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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000634-55.2014.8.16.0043, DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE ANTONINA Apelantes : (1) MINISTÉRIO PÚBLICO : (2) JOCENI ROECKER e OUTROS : (3) MARCO ANTONIO DE SOUZA Apelados : AS PRÓPRIAS PARTES Relator : Des. LEONEL CUNHA EMENTA 1) DIREITO SANCIONADOR. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. ALEGADAS IRREGULARIDADES NA FASE INTERNA. DOLO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE QUESTIONAMENTO SOBRE FORNECIMENTO DOS PRODUTOS. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INDIQUEM SUPERFATURAMENTO. DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. ATO ÍMPROBO AFASTADO. EFEITO EXPANSIVO DO RECURSO. a) Segundo a jurisprudência desta Câmara, no que tange à tipificação da lesão ao patrimônio público (art. 10, caput, da Lei 8.429/92) exige-se a prova de sua 2 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 ocorrência, impossibilitando a condenação ao ressarcimento ao erário de dano hipotético ou presumido. b) Com efeito, ainda que haja irregularidades, ou até mesmo ausência de licitação, esta Câmara exige a comprovação da ausência do cumprimento do contrato ou de seu superfaturamento para configuração do dano ao erário, elementos que não restaram demonstrados no caso. c) Ademais, também não existe prova do alegado ato de improbidade violador dos princípios da Administração, sendo certo que a simples existência de irregularidades no procedimento licitatório não caracterizam improbidade administrativa, que exige dolo para sua configuração, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal. d) Em razão do provimento do apelo dos acusados, afastando-se o ato de improbidade administrativa, é caso de estender os efeitos da decisão à corré-não apelante, nos termos do art. 1.005 do Código de Processo Civil, reputando prejudicado o apelo 3 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 do “parquet”, que visava à ampliação da condenação pelo ato de improbidade ora afastado. 2) APELO DOS ACUSADOS A QUE SE DÁ PROVIMENTO, COM EXTENSÃO DO RESULTADO À CORRÉ-NÃO APELANTE. PREJUDICADO O APELO DO PARQUET. Vistos, RELATÓRIO 1) Em 26/03/2014, o MINISTÉRIO PÚBLICO ajuizou “AÇÃO RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COM PEDIDO DE ANULAÇÃO DE CONTRATOS” (mov. 1.1 dos autos originários) em face de JOCENI ROECKER, J. ROECKER & CIA LTDA, LILIAN RAMOS NARLOCH, MARCO ANTONIO DE SOUZA, SHIRLEY PONTES ROECKER, ALCENDINO FERREIRA BARBOSA, ENIO JANUARIO NASCIMENTO, THOMAS VICTOR PINTO LORENZO, VANESSA LUCINEIA DUARTE DE ASSIS, sustentando que: a) o Município de Guaraqueçaba firmou os contratos nº 14/2013 (locação de imóvel e serviço próprio incluso para a guarda de cinco barcos da Secretaria de Saúde - valor mensal de R$ 3.500,00 e global de R$ 31.500,00) nº 15/2013 (locação de imóvel e serviço próprio incluso para a 4 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 guarda de cinco barcos da Secretaria de Educação - valor mensal de R$ 3.500,00 e global de R$ 31.500,00) e nº 16/2013 (locação de imóvel e serviço próprio incluso para a guarda de dois barcos da Secretaria de Transportes e Obras - valor mensal de R$ 1.400,00 e global de R$ 12.600,00) com a empresa J.ROECKER & CIA LTDA, todos decorrentes da inexigibilidade de licitação nº 03/2013; b) a solicitação de aluguel partiu de JOCENI ROECKER (Secretário de Transporte, Obras e Serviços Públicos), THOMAS VICTOR PINTO LORENZO (Secretário de Educação) e ALCENDINO FERREIRA BARBOSA (Secretário de Saúde), em 08/02/2013; c) em 15/03/2013, ou seja, após as datas dos contratos acima, informou o Diretor do Departamento de Urbanismo, ENIO JANUARIO NASCIMENTO, que dentre cinco empresas, apenas a empresa J. ROECKER & CIA LTDA possuía projeto arquitetônico registrado na Prefeitura em 2005; d) em 05/03/2013, ou seja, antes da informação anterior, mas com base nela, o Procurador-Geral do município à época, MARCO ANTONIO DE SOUZA, apresentou parecer atestando a inexigibilidade de licitação, visto que a empresa J. ROECKER & CIA LTDA seria a única a oferecer as condições para atender ao solicitado no procedimento 5 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 no que se refere ao número de embarcações e da área a ser utilizada pelas mesmas; e) o Departamento de Compras e Licitações, por meio de sua Diretora, VANESSA LUCINEIA DUARTE DE ASSIS, apontou o valor mensal de R$ 700,00 para cada embarcação, após “necessária cotação de preços”, que não foi juntada ao processo de inexigibilidade, o que indica que, na realidade, não existiu; f) a Comissão Permanente acatou o parecer jurídico e, após, foi homologado e adjudicado o objeto à empresa J. ROECKER & CIA LTDA; g) o contrato social da empresa aponta JOCENI ROECKER como sócio da empresa juntamente com sua esposa SHIRLEY PONTES, sendo que, na segunda alteração, em 21/01/2013, ingressou na sociedade o filho deles, PATRICK JAMES PONTES ROECKER, retirando-se JOCENI ROECKER; h) muito embora tenha sido empenhado o valor total, R$ 75.600,00 (setenta e cinco mil e seiscentos reais), os contratos foram rescindidos em 04 de outubro de 2013 e houve pagamento, à empresa, de valor inferior; i) consta, do inquérito, contrato anterior firmado com a empresa J. ROECKER, cujo sócio era JOCENI ROECKER, sendo o valor global do contrato de R$ 22.950,00 (vinte e dois mil e novecentos e cinquenta reais), pelo prazo de 09 6 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 (nove) meses e em relação a cinco embarcações, sendo 09 parcelas de R$ 2.550,00 (dois mil, quinhentos e cinquenta reais), no ano de 2012; j) percebe-se que o valor pago por embarcação em 2012 era de R$ 510,00 (quinhentos e dez reais), ou seja, houve aumento de cerca de 37% (trinta e sete por cento) do preço pago por embarcação no ano de 2013, em novo contrato firmado com a empresa J. ROECKER; k) LILIAN RAMOS NARLOCH, Prefeita de Guaraqueçaba, firmou todos os contratos com a empresa do então Secretário de Transporte e Obras, JOCENI ROECKER; l) SHIRLEY PONTES ROECKER, esposa de JOCENI ROECKER, representou a empresa J. ROCKER nas contratações; m) todos são responsáveis pelos atos praticados, visto que os agentes públicos citados favoreceram a empresa J. ROCKER & CIA LTDA, SHIRLEY PONTES ROECKER e JOCENI ROECKER, em contrariedade ao disposto no artigo 9º, III, Lei 8.666/93; n) ainda que se considere possível a inexigibilidade no caso, ao menos deveria a requerida ter determinado a realização de procedimento formal de inexigibilidade de licitação, inclusive justificando o preço pago e a razão da escolha do fornecedor, nos termos do artigo 26, parágrafo único da Lei de Licitações; o) Administração Pública não pode, 7 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 em nenhum momento, afastar-se dos princípios constitucionais (principalmente os da legalidade, isonomia, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) e infraconstitucionais (em especial aqueles elencados na Lei n.º 8.666/93) que devem, obrigatoriamente, reger sua atuação, quer por questão de moralidade, quer por questão de legalidade, sob pena de emergirem nulos os atos e contratos dela decorrentes; p) a “saída” de JOCENI ROECKER, Secretário de Transporte e Obras, apenas dois meses antes da empresa, sendo substituído por seu filho, teve por fim única e exclusivamente burlar a regra do artigo 9º, III, da Lei 8.666/93; q) mesmo diante da ilegalidade e imoralidade flagrantes, a requerida LILIAN RAMOS NARLOCH e os requeridos ALCEDINO FERREIRA BARBOSA e THOMAS VICTOR PINTO LORENZO, além do próprio JOCENI ROECKER, contrataram a empresa J. ROECKER; r) o Município de Guaraqueçaba possui população nada numerosa, sendo que a população efetivamente urbana é limitada, pelo que é impossível alegar desconhecimento do vínculo de JOCENI ROECKER com a empresa requerida (que leva sua inicial e sobrenome) e com a representante à época, SHIRLEY ROECKER, sua esposa; s) a conduta dos requeridos 8 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 causou dano ao erário do Município de Guaraqueçaba, razão pela qual se enquadra no artigo 10, caput e incisos VIII e XI da LIA; t) o artigo 4°, da Lei 8.429/92, estabelece que “os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhes são afetos”; u) a declaração de nulidade de todos os contratos firmados sem licitação é medida que se impõe, pois apresentam irregularidades insanáveis; v) as contratações efetuadas e o procedimento encetado posteriormente para camuflá- las sofrem dos vícios de forma e de desvio de finalidade; w) considerando que o ato administrativo nulo não é capaz de gerar direito adquirido, deve ser recomposta a situação ao seu estado anterior; x) assim, os requeridos deverão ser condenados a ressarcir ao erário o valor total das contratações efetuadas em conflito com a lei, que somam R$ 75.600,00 (setenta e cinco mil e seiscentos reais), valor este não atualizado. Requereu: i) a declaração de nulidade dos contratos n. 14/2013, 15/2013 e 16/2013, firmados pelo Município de Guaraqueçaba; ii) a condenação dos requeridos nas sanções previstas no artigo 12, inciso II, da Lei 9 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 8.429/92, em razão do cometimento de atos de improbidade administrativa que causaram dano ao erário, conforme artigo 10, caput e incisos VIII e XI da LIA; iii) subsidiariamente, condenação dos requeridos nas sanções previstas no artigo 12, inciso III, da Lei 8.429/92, em razão do cometimento de atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública, previstos no artigo 11, caput e inciso I, da LIA. 2) ALCENDINO, ENIO, J. ROECKER, JOCENI, LILIAN, MARCO, SHIRLEY, THOMAS e VANESSA apresentaram defesa prévia em conjunto (mov. 37.1 dos autos originários), alegando que: a) de fato foi contratada a empresa J. ROECKER E CIA LTDA, por intermédio do contrato de inexigibilidade nº03/2013, para o fim de guarda de embarcações, retirada de encalhe, limpeza da embarcação e motor a cada retorno, além da guarda diurna e noturna; b) somente a empresa acima nominada possui projeto arquitetônico para a prestação dos serviços necessários, sendo que as empresas credenciadas junto à Secretaria Municipal de Planejamento sequer possuem em sua Inscrição Cadastral da Receita Federal a prática de tal atividade; 10 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 c) no ano de 2011, a empresa FRANCISCO SILVEIRA FILHO HANGAR – ME foi contratada pelo Município para o serviço de guarda marinha, no entanto, no ano seguinte, a mesma foi desativada, sendo que o imóvel está abandonado, sem qualquer prática de serviço ou possibilidade de contratação de serviços; d) no tocante à afirmação de superfaturamento do valor, na medida em que no ano de 2012 a empresa J. ROECKER LTDA ofertou valores 37% mais baixos, cumpre destacar desde logo que além dos preços sofrerem reajustes anuais, o valor contratado em 2013 não estava fora do valor de mercado, conforme cotações de Municípios do litoral paranaense; e) os Réus já nominados não praticaram qualquer ato eivado de dolo, o que afasta qualquer ato de improbidade; f) a Promotora de Justiça da Comarca de Antonina não detém competência funcional para ajuizar a presente ação, bem como a competência, em razão da prerrogativa de foro da Prefeita-Ré, é do Tribunal de Justiça; g) a presente demanda está desprovida das condições da ação – em especial a impossibilidade jurídica do pedido, ante o fato de a contratação direta (via inexigibilidade) ser hipótese prevista em lei quando da inviabilidade de competição; h) a denúncia não descreve, nem mesmo 11 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 remotamente, qual a conduta efetiva do defendente e de que forma ele teria se associado aos corréus; i) é sabido que o artigo 9º, inciso III da Lei Federal nº 8.666/1993 impõe proibição expressa quanto à contratação de empresa de servidor ou pessoa ligada à elaboração de licitação, contudo, na hipótese de existência de uma única empresa no Município, fornecedora ou prestadora de tal serviço que se pretende contratar, e que seja de propriedade de autoridade pública do mesmo Município, poderá constituir hipótese de inexigibilidade de licitação; j) a Prefeita Municipal tomou uma decisão necessária ao bom funcionamento do Município e ao pronto atendimento da sociedade, estabelecendo contrato com a referida empresa, tendo em vista ser está a única capacitada a prestar o referido serviço ao Município; k) os Secretários solicitaram tal atendimento, e, por evidente, concordaram com o contrato na medida em que tinham conhecimento, seja pelo processo licitatório, seja pelo conhecimento da situação com o Município, de que aquela empresa era a única capaz de abrigar e dar manutenção às embarcações objeto do contrato; l) não há que se falar em improbidade, seja porque a ação dos réus se deu nos termos em que a 12 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 Legislação autoriza, seja porque não houve qualquer prejuízo ao Município, na medida em que o serviço foi efetivamente prestado; m) a empresa J. ROECKER LTDA. e SHIRLEY PONTES ROECKER em nada possuem responsabilidade ante a já comentada regularidade de contratação, consoante artigo 25, inciso I da Lei 8.666/93; n) quanto a ÊNIO JANUARIO NASCIMENTO, este apenas forneceu informação contida no banco de dados do Município, ou seja, de forma alguma direcionou a empresa, na medida em que as informações prestadas foram baseadas nos arquivos, munidos de fé-pública; o) MARCO ANTONIO DE SOUZA, em que pese ter elaborado parecer se manifestando pela inexigibilidade, não se vê embargo quanto ao procedimento licitatório aplicado, tendo o parecer sido fundado em documento da Secretaria Municipal de Planejamento; p) necessário levar em conta que o Município de Guaraqueçaba tem peculiaridades diferenciadas, e, por seu difícil acesso, os preços são diferenciados. 3) O MUNICÍPIO DE GUARAQUEÇABA informou que não possui interesse em atuar nos 13 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 presentes autos na condição de litisconsorte ativo (mov. 65.1 dos autos originários). 4) Na decisão de mov. 73.1 dos autos originários, foram afastadas as preliminares e a inicial foi recebida. 5) VANESSA constituiu novo causídico e contestou (mov. 191.1 dos autos originários), alegando que: a) não foi identificada com precisão a conduta improba, incutida de má fé, atribuída à VANESSA e, muito menos, evidencia-se o prejuízo causado ao erário público; b) constata-se nos autos a existência de cotações de preços feitas por VANESSA junto à empresa contratada; c) a participação de VANESSA se dava estritamente sob ordens de seus superiores e, em momento algum, agiu com autonomia ou vontade própria, pelo contrário, manifestava-se ou fazia consulta de preços com fundamento em documentos existentes no processo ou ordens emanadas por seus superiores; d) VANESSA participou diretamente somente em dois momentos no referido processo de Inexigibilidade: primeiramente, realizando cotações de preços após manifestação do Departamento de Urbanismo de que a 14 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 empresa contratada seria a única empresa que possuía projeto arquitetônico e, por último, na manifestação posterior ao parecer jurídico, acolhendo-o, sem a menor condição de oferecer qualquer tipo de influência no resultado da Inexigibilidade em comento; e) VANESSA é parte ilegítima para figurar no polo passivo, visto que somente executava tarefas previamente definidas e, mesmo assim, após Parecer Jurídico favorável; f) inobstante a ausência de prova de qualquer prejuízo ao erário público, não bastaria a simples evidência de que o ato administrativo pudesse desbordar da legalidade, é indispensável evidenciar a existência do dolo; g) o “Parquet” não logrou demonstrar nem a má fé, nem o ânimo em lesar os cofres públicos, supostamente praticados pela demandada; h) o simples fato de ter havido contratação com preço supostamente superior ao praticado em contrato anterior não pode servir de fundamento a provar ato de improbidade, vez que não demonstrado que o objeto do contrato também seria o mesmo, ou seja, as mesmas embarcações em quantidade e características idênticas, bem como o mesmo tipo de serviço. 15 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 6) Impugnação à contestação no mov. 195.1 dos autos originários. 7) O MINISTÉRIO PÚBLICO requereu a produção de prova testemunhal e depoimento pessoal dos réus (mov. 218.1 dos autos originários). 8) No mov. 222.1 dos autos originários, sobreveio decisão saneadora, que: a) decretou a revelia dos Réus, a exceção de VANESSA, mas sem produção de efeitos; b) afastou a preliminar de ilegitimidade invocada por VANESSA; c) deferiu a prova testemunhal e o depoimento pessoal dos réus. 9) Alegações finais por ALCENDINO, ENIO, LILIAN e MARCO (mov. 360.1 dos autos originários) e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO (mov. 361.1 dos autos originários). 10) Sobreveio sentença (mov. 364.1 dos autos originários), que julgou parcialmente procedente a ação, sob fundamento de que: a) era indispensável a justificativa da exclusividade, a exposição da razão da escolha do fornecedor e a justificativa do preço para 16 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 confirmar a inexigibilidade de licitação; b) não restou comprovada a exclusividade do serviço para justificar a contratação direta, pois o parecer jurídico de MARCO ANTONIO DE SOUZA, datado de 05.03.2013, invoca o Memorando 40/2013 do Departamento de Urbanismo e o parecer do Departamento de Compras, que são documentos posteriores ao parecer jurídico e, portanto, não poderiam fundamentar aquele entendimento; c) o Memorando 40/2013 relaciona, além da contratada, outras quatro empresas, donde se extrai que, em princípio, a concorrência seria possível, contudo, não houve naquele procedimento a exposição de justificativa para exclusão imediata das outras empresas, limitando-se aquele memorando a dizer que a J. ROECKER & CIA LTDA era a única que tinha projeto arquitetônico aprovado no Município; d) é bem verdade que a prova oral deu conta da inexistência de outra marina no Município que comportasse os barcos, contudo essa prova deveria ser eminentemente material, com indispensável apresentação de documentos que revelassem o tamanho da propriedade das outras empresas e a análise dos serviços por ela prestados, o que inexistiu no procedimento administrativo; e) não se justifica o aumento de 37% 17 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 (trinta e sete por cento) do valor praticado pela empresa J. ROECKER & CIA LTDA em relação ao ano anterior, seja pela falta de cotação noutras empresas, seja porque a inflação oficial daquele ano foi de 5,84%; f) houve alteração formal da composição societária da empresa, em janeiro de 2013, mas, na prática, a empresa continuou, notoriamente, a ser da titularidade de JOCENI ROECKER, que, inclusive em seu depoimento judicial, reconheceu ter ciência da proibição de contratação, mas entendeu que a inexistência de outras prestadoras no local justificaria a situação; g) a contratação é nula, porque decorrente de procedimento ilegal, nos termos dos artigos 49, §2º, e 59 da Lei nº 8.666/93; h) resta configurado o dano ao erário, nos termos do artigo 10, VIII, da Lei nº 8.429/92, porque frustrada a licitude do procedimento licitatório, que ensejou perda patrimonial para o Município de Guaraqueçaba, que deixou de contratar a opção mais vantajosa, arcando com prestação injustificadamente onerosa; i) LILIAN RAMOS NARLOCH, como Chefe do Poder Executivo, tinha o dever de analisar a legalidade do procedimento, mas não agiu com diligência ao homologar o procedimento claramente conduzido ao arrepio da lei; j) JOCENI ROECKER também agiu no 18 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 mínimo com negligência, porque tinha ciência da contratação da sua empresa, bem como da impossibilidade legal de tal contratação; k) houve culpa grave de MARCO ANTONIO DE SOUZA porque seu parecer se baseou em documentos posteriores (não haviam sido emitidos na data do parecer), não houve a pesquisa de preços indicada em seu depoimento judicial e a ligação da empresa contratada com o então Secretário de Transporte e Obras podia ser aferida, ao menos em princípio, pela mera coincidência entre seus nomes; l) quanto à VANESSA LUCINEIA DUARTE DE ASSIS, como Diretora do Departamento de Compras e Licitações, não podia desconhecer a exigência legal de justificação do preço a ser contratado, bem como afirmou que a empresa J. ROECKER & CIA LTDA era a única com condições de atender ao solicitado no procedimento no que se refere ao número de embarcações e da área a ser utilizada, conclusão que não se embasa em qualquer documento do procedimento; m) Já SHIRLEY PONTES ROECKER concorreu culposamente para o ato, porque, como sócia da empresa, tinha ciência da atuação do seu cônjuge, bem como da atuação de JOCENI como Secretário Municipal, beneficiando-se da avença ilegal como sócia 19 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 da empresa contratada; n) A empresa J. ROECKER & CIA LTDA também responde pelo ato, porque dele se beneficiou; o) por outro lado, em relação a ALCENDINO FERREIRA BARBOSA e THOMAS VICTOR PINTO LORENZO, suas participações no procedimento se limitaram à solicitação dos serviços, cuja necessidade não foi questionada no feito; p) em relação a ENIO JANUARIO NASCIMENTO, sua participação se limitou à indicação da existência de projeto arquitetônico da empresa J. ROECKER & CIA LTDA (declaração verdadeira, pelo que restou demonstrado nos autos), não podendo ser responsabilizado pela interpretação que o Procurador Jurídico e a Diretora do Departamento de Compras deram a tal declaração. Ao fim, declarou a nulidade dos contratos nº 14, 15 e 16/2013, bem como condenou: i) LILIAN RAMOS NARLOCH, JOCENI ROECKER, MARCO ANTONIO DE SOUZA, VANESSA LUCINEIA DUARTE DE ASSIS, SHIRLEY PONTES ROECKER e J. ROECKER & CIA LTDA pela prática de ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 10, VIII, da Lei nº 8.429/92, à pena de ressarcimento integral do dano, de forma solidária, no equivalente aos pagamentos realizados pelo Município de Guaraqueçaba nos contratos nº 14, 15 e 16/2013, 20 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 corrigidos monetariamente pelo IPCA-e, desde cada desembolso, com juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação; ii) J. ROECKER & CIA LTDA, JOCENI ROECKER e SHIRLEY PONTES ROECKER à pena de proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de cinco anos; iii) LILIAN RAMOS NARLOCH, JOCENI ROECKER, MARCO ANTONIO DE SOUZA, VANESSA LUCINEIA DUARTE DE ASSIS, SHIRLEY PONTES ROECKER e J. ROECKER & CIA LTDA, em rateio igualitário, ao pagamento de 70% (setenta por cento) das custas e despesas processuais. Sem honorários. 11) MARCO ANTONIO DE SOUZA opôs embargos de declaração (mov. 377.1 dos autos originários), que foram parcialmente acolhidos apenas para esclarecer que as preliminares de ilegitimidade ativa, incompetência absoluta, impossibilidade jurídica do pedido e inépcia da inicial já foram integralmente afastadas pelo Juízo na decisão que recebeu a inicial, mantendo-se inalterada a sentença de parcial procedência (mov. 387.1 dos autos originários). 21 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 12) JOCENI ROECKER, J. ROECKER & CIA LTDA, LILIAN RAMOS NARLOCH e SHIRLEY PONTES ROECKER apelaram conjuntamente (mov. 378.1 dos autos originários), reiterando os argumentos da defesa prévia e acrescentando que: a) a Improbidade Administrativa é procedimento específico que não aceita argumentos sem provas, sendo incabível exigir da parte que comprove sua inocência; b) o juízo “a quo” exigiu dos réus instrução probatória que não foi igualmente exigida do Douto Promotor/Autor da demanda; c) cabe ao demandante provar que existiam outras marinas que, em tese, comportariam a execução do contrato e que tais possuíam regularidade, o que não aconteceu no presente processo; d) totalidade de provas produzidas foram ignoradas e subjugadas aos elementos subjetivos e inquisitivos produzidos no inquérito civil; e) não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade, sendo que a improbidade é a ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente; f) não há como caracterizar a conduta dos Apelantes na prática de improbidade administrativa, pois sempre agiram de boa-fé, sem dolo; g) além disso, os Apelantes não se 22 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 enriqueceram ilicitamente, nem causaram prejuízo ao erário porque os serviços contratados foram efetivamente prestados, sendo o pagamento efetivado em preço justo, compatível com o de mercado; h) a mera presunção a dano não basta para que se possa subsumir a conduta do agente político ao prescrito no artigo 10 da lei de improbidade administrativa. Pediu a reforma da sentença para julgar improcedente a ação. 13) MARCO ANTONIO DE SOUZA apelou (mov. 411.1 dos autos originários), reiterando os argumentos da defesa prévia e acrescentando que: a) a sentença ignorou a condição especial do Município de Guaraqueçaba, pois devido a sua localização geográfica, bem como se tratar de um Município muito pequeno, vários são os comércios únicos no Município, sendo este o caso da empresa contratada; b) a sentença se utiliza da premissa de falta de cotações, para subsidiar a condenação, quando, paralelamente a isso, ignora a existência de uma só empresa apta a prestar os serviços; c) a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prevê que a interpretação das normas deverá observar as dificuldades reais do gestor, não obstante circunstâncias práticas que conduziram à ação 23 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 do agente, sendo também necessário observar os fatos sob a égide das orientações gerais da época; d) as peculiaridades deste Município e as dificuldades locais foram omitidos e desconsideradas pela sentença; e) o advogado parecerista somente poderia ser responsabilizado em caso de dolo ou erro grosseiro, que inexistiram no presente caso; f) não se afigura a culpa grave do Apelante, na medida em que proferiu seu parecer com base nos elementos que lhe cabiam e possuía acesso; g) destarte, a falta de cotação de preços é natural, visto que somente havia uma empresa em funcionamento para o fim requerido pelo gestor da pasta; h) o MINISTÉRIO PÚBLICO não logrou êxito, e sequer tentou produzir prova real da existência de outras empresas que poderiam prestar o serviço, prova que a ele cabia; i) a empresa FRANCISCO SILVEIRA FILHO HANGAR ME, que não estava ativa na época da contratação em questão, mas que era a contratada pela Prefeitura no ano de 2011, prestou o serviço ao custo de R$ 16.462,50, para abrigar 3 (três) embarcações pelo período de 6 (seis) meses, do que se observa que o custo mensal deste contrato foi de R$ 2.743,75, sendo R$ 914,58 mensais por embarcação; j) ou seja, 24 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 houve redução de custos pela Prefeitura, com o contrato firmado no ano de 2013, pelo valor de R$ 700,00 por embarcação, em comparação ao contrato de 2011; k) não é qualquer ato que enseja a responsabilização do advogado, sendo necessário erro grave, inescusável, indicando que o profissional agiu com negligência, imprudência ou imperícia; l) o parecer jurídico tem caráter meramente opinativo, e, por isso, não pode acarretar responsabilidade do parecerista; m) a responsabilidade dos advogados pela emissão de pareceres jurídicos é excepcional, na medida em que a atividade jurídica é peculiar, porquanto não se trata de ciência exata, ocorrendo, com frequência, divergências. Pediu reforma da sentença para julgar improcedente a ação. 14) O MINISTÉRIO PÚBLICO apelou (mov. 417.1 dos autos originários), alegando que: a) o acervo probatório dos autos demonstra que ALCENDINO, THOMAS e ENIO agiram em conluio com os demais réus, concorrendo para a prática de ato de improbidade administrativa; b) ALCENDINO e THOMAS, além de terem solicitado o serviço de guarda das embarcações, assinaram os contratos; c) ALCENDINO e THOMAS 25 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 tiveram ciência da empresa contratada, que leva o sobrenome do então Secretário de Transportes, JOCENI ROECKER, e tomaram conhecimento de quem estava assinando o contrato em nome da empresa, era justamente a mulher do então Secretário de Transportes e Obras; d) ENIO, na qualidade de Diretor do Departamento de Urbanismo, emitiu o Memorando nº 40/2013, afirmando que, entre as empresas relacionadas, apenas a apelada J. ROECKER LTDA. possuía projeto arquitetônico, o que foi imprescindível para o sucesso do direcionamento da inexigibilidade de licitação em favor da empresa; e) todos os Apelados agiram com dolo, afrontando não apenas os seus deveres funcionais, mas principalmente o interesse público nas contratações efetivadas pelo Poder Público; f) a existência de dolo, ao menos genérico, nas condutas dos apelados, as quais demonstram claramente não só o conhecimento da proibição legal prevista no artigo 9º, inciso III, e das exigências dos artigos 25 e 26, todos da Lei nº 8666/1993, mas também a intenção de violar tal norma, com a montagem do processo apenas para dar ares de legalidade e formalidade ao direcionamento da contratação; g) não se exige dolo específico para a 26 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 caracterização de qualquer ato ímprobo, sendo exigível apenas a presença de dolo genérico, o qual se encontra demonstrado no caso; h) não se pode esquecer, de todo modo, que as condutas dos apelados, via de consequência, atentaram contra os princípios da Administração Pública na medida em que sua conduta não se respaldou na lealdade, honestidade e boa-fé, não observando o necessário comportamento ético, correto e escorreito no exercício da função pública; i) é imprescindível que os responsáveis sejam sancionados de modo proporcional à gravidade da conduta, de modo a reprimi-la; j) LILIAN deve ser condenada a restituir o prejuízo patrimonial ao erário, já determinado na sentença recorrida, cumulada com a suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa civil; k) MARCO deve ser condenado a restituir o prejuízo patrimonial ao erário, já determinado na sentença recorrida, cumulada com a suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa civil; l) VANESSA deve ser condenada a restituir o prejuízo patrimonial ao erário, já determinado na sentença recorrida, cumulada com a proibição de contratar com o poder público e pagamento de multa civil equivalente a 02 (duas) vezes o valor do mesmo prejuízo; m) ALCENDINO deve ser condenado a restituir 27 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 o prejuízo patrimonial ao erário, cumulado com a suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa civil equivalente a 02 (duas) vezes o valor do mesmo prejuízo; n) THOMAS deve ser condenado a restituir o prejuízo patrimonial ao erário, cumulado com a suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa civil equivalente a 02 (duas) vezes o valor do mesmo prejuízo; o) ENIO deve ser condenado a restituir o prejuízo patrimonial ao erário, cumulado com a suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa civil equivalente a 02 (duas) vezes o valor do mesmo prejuízo; p) JOCENI deve ser condenado a restituir o prejuízo patrimonial ao erário, cumulado com a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de cinco anos, suspensão dos direitos políticos e o pagamento de multa civil equivalente a 02 (duas) vezes o valor do mesmo prejuízo; q) SHIRLEY deve ser condenada a restituir o prejuízo patrimonial ao erário, cumulado com a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por 28 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de cinco anos, suspensão dos direitos políticos e o pagamento de multa civil equivalente a 02 (duas) vezes o valor do mesmo prejuízo; r) J. ROECKER & CIA LTDA deve ser condenada a restituir o prejuízo patrimonial ao erário, cumulado com a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de cinco anos e o pagamento de multa civil equivalente a 02 (duas) vezes o valor do mesmo prejuízo. Pediu reforma da sentença para ampliar a condenação dos Réus. 15) Contrarrazões nos movs. 430.1 e 440.1 dos autos originários. 16) O MINISTÉRIO PÚBLICO, nesta instância, opinou pelo desprovimento dos apelos dos acusados JOCENI ROECKER, J. ROECKER & CIA LTDA, LILIAN RAMOS NARLOCH e SHIRLEY PONTES ROECKER, bem como pelo provimento do Apelo da Instituição, a fim de ampliar a condenação (mov. 34.1 dos autos recursais). 29 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 É o relatório. FUNDAMENTAÇÃO A controvérsia dos autos reside na alegada prática de ato de improbidade administrativa por JOCENI ROECKER (Secretário de Transportes), J. ROECKER & CIA LTDA (empresa), LILIAN RAMOS NARLOCH (Prefeita), MARCO ANTONIO DE SOUZA (Parecerista Jurídico), SHIRLEY PONTES ROECKER (sócia da empresa), ALCENDINO FERREIRA BARBOSA (Secretário de Saúde), ÊNIO JANUÁRIO NASCIMENTO (Diretor do Departamento de Urbanismo), THOMAS VICTOR PINTO LORENZO (Secretário de Educação), VANESSA LUCINEIA DUARTE DE ASSIS (Diretora do Departamento de Compras e Licitações), em razão do suposto direcionamento e superfaturamento, em favor de J. ROECKER & CIA LTDA, na celebração dos contratos nº 14/2013, 15/2013 e 16/2013, que tinham por objeto a “locação de local apropriado e com serviço próprio e incluso para guarda de barcos, colocação e retirada de embarcação no mar e limpeza de casco e de motor”, em favor dos barcos das Secretarias de Saúde, 30 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 Educação e Transportes de Guaraqueçaba, o que teria acarretado dano ao erário e violado princípios da Administração, conforme acusação inicial. Ocorre que não restou demonstrado nos autos o alegado dano ao erário, ou tampouco o dolo dos agentes públicos acusados, elementos essenciais para configuração da improbidade administrativa, de modo que é caso de reformar a sentença para afastar o ato de improbidade imputado, reputando-se prejudicado o apelo do “parquet”, que visa à ampliação da condenação. No que tange à tipificação da lesão ao patrimônio público (art. 10, caput, da Lei 8.429/92) exige-se a prova de sua ocorrência, impossibilitando a condenação ao ressarcimento ao erário de dano hipotético ou presumido, consoante se infere de inúmeros precedentes do Superior Tribunal de Justiça, dentre os quais, destacam-se: “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II DO CPC NÃO CONFIGURADA. 31 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 CONTRATAÇÃO DE ADVOGADOS SEM PRÉVIA LICITAÇÃO. DISPENSA E INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CONDUTA DOLOSA E DO EFETIVO DANO AO ERÁRIO NECESSÁRIOS PARA A CONFIGURAÇÃO DOS ATOS DE IMPROBIDADE PREVISTOS NO ART. 10 DA LEI 8.429/92. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PRÉVIO PARA JUSTIFICAR A DISPENSA OU A INEXIGIBILIDADE QUE SE TORNA IRRELEVANTE PARA O CASO, PORQUANTO, POR SI SÓ, NÃO CONFIGURA ATO DE IMPROBIDADE. RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DESPROVIDO. 1. Quanto ao art. 535, I e II do CPC, inexiste a violação apontada. O Tribunal de origem apreciou fundamentadamente a controvérsia, não padecendo o acórdão recorrido de qualquer omissão, contradição ou obscuridade. Observe-se, ademais, que julgamento diverso do pretendido, como na espécie, não implica ofensa à norma ora invocada. 2. Nos termos da orientação firmada pelas Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte, a configuração dos atos de improbidade administrativa previstos no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa exige a presença do efetivo dano ao erário. 3. Ausente a comprovação da conduta dolosa dos recorridos em causar prejuízo ao erário - bem 32 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 como inexistente a constatação de dano efetivo ao patrimônio material do Poder Público - não há que se falar em cometimento do ato de improbidade administrativa previsto no art. 10 da Lei 8.429/92 que, como visto, exige a presença do efetivo dano ao Erário. 4. Afastada a incidência do art. 10 da Lei 8.429/92, torna-se irrelevante, in casu, o exame sobre a necessidade ou não de se observar as disposições normativas disciplinadoras do trâmite licitatório, posto que, a não abertura de procedimento prévio para justificar a dispensa ou a inexigibilidade da licitação, ainda que possa ser considerado como uma ilicitude, não será, por si só, enquadrado como improbidade. 5. Parecer do MPF pelo provimento do Recurso Especial. 6. Recurso Especial do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ desprovido.” (REsp 1174778/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 11/11/2013, destaquei). “ADMINISTRATIVO. SIMULAÇÃO DE LICITAÇÃO. TIPIFICAÇÃO COMO ATO DE IMPROBIDADE QUE CAUSA PREJUÍZO AO ERÁRIO (ARTIGO 10 DA LEI 9.429/92). AUSÊNCIA DE PROVA DO DANO. PRECEDENTES DO STJ. ATO DE IMPROBIDADE QUE 33 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 ATENTA CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CARACTERIZAÇÃO. SANÇÕES PREVISTAS NO ARTIGO 12, INCISO III, DA LEI 8.429/92. ANÁLISE DA GRAVIDADE DO FATO. SÚMULA 7/STJ. APLICAÇÃO. 1. O enquadramento do ato de "frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente" na categoria de improbidade administrativa ensejadora de prejuízo ao erário (inciso VIII do artigo 10 da Lei 8.429/92) reclama a comprovação do efetivo dano ao patrimônio público, cuja preservação configura o objeto da tutela normativa (Precedentes do STJ). 2. O acórdão recorrido, ao definir a tipificação legal do ato de improbidade praticado e a sua gravidade impôs aos réus a sanção consistente na "perda ou suspensão dos direitos políticos por três anos sem necessidade de ressarcimento ou pagamento de multa civil" (fls. e-STJ 1.227/1.228). O exame da adequação da pena demanda o reexame do contexto fático-probatório, o que atrai a incidência da Súmula 7/STJ. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.” (REsp 1169153/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe 24/08/2011, destaquei). 34 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 Destaca-se que o “parquet” não questiona a prestação dos serviços pela empresa contratada, logo, pelo fato de os serviços terem sido prestados pela J. ROECKER & CIA LTDA, não há que se falar em devolução integral dos valores pagos, como pretende o “parquet”, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração. É como entende esta Quinta Câmara: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NOMEAÇÃO DE SERVIDORES OCUPANTES PARA CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO. CESSÃO PARA ENTIDADES ALHEIAS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL. DESENVOLVIMENTO DE ATRIBUIÇÕES BUROCRÁTICAS. AFRONTA A REGRA DO CONCURSO PÚBLICO. ILEGALIDADE. ELEMENTO SUBJETIVO DOLOSO. INEXISTÊNCIA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃO CONFIGURADO. EFETIVA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. (...) 2. Os serviços para os quais os comissionados foram nomeados foram devidamente prestados ao Poder Público. Uma vez prestado o serviço, inexiste prejuízo financeiro ao erário, porquanto condenar os réus à devolução dos valores referentes a serviços realizados 35 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 configuraria o enriquecimento ilícito do Poder Público. RECURSO NÃO PROVIDO.” (TJPR - 5ª C.Cível - 0005872- 94.2014.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: Desembargador NILSON MIZUTA - J. 26.02.2019 - Destaquei) Com efeito, ainda que haja irregularidades, ou até mesmo ausência de licitação, esta Câmara exige a comprovação da ausência do cumprimento do contrato ou de seu superfaturamento para configuração do dano ao erário. “(...) 2) DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO PARA COMPRA DE MEDICAMENTOS E MATERIAIS HOSPITALARES. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DANO PRESUMIDO QUE NÃO AMPARA A CONDENAÇÃO. a) Nota-se no caso, que não tem como enquadrar a conduta do Prefeito Municipal e dos responsáveis pelo Departamento de Compras do Município no artigo 10 da Lei nº 8.429/1992, pois pelas provas dos autos não restou comprovado prejuízo ao erário, na medida que não se demonstrou a cobrança de valores maiores ou superfaturados em razão da ausência de licitação, bem 36 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 como a não entrega dos produtos comprados. E, a tipificação da conduta no inciso VIII, do artigo 10, da Lei nº 8.429/1992, exige a comprovação do efetivo dano ao patrimônio público. b) Por outro lado, a mera menção na petição inicial, ao artigo 11, da Lei de Improbidade Administrativa, sem que haja, na inicial e nos autos, suficiente imputação, descrição, ou comprovação da conduta ímproba descrita na norma, não permite que haja condenação por violação dos princípios. Apelação Cível nº 1738956-3 3) APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. SENTENÇA MANTIDA EM REMESSA NECESSÁRIA, CONHECIDA, DE OFÍCIO.” (TJPR - 5ª C.Cível - AC - 1738956-3 - Rolândia - Rel.: Desembargador LEONEL CUNHA - Unânime - J. 27.02.2018 - Destaquei) Como visto, por não existir questionamento quanto à prestação dos serviços contratados, resta verificar o alegado superfaturamento, suscitado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO na acusação, para fins de se averiguar o aventado dano ao erário. Para tanto, a Instituição alega que o superfaturamento dos contratos nº 14/2013, 15/2013 e 37 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 16/2013 estaria comprovado pelo fato de o preço por embarcação abrigada pago nos referidos contratos ter subido 37%, em relação ao ano de 2012, quando a contratada do MUNICÍPIO também era a J. ROECKER. Contudo, razão não lhe assiste. Primeiramente porque tal dado, isoladamente, nada comprova acerca do alegado superfaturamento. Destaca-se que a formação do preço de um serviço sofre o influxo de diversos fatores como custo de funcionários, custo de insumos e até mesmo a própria demanda pelo serviço na localidade que, em caso de aumento, poderá implicar majoração de seu preço. Logo, o simples aumento de 37% do preço em relação ao ano anterior não significa necessário superfaturamento, sendo plenamente possível que o preço de mercado do referido serviço prestado pela empresa tenha sido majorado em razão de inúmeros fatores do próprio segmento de mercado. 38 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 Nesse ponto, ressalta-se também que o fato de o acréscimo de 37% ser superior à inflação do período não comprova o alegado superfaturamento, pois, como mencionado, há diversos fatores de mercado que compõem o preço de um serviço, sendo que o empresário não está obrigado a prestar serviços à administração, mediante indexação de seu preço à inflação, sob pena de enriquecimento ilícito do Ente Público. Para comprovar o alegado superfaturamento, deveria o MINISTÉRIO PÚBLICO ter produzido prova de que o serviço contratado estava elevado em comparação com o de outros prestadores concorrentes da região para o mesmo objeto, ou mesmo em comparação com o ofertado pela própria J. ROECKER aos seus demais clientes particulares para embarcações análogas às do Município. Contudo, tal prova inexiste nos autos. Pelo contrário, há nos autos indícios de que o serviço contratado com a empresa acusada J. ROECKER (R$ 700,00 por embarcação) estava abaixo 39 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 do valor de outras concorrentes da região, que praticavam o preço de R$ 800,00. Veja-se a cotação do serviço colacionada aos autos, realizada perante a empresa Porto Marina Mares do Sul, do Município vizinho de Pontal do Paraná (mov. 37.5 dos autos originários): 40 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 Desse modo, da análise dos autos, verifica- se que o MINISTÉRIO PÚBLICO não se desincumbiu de seu ônus probatório acerca do alegado superfaturamento dos contratos, inexistindo, portanto, prova do aventado dano ao erário, razão por que deve ser reformada a sentença para afastar o ato de improbidade lesivo ao erário imputado aos réus. No mesmo sentido, inexiste prova do alegado ato de improbidade violador dos princípios da administração, em razão da ausência de dolo comprovado. Como é sabido, o ato de improbidade baseado em violação aos princípios administrativos demanda a evidenciação do elemento subjetivo (dolo) para sua configuração, o que não foi demonstrado pela Instituição-Autora no caso. Trata-se do entendimento pacífico do STJ sobre o tema: “É inadmissível a responsabilidade objetiva na aplicação da Lei n. 8.429/1992, exigindo-se a presença de dolo nos casos dos arts. 9º e 11 (que coíbem o enriquecimento ilícito e o atentado aos princípios 41 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 administrativos, respectivamente) e ao menos de culpa nos termos do art. 10, que censura os atos de improbidade por dano ao Erário” (STJ, AgRg no REsp 1500812/SE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, Julgado em 21/05/2015 DJE 28/05/2015; AgRg no REsp 968447/PR,Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, Julgado em 16/04/2015, DJE 18/05/2015) Aqui é importante destacar que a prática de ato ilegal, por si só, não configura ato de improbidade administrativa, sendo necessário que ele tenha origem em comportamento desonesto, que caracterize má-fé do agente público (dolo). Sabe-se que é muito antiga, e remonta aos tempos iniciais das formulações teóricas dos institutos e das práticas judiciais do Direito Sancionador, cuja matriz histórica é o Direito Penal moderno, que tem a aguda contraposição conceitual entre a ilegalidade e a ilicitude ímproba dos atos humanos ou, em outras palavras, a distinção entre a conduta ilegal e a conduta ímproba imputada ao agente autor da ação ofensiva 42 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 então submetida ao crivo judicial, para o efeito de sancionamento. A confusão entre esses conceitos sempre leva a reflexão jurídica a resultados nefastos; conduz inevitavelmente o raciocínio a impasses lógicos e também éticos, cuja solução desafia a cognição dos atos em análise sem as preconcepções comuns quanto às suas estruturas e aos seus significados; ainda que a linguagem usual empregue um termo (ilegal) por outro (ímprobo), o julgamento judicial há de fazer sempre a devida distinção entre ambos. É bem provável que a confusão conceitual que se estabeleceu entre a ilegalidade e a improbidade provenha do caput do art. 11, da Lei nº 8.429/92, porquanto ali está apontada como ímproba a conduta (qualquer conduta) que ofenda os princípios da Administração Pública, entre os quais se inscreve o princípio da legalidade (artigo 37, da Constituição da República), como se sabe há muito tempo. Portanto, a ilegalidade e a improbidade não são, em absoluto, situações ou conceitos 43 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 intercambiáveis, não sendo juridicamente aceitável, tomar-se uma pela outra, visto que cada uma delas tem a sua peculiar conformação estrita: a improbidade é, uma ilegalidade qualificada pelo intuito doloso do agente, atuando sob impulsos eivados de desonestidade, malícia e dolo. É nesse sentido a jurisprudência do STJ e os recentes entendimentos desta Câmara. Veja-se: “nem toda ilegalidade perfaz improbidade; Assim fosse, o legislador simplesmente cuidaria da ilegalidade administrativa, não da improbidade. Com efeito, esta reclama um 'plus'. Há que se acrescer à ilegalidade a má-fé, que é a essência da imoralidade” (STJ, AgRg no AREsp 379.586/MG, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Segunda Turma, julgado em 15/09/2016, DJe 27/09/2016 – Destaquei). “(...) 3) DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELO. IMPROBIDADE. MUNICÍPIO DE TAMBOARA. AQUISIÇÃO DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO NO EXERCÍCIO DE 2005. FRACIONAMENTO DA LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO 44 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 DIRETA QUE CONFIGURARIAM FRAUDE À LICITAÇÃO. DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. PRODUTOS ENTREGUES. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO DOLO. CONDUTA QUE NÃO SE ENQUADRA NO ÂMBITO DE PROTEÇÃO DA LEI DE IMPROBIDADE. a) A Lei de Improbidade Administrativa constitui microssistema estreito, destinado a preservar a probidade na gestão da coisa pública, combatendo a malversação das verbas públicas e a corrupção - inclusive por Agente Privados que concorram com o Público - e que gerem enriquecimento ilícito e/ou o dano ao erário. b) Perceba- se, então, que não se presta a sancionar o mau Agente Público, imperito ou irresponsável (para o qual as sanções na esfera administrativa serão suficientes), mas, sim, aquele que tenha influência na gestão da coisa pública e efetivamente a utilize para buscar fim espúrio: enriquecimento ilícito pessoal ou de terceiro, e/ou dano ao erário. c) Prova disso é que as sanções da Lei nº 8.429/1992 não se prestam apenas à restituição do dinheiro e perda da função pública (o que já existe nas outras esferas de responsabilização), mas a efetivamente afastar o Ímprobo da lida com a coisa pública, impedindo-o de contratar com a Administração e receber benefícios fiscais e creditícios, ou até alijá-lo 45 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 de seus direitos políticos. d) É necessário, portanto, impedir que a Lei de Improbidade Administrativa chegue a sancionar minúcias de qualquer falta funcional ou mera irregularidade administrativa, e tache como Ímprobo o Servidor faltoso ou imperito, mas que não quis (e efetivamente não dispôs) da máquina e recursos públicos em benefício próprio ou alheio, causando prejuízo ao erário. e) No caso, não há dúvidas e não se refuta que houve irregularidades na aquisição dos materiais de construção. A documentação dos autos efetivamente demonstra irregularidades formais nos procedimentos licitatórios realizados, bem como na compra direta de produtos que, em condições ideais, deveria ser planejada e licitada em conjunto. f) Todavia, para concluir que os Gestores Públicos se enriqueceram ilicitamente ou causaram dano ao erário, e, pois, merecem ser tachados de ímprobos, é um grande salto, que deve necessariamente passar pela demonstração de intencionalidade do Gestor Público de incrementar o patrimônio próprio ou de terceiro e/ou causar dano ao erário. g) Ressalve-se que não se está afirmando a impossibilidade de punir as referidas condutas, mas, apenas, que a prova dos autos não justifica o sancionamento com base na Lei nº 8.429/1992, porque 46 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 não há evidência de efetiva lesão e/ou do dolo, isto é, vontade consciente dos Agentes Públicos de enriquecer ilicitamente ou direcionar as contratações para enriquecer terceiros. h) O que se extrai dos autos, é a imperícia e inabilidade dos Gestores Públicos quantos aos trâmites jurídicos e burocráticos ínsitos à Administração Pública, mas que, não raro, são inobservados, em razão da baixa instrução de seus Agentes Políticos, especialmente nos pequenos Municípios do interior do Estado, motivo pelo qual a sentença, que julgou procedente o pedido inicial, merece reformada. 4) REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. APELOS A QUE SE DÁ PROVIMENTO.” (TJPR - 5ª C.Cível - 0009249-98.2013.8.16.0130 - Paranavaí - Rel.: Desembargador LEONEL CUNHA - J. 03.03.2020 - destaquei) A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador. 47 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 Analisando os autos, não se verifica o dolo dos agentes públicos-acusados na celebração dos contratos com a empresa J. ROECKER. Conforme se extrai dos autos, na inexigibilidade de licitação que culminou na contratação da empresa J. ROECKER, restou demonstrado que a empresa era a única empresa do ramo que detinha projeto arquitetônico aprovado perante o Município de Guaraqueçaba (mov. 1.4 dos autos originários), requisito que se mostra pertinente com a necessidade administrativa de “Locação de local apropriado e com serviço próprio e incluso para guarda de barcos, colocação e retirada de embarcação no mar e limpeza de casco e de motor” 48 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 Inclusive, é o que confirma a prova oral dos autos, conforme se extrai do depoimento de WERIDIANA DAS GRAÇAS LOPES CALADO, Servidora Chefe de Divisão do Setor de Licitações à época (Mov. 344.1 dos autos originários): “MINISTÉRIO PÚBLICO (12:10): A senhora se lembra se a licitação, ou em algum momento da licitação, exigia algum projeto arquitetônico? 49 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 WERIDIANA (12:23): Parece que tem sim, tem, é tem. MINISTÉRIO PÚBLICO (12:28): A senhora sabe me informar se a empresa que foi contratada ela tinha esse projeto? WERIDIANA (12:39): Tinha sim.” Nesse ponto, apesar de na fase interna do certame ora analisado inexistir a justificativa de preços exigida pelo artigo 26, parágrafo único da Lei Federal nº 8.666/93 para instrução de processos de inexigibilidade, como já visto, a acusação não logrou comprovar o superfaturamento contratual, assim como também não demonstrou o dolo de VANESSA (Diretora de Licitações) e de MARCO (Parecerista Jurídico) em frustrar a legalidade do processo licitatório, mediante favorecimento da empresa J ROECKER, com a ausência da referida justificativa de preços. No mesmo sentido, o fato de o parecer jurídico de MARCO ser datado de 05/03/2013 e o memorando do Departamento de Urbanismo no qual se baseou o parecer ser datado de 15/03/2013 não 50 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 evidencia dolo em frustrar a legalidade do processo licitatório, mas sim mero erro material. Isso porque a própria paginação do processo licitatório já demonstra que o parecer jurídico (fl. 17 do processo licitatório – mov. 1.4 dos autos originários) foi posterior ao memorando do Departamento de Urbanismo (fl. 04 do processo licitatório – mov. 1.4 dos autos originários), apesar do provável erro material de datas nos documentos. Por fim, ainda não se ignora que o artigo 9º da Lei Federal nº 8.666/93 vede a participação, direta ou indireta, de dirigente de órgão ou entidade contratante no certame ou na prestação de serviços. Ocorre que, nos casos em que a empresa do dirigente do órgão é a única fornecedora do segmento habilitada na Municipalidade, esta Quinta Câmara Cível afasta a imputação de ato ímprobo, diante da carência de elemento subjetivo. “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA 51 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 DE LICITAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE EMISSORA PARA DIVULGAÇÃO E PROPAGANDA. ÚNICA COM SINAL DA ANATEL. INEXIGIBILIDADE. SENTENÇA QUE RECONHECEU A AUSÊNCIA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AFASTOU A CONDENAÇÃO DE SERVIDORES, MAS CONDENOU O PREFEITO E O PROPRIETÁRIO DA EMISSORA NAS PENAS PREVISTAS NA LEI Nº 8.429/92. CONTRADIÇÃO. NÃO CARACTERIZADA A IMPROBIDADE. O ALCANCE DA IMPROCEDÊNCIA ATINGE TODOS OS RÉUS. O Ministério Público Estadual ajuizou a ação de improbidade administrativa contra o ex-prefeito, Darci José Zolandeck, e o Secretário Municipal de Agricultura e sócio proprietário da Rádio Difusão, Edmilson Cecura, por ausência de procedimento licitatório na contratação de serviços de divulgação e propaganda no Município de Palmital, na gestão 2005/2008 (...) Na gestão de 2005 a 2008, o Município de Palmital/PR contratou a Radiodifusão Cidade de Palmital Ltda. para a realização dos serviços de divulgação e propaganda. Segundo consta dos autos, a contratação da mesma emissora era feita há mais de 20 anos. Também ficou comprovado que era a única empresa com inserção e difusão de rádio local. (...) Assim, apesar de o MM juiz julgar improcedente a 52 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 demanda em relação aos demais réus, julgou a quo procedente o pedido em relação ao prefeito municipal e ao secretário, que também é proprietário da emissora, condenado nas penalidades de suspensão dos direitos políticos e multa civil (...) Desse modo, não há como concluir pelo enquadramento da conduta dos apelantes no art. 11, da Lei de Improbidade Administrativa, que pressupõe um elemento subjetivo reprovável. Observe- se que é imprescindível o dolo para a caracterização do ato ímprobo, previsto no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa. No presente caso, nem a caracterização do ato ímprobo ocorreu. Por isso, a exclusão da condenação imposta aos apelantes é medida que se impõe. (...) Do exposto, voto no sentido de dar provimento à apelação interposta por DARCI JOSÉ ZOLANDECK e EDEMILSON CECURA, para afastar a condenação por ato de improbidade administrativa” (TJPR - 5ª C.Cível - 0000426-92.2009.8.16.0125 - Palmital - Rel.: Desembargador NILSON MIZUTA - J. 12.02.2019 - Destaquei) Recorde-se que o MINISTÉRIO PÚBLICO em Ações de Improbidade Administrativa é parte Autora, e, 53 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 portanto, deve observar os artigos 373, inciso I, e 434, do Código de Processo Civil de 2015. Assim, apesar dos defeitos no processo licitatório, a Instituição-Autora possui o ônus probatório de comprovar sua alegação de que havia outras empresas com estrutura adequada para prestar o serviço requisitado em Guaraqueçaba, bem como que os equívocos cometidos no processo licitatório foram intencionalmente praticados para beneficiar a empresa contratada, ônus do qual não se desincumbiu no feito. Como já visto, irregularidades no processo licitatório não se confundem com ato de improbidade, que exige o comprovado dolo, o que não restou demonstrado nos autos. Dessa forma, por qualquer prisma que se analise o caso, não há que se falar em improbidade administrativa, sendo forçoso o provimento do apelo de JOCENI ROECKER, J. ROECKER & CIA LTDA, LILIAN RAMOS NARLOCH, SHIRLEY PONTES ROECKER e MARCO ANTONIO DE SOUZA a fim de reformar a sentença para absolver os apelantes, julgando integralmente o pedido 54 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 inicial, bem como para atribuir efeito expansivo à VANESSA LUCINEIA DUARTE DE ASSIS, nos termos do art. 1.005 do Código de Processo Civil, visto que a inexistência de ato ímprobo no caso, ora reconhecida, também lhe aproveita. ANTE O EXPOSTO, voto por que seja: a) dado provimento aos Apelos de JOCENI ROECKER, J. ROECKER & CIA LTDA, LILIAN RAMOS NARLOCH, SHIRLEY PONTES ROECKER e MARCO ANTONIO DE SOUZA para reformar a sentença e afastar a prática de ato de improbidade administrativa e as penalidades dele decorrentes, julgando improcedente o pedido inicial. b) atribuído efeito expansivo, estendendo os efeitos desta decisão à ré VANESSA LUCINEIA DUARTE DE ASSIS, que não recorreu, nos termos do art. 1.005 do Código de Processo Civil, a fim de afastar a prática de ato de improbidade administrativa que lhe foi imputada. 55 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 c) reputado prejudicado o Apelo do MINISTÉRIO PÚBLICO, que visava à ampliação da condenação pelo ato de improbidade ora afastado. Não é o caso de condenação ao pagamento de custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 18 da Lei nº 7.347/85. É caso de ciência à COORDENADORIA DE RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DECISÃO ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível deste TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em dar provimento aos Apelos de JOCENI ROECKER, J. ROECKER & CIA LTDA, LILIAN RAMOS NARLOCH, SHIRLEY PONTES ROECKER e MARCO ANTONIO DE SOUZA, atribuído efeito expansivo, estendendo os efeitos desta decisão à ré VANESSA LUCINEIA DUARTE DE ASSIS, reputando prejudicado o Apelo do MINISTÉRIO PÚBLICO. 56 Apelação Cível nº 0000634-55.2014.8.16.0043 O julgamento foi presidido pelo Desembargador LUIZ MATEUS DE LIMA, com voto, e dele participaram Desembargador LEONEL CUNHA (relator) e Desembargador RENATO BRAGA BETTEGA. CURITIBA, 07 de maio de 2021. Desembargador LEONEL CUNHA Relator
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