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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
RELATÓRIOCuida-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ em face de Gerson Márcio Negrissoli, Rosilene Aparecida Torchetti, Flávio Aparecido Campos, Cláudia Cambui da Silva de Almeida, Edson Barbieri, Willian Claudemir Vieira Pereira, Claudemir Messias Pereira e W. C. V. Pereira, cuja sentença[1] proferida pelo Juízo da Vara Cível da Comarca de Alto Piquiri[2] julgou parcialmente procedente o pedido inicial, a fim de, in verbis:(...) decretar a nulidade do processo licitatório 10/2011 e, em consequência, do contrato administrativo nº. 25/2011, sem determinar, porém, o ressarcimento dos valores das despesas anotadas, eis que efetivamente prestados os serviços e entregue os bens contratados, conforme disposto em fundamentação. Sem prejuízo, CONDENO Gerson Márcio Negrissoli, Willian Claudemir Vieira Pereira, Claudemir Messias Pereira e W. C. V. Pereira, pela prática de ato de improbidade previsto no artigo 11, da Lei nº 8.429/92, e, por conseguinte, ABSOLVO da imputação de improbidade Rosilene Aparecida Torchetti, Flávio Aparecido Campos, Cláudia Cambui da Silva de Almeida e Edson Barbieri. No que toca aos condenados, quais sejam, Gerson Márcio Negrissoli, Willian Claudemir Vieira Pereira, Claudemir Messias Pereira e W. C. V. Pereira, fixo as seguintes penalidades (art. 12, III, da Lei de Improbidade Administrativa): Claudemir Messias Pereira: (a) condenar ao pagamento de multa civil de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais), equivalente a dez (10) por cento da contrapartida recebida pelo contrato administrativo nº. 25/2011 (R$ 75.628,01); Willian Claudemir Vieira Pereira e W. C. V. Pereira: (a) condenar conjuntamente ao pagamento de multa civil de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais), equivalente a dez (10) por cento da contrapartida recebida pelo contrato administrativo nº. 25/2011 (R$ 75.628,01); Gerson Márcio Negrissoli: (a) condenar ao pagamento de multa civil de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais), equivalente a dez (10) por cento da contrapartida recebida pelo contrato administrativo nº. 25/2011 (R$ 75.628,01).Recorreu o Ministério Público de 1º Grau[3], ora apelante 1, arguindo que: a) o Processo Licitatório nº 10/2011 e o Contrato Administrativo nº 25/2011 foram realizados para dar aparência de legalidade às contratações anteriores, realizadas sem licitação; b) houve fornecimento informal de produtos e serviços e posterior fraude na licitação para justificar os pagamentos; c) os fatos questionados causaram dano ao erário; d) além de violarem os princípios da Administração Pública os requeridos praticaram atos de improbidade administrativa tipificados pelo art. 10, caput, VIII, XI e XII, da Lei nº 8.429/92; e) condenar Rosilene Aparecida Torcheti, Flávio Aparecido Campos, Cláudia Cambuí da Silva de Almeida e Edson Barbieri, como incursos ao art. 10º, caput, e incisos VIII, XI e XII, da Lei nº 8.429/92 (prejuízo ao erário), o que enseja as sanções decorrentes da prática por ato de improbidade administrativa, ora previstas no art. 12, inciso II, da LIA. Também recorreram CLAUDEMIR PEREIRA, WILLIAN PEREIRA e W. C. V. PEREIRA LTDA. (apelantes 2)[4], alegando: a) a ausência de ato ímprobo e a falta de prova do elemento subjetivo da conduta; b) inexistência de ato lesivo ao erário; c) as sanções foram fixadas de forma exacerbada. A parte apelada apresentou as contrarrazões recursais[5]. Na sequência, constatada a ausência do preparo recursal, os apelantes 2 foram intimados[6] para recolher as custas processuais em dobro, sob pena de deserção. Assim, ante a inércia da parte, o recurso não foi conhecido[7]. Na sequência, as partes foram intimadas[8] quanto a aplicação das disposições da Nova Lei de Improbidade Administrativa.A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se[9] pelo desprovimento do recurso.
VOTOAs questões em exame serão analisadas na seguinte ordem: a) Nova lei de improbidade;b) Ato ímprobo. 1. DA NOVA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVAa) Retroatividade O artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal determina a possibilidade da retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu. Ainda, que o mencionado dispositivo determine a possibilidade de retroatividade apenas para a lei penal, observa-se que o princípio da retroatividade da lei mais benéfica é aplicado para todo o direito sancionador, seja ele administrativo ou penal. Nestes termos, o artigo 1º, parágrafo 4º, da Lei Federal nº 8.429, de 02/06/1.992, determina: “Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. Destaca-se o entendimento do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Sérgio Kukina, se referindo a Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal nº 8.429, de 02/06/1.992): Isso se deve ao fato de que o princípio constitucional da retroatividade da lei mais benéfica deve também ser aplicado ao campo administrativo e judicial sancionador (cenário no qual se inserem os atos de improbidade), justamente porque, assim como a lei penal, a Lei de Improbidade também prevê em seu corpo estrutural um coletivo de sanções e penalidades. Ou seja, noutros termos, é dizer que a retroatividade da lei mais benigna se insere em princípio constitucional com aplicabilidade para todo o exercício do jus puniendi estatal neste se incluindo a Lei de Improbidade.”[10] Dessa forma, o tema em questão insere-se no âmbito do direito administrativo sancionador e, segundo doutrina e jurisprudência, em razão de sua proximidade com o direito penal, é possível a aplicação do art. 5º, XVIII, da Constituição da República, qual seja, a retroatividade da lei mais benéfica e, consequentemente, a incidência da Nova Lei de Improbidade ao presente caso. Sobre o assunto:APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - TORTURA DE CRIANÇAS POR POLICIAIS MILITARES - UTILIZAÇÃO DE SPRAY DE PIMENTA CONTRA CRIANÇAS ABRIGADAS - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - MÉRITO - TIPIFICAÇÃO DO ATO PELO ART. 11, I, DA LEI 8.429/92 - REVOGAÇÃO PELA LEI 14.230/2021 - RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA AOS ACUSADOS - DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR - IMPROBIDADE NÃO CONFIGURADA - RECURSO PROVIDO. (...) A Lei de Improbidade Administrativa enquadra-se como parte do Direito Administrativo Sancionador, conforme indicado no art. 17-D da Lei 8.429/92, sendo aplicável, conforme entendimento do STJ, o princípio da retroatividade da lei mais benéfica, previsto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, sendo o qual "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". - A posterior supressão do tipo em que se enquadra o ato apontado como ímprobo afasta a possibilidade de condenação dos requeridos[11]. APELAÇÃO IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Pretensão do Autor Ministério Público do Estado de São Paulo à condenação do requerido por atos de improbidade administrativa por lesão ao Erário e por ofensa aos princípios da Administração Pública Alegação de que o Requerido teria realizado indevido programa social de distribuição gratuita de produtos de café da manhã para trabalhadores rurais em ano eleitoral, com a aquisição de bens sem licitação Alterações legislativas realizadas pela Lei nº 14.230/2021 Aplicação retroativa das normas mais benéficas ao Requerido Art. 1º, § 4º, da Lei de Improbidade Administrativa Art. 5º, XL, da CF Revogação do art. 11, inciso I, da Lei de Improbidade Administrativa, aplicada retroativamente ao Requerido Necessidade de dolo para configuração de ato de improbidade por lesão ao Erário Nova redação do artigo10, caput, da Lei de Improbidade Administrativa Ausência de demonstração concreta do dolo Sentença de procedência reformada para julgar improcedente a ação Apelação provida[12].Logo, é possível a aplicação da redação da Nova Lei de Improbidade Administrativa no que for mais benéfica aos acusados. b) Ato culposo de dano ao erárioA Nova Lei de Improbidade Administrativa extinguiu a modalidade culposa de improbidade do artigo 10: “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente (...)”. Dessa forma, seguindo a mesma linha do tópico anterior, não existindo a demonstração de dolo específico, é de se aplicar de forma retroativa a lei mais benéfica, a fim de refutar a alegação do Ministério Público de 1º Grau da necessidade de condenação dos apelados por ato de improbidade administrativa que gerou dano ao erário de forma culposa.Sobre o assunto: APELAÇÕES CÍVEIS –AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBA PÚBLICA DO PROGRAMA VIGIASUS – PAGAMENTO DE DIÁRIAS E INSCRIÇÕES PARA SIMPÓSIO NACIONAL DE GESTORES MUNICIPAIS NA CIDADE DE SALVADOR – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA (...) ATO DE IMPROBIDADE PREVISTO NO ART. 10, CAPUT E INCISO XI E ART. 11, CAPUT E INCISO I, DA LEI Nº 8.429/92 – ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CARACTERIZADO DE FORMA CULPOSA – SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 14.203/2021 – ART. 1º, §4º DESTA LEI, O QUAL ESTABELECE A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR – RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA – SUPRESSÃO DA MODALIDADE CULPOSA – ATO DOLOSO NÃO VERIFICADO NA ESPÉCIE – AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ NO TRATO COM O DINHEIRO PÚBLICO OU OBTENÇÃO DE VANTAGEM – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO IMPOSTA[13].APELAÇÃO CÍVEL. Ação civil pública. Pretensão direcionada a ex-prefeito do Município de Nipoã.1. Improbidade administrativa. Gastos excessivos com combustível nos exercícios de 2014 e 2015 e falhas nas licitações realizadas para a aquisição do produto no referido período. Sentença de parcial procedência. (...) Violação ao artigo 10, inciso X, da Lei nº 8.429/92. improbidade administrativa caracterizado de forma culposa. Redação originária. 7. Superveniência da Lei n. 14.203/2021 que, em seu artigo 1º, §4º estabelece ao sistema de improbidade a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador. Retroatividade da norma mais benéfica, por disposição específica da mesma (art. 1.º §4.º). Supressão das modalidades culposas. Atos de improbidade administrativa somente dolosos, não verificados na espécie. Ausência de má-fé no trato com o dinheiro público ou obtenção de vantagem. Negligência durante a gestão. 8. Sentença reformada. Decreto de improcedência da ação. Recurso provido[14].Posto isso, não merece acolhida qualquer alegação de condenação dos apelados por ato de improbidade administrativa que gerou dano ao erário de forma culposa.c) Prescrição Primeiramente, destaca-se que a pretensão de ressarcimento ao erário por ato doloso de improbidade administrativa é imprescritível. Tal entendimento fundamenta-se no art. 37, § 5º, da Constituição Federal e na tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal[15], no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 852.475.Sobre o assunto:APELAÇÃO CÍVEL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. AGENTES OCUPANTES DE CARGOS EFETIVOS E EM COMISSÃO. PRESCRIÇÃO QUE SE REGE PELO ARTIGO 23, INCISO II, DA LEI Nº 8.429/1992. IDENTIFICAÇÃO COM RELAÇÃO A DOIS REQUERIDOS, COM EXCEÇÃO DE EVENTUAL PENALIDADE DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO PELA PRÁTICA DOLOSA DE ATOS ÍMPROBOS. (...)[16] Ademais, no que concerne a prescrição intercorrente por se tratar de norma processual sua incidência se dá de forma imediata, não sendo possível o alcance de atos processuais pretéritos para o fim de aplicação retroativa. Ou seja, em relação às normas de natureza processual são aplicáveis as leis que estavam em vigor no momento em que o decisum foi prolatado na instância a quo, em obediência ao princípio do tempus regit actum (art. 14 do CPC, e, por analogia, o art. 2º do CPP).Nesse contexto, considerando que a presente Ação Civil Pública foi ajuizada no ano de 2017, obedecendo os preceitos legais para tanto, seguindo seu curso normal na vigência da antiga versão da Lei nº 8.429/1992, os atos até então praticados estão perfeitos e acabadosEm decorrência da relevância da matéria, houve o reconhecimento de repercussão geral em relação à (ir)retroatividade da Lei nº 14.230/21, Tema nº 1199 – STF[17], sendo fixadas as seguintes teses:1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA a presença do elemento subjetivo dol2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 (revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa), é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do tipo culposo, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente. 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei[18].Dessa forma, o entendimento do Supremo Tribunal Federal foi no sentido que as prescrições intercorrente e geral são irretroativas, de modo que os novos marcos temporais estabelecidos pela norma apenas devem ser aplicados a partir da sua publicação em 26/10/21.Portanto, é de se afastar a alegação de prescrição da pretensão inicial e o novo instituto da prescrição intercorrente. 2. DO ATO ÍMPROBOExtrai-se dos autos a demonstração que Gerson Márcio Negrissoli, na condição de Prefeito de Alto Piquiri, adquiriu produtos e contratou serviços sem licitação da empresa W. C. V. Pereira, administrada por Claudemir Messias Pereira (administrador de fato e pai de Willian) e Willian Claudemir Vieira Pereira (proprietário) – todos beneficiários diretos dos atos ímprobos –, tendo, também, fraudado o Processo Licitatório nº 10/2011 para direcioná-lo à empresa W. C. V. Pereira, a fim de dar aparência de legalidade aos pagamentos realizados em favor da empresa.Dentre as irregularidades encontradas, destaca-se que: 1) as despesas efetivadas por Gerson Márcio Negrissoli foram realizadas sem observar as disposições da Lei nº 4.320/64; 2) as notas de controle interno da empresa foram expedidas antes da realização do certame licitatório; 3) havia outras empresas prestadoras de serviços no Município de Alto Piquiri que não foram convidadas para participar da Carta Convite sob análise; 4) a Secretária Municipal de Administração, Rosilene Aparecida Torchetti, solicitou a realização da contratação; 5) os membros da Comissão de Licitação aceitaram que a empresa W. C. V. Pereira entregasse, além dos seus envelopes, os envelopes da empresa Kanno & Hassegawa, o que violou o necessário sigilo das propostas, levaram a diante a sessão de abertura dos envelopes mesmo diante da ausência de representantes de duas das empresas participantes e não respeitaram o prazo de cinco dias úteis entre o aviso da licitação e o recebimento das propostas.O termo improbidade corresponde de forma geral à corrupção administrativa, ou seja, ausência de honestidade e transparência no trato da coisa pública, que provoca o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios norteadores do ordenamento jurídico.Na definição de Alexandre de Moraes, atos de improbidade administrativa são definidos por "aqueles que, possuindo natureza civil e devidamente tipificados em lei federal, ferem direta ou indiretamente os princípios constitucionais e legais da administração pública, independentemente de importarem enriquecimento ilícito ou de causarem prejuízo material ao erário público"[19].Nos artigos 9º, 10 e 11, a Lei de Improbidade Administrativa prevê três formas de atos de improbidade, ou seja, aqueles que causam o enriquecimento ilícito, os que causam prejuízo ao erário, e os que atentam contra os princípios da Administração Pública.Contudo, para a configuração do ato de improbidade há que se perquirir além do enquadramento formal da conduta, a observância da proporcionalidade, de modo a excluir: a) condutas que tenham pouco ou nenhum potencial lesivo; b) realizadas com boa-fé; c) que tenham atingido o interesse público e não tenham lesado interesses individuais. No que concerne ao elemento volitivo, a existência da conduta decorre do objetivo de alcançar um resultado, seja bom ou ruim, consoante as regras de convivência em sociedade.Nesse contexto, quando a vontade se volta para o resultado e é por esse direcionada, tem-se o dolo direito, já a culpa é caracterizada pela prática voluntária de um ato sem a atenção adequada ou o cuidado normalmente empregado para evitar o resultado ilegal. A referida análise mostra-se necessária para o enquadramento da conduta na denominada escusa de incompetência, a qual ocorre quando há a inépcia do agente público no exercício de sua função, podendo decorrer de mera limitação intelectiva ou da falta de conhecimento técnico para a correta prática de um determinado ato.Não são raras as situações em que as circunstâncias que envolvem o ato administrativo incutem no agente público a crença de que estaria atuando em conformidade com a lei, sendo cabível excepcionalmente a aplicação da escusa de incompetência, já que a Lei de Improbidade Administrativa busca sancionar o administrador desonesto, mas não o inábil. Nas palavras de Emerson Garcia: “Por outro lado, é plenamente possível que, apesar dessa adequação de ordem tipológica, a incidência da Lei n. 8.429/1992 seja afastada a partir da análise do critério de proporcionalidade ou, mesmo, em razão de um erro de direito plenamente escusável”[20].Portanto, o ato irregular somente será ímprobo quando a conduta antijurídica ferir os princípios administrativos e for realizada com má-fé pelo administrador, caracterizando a conduta dolosa. Nessa linha é a jurisprudência desta Corte: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTOS COM VERBAS ORIUNDAS CONVÊNIO LIGADO AO FIA (FUNDO ESTADUAL PARA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA) (...) AS PROVAS ENCARTADAS NOS AUTOS, ESPECIALMENTE AS ORAIS, DEMONSTRAM A AUSÊNCIA DE DOLO - ATENÇÃO À FINALIDADE DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA , DE PUNIR O ADMINISTRADOR DESONESTO, NÃO O INÁBIL - NÃO CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE POR OFENSA AOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - APELAÇÃO NÃO PROVIDA - SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO. 1)- Se o prejuízo ao patrimônio e aos cofres públicos é requisito objetivo para a configuração da improbidade prevista no art. 10 da LIA , nos casos em que não estiver presente não há falar em ato de improbidade por lesão ao erário. 2)- De acordo com as provas encartadas nos autos, verifica-se que, na realidade, ocorreu inabilidade por parte dos administradores públicos em realizar o pagamento antes mesmo do recebimento das mercadorias adquiridas pelo Município, o que não caracteriza o indispensável dolo e, portanto, afasta a configuração da improbidade administrativa (...)[21].IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADA. DANO AO ERÁRIO NÃO DEMONSTRADO. DINHEIRO QUE FOI DEVOLVIDO NO MESMO EXERCÍCIO FINANCEIRO. LESÃO AOS PRINCÍPIOSADMINISTRATIVOS. DOLO NÃO EVIDENCIADO. O objetivo do artigo 11 da Lei nº 8.429 /92 não é punir o inábil, mas apenas o Administrador desonesto, desleal, imoral e antiético, que utiliza a máquina administrativa em proveito próprio. Inegavelmente, não foi essa a conduta da Vice-Prefeita, que agiu, ainda que inabilmente, no sentido de garantir a saúde pública e dignidade de seus cidadãos, conciliando a continuidade de serviços públicos essenciais (Iluminação e saúde) com o orçamento disponível naquele momento.2) APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO[22]. No caso, como bem ressaltado na sentença, não há comprovação do dolo na conduta dos agentes, pois, a nova Lei nº 14.230/2021 alterou os dispositivos da Lei nº 8.429/92 e passou a exigir a comprovação do dano efetivo como conditio sine qua non para a caracterização da prática de atos de improbidade administrativa tipificados pelo seu art. 10, afastando expressamente a possibilidade do dano presumido.Também não foi produzida prova no sentido que a contratação teria ensejado prejuízo ao erário público, já que não há informação de que os preços estavam acima da prática do mercado ou que o objeto do contrato não tenha sido perfectibilizado (serviços devidamente prestados).Nesse mesmo aspecto, destacou o parecer ministerial[23]: Isso porque, consoante extrai-se do conjunto probatório acostado aos autos, a conduta da requerida Rosilene Aparecida Torchetti, Secretária de Administração do Município da Alto Piquiri, foi apenas de solicitar a realização de licitação para a aquisição de peças e acessórios e serviços de mão de obra para os veículos e maquinários da frota municipal (mov. 1.2), inexistindo elementos que apontem para o conhecimento das contratações informais ou da montagem do certame licitatório para justificar os pagamentos.Enquanto as condutas dos requeridos Flávio Aparecido Campos, Cláudia Cambuí da Silva de Almeida e Edson Barbieri, respectivamente Presidente e Membros da Comissão de Licitação, restringiram-se a materializar o Processo Licitatório nº 10/2011.Portanto, não há dolo específico nas condutas de Rosilene Aparecida Torchetti (Secretária de Administração do Município da Alto Piquiri), Flávio Aparecido Campos, Cláudia Cambuí da Silva de Almeida e Edson Barbieri, respectivamente Presidente e Membros da Comissão de Licitação, já que não foi demonstrado que agiram com o objetivo de favorecer a empresa vencedora do certame ou de dar aparência de legalidade às despesas anteriormente realizadas pelo Município. Assim, na verdade, foram negligentes na condução do certame, não sendo possível a condenação. Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade das alterações promovida pela Nova LIA:1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei[24]. Como já exposto, a aplicação das severas sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa destina-se à punição do administrador desonesto (conduta dolosa) e não do inábil (conduta culposa), como restou evidenciado na presente hipótese. Por fim, as sanções aplicadas pelo Juízo de origem estão de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sendo considerados a gravidade dos fatos, a reprovabilidade das condutas praticadas e a posição ocupada pelo agente público envolvido, não comportando qualquer majoração. Com base na fundamentação exposta, é de se negar provimento ao recurso, mantendo a sentença, ante a ausência de configuração de ato de improbidade administrativa de dano ao erário por não demonstração do elemento subjetivo dolo na conduta do agente. DO PREQUESTIONAMENTOTem-se por prequestionadas todas as disposições legais expressas descritas no recurso e nas contrarrazões recursais.DA CONCLUSÃODiante do exposto, voto no sentido de negar provimento ao Apelo do Ministério Público.
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