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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I – RELATÓRIO Cuidam-se de apelações cíveis interpostas por BANCO BMG S.A e MIGUEL NOGUEIRA DA SILVA em face da sentença que, em ação declaratória de nulidade contratual c/c repetição de indébito e indenização por danos morais, julgou procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos: “...III – DISPOSITIVO. Pelo exposto, com fulcro no art. 487, I, do NCPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais para o fim de: i) declarar inexistente o contrato de cartão de crédito consignado celebrado entre as partes; ii) declarar como indevidos os descontos realizados no benefício previdenciário do autor; iii) determinar que o autor realize ao réu a devolução simples dos valores emprestados por força do contrato, corrigidos pela média INPC/IGP-DI, admitindo-se compensação com o valor devido pelo réu. iv) determinar que o réu devolva em dobro os valores indevidamente cobrados do autor por conta do contrato ora declarado inexistente, valores estes que deverão ser corrigidos pelo índice INPC/IGP-DI, e deverão incidir juros de 1% ao mês contados desde o evento danoso, admitindo-se a compensação com os valores a serem devolvidos pelo autor. v) condenar o réu ao pagamento da indenização por danos morais ao autor no valor de R$5.000,00 (cinco mil) reais, quantia esta que deverá ser corrigida monetariamente desde a data do arbitramento pelo índice INPC/IGP-DI, bem como incidirá juros de 1% ao mês de o evento danoso, tendo em conta que declarada inexistente relação contratual entre as partes. Pela sucumbência, condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo no valor correspondente a 10% do valor atualizado da condenação, com fulcro no art. 85, §2º, do NCPC. Sobre a verba honorária arbitrada incidirá a correção monetária a partir da presente sentença pelo índice INPC/IGP-DI, e de juros moratórios a partir da data do trânsito em julgado da presente sentença. (artigo 85, §16º do Novo Código de Processo Civil). Cumpram-se, no mais, as determinações preconizadas pelo Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná. Com o trânsito em julgado e nada mais sendo requerido pelas partes, arquivem-se os autos. PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. INTIME-SE...” (mov. 58.1). Inconformadas, ambas as partes apelam, alegando, em síntese, que: APELO (1) BANCO BMG S.A (mov. 64.1) a) inexistiu qualquer irregularidade na contratação do empréstimo consignado vinculado à cartão de crédito, notadamente porque o contrato traz todas as informações claras e objetivas a respeito de tal modalidade; b) o autor efetuou o saque autorizado, fato comprovado por meio do TED; c) os danos morais devem ser afastados, em razão da regularidade do contrato celebrado, bem como pela ausência de prova dos efetivos abalos sofridos; c.1) subsidiariamente, caso mantida a condenação, deve a verba ser reduzida, para atender aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade; d) é descabida a restituição de qualquer valor, simples ou na forma dobrada, tendo a ausência de cobrança indevida. Intimado, o autor ofereceu contrarrazões, rechaçando os argumentos expostos e requerendo, ao final, o desprovimento do recurso (mov. 70.1). APELO (2) MIGUEL NOGUEIRA DA SILVA (mov. 68.1) a) é necessária a majoração da verba indenizatória, tendo em vista os atos praticados pela casa bancária, que acarretaram celebração indevida de contrato de empréstimo consignado vinculado à cartão de crédito; b) deve ser observado os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, além dos critérios pedagógico e sancionador da indenização; c) seja arbitrado o valor não inferior a R$20.000,00 (vinte mil reais). A casa bancária ofereceu contrarrazões, contrapondo os argumentos suscitados, defendendo a regularidade da contratação e a inexistência danos morais, requerendo, ao final, o desprovimento do recurso (mov. 73.1). É, em suma, o relatório.
II - VOTO. Presentes os pressupostos de admissibilidade e regularidade formal, conheço de ambos os recursos. APELO (1) – BANCO BMG S.A Nada obstante os diversos argumentos suscitados pelo banco recorrente, a controvérsia recursal cinge na (ir)regularidade da contratação do empréstimo consignado em cartão de crédito, na (in)existência de violação ao dever de informação, bem como no consequente dever de indenizar e restituir os valores pagos. Pois bem. 1.1 Da (ir)regularidade da contratação De início, é inquestionável a aplicação da lei consumerista à relação das partes, que se enquadram nas figuras de consumidor (art. 2°, do CDC) e fornecedor/prestador de serviços (art. 3°, do CDC), assim como é evidente a vulnerabilidade do autor, pessoa idosa e hipossuficiente técnica e economicamente. E, em se tratando de pessoa hipervulnerável, deve o Estado ampliar a proteção conferida pelo Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido Andressa Jarletti Gonçalves de Oliveira, citando as lições de Adolfo Nishiyama e de Claudia Lima Marques, bem observa: A Necessidade de proteção a algumas pessoas, classes ou grupos, naturalmente vulneráveis, foi pronunciada na Constituição Federal de 1988, a exemplo das normas sobre a proteção dos consumidores (art. 5º, XXXII) e dos trabalhadores urbanos e rurais (art.7º). A Carta Magna reconheceu também que algumas categorias de pessoas com deficiência, idosos, crianças e adolescentes, que podem ser considerados hipervulneráveis. A proteção especial estabelecida para essas pessoas pode ser compreendida pela nova concepção de sujeito na pós modernidade, que acolhe as distintas subjetividades e individualidades, observando que “o (in)diví(duo), aquele que não era divisível na modernidade, se dividiu”, reconhecendo-se as diferenças e permitindo a proteção dos vulneráveis a partir de uma ressignificação da igualdade, material”. Aliás, sobre o dever de proteção ao hipervulnerável, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA, MENTAL OU SENSORIAL. SUJEITOS HIPERVULNERÁVEIS. fornecimento de prótese auditiva. Ministério PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA ad causam. LEI 7.347/85 E LEI 7.853/89.1. Quanto mais democrática uma sociedade, maior e mais livre deve ser o grau de acesso aos tribunais que se espera seja garantido pela Constituição e pela lei à pessoa, individual ou coletivamente.(...)9. A tutela dos interesses e direitos dos hipervulneráveis é de inafastável e evidente conteúdo social(...).10. Ao se proteger o hipervulnerável, a rigor quem verdadeiramente acaba beneficiada é a própria sociedade, porquanto espera o respeito ao pacto coletivo de inclusão social imperativa, que lhe é caro, não por sua faceta patrimonial, mas precisamente por abraçar a dimensão intangível e humanista dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. (...)15. Recurso Especial não provido.(REsp 931.513/RS, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/11/2009, DJe 27/09/2010)(destaquei) Logo, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e na solidariedade, não só o Estado, mas também os particulares têm como dever a proteção do hipervulnerável. Não obstante, o CDC também traz como um direito básico do consumidor a informação, de forma clara e precisa sobre o bem ou serviço adquirido. Essa informação, aliás, deve-se dar na publicidade, na contratação e no cumprimento do contrato. Veja-se o teor do art. 6°, inc. III, da lei consumerista: Art. 6º São direitos básicos do consumidor:(...)III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012) Vigência(...) Na hipótese dos autos, cabia ao banco apelante, principalmente após a inversão do ônus probatório (mov. 39.1), fazer prova da regularidade do contrato objeto da presente demanda, isto é, que o autor buscou a instituição financeira para aderir ao contrato de empréstimo consignado vinculado à cartão de crédito. Dito isso, pela análise dos documentos carreados, percebo que o apelante não se desincumbiu de tal ônus. Isso porque, conquanto tenha juntado a cópia do contrato e a cópia da disponibilização dos valores, não demonstrou, concretamente, que a modalidade contratada era a que o apelado havia buscado. Nenhum documento referente à recusa do empréstimo consignado usual foi encartado, sendo certo que havia margem para contratação de tal modalidade. Pelo extrato do benefício previdenciário de mov. 1.5, nota-se que o autor possuía, quando da contratação do instrumento ora questionado, apenas dois contratos de mútuo consignado (n°. 570835913 e n°551025859), os quais totalizam o valor de R$78,00, havendo o saldo remanescente de R$208,20 para adesão de outro mútuo consignado. Veja-se: Frise-se, novamente, que a despeito de haver no benefício a indicação de três mútuos consignados, somente os dois mencionados anteriormente estavam ativos, sendo o terceiro, de n°. 283759565 (R$203,00), inserido após a celebração do contrato objeto da presente demanda, senão vejamos (mov. 1.5):Não parece crível, data vênia, que o autor da demanda tenha procurado a instituição para contratação de um cartão de crédito, com juros e custos maiores, para descontar o valor mínimo da fatura em seu benefício previdenciário, e nunca ter utilizado o cartão, prova que faz os extratos colacionados na peça contestatória (mov. 15.2/15.3). E apesar de o empréstimo consignado vinculado à cartão de crédito estar regulamentado (Instrução Normativa n. 28/2008, do INSS, Lei n°. 10.820/2003 e Lei n°. 13.172/2015), fato é que o apelante não demonstrou que prestou todas as informações, quando da contratação, sobre a modalidade com suas vantagens e desvantagens. Nesse diapasão, forçoso reconhecer a irregularidade do negócio jurídico, devendo a sentença ser mantida. 1.2. Dano moral Com relação ao dano moral, assevera o apelante que não é possível a sua fixação, uma vez que não foi irregular a contratação. Pois bem. O Código Civil ao regular a matéria relativa ao ato ilícito e a responsabilidade civil, assim estabeleceu: “Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. “Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos caos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” Interpretando-se os artigos acima transcritos, constata-se a necessidade de quatro elementos essenciais para a configuração da responsabilidade civil, quais sejam: ação ou omissão; culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima. Entretanto, considerando que a presente demanda envolve relação de consumo, deve-se aplicar a responsabilidade objetiva, por força do art. 14 do CDC, que prescreve que o “fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços (...)”. Partindo-se da premissa acima mencionada, segue-se na análise do preenchimento apenas dos pressupostos da responsabilidade civil objetiva na presente demanda, quais sejam: ação ou omissão (ato ilícito); relação de causalidade (nexo); e o dano experimentado pela vítima. Com relação ao requisito da ação ou omissão, necessário que o agente tenha praticado uma conduta ilegal, ou deixado de praticar um ato quando possuía o dever legal de agir. Citando as lições de Yussef Said Cahali, em seu Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, 2004, fls. 121, 129, 131: Se resumir for possível, pode-se dizer que a responsabilidade civil traduz a obrigação da pessoa física ou jurídica ofensora de reparar o dano causado por conduta que viola um dever jurídico preexistente de não lesionar (neminem laedeere) implícito ou expresso em lei.(...) 5.04 – O ilícito como fato gerador da responsabilidade(...) deve haver um comportamento do agente, positivo (ação) ou negativo (omissão), que, desrespeitando a ordem jurídica, cause prejuízo a outrem, pela ofensa a bem ou a direito deste. Esse comportamento (comissivo ou omissivo) deve ser imputável à consciência do agente, por dolo (intenção) ou por culpa (negligência, imprudência ou imperícia), contrariando, seja um dever geral do ordenamento civil (delito civil), seja uma obrigação em concreto (inexecução da obrigação ou contrato).Esse comportamento gera, para o autor, a responsabilidade civil, que traz, como consequência, a imputação do resultado à sua consciência, traduzindo-se, na prática, pela reparação do dano ocasionado, conseguida, normalmente, pela sujeição do patrimônio do agente, salvo quando possível a execução específica. Por outras palavras, é o ilícito figurando como fonte geradora da responsabilidade.(...)8.00 – AÇÃO E OMISSÃO (CONDUTA HUMANA)O elemento primário de todo ilícito é uma conduta humana e voluntária no mundo exterior.Esse ilícito, como atendando a um bem juridicamente protegido, interessa à ordem normativa do Direito justamente porque produz um dano. Não há responsabilidade sem um resultado danoso.Mas a lesão a bem jurídico cuja existência se verificará no plano normativo da culpa, está condicionada à existência, no plano naturalístico da conduta, de uma ação ou omissão que constitui a base do resultado lesivo.Não há responsabilidade civil sem determinado comportamento humano contrário à ordem jurídica.Ação e omissão constituem, por isso mesmo, tal como no crime, o primeiro momento da responsabilidade civil.(...)Na conduta dessas pessoas só adquire relevância jurídica a ação ou omissão voluntária, como exemplo expresso no art. 186 do Código Civil.Mas tal afirmação comporta esclarecimento.A voluntariedade da conduta não se confunde com a projeção da vontade sobre o resultado, isto é, o querer intencional de produzir o resultado; de assumir o risco de produzi-lo; de não querê-lo mas, ainda assim, atuar como afoiteza, com indolência ou com incapacidade manifesta. O querer intencional é matéria atinente à culpabilidade.(...) Ainda, é necessário que haja a efetiva prova do abalo moral sofrido pela parte, mormente porque a situação aqui debatida não se enquadra como dano moral presumido, que decorre do próprio fato - in re ipsa-. Veja-se os seguintes precedentes deste E. Tribunal de Justiça: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E CARTÃO DE CRÉDITO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA AUTORA. ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADE NA CONTRATAÇÃO. CONSUMIDORA INDUZIDA A ERRO. VICISSITUDES DA HIPÓTESE CORRENTE. INTERESSE EVIDENTE NA AQUISIÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. PROCESSAMENTO DE SAQUE NO CARTÃO DE CRÉDITO. IRREGULARIDADE RECONHECIDA. INTELECÇÃO DO ART. 16, DA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 28/2008 DO INSS. AUSÊNCIA DE UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO PARA OUTRA FINALIDADE. ABUSIVIDADE PRATICADA. EXEGESE DO ART. 51, IV, DO CDC. NULIDADE DO CARTÃO DE CRÉDITO. CONFIGURAÇÃO DE ERRO SUBSTANCIAL. ART. 138, DO CÓDIGO CIVIL. DANO MORAL AFASTADO. REQUISITOS ENSEJADORES NÃO VISLUMBRADOS NO CASO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO COMPROMETIMENTO SALARIAL DECORRENTE DO VALOR DEBITADO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. MÁ-FÉ VERIFICADA. ART. 42, DO CDC. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJPR - 14ª C.Cível - 0010311-05.2017.8.16.0173 - Umuarama - Rel.: Themis Furquim Cortes - J. 25.04.2018) – grifei. Ação declaratória de inexistência de débito cumulada com indenização por danos material e moral – Contrato de cartão de crédito consignado. 1. Responsabilidade civil – Instituição financeira – Teoria do risco profissional – CC, art. 927, parágrafo único, e CDC, art. 14, caput – Responsabilidade civil objetiva – Elementos configuradores do dever de indenizar – Não Preenchimento – Dano moral que não se verifica – Situação incapaz de atingir a dignidade, a honra ou a reputação da autora – Ocorrência de mero dissabor que não caracteriza dano moral – Embora sejam indevidos os descontos relativos ao encargo denominado reserva de margem consignável sobre o benefício previdenciário da autora, tal situação não enseja dever de indenizar, diante da ausência de maiores prejuízos. 2. Sucumbência recursal – Honorários advocatícios – CPC, art. 85, § 11 – Autora-apelante que sucumbiu em sua pretensão recursal – Apresentação de resposta ao recurso pelo réu – Arbitramento de honorários, à face do trabalho adicional realizado pelos advogados do réu em grau recursal. 3. Apelação desprovida, com correção, de ofício, de erro material existente na sentença. (TJPR - 14ª C.Cível - 0003469-82.2017.8.16.0181 - Marmeleiro - Rel.: Rabello Filho - J. 09.05.2018) CÍVEL. APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO PARA OBTENÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM FOLHA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CASUÍSTICA. TERMO DE ADESÃO CONTENDO CAMPO ALUSIVO A CARTÃO DE CRÉDITO NÃO PREENCHIDO. CONTRATAÇÃO QUE NÃO PODE SER INFERIDA. HIPÓTESE, ADEMAIS, EM QUE A ADERENTE NUNCA REALIZOU NENHUMA OPERAÇÃO TÍPICA DESTA MODALIDADE DE CRÉDITO (SAQUE OU COMPRAS). ‘DOC’ (DOCUMENTO DE CRÉDITO) REMETIDO PELO BANCO EM FAVOR DA AUTORA DESACOMPANHADO DE QUALQUER DOCUMENTO A JUSTIFICÁ-LO OU A VINCULÁ-LO COM O CARTÃO DE CRÉDITO. IMPOSSIBILIDADE, POR CONSEGUINTE, DE IMPOR A SUA COBRANÇA COM OS ENCARGOS DE CRÉDITO ROTATIVO. VALORES DEBITADOS QUE DEVEM SER RESTITUÍDOS, EM DOBRO. ART. 42, § ÚNICO DO CDC. DANO MORAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO NO CASO EM TELA. ADERENTE APELANTE QUE SOMENTE PERCEBEU OS DESCONTOS APÓS ANOS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (TJPR - 10ª C.Cível - AC - 1340714-8 - Guaraniaçu - Rel.: Lilian Romero - Unânime - J. 05.11.2015) – grifei. No caso em tela, inegável que houve cometimento de ilícito pela instituição financeira apelante que, aproveitando-se da condição de hipossuficiente, apresentou ao autor contrato absolutamente desvantajoso, faltando com o dever de informação. Ocorre que, apesar de tal conduta, o autor não se desincumbiu do ônus de provar os efetivos abalos morais sofridos (personalidade, honra ou imagem), que ultrapassassem o mero dissabor e aborrecimento. As alegações sobre os danos morais são genéricas, não havendo qualquer delimitação ou até mesmo indicação de uma situação específica suportada que gerasse o abalo moral (mov. 1.1). Dessa forma, inexistindo a prova do dano, não há que se falar em indenização, devendo o argumento ser acolhido e a sentença reformada. 1.3. Restituição em dobro Sobre o pleito de afastamento da restituição em dobro, assiste razão ao apelante. Com base na hipossuficiência dos consumidores e no respeito à função social dos contratos, previu o legislador a restituição do débito em dobro (art. 42, parágrafo único do CDC[1]), como caráter sancionador pedagógico. Entretanto, para que a restituição seja em dobro, segundo entendimento do STJ, exige-se a comprovação da má-fé. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. IMPROCEDÊNCIA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. COBRANÇA INDEVIDA E MÁ-FÉ DO CREDOR NÃO VERIFICADAS. SÚMULA N. 83/STJ. REVISÃO DE PROVAS. SÚMULA N. 7/STJ.(...)2. A aplicação do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor somente é justificável quando ficarem configuradas a cobrança indevida e a má-fé do credor fornecedor do serviço.Incidência da Súmula n. 83/STJ.(...)(AgRg no REsp 1329178/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/08/2015, DJe 12/08/2015) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. AÇÃO REVISIONAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. NÃO OCORRÊNCIA DE MÁ-FÉ. SUCUMBÊNCIA E CERCEAMENTO DE DEFESA. REVERSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ.(...)3. A devolução em dobro dos valores pagos a maior pelo mutuário somente é cabível em caso de demonstrada má-fé, o que não foi comprovado na hipótese dos autos. Precedentes.(...)(AgRg no AREsp 115.686/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe 03/08/2015)APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. (...) 5. REPETIÇÃO EM DOBRO DE INDÉBITO. NÃO CABIMENTO.ORIENTAÇÃO DO STJ NO AGRG NO ARESP 177.670/RJ. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. DEVOLUÇÃO SIMPLES DE VALORES.(...) 5. Sobre a repetição de indébito o STJ "(...) possui entendimento consolidado acerca da inviabilidade da repetição em dobro de valores nos casos em que não comprovada a má-fé da parte que realizou a cobrança indevida." (AgRg no AREsp 177.670/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe 18/02/2014).” (TJPR - 14ª C.Cível - AC - 1299796-9 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina - Rel.: LUCIANO CAMPOS DE ALBUQUERQUE - Unânime - J. 28.01.2015) No mesmo sentido, os seguintes precedentes deste E. Tribunal de Justiça: APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. REALIZAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO DIVERSO DO PRETENDIDO. CONTRATO CONSISTENTE EM CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO, COM DESCONTOS EM FOLHA PARA O PAGAMENTO DO VALOR MÍNIMO DA FATURA. TRANSFERÊNCIA DO MONTANTE EMPRESTADO POR INTERMÉDIO DE TED. INDUÇÃO DA CONTRATAÇÃO EM ERRO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA INFORMAÇÃO E BOA-FÉ CONTRATUAL, DISPOSTOS NO ART. 6º DO CDC. ONEROSIDADE EXCESSIVA. NECESSIDADE DE READEQUAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO, COM AS DEVIDAS TAXAS DE JUROS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. IMPOSSIBILIDADE. MÁ-FÉ NÃO EVIDENCIADA. AUTORA QUE SE BENEFICIOU DO VALOR DISPONIBILIZADO PELO BANCO. CONDENAÇÃO DO ENTE FINANCEIRO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO DE ACORDO COM O PODER ECONÔMICO DO OFENSOR E DO OFENDIDO E OS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MAJORAÇÃO INCABÍVEL. NOVA FIXAÇÃO DA VERBA DE SUCUMBÊNCIA. NECESSIDADE. APELO 1 CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. APELO 2 CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 16ª C.Cível - 0007928-16.2017.8.16.0024 - Almirante Tamandaré - Rel.: Juíza Subst. 2ºGrau Vânia Maria da Silva Kramer - J. 05.02.2019) (grifamos). APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO POR CARTÃO DE CRÉDITO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE INVALIDADE DA CONTRATAÇÃO. ACOLHIMENTO. INDUÇÃO A ERRO NA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO DO VALOR MÍNIMO DA FATURA. ABUSIVIDADE. NÃO UTILIZAÇÃO DO CARTÃO. AUSÊNCIA DE RESPEITO AO DEVER DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR. AUTOR QUE PRETENDIA CONTRATAR EMPRÉSTIMO CONSIGNADO PARA PAGAMENTO EM PARCELAS FIXAS. VALOR DISPONIBILIZADO MEDIANTE TED. CONVERSÃO DO CONTRATO PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO COM DESCONTO NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DESCONTOS INDEVIDOS. REPETIÇÃO EM DOBRO. IMPOSSIBILIDADE. MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA. DANOS MORAIS. NÃO MERO DISSABOR DO COTIDIANO. DISPONIBILIZAÇÃO DOOCORRÊNCIA. VALOR NA CONTA CORRENTE DA AUTORA. REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO PREENCHIDOS. AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. REDISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. JULGAMENTO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO CONHECIDO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 14ª C.Cível - 0013780-88.2017.8.16.0131 - Pato Branco - Rel.: Juíza Subst. 2ºGrau Fabiane Pieruccini - J. 13.12.2018) (grifamos). In casu, muito embora tenha se constatado o descumprimento do dever de informação, percebe-se que não houve a prova da efetiva má-fé contratual, até porque, o autor utilizou do valor recebido. Dessa forma, acolhe-se do argumento para afastar a determinada restituição em dobro, diante da ausência de má-fé da casa bancária. APELO (2) – MIGUEL NOGUEIRA DA SILVA De outro lado, o autor também recorreu, pugnando pela majoração dos danos morais arbitrados na origem em seu favor em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sob o argumento de que o valor arbitrado não tem o condão de reparar o os danos praticados pelo agente financeiro, e sequer atende ao critério reparador e pedagógico. Contudo, a análise do recurso está prejudicada, considerando o provimento do recurso manejado pela casa bancária, que acarretou afastamento da indenização por danos morais. Conclusão Pelo exposto, VOTO: a) pelo CONHECIMENTO e PARCIAL PROVIMENTO da apelação manejada por BANCO BMG S.A para o fim de reformar parcialmente a sentença proferida nos autos n°. 0020795-76.2018.8.16.0001 e: a.1) afastar a condenação da casa bancária ao pagamento dos danos morais; a.2) determinar a restituição dos valores cobrados indevidamente na forma simples, após a devida compensação com o crédito cedido ao autor, ante a ausência de prova da má-fé. Com o parcial provimento do recurso impõe-se, de consequência, a redistribuição dos ônus de sucumbência.
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