII do Código de Processo Penal; b) caso mantida a condenação, seja fixado regime mais brando para o cumprimento inicial da pena, isto é, o regime aberto; c) seja a pena de multa readequada às alterações na dosimetria da pena; e c) seja garantido ao apelante o direito de recorrer em liberdade (mov. 154.1).O Procurador de Justiça Valclir Natalino da Silva opinou pelo parcial conhecimento, tendo em vista que o pleito pela redução da pena de multa compete ao Juízo da Execução, e desprovimento do recurso (mov. 11.1).É o que de relevante tinha a relatar.
II - PRELIMINARInicialmente, verifica-se que em suas razões recursais a Apelante requer a concessão do direito de recorrer em liberdade.Sem razão.Isso porque infere-se dos autos que o Apelante permaneceu preso durante boa parte da instrução criminal e foi condenado em regime fechado, bem como é reincidente, o que reforça a necessidade de manutenção da medida.O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento segundo o qual a medida preventiva deve ser mantida nos casos em que o Réu permaneceu preso durante toda a instrução criminal, quando persistentes os fundamentos autorizadores:HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PACIENTE QUE PERMANECEU PRESO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO CRIMINAL. PRESENÇA DOS REQUISITOS DA PRISÃO CAUTELAR. PERSISTÊNCIA DOS MOTIVOS DO ENCARCERAMENTO. NECESSIDADE DE ACAUTELAMENTO DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. GRANDE QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E CONSTITUCIONAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. 1. Permanecendo o paciente segregado durante toda a instrução criminal, tendo o Juízo de Primeiro Grau e o Tribunal a quo entendido por sua manutenção no cárcere, ante a persistência dos requisitos previstos no art. 312 do CPP, não deve ser revogada a custódia cautelar se, após a condenação, não houve alteração fática a ponto de autorizar a devolução do seu status libertatis.(...). (HC 224.895/MT, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 13/03/2012, DJe 22/03/2012).Portanto, resta perfeitamente justificada a prisão preventiva da Apelante, sendo inviável a revogação da medida ou a sua substituição por cautelares diversas.No mais, o recurso deve ser conhecido, eis que presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade. Passa-se à análise do mérito.III - FUNDAMENTAÇÃOAo compulsar os autos, depreende-se que a materialidade e autoria delitiva restaram devidamente comprovadas por intermédio do auto de prisão em flagrante (mov. 1.1), boletim de ocorrência (mov. 1.2), auto de exibição e apreensão (mov. 1.7), auto de constatação provisório de droga (mov. 1.9), laudo de pesquisa toxicológica (mov. 58.1), bem como pelos demais elementos de prova colhidos durante a instrução processual.Em sede judicial, o Apelante negou a prática do crime de tráfico de drogas, afirmando que foi até o local onde foi abordado com a finalidade de adquirir entorpecente para seu consumo próprio: “[...] já foi dependente químico de cocaína e de crack, mas passou por tratamento e no momento apenas sofre com a dependência de maconha; que na data dos fatos foi até o local onde foi abordado com a finalidade de adquirir entorpecente para uso próprio, sendo que já havia pagado pelo produto e recebido o troco em notas menores, sem, no entanto, receber a droga. Isso se deu porque dada a presença da polícia, o vendedor evadiu-se e descartou o produto em cima de um ponto de ônibus; que os policiais não encontraram a droga com ele, mas sim nas proximidades, afirmando que de qualquer forma ele teria a adquirido; que o valor monetário encontrado consigo no momento da abordagem havia recebido seu salário o qual recebia semanalmente às sextasfeiras, sendo que os valores trocados foram provenientes do troco recebido ao adquirir a droga. Questionado sobre a frequência e quantidade de entorpecente que utiliza, informou que fuma de cinco a seis cigarros de maconha por dia, sendo que a quantidade adquirida duraria aproximadamente uma semana”. (mov. 100.6)Porém, em que pese a versão apresentada pelo Apelante, constata-se que a conduta por este perpetrada é típica e se adequa perfeitamente ao previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, tendo em vista que trazia consigo e transportava 28g (vinte e oito gramas) da substância conhecida como ‘maconha’.Ao depor em Juízo, o policial Luiz, um dos responsáveis pela abordagem e prisão do Réu, disse que, em patrulhamento, abordaram o Réu, por este ser conhecido da polícia, momento em que, localizaram no bolso do Apelante certa quantidade de maconha. Ressaltou que a região da ocorrência é conhecida como ponto intenso de tráfico de drogas:“[...] considera a região da ocorrência como ponto de intenso tráfico de drogas e que estava em patrulhamento nas proximidades. Questionado sobre o que motivou a abordagem de Luan Luiz Taborda, apontou que já havia realizado o mesmo procedimento com o acusado em oportunidade anterior, sem, todavia, encontrar qualquer ilícito. Questionado sobre que tipo de droga havia sido encontrada com o réu e onde estava guardada, indicou se tratar de maconha guardada no bolso do acusado. Afirmou ainda que provavelmente não se recorda com precisão desses fatos em razão de ter feito a segurança da abordagem e não a revista pessoal. Questionado sobre a quantidade, não soube responder. Com relação a presença de dinheiro, relatou que havia quantia monetária. Também não recorda se a droga estava separada para a venda. Questionado sobre a presença de demais indivíduos no local, não soube responder.” (mov. 100.3). No mesmo sentido, foram as declarações do policial Marcelo, o qual acrescentou que a ocorrência passada à equipe envolvia dois indivíduos realizando tráfico de entorpecentes na região, mas que não se recorda de características físicas dos suspeitos (mov. 100.4).Infere-se que as declarações supracitadas são uníssonas no sentido de que o Apelante Luan praticou o crime de tráfico descrito na denúncia, na medida em que foi flagrado pelos policiais trazendo consigo certa quantidade de substância entorpecente – frise-se, 28g (vinte e oito gramas) da substância conhecida como ‘maconha’. Ademais, restou verificado que o Réu estava em ponto conhecido pela prática do tráfico e, além da droga, portava considerável quantia de dinheiro em espécie – R$ 446,50 (quatrocentos e quarenta e seis reais e cinquenta centavos) em notas trocadas.In casu, é de suma importância o acatamento das informações, coerentes e harmônicas, apresentadas pelos agentes públicos sob o crivo do contraditório, pois inexistem nos autos indícios de que estejam imputando falsas acusações ao Apelante.Eis o entendimento jurisprudencial sobre a validade da prova testemunhal produzida pelos policiais:PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO. DEPOIMENTOS DE POLICIAIS. CREDIBILIDADE. COERÊNCIA COM O CONJUNTO PROBATÓRIO. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. [...]. 2. Orienta-se a jurisprudência no sentido de que os depoimentos dos agentes policiais merecem credibilidade como elementos de convicção, máxime quando corroborados com outras provas produzidas nos autos, situação da espécie, constituindo-se, assim, elemento apto a respaldar as condenações. [...] 4. Habeas corpus não conhecido. (HC 206.282/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 12/05/2015, DJe 26/05/2015).Convém ressaltar que o crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 é composto por diversas condutas e, em se tratando de tipo penal misto alternativo, para a sua consumação basta que o agente realize apenas um dos verbos ali indicados:Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.Na presente hipótese, não restam dúvidas de que o Apelante praticou dois dos verbos presentes no artigo em voga, porquanto amplamente comprovado que este trazia consigo e transportava considerável quantidade de substância entorpecente.Importante mencionar que o delito em questão prescinde de inequívoca demonstração de atos de mercancia, sendo suficiente a prova de que o agente agiu com consciência e vontade de praticar uma das condutas descritas no tipo penal.No tocante a alegação aventada pelo Apelante de que é apenas usuário de drogas, a jurisprudência é assente no sentido de que tal condição, por si só, não afasta a possibilidade de traficância:APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DE DROGAS. (...) 3. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. CONJUNTO PROBATÓRIO HÁBIL A EMBASAR A CONDENAÇÃO. DECLARAÇÕES DAS TESTEMUNHAS EM CONSONÂNCIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS PROBATÓRIOS DOS AUTOS. 4. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO QUE EVIDENCIAM O TRÁFICO DE DROGAS. CONDIÇÃO DE USUÁRIO QUE, POR SI SÓ, NÃO AFASTA A TRAFICÂNCIA. (TJPR - 4ª C.Criminal - AC - 1380676-5 - Curitiba - Rel.: Luiz Taro Oyama - Unânime - - J. 25.02.2016).Desta forma, as circunstâncias em que o Réu foi preso rechaçam quaisquer dúvidas que poderiam pairar acerca do cometimento do crime de tráfico de drogas, eis que este trazia consigo, dentro do seu bolso, substância ilícita cuja quantidade não se compatibiliza com o propósito do art. 28 da Lei n. 11.343/2006, bem como, conforme depoimentos dos agentes policiais, o local onde o Apelante fora flagrado é conhecido pelo intenso tráfico de drogas e o motivo da abordagem se deu pelo fato de que o Apelante já era conhecido da polícia.Outrossim, a versão apresentada pelo Réu encontra-se isolada nos autos, eis que, em que pese alegue que a grande quantia em dinheiro era proveniente de seu trabalho e que as notas trocadas seriam referentes ao troco da compra da maconha, tem-se que o Réu não comprovou a origem lícita do dinheiro, isso é, não trouxe qualquer documento que pudesse comprovar sua tese.Tais fatos, elucidados através da análise minuciosa do conjunto probatório, vão de encontro com a tese defensiva.Destarte, resta evidenciada a autoria e materialidade da conduta descrita na inicial acusatória, o que torna inviável o acolhimento do pleito de absolvição do delito de tráfico de entorpecentes.Ato contínuo, o Apelante requer a fixação do regime aberto para início do cumprimento de pena, aduzindo não haver fundamentação idônea para fixar regime mais gravoso.Sem razão.Ao analisar a sentença proferida, observa-se que o Juiz a quo agiu com acerto ao estabelecer o regime fechado como inicial para o cumprimento de pena, tendo em vista que o Apelante é reincidente e sua pena definitiva restou fixada em 06 (seis) anos de reclusão, além de multa de 600 (seiscentos) dias-multa, sendo imperioso a fixação do referido regime inicial de cumprimento.Assim, considerando o quantum de pena estabelecido, bem como a reincidência do Réu, mostra-se incompatível a aplicação do regime aberto para início do cumprimento de pena, nos termos do art. 33, §2º, alínea ‘c’ do Código Penal.Ainda, o Apelante pretende a redução da pena de multa, ao argumento de que não possui condições para arcar com os valores. Não obstante as razões apresentadas, a irresignação não merece prosperar.Isto porque, verifica-se que a quantidade de dias-multa fixada – 600 (seiscentos) – guarda estrita relação com a reprimenda corporal aplicada, a qual respeitou o critério trifásico de dosimetria de pena, demonstrando-se proporcional e adequada ao caso em tela.Ademais, a multa é espécie autônoma da pena, cumulativamente prevista à reprimenda corporal. Não é sanção alternativa ou substitutiva da pena privativa de liberdade, de modo que uma vez condenada a Apelante por tráfico de drogas, a aplicação da pena de multa é impositiva, não podendo o Magistrado deixar de aplicá-la sob pena de violação ao texto legal.Neste sentido:APELAÇÃO CRIME – (...) PEDIDO DE NÃO APLICAÇÃO DA PENA DE MULTA EM RAZÃO, IGUALMENTE, DA FALTA DE CONDIÇÕES FINANCEIRAS DO RÉU PARA SUPORTÁ-LA – IMPOSSIBILIDADE DE SEU AFASTAMENTO – MULTA QUE INTEGRA O PRECEITO SECUNDÁRIO DO TIPO PENAL – PRECEDENTES DO STJ E DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA – MULTA, ADEMAIS, JÁ APLICADA DE MODO PROPORCIONAL À SANÇÃO CORPORAL E À PREVISÃO DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06 - VALOR UNITÁRIO DOS DIAS-MULTA JÁ ESTABELECIDO NO MÍNIMO LEGAL – SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO NA PARTE CONHECIDA (TJPR - 5ª C.Criminal - 0027185-60.2017.8.16.0013 - Curitiba - Rel.: Desembargador Renato Naves Barcellos - J. 14.12.2019).No que tange ao valor fixado a título de dias-multa –1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato – não há possibilidade, ao menos neste momento, de isentá-lo ou reduzir o montante respectivo, eis que tal questão deverá ser analisada pelo Juízo da Execução, competente para tanto.Portanto, o recurso não comporta provimento, devendo ser mantida, na íntegra, a sentença penal condenatória.
|