Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I. Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por Seara Alimentos Ltda. incorporadora da empresa Agrícola Jandelle S.A. contra ato da Juíza de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Arapongas/PR, Dra. Renata Maria Fernandes Sassi Fantin, ora apontada como autoridade coatora. O impetrante alega, em resumo, que: a)- a peça acusatória não especifica qualquer ato regulatório extrapenal destinado à concreta tipificação do ato praticado, limitando-se a mencionar que o Auto de Infração foi lavrado por ofensa ao artigo 3º da Lei Estadual nº 13.806/2002; b)- o art. 3º da Lei nº 13.806/2002 não fixa qualquer parâmetro ou exigência no que se refere ao lançamento de resíduo sólido na atmosfera, não se prestando, portanto, a servir de complementação do artigo 54, § 2º, inciso V, da Lei nº 9.605/1998 e, assim, integrar a descrição típica do fato; c)- o oferecimento de denúncia por delito prescrito em norma penal em branco, sem a respectiva indicação da norma complementar (genérica), constitui hipótese de evidente inépcia da peça acusatória, uma vez que impossibilita a defesa adequada e efetiva do sujeito passivo da persecução penal; d)- conclui-se pela manifesta ausência de elementos probatórios que apontem que os resíduos sólidos supostamente lançados na atmosfera o fossem a níveis que afetassem a saúde humana, razão pela qual deve ser determinado o trancamento do processo crime pela evidente ausência de justa causa; e)- o crime narrado na denúncia corresponde a atividades industriais por parte da administração e sócios da empresa AGRÍCOLA JANDELLE S.A., enquanto ainda mantinham atividade empresária e personalidade jurídica em junho de 2008 (10 anos antes da incorporação pela SEARA ALIMENTOS LTDA.); f)- nenhum dos sócios responsáveis à época restou denunciado, apenas a pessoa jurídica, que foi vendida no final de 2014 e posteriormente incorporada pela SEARA ALIMENTOS LTDA.; g)- é entendimento majoritário na doutrina e nos Tribunais brasileiros, em casos envolvendo a extinção de pessoa jurídica, a aplicação analógica do artigo 107, inciso I, do Código Penal, que determina a extinção da punibilidade do agente que cometeu o ilícito quando este vier a óbito no curso da persecução penal, uma vez que a extinção da pessoa jurídica se equipara à sua morte; h)- para efeitos civis, as obrigações assumidas pela incorporada são sucedidas à incorporadora; porém, essa sucessão é impossível no direito penal, por expressa vedação da Constituição Federal: “Art. 5º [...] LV -nenhuma pena passará da pessoa do condenado”; i)- por fim, diante da extinção da personalidade jurídica da empresa AGRÍCOLA JANDELLE S.A., devidamente incorporada pela empresa ora impetrante, requer seja concedida a segurança para decretar a extinção da punibilidade, com fundamento no artigo 107, inciso I, do Código Penal. Assim, requer a concessão da segurança liminarmente, para ser determinada a suspensão do trâmite do processo crime n. 0000031-44.2012.8.16.0045, até o julgamento do mérito. O pleito liminar foi deferido[1], determinando-se a suspensão do trâmite processual. Solicitadas, foram devidamente prestadas as informações[2] pela MMa. Juíza de Direito a quo. O Ministério Público de 1º grau apresentou contestação[3], pugnando pela denegação da segurança pleiteada. A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer exarado pelo Procurador de Justiça Dr. Jorge Guilherme Montenegro Neto, manifestou-se[4] pela concessão da segurança.
II. Busca-se a concessão da segurança para, ao final, operar-se o trancamento processo nº 0000031-44.2012.8.16.0045, aduzindo-se, para tanto, que o oferecimento de denúncia por delito prescrito em norma penal em branco, sem a respectiva indicação da norma complementar, constitui hipótese de evidente inépcia da peça acusatória, uma vez que impossibilita a defesa adequada e efetiva do sujeito passivo da persecução penal, de modo que o processo penal merece ser excepcionalmente suspenso ante a iminência de início da fase instrutória. Assinala-se que o oferecimento de denúncia, sem a respectiva indicação da norma complementar, ou seja, de forma genérica, impossibilita a defesa adequada e efetiva do sujeito passivo da persecução penal. Pontua-se que a denúncia limitou-se a mencionar que o Auto de Infração foi lavrado por ofensa ao artigo 3º da Lei Estadual nº 13.806/2002. No entanto, o art. 3º da Lei nº 13.806/2002 não fixa qualquer parâmetro ou exigência no que se refere ao lançamento de resíduo sólido na atmosfera, não se prestando, portanto, a servir de complementação do artigo 54, § 2º, inciso V, da Lei nº 9.605/1998 e, assim, integrar a descrição típica do fato. Conclui-se, ainda, pela manifesta ausência de elementos probatórios que apontem que os resíduos sólidos supostamente lançados na atmosfera o fossem a níveis que afetassem a saúde humana, razão pela qual deve ser determinado o trancamento do processo crime pela evidente ausência de justa causa. Pois bem. O delito que se imputa ao impetrante encontra-se descrito no artigo 54, § 2º, inciso V, da Lei n. 9.605/1998: “Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:§ 2º Se o crime:[...]V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:[...]”. A denúncia, por sua vez, é narrada nos seguintes termos: “No dia 16 de julho de 2008, por volta das 12:00 horas, na filial localizada na Rua Tinguaçu, n. 38, Vila Industrial, nesta cidade e Comarca de Arapongas/PR, AGRÍCOLA JANDELLE S/A, causou poluição mediante lançamento de resíduos sólidos, consistentes em material particulado derivado do milho e soja, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos, em nível capaz de causar danos à saúde humana. Consta dos autos que, na ocasião, os agentes do Instituto Ambiental do Paraná realizaram vistoria na filial empresarial, constatando a poluição atmosférica supramencionada (fotografias às fls. 07/10-IP) e a ocorrência de prejuízos aos moradores vizinhos e a saúde deles, razão pela qual foi lavrado o Auto de Infração n. 81687, por ofensa ao previsto no artigo 3º da Lei estadual n. 13.806/02 (fls. 05/10-IP)”. Da simples leitura da peça acusatória, se vislumbra que a denúncia é descrita de forma clara e objetiva, com a sua narrativa necessária e indispensável. Não se pode tachar de inepta a denúncia que atende, inicialmente, às exigências do artigo 41 do Código de Processo Penal, e que, descrevendo satisfatoriamente a conduta tida como criminosa, retrata o fato típico configurador do crime[5], e suas circunstâncias[6], a qualificação do acusado e, principalmente o ato regulatório infringido[7], de modo a ensejar a defesa. Constata-se presente na denúncia a complementação da norma penal em branco, qual seja o art. 3º da Lei Ordinária n. 13.806/2020 (ato regulatório infringido), ao revés do arguido pelo ora impetrante, no sentido de o referido dispositivo não ter o poder de complementar norma penal em branco. O argumento utilizado para refutar a complementação pela citada lei ordinária, da norma penal em branco na exordial acusatória, não tem prevalência, pois trata o tipo delitivo do art. 54 da Lei n. 9.605/1998 de crime formal, e, assim o é, com espeque na supremacia dos princípios da prevenção e precaução que permeiam o direito ambiental. Assim, querer se esquivar o impetrante da conduta delitiva, em razão da inexistência de parâmetros numéricos de lançamento dos resíduos sólidos na atmosfera, e, se o que foi lançado poderia, ou não, vir a causar danos à saúde humana, segue contrariamente ao emolduramento protetivo e de resguardo ambiental. Observa-se que a denúncia possibilitou, até o momento, o pleno exercício de defesa, não se visualizando ser a peça acusatória genérica. Ademais, não se pode ter como perfectibilizada a acusação quando o art. 384 do CPP[8] prevê hipótese de aditamento da denúncia, não somente com fins de redefinição de tipo delitivo, mas também com intenção de retificação, até o final da instrução probatória. Nesse entendimento, colhe-se recente decisão do Superior Tribunal de Justiça: "AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIMES AMBIENTAIS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. VESTIBULAR QUE CONTÉM A DESCRIÇÃO DAS NORMAS QUE COMPLEMENTAM O TIPO PENAL EM BRANCO. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE OS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS. AMPLA DEFESA GARANTIDA. MÁCULA NÃO EVIDENCIADA. 1. O agravante foi denunciado como incurso nos artigos 56, § 6º, e 60, ambos da Lei 9.605/1998, sendo pacífico neste Sodalício que o artigo 56 da Lei 9.605/1998 constitui norma penal em branco, que depende de complementação. 2. Na espécie, o órgão ministerial consignou que o recorrente abandonou uma embalagem de inseticida em desacordo com as exigências legais, mencionando, expressamente, o descumprimento das regras previstas no Decreto 4.074/2002, vale dizer, indicou suficientemente a norma complementadora do tipo penal infringido, não havendo que se falar, assim, em inépcia da exordial. Precedente. 3. No que se refere à imputação referente ao artigo 60 da Lei 9.605/1998, verifica-se que o órgão acusatório imputou ao acusado a conduta de fazer funcionar serviço potencialmente poluidor sem licença ou autorização do órgão ambiental competente, constando expressamente da incoativa que incorporou resíduos sólidos industriais classe II, em solo agrícola, em área diversa da prevista no item 2 da Licença de Operação n. 01879/2015-DL, da FEPAM, o que atende satisfatoriamente os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal. Precedente. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DELITIVA. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA. ANULAÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO QUE INSTRUIU O INQUÉRITO. IRRELEVÂNCIA. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. COAÇÃO ILEGAL NÃO CONFIGURADA. 1. Os delitos pelos quais o agravante foi denunciado são de perigo abstrato, razão pela qual sua comprovação não depende da realização de perícia. Precedentes. 2. A anulação do auto de infração que instruiu o inquérito policial não enseja o trancamento do processo, como pretendido, uma vez que, consoante a jurisprudência pacífica deste Sodalício, há independência entre as esferas administrativa e penal. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido" (AgRg no RHC 114.692/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/05/2020, DJe 18/05/2020). Sabe-se que o trancamento do processo-crime é medida excepcional e somente se admite quando há flagrante ilegalidade constatada de plano, tais como: atipicidade de conduta, ausência de condições de procedibilidade, causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, inexistência de indícios de autoria e materialidade, o que não se constata no presente caso. Consigne-se que a prova da materialidade e autoria criminal, ao menos nesta fase indiciária, apresenta-se suficiente, sendo certo que é no iter processual que se deve dilatar o contraditório probatório, no qual são produzidos todos os subsídios de persuasão do julgador, sendo garantidos ao paciente todos os meios de defesa previstos em lei. Consoante lição de Afrânio Silva Jardim[9]: “(...) justa causa é suporte probatório mínimo em que se deve lastrear a acusação, tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do imputado. Tal lastro probatório nos é fornecido pelo inquérito policial ou pelas peças de informação, que devem acompanhar a acusação penal (...)”. Como é manifesto, basta a existência de prova da materialidade e indícios de autoria, que, no caso, se afiguram presentes. Ou seja, a suficiência desses indícios será apurada ao final da instrução processual. Diante disso, não se pode reconhecer ausência de justa causa neste momento processual, vez que, em momento oportuno - em dilação probatória -, serão examinados todos os elementos objetivos e subjetivos próprios para o possível reconhecimento, ou não, da responsabilidade criminal da impetrante. Por fim, aponta o impetrante que, diante da extinção da personalidade jurídica da empresa AGRÍCOLA JANDELLE S.A., devidamente incorporada pela empresa SEARA ALIMENTOS LTDA., deve ser reconhecida e decretada a extinção da punibilidade em relação à denunciada, com fundamento no artigo 107, inciso I, do CP, por analogia. Aporta-se a referida súplica nas seguintes narrativas: - que o crime narrado na denúncia corresponde a atividades industriais por parte da administração e sócios da empresa AGRÍCOLA JANDELLE S.A., enquanto ainda mantinham atividade empresária e personalidade jurídica em junho de 2008; - que nenhum dos sócios responsáveis à época restou denunciado, apenas a pessoa jurídica, a qual foi vendida no final de 2014 e, posteriormente, incorporada pela SEARA ALIMENTOS LTDA.; - que é entendimento majoritário na doutrina e nos Tribunais brasileiros, em casos envolvendo a extinção de pessoa jurídica, a aplicação analógica do artigo 107, inciso I, do CP, uma vez que a extinção da pessoa jurídica se equipara à sua morte; - que, em relação aos efeitos civis, as obrigações assumidas pela incorporada são sucedidas à incorporadora; todavia, essa sucessão na esfera civil não é abrigada na esfera penal, por expressa vedação contida no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. O caso em apreço, nesse ponto, guarda certa singularidade. Registre-se, inicialmente, em razão de a Lei n. 9.605/1998 ser omissa quanto à extinção da punibilidade do agente, que o art. 79 da Lei n. 9.605/1998 prevê expressamente que, ausentes normativas específicas, se aplicam subsidiariamente as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal. Cinge-se a questão em dirimir a possibilidade de transcendência da responsabilidade criminal da pessoa jurídica incorporada para a pessoa jurídica incorporadora. O princípio da intranscendência da pena, no processo penal, garante que a responsabilidade criminal recaia sobre o agente autor (ou partícipe) da conduta delitiva, trazendo óbice à transposição punitiva de terceiros estranhos à efetivação da conduta criminosa. Sob o aspecto da extinção da pessoa jurídica, a empresa ora incorporada (Agrícola Jandelle S.A.) perderia a sua capacidade de estar em Juízo como polo passível de punição, o que inviabilizaria o exercício de qualquer pretensão penal dirigida em desfavor daquela, obstando-se a punição da incorporadora (Seara Alimentos LTDA) em face do princípio da intranscendência da pena. Assinala-se, se está extinta a pessoa jurídica (CNPJ 74.101.569/0008-56), há um fim – uma baixa -, e, com este fim, pode entender-se que, por analogia, ocorreu a “morte” do denunciado[10], ocorrendo a extinção da punibilidade nos termos do art. 107, inciso I, do CP. Nesse sentido o ensinamento doutrinário de Gulherme de Souza Nucci[11]: “8. Extinção da pessoa jurídica: se tal situação ocorrer, aplica-se, por analogia, o art. 107, I, do código penal (morte do agente), declarando-se extinta a punibilidade. Entretanto, se houver burla, dando-se por encerrada a atividade de determinada pessoa jurídica, ré em processo criminal, mas criando-se outra, com exatamente os mesmos sócios e finalidades, é possível, em nosso entendimento, manter ação penal.” Quando o quadro dirigente (ente natural) de uma pessoa jurídica (ente moral) decide poluir o meio ambiente, nas diversas formas legalmente previstas, pois o agir de forma diversa lhe seria mais custoso, não se está perante um ato pessoal (natural) - singular e em proveito próprio -, mas, sim, perante o agir ativo da própria sociedade empresaria (moral) – coletivo e em proveito da sociedade empresária -, de modo que deve a referida sociedade (ente jurídico – moral) responder pelo delito imputado. A autoria do ilícito penal pela pessoa jurídica deriva de sua capacidade jurídica, a qual, no caso, se encontrava ativa ao ser vendida no ano de 2014; continuando ativa até o ano de 2018, quando foi incorporada, sendo que, entre os anos de 2014 a 2018, com a venda, houve alteração parcial do seu quadro societário. Consignando-se que em 2018, após a incorporação, alterou-se integralmente o quadro societário em detrimento do quadro inicial. Colaciona-se tabela no intuito de demonstrar os quadros societários das empresas envolvidas na aquisição e incorporação da Agrícola Jandelle S.A.
QUADRO SOCIETÁRIO AGRÍCOLA JANDELLE S.A. – CNPJ n. 74.101.569/0024-76 - de 2008 até 2014QUADRO SOCIETÁRIO AGRÍCOLA JANDELLE S.A. – CNPJ n. 74.101.569/0024-76 - de 2014 até 2018QUADRO SOCIETÁRIO SEARA ALIMENTOS LTDA[12] - CNPJ n. 02.914.460/0112-76 - de 2018 até o momento- Nylceia do Carmo Felippe Ulinski;- Ademar Rissi;- Evaldo Ulinski.
- Nylceia do Carmo Felippe Ulinski;- Ademar Rissi;- Wesley Mendonça Batista Filho; - Gilberto Tomazoni; - JBS Holding Brasil S.A.; - JBS Global Luxembourg S.a.R.L; -Wesley Mendonça Batista Filho; -Gilberto Tomazoni. Volta-se a denúncia à prática de lesão ao meio ambiente tipificada no art. 54, § 2º, inciso V, da lei n. 9.605/98, pela pessoa jurídica Agrícola Jandelle S.A., da qual se extrai que a referida empresa (filial[13]), localizada na comarca de Arapongas/PR, teria lançado resíduos sólidos no ar (material particulado de milho e soja) em nível capaz de causar danos à saúde humana. Os sócios proprietários[14] à época dos fatos (em 2008) não foram denunciados, apenas a pessoa jurídica Agrícola Jandelle S.A. figurou como investigada e, posteriormente, denunciada[15], sendo que foi vendida no final de 2014 para a JBS aves[16], e posteriormente incorporada pela SEARA ALIMENTOS LTDA, no ano de 2018, com a alteração integral do quadro societário em detrimento daquele da época do cometimento do crime ambiental. Cediço que a hermenêutica judicial já transpôs a teoria da dupla imputação, conforme precedente do STF no RE n. 548181/PR[17], no qual afastou como requisito indispensável para a responsabilização da pessoa jurídica a necessidade de também ser responsabilizadas as pessoas físicas componentes do quadro societário. Confira-se que no mov. 3.2 do processo crime n. 0000031-44.2012.8.16.0045 o agente Ministerial de 1º grau deixou de imputar os fatos concomitantemente ao representante legal Wesley Mendonça Batista. Dessume-se, portanto, que as alterações de constituição societária, seja por força de aquisição ou pela incorporação, não se deu, ao que tudo indica, com fins de burlar a responsabilidade criminal. Desse modo, conforme se constata materialmente, a empresa Agrícola Jandelle S.A. de fato não mais existe, podendo equivaler a sua “morte” para fins de responsabilização criminal. Note-se que a extinção da punibilidade criminal da pessoa jurídica Agrícola Jandelle S.A. não alcança a seara cível, vez que a reparação de danos é tida propter rem em matéria ambiental, inclusive, segundo recente decisão do STF[18], a reparação de danos ambientais é considerada imprescritível. Corroborando o entendimento ora exarado, colaciona-se trechos do parecer[19] da i. Procuradoria de Justiça: “Peço vênia para iniciar a manifestação apenas lembrando que o Supremo Tribunal Federal, em 2013, jogou uma pá de cal na denominada Teoria da Dupla Imputação Necessária, que consistia na necessidade de que a denúncia junto contra pessoa jurídica também fosse oferecida contra uma pessoa natural.[...].Tal solução, apesar de esclarecedora, não pôs fim a outras polêmicas sobre a apuração e responsabilização criminal da pessoa jurídica, pois como os dispositivos legais (art. 225, §3º, da CR/88 e art. 3ºda Lei nº 9.605/98) são lacônicos e até hoje não surgiu uma “lei de adaptação”, ainda é necessário se utilizar de dispositivos do Código Penal e do Código de Processo Penal que foram inteiramente pensados para a pessoa natural. Destarte, com pleno acerto, na decisão que deferiu a liminar, consignou-se que: “Registre-se, inicialmente, em razão de a Lei n.9.605/1998 ser omissa quanto à extinção da punibilidade do agente, que o art. 79 da Lei n. 9.605/1998 prevê expressamente que, ausentes normativas específicas, se aplicam subsidiariamente as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal”.Dito isto, pondero que no presente caso não se cogita de reconhecimento de trancamento de ação penal por inépcia da denúncia ou por ausência de justa causa, como aliás bem decidido no deferimento da liminar e exposto na contestação da Promotoria de Justiça (que adoto, neste aspecto, como fundamento deste parecer), porém merece redobrada atenção a questão que envolve a sucessão de empresas.[...].No âmbito civil já é pacífico que a obrigação de reparar dano ambiental é propter rem, aliás, neste último caso a Súmula 623, do Superior Tribunal de Justiça é clara ao dispor que: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.Por outro lado, no nosso ordenamento jurídico não se cogita de uma responsabilização administrativa e sobretudo criminal sob o pretexto de que a obrigação de reparar tem natureza propter rem, como querem o Juízo a quo e a Promotoria de Justiça. Repudiando a violação ao princípio intranscendência das penas, para exemplificar, do repertório jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, colaciono o seguinte julgado:[...]".12. Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como "a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental" (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo). 13. Note-se que nem seria necessária toda a construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a obrigação civil de reparar o dano ambiental é do tipo propter rem, porque, na verdade, a própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental – e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental (poluidor, pois). 14. Mas fato é que o uso do vocábulo "transgressores" no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra "poluidor" no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensa ambientais praticadas por outrem. 15. Recurso especial provido. (REsp 1251697/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELLMARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/04/2012, DJe17/04/2012).Em relação a pessoa jurídica, ainda lembro que no corpo do acórdão mineiro, a apelação criminal nº 1.0024.05.817111-7/0015 de 2008, ficou consignado obiter dictum que: “Outro caso que gera perplexidade é a da alteração contratual de uma pessoa jurídica que esteja sendo processada criminalmente. Parece pouco razoável a punição do novo proprietário. O mesmo raciocínio pode ser aplicado nos casos de fusão ou cisão societária, em que haverá problemas insuperáveis para a definição acerca de quem deve sofrerá as sanções penais. Idêntico é o problema no caso de um contrato social onde está previsto que a sucessão do de cujus assumirá suas cotas. Serão os sucessores os punidos? E se forem menores? Recairá a pena sobre o tutor? Igualmente, é de antever que nos casos de dissolução da sociedade durante o processo fatalmente haverá impunidade”.[...].Ex positis, o pronunciamento desta Procuradoria de Justiça define-se para que seja extinta a punibilidade da empresa denunciada nos autos de ação penal nº 0000031-44.2012.8.16.0045, aplicando-se analogicamente o art. 107, I, do Código Penal.” Destarte, entende-se a gravidade da conduta perpetrada[20], cuja denúncia somente foi oferecida[21] transcorridos 10 (dez) anos dos fatos, independentemente das situações e percalços que deram azo a tal lapso temporal, não se pode querer transcender a pena a qualquer argumento, quando o nosso ordenamento jurídico, de forma inconteste e expressamente impõe sistemática diversa, principalmente quando não se verifica má-fé ou burla na venda e incorporação da referida pessoa jurídica, com fins de afastar a responsabilização criminal. Diante do exposto, declara-se extinta a punibilidade da pessoa jurídica Agrícola Jandelle S.A. (CNPJ n. 74.101.569/0008-56), com fulcro no art. 107, inciso I, do CP. [1] Mov. 11.1.[2] Mov. 18.1.[3] Mov. 20.1.[4] Mov. 31.1.[5] “causou poluição mediante lançamento de resíduos sólidos, consistentes em material particulado derivado do milho e soja, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos, em nível capaz de causar danos à saúde humana”.[6] “No dia 16 de julho de 2008, por volta das 12:00 horas, na filial localizada na Rua Tinguaçu, n. 38, Vila Industrial, nesta cidade e Comarca de Arapongas/PR, AGRÍCOLA JANDELLE S/A [...]. [...] constatando a poluição atmosférica supramencionada (fotografias às fls. 07/10-IP) e a ocorrência de prejuízos aos moradores vizinhos e a saúde deles, [...]”.[7] Art. 3º da Lei Ordinária n. 13.806/2002.[8] Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.[9] In.: Direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 95.[10] PESSOA JURÍDICA FOI A ÚNICA DENUNCIADA.[11] In: Leis penais e processuais penais comentadas. 8.ed. Rio de janeiro: Forense, 2014, p. 555/56.[12] https://cnpjs.rocks/cnpj/02914460011276/seara-alimentos-ltda.html.[13] CNPJ n. 74.101.569/0008-56.[14] Evaldo Ulinski, Nylceia do Carmo Felippe Ulinski e Ademar Rissi.[15] Em 2018, transcorridos 10 anos dos fatos.[16] Aquisição de 100% da Agrícola Jandelle AS.[17] "EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta. 3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental. 4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido" (RE 548181, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014 RTJ VOL-00230-01 PP-00464).[18] “4. O meio ambiente deve ser considerado patrimônio comum de toda humanidade, para a garantia de sua integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras. Todas as condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade individual. 5. A reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais. 6. Extinção do processo, com julgamento de mérito, em relação ao Espólio de Orleir Messias Cameli e a Marmud Cameli Ltda, com base no art. 487, III, b do Código de Processo Civil de 2015, ficando prejudicado o Recurso Extraordinário. Afirmação de tese segundo a qual É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental” (RE 654833, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-157 DIVULG 23-06-2020 PUBLIC 24-06-2020).[19] Mov. 28.1.[20] Fatos praticados em 16.07.2008.[21] Inquérito Policial formalizado em 2012, e denúncia oferecida em 2018.
|