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Acórdão
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RELATÓRIO Kleber Piscitello Mello impetrou mandado de segurança em face de ato supostamente praticado pelo Presidente da Banca Examinadora da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Estadual de Londrina (FAUEL) e do Município de Mandaguari. Disse que realizara a prova objetiva do concurso público regido pelo edital nº e, com a divulgação do gabarito, interpôs recurso com relação à questão nº 30. Porém, o gabarito fora mantido pela banca examinadora sem qualquer fundamentação. Arguiu que a anulação da questão que cobrou resposta prevista em diploma normativo não mencionado pelo Edital aumentaria sua posição de 6º para 3º colocado. Nesse sentido, sustentou que a resposta da questão está prevista no artigo 52 da Lei de Responsabilidade Fiscal, não previsto no Edital, e não na Lei Orgânica de Mandaguari, que faz apensas menção ao assunto. Asseverou que em outro concurso posterior, a LRF constara expressamente do edital, o que confirma a incorreção no primeiro caso. Requereu a concessão de liminar para que a questão fosse imediatamente anulada, com a nova publicação de resultado. No mérito, a concessão da segurança. A liminar foi concedida “(...) para o fim de suspender o Concurso Público regido pelo Edital nº 0001/2019 em relação ao cargo de Auditor Tributário (nível superior) do MUNICÍPIO DE MANDAGUARI, até ulterior deliberação” (mov. 18.1). A Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Estadual de Londrina – FAUEL, apresentou informações (mov. 31.1). Aduziu a ausência de violação ao edital e o respeito aos princípios da legalidade e da vinculação ao instrumento convocatório. Nesse sentido, afirmou que se a Lei Orgânica Municipal exige a publicação do Relatório Resumido da Execução Orçamentária, o candidato deve de demonstrar seus conhecimentos sobre a publicação e apresentação deste relatório, sendo o conhecimento sobre sua composição o mínimo que se pode exigir numa questão objetiva. Arguiu que se o Impetrante quisesse ter acesso à justificativa individual relativa ao indeferimento do recurso interposto, era necessário solicitar à Comissão de Concursos pelo e-mail acima indicado. Defendeu a impossibilidade do poder judiciário se imiscuir nos atos discricionários efetuados pela administração pública ou por pessoa jurídica no exercício de atribuição do poder público. Por fim, asseverou a inocorrência de ofensa a direito líquido e certo, pugnando pela denegação da segurança. O Ministério Público do Estado do Paraná opinou pela concessão da segurança (mov. 43.1). Sobreveio a r. sentença, em que o MMº Juiz, Dr. Marcus Renato Nogueira Garcia, concedeu a segurança para anular a questão de nº 30, da prova objetiva aplicada para o cargo de Auditor Tributário do Município de Mandaguari/PR, regido pelo Edital nº 001/2019 (mov. 46.1). Insatisfeita, a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico Da Universidade Estadual De Londrina – FAUEL interpõe apelação (mov. 60.1). Defende que a questão nº 30 tinha o intuito de verificar se o candidato possuía ciência a respeito do teor do relatório resumido de execução orçamentária, bem como dos documentos que o compunham. Ratifica que não houve dissonância entre o conteúdo do Edital nº 001/2019 e o conteúdo das questões aplicadas aos candidatos do processo seletivo, razão pela qual requer a reforma da r. sentença. Ainda, reitera a impossibilidade de o Judiciário substituir a atuação da Administração Pública em virtude do poder discricionário. Foram apresentadas contrarrazões (mov. 67.1). A Douta Procuradoria de Justiça, em parecer de lavra do Ilustre Procurador, Dr. Bruno Sergio Galati, opinou pelo não provimento do recurso e pela manutenção da r. sentença em sede de reexame necessário (mov. 14.1).
VOTO O recurso é tempestivo, pois a apelante realizou a leitura da intimação da r. sentença no dia 16 de fevereiro de 2019 e apresentou recurso em 11 de março de 2020. Há interesse e legitimidade, uma vez que a decisão a quo lhe foi desfavorável. Efetuado o preparo, conforme o comprovante apresentado no mov. 60.2. Trata-se de apelação interposta em face da r. sentença que concedeu a segurança pleiteada por Kleber Piscitello Mello, para determinar a anulação da questão nº 30 da prova objetiva aplicada para o cargo de Auditor Tributário do Município de Mandaguari/PR, regido pelo Edital nº 001/2019. Inicialmente, destaque-se que em matéria deconcurso público, a competência do Poder Judiciário se limita ao exame da legalidade das normas instituídas no edital ou o descumprimento deste pela comissão competente, sendo vedado o exame de mérito das questões das provas e dos critérios utilizados na atribuição de notas, cuja responsabilidade é da banca examinadora. Assim, à banca examinadora é dado o méritoadministrativo, não podendo o Judiciário invadir tal competência, imiscuindo-se na discricionariedade do ato administrativo. No julgamento do tema em Repercussão Geral 485, o Supremo Tribunal Federal concluiu não competir ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar as respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas, salvo excepcional juízo de compatibilidade do conteúdo das questões com o previsto no edital do certame (RE 632.853/CE, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe de 29.6.2015). No mesmo sentido: “(...) A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que, em matéria de concurso público, a atuação do Poder Judiciário limita-se à verificação da observância dos princípios da legalidade e da vinculação ao edital, tendo presente a discricionariedade da Administração Pública na fixação dos critérios e normas reguladoras do certame, que deverão atender aos preceitos instituídos na Constituição Federal, sendo-lhe vedado substituir-se à banca examinadora, para apreciar os critérios utilizados para a elaboração e correção das provas, sob pena de indevida interferência no mérito do ato administrativo. Com efeito, "o Poder Judiciário não pode atuar em substituição à banca examinadora, apreciando critérios na formulação de questões, reexaminado a correção de provas ou reavaliando notas atribuídas aos candidatos" (STJ, RMS 28.204/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/02/2009). No mesmo sentido: STJ, AgInt no RE nos EDcl no RMS 50.081/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, CORTE ESPECIAL, DJe de 21/02/2017; AgRg no RMS 37.683/MS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 29/10/2015. Incidência da Súmula 83/STJ.” (AgInt no AREsp 988.316/DF, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017). Ainda em matéria de concurso público, é pacífico que o candidato, ao se inscrever no concurso público, está sujeito às regras que compõe o edital, em razão do princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Por outro lado, a Administração Pública também está vinculada a este postulado. Sobre o tema, Alessandro Dantas Coutinho E. F. leciona: “Em tema de concurso público é pacífico que o edital faz lei entre as partes, estabelecendo regras às quais ficarão vinculados a Administração e os candidatos. Essa é a essência do princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Esse princípio é entendido tanto pela jurisprudência quanto pela doutrina como uma faceta dos princípios da impessoalidade, da legalidade e da moralidade, mas devido à sua importância, em especial no concurso público, ele merece tratamento próprio”[1]. No presente caso, porém, verifica-se que existe ilegalidade que autoriza a manifestação desta c. Corte, pois, de fato, o princípio da vinculação ao instrumento convocatório não foi observado pela apelante com relação à questão nº 30 da prova objetiva. Conforme se depreende dos documentos acostados aos autos, a Prefeitura do Município de Mandaguari lançou, em 2019, o concurso público regido pelo edital nº 001/2019, para provimento, dentre outros, do cargo de Auditor Tributário, com vencimento inicial de R$ 3.548,10. De acordo com o conteúdo programático previsto no Anexo III do referido edital, foi exigido dos candidatos a este cargo específico o conhecimento sobre as seguintes matérias:
(mov. 1.7). A questão objeto de insurgência, por sua vez, foi assim elaborada: “30. Com base na lei orgânica do município de Mandaguari, o chefe do poder executivo ordenará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, a publicação de relatórios resumidos de execução orçamentária com remessa suficiente da matéria para apreciação da Câmara Municipal. Neste sentido, o relatório resumido de execução orçamentária a que se refere a lei orgânica será composto de: a) Balanço orçamentário com o demonstrativo de execução das receitas e despesas. b) Balanço financeiro e orçamentário com os respectivos demonstrativos de resultado. c) Balanço orçamentário com previsão de arrecadação e realização da execução orçamentária. d) Balanço orçamentário, balanço financeiro, balanço patrimonial e balanço de compensação”. A Banca Examinadora apresentou a alternativa “A” como a opção correta para a resposta. Porém, de acordo com o impetrante, ora apelado, a resposta desta questão estaria contida em diploma normativo não previsto no edital, qual seja, a Lei de Responsabilidade Fiscal. A r. sentença acolheu a tese do candidato, por entender que restou configurada a dissonância entre o conteúdo do edital e a matéria exigida na prova. A ré, ora apelante, por sua vez, defende que o conteúdo do artigo 104, §4º, que compõe o Capítulo II sobre Orçamentos da Lei Orgânica Municipal de Mandaguari, assim como a Constituição Federal, em seu artigo 165, § 3º, preveem a exigência de publicação de relatórios resumidos de execução orçamentária e que com o conhecimento desses dispositivos, que fizeram parte do conteúdo programático do edital, seria possível responder à questão. Contudo, sem razão. Os artigos mencionados pela apelante como suficientes para responder à questão nº 30 assim dispõem: “Art. 104. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: (...) § 4° O Chefe do Poder Executivo ordenará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, a publicação de relatórios resumidos de execução orçamentária com remessa suficiente da matéria para apreciação da Câmara Municipal”. “Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: (...) § 3º O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório resumido da execução orçamentária”. Como se nota da mera leitura destes artigos, não há, em nenhum deles, qualquer especificação sobre o CONTEÚDO, isto é, sobre a COMPOSIÇÃO do relatório resumido de execução orçamentária. Essa matéria, em verdade, está afeta à Lei de Responsabilidade Fiscal, especificamente em seu art. 52: “Art. 52. O relatório a que se refere o § 3o do art. 165 da Constituição abrangerá todos os Poderes e o Ministério Público, será publicado até trinta dias após o encerramento de cada bimestre e composto de:I - balanço orçamentário, que especificará, por categoria econômica, as:a) receitas por fonte, informando as realizadas e a realizar, bem como a previsão atualizada;b) despesas por grupo de natureza, discriminando a dotação para o exercício, a despesa liquidada e o saldo (...)”. Portanto, verifica-se que, de fato, a composição do relatório resumido, exigida pela questão nº 30 da prova, está prevista apenas na Lei de Responsabilidade Fiscal, não sendo possível, por consequência, exigir do candidato o seu conhecimento, ante a ausência de previsão no conteúdo programático do edital. Nem se diga que a mera interpretação dos artigos da Lei Orgânica e da Constituição Federal seriam capazes de levar à conclusão exposta na alternativa “a” da questão, pois o conteúdo do relatório resumido é matéria de cunho absolutamente objetivo e pontual. Embora se pudesse, em alguma medida, desejar que esse assunto fosse de conhecimento do candidato por se tratar de matéria relacionada, eventualmente, ao desempenho do cargo intentado, trata-se de assunto absolutamente específico, que até mesmo na prática profissional deve exigir a consulta à Legislação. Não se está, de forma alguma, com a presente conclusão, a questionar a qualificação do profissional responsável pela elaboração da questão. O que não se pode admitir, porém, é a violação da segurança jurídica e da legítima expectativa criada pelos candidatos no sentido de que apenas o conteúdo efetivamente previsto no edital seria objeto de cobrança na prova. Nesse sentido, como consignado na r. sentença, “(...) não se está a discutir se a atuação do Administrador Público está ou não vinculada à Lei de Responsabilidade Fiscal, mas a necessidade do conteúdo exigido na prova objetiva estar previsto no Edital de Concurso, eis que a ele – ao edital – está o administrador vinculado” (mov. 46.1). Por tudo isso, verifica que a insurgência da apelante não merece prosperar, pois demonstrada a violação de direito líquido e certo do impetrante que autoriza a concessão da segurança pleiteada. Do exposto, voto no sentido de negar provimento à Apelação Cível interposta por Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Londrina - FAUL.
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