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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
1. Trata-se de Agravo de Instrumento interposto em face de decisão proferida nos autos de Execução de Título Extrajudicial nº 0006617-29.2010.8.16.0058, oriundos da 1ª Vara Cível da Comarca de Campo Mourão, que indeferiu o pedido de declaração da impenhorabilidade dos imóveis, por se tratar de pequena propriedade rural, mantendo a constrição sobre eles (mov. 153.1 – processo originário). Nas razões recursais, sustentam os recorrentes, em síntese, que: a) são trabalhadores rurais, nascidos, criados e emancipados no meio rural, que trabalham de sol a sol para sua mantença digna, sempre em regime de economia familiar; b) atualmente sobrevivem apenas de pequena criação de animais e ainda da atividade leiteira de pequena escala, o que possibilita apenas a sobrevivência digna e a manutenção da família no campo, conforme se depreende das notas fiscais acostadas aos autos; c) o instituto da impenhorabilidade da pequena propriedade rural visa garantir e proteger um patrimônio mínimo necessário à obtenção da manutenção e sobrevivência da família, tendo força para afastar, inclusive, eventual hipoteca; d) os requisitos para aplicação da proteção legal foram preenchidos, eis que a propriedade se caracteriza como pequena e porque trabalham nela apenas os integrantes da família; e) a condição de trabalhadores rurais é questão não somente comprovada mas também lógica e está consignada desde a petição inicial que os qualifica como agricultores; f) a agravada não produziu provas em sentido contrário; g) o exercício da atividade rural em regime de economia familiar em nada se parece com a atividade laborativa urbana, onde normalmente os trabalhadores migram de um trabalho para o outro, de um ramo de atividade para o outro com naturalidade; h) a atividade rural da agricultura familiar é caracterizada pela informalidade, que em dadas ocasiões é difícil de ser documentalmente comprovada; i) apresentaram provas irrefutáveis da atividade rural nos imóveis, sendo importante considerar que a atividade pecuária e leiteira de pequena escala está sujeita a sazonalidade, o que implica na efetiva comercialização para subsistência apenas em dados períodos, ou seja, respeitado o tempo de lactação dos animais leiteiros e também a reprodução dos animais de corte; j) na entressafra a atividade não é interrompida, pois da produção da pequena propriedade rural as famílias não apenas comercializam, mas também plantam, colhem e criam para a subsistência; k) a impenhorabilidade da pequena propriedade rural pode facilmente ser extraída da norma fundamental esculpida no artigo 5º, XXVI, da Constituição Federal e ainda nos artigos 832 e 833, VIII, do Código de Processo Civil; e l) o módulo fiscal na comarca de Turvo corresponde a 18ha, sendo que os imóveis, com as metragens individualmente consideradas ou somadas (as quais totalizam 44,69ha), não ultrapassam os limites impostos pela lei. Pugna pela concessão do efeito suspensivo, sob o argumento de que de que tal é imprescindível para evitar prejuízos decorrentes do prosseguimento da execução em relação aos iminentes atos expropriatórios de imóveis impenhoráveis. Derradeiramente, requer o conhecimento e provimento do recurso, com a reforma da decisão impugnada para o fim de que se reconheça como impenhorável os imóveis discutidos (mov. 1.1). O recurso foi recebido com efeito suspensivo (mov. 36.1). Contrarrazões apresentadas no mov. 22.1. É o relatório
VOTO 2. Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, merece ser conhecido o recurso. Da análise dos autos de execução de título extrajudicial nº 0006617-29.2010.8.16.0058, verifica-se que por meio de carta precatória (autos nº 0017602-26.2019.8.16.0031), em março de 2010, foi realizada a penhora dos bens imóveis de propriedade dos agravantes, matriculados sob nºs 8.826, 11.540 e 11.539 no Cartório de Registro de Imóveis do 1º Ofício da Comarca de Guarapuava (mov. 30.1 – autos nº 0017602-26.2019.8.16.0031). Dessa forma, cinge-se a controvérsia à impenhorabilidade dessas propriedades, afastada pela magistrada Da causa, que entendeu pela inexistência de provas de que a área seja trabalhada pela família e que dela o executado retire seu sustento (mov. 153.1 – processo originário): Conforme demonstrado pelo documento de seq. 145.12, o Módulo Fiscal no município de Turvo/PR equivale à área de 18 hectares. Portanto, a área de 4 Módulos Fiscais equivale a 72 hectares. No caso em apreço, verifica-se que os imóveis penhorados nos autos, sob matrículas nº 8.826, 11.540 e 11.539 do Cartório de Registro de Imóveis 1º Ofício de Guarapuava, se enquadram no conceito de Pequena Propriedade Rural. Isto porque referidos imóveis possuem área total de 44,6732 hectares. Inobstante a metragem, no caso em tela, inexistem provas de que a área seja trabalhada pela família e que dela o executado retire seu sustento.Veja que o executado se limitou a acostar ao feito parcos documentos (seq. 145) que sequer são contemporâneos ao pedido de impenhorabilidade, não havendo provas que demonstrem o exercício de atividade rural em regime de economia familiar nos imóveis constritos, requisito indispensável à almejada declaração de impenhorabilidade (art. 5º, XXVI, da Constituição Federal). Nesse contexto, deve ser mantida a penhora sobre os imóveis, motivo pelo qual indefiro o pedido de seq. 145.1. Sobre o assunto, dispõe o art. 5º, XXVI, da Constituição Federal: a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento. Nesse aspecto, inclusive, o Supremo Tribunal Federal firmou o seguinte entendimento no julgamento do ARE 1.038.507-PR, julgado recentemente em sede de repercussão geral: PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 5º, XXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. As regras de impenhorabilidade do bem de família, assim como da propriedade rural, amparam-se no princípio da dignidade humana e visam garantir a preservação de um patrimônio jurídico mínimo. 2. A pequena propriedade rural consubstancia-se no imóvel com área entre 01 (um) e 04 (quatro) módulos fiscais, ainda que constituída de mais de 01 (um) imóvel, e que não pode ser objeto de penhora. 3. A garantia da impenhorabilidade é indisponível, assegurada como direito fundamental do grupo familiar, e não cede ante gravação do bem com hipoteca. 4. Recurso extraordinário não provido, com fixação da seguinte tese: “É impenhorável a pequena propriedade rural familiar constituída de mais de 01 (um) terreno, desde que contínuos e com área total inferior a 04 (quatro) módulos fiscais do município de localização”. (ARE 1038507, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 21/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-049 DIVULG 12-03-2021 PUBLIC 15-03-2021) Registre-se, ainda, que para ser reconhecida sua impenhorabilidade, a propriedade deve ser trabalhada pela família, lembrando que tal presunção é juris tantum, sendo admitida prova em contrário, cujo onus probandi é do credor/exequente. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. IMPENHORABILIDADE. EXPLORAÇÃO FAMILIAR. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM. ÔNUS DA PROVA DO EXEQUENTE. DECISÃO MANTIDA. 1. Segundo a jurisprudência desta Corte, "em razão da presunção juris tantum em favor do pequeno proprietário rural, transfere-se ao exequente o encargo de demonstrar que não há exploração familiar da terra, para afastar a hiperproteção da pequena propriedade rural" (REsp n. 1.408.152/PR, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 1º/12/2016, DJe 2/2/2017). 2. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, AgInt no REsp 1826806/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 23/03/2020, DJe 26/03/2020. Sem destaque no original) RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. IMPENHORABILIDADE. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. REQUISITOS E ÔNUS DA PROVA. 1. A proteção da pequena propriedade rural ganhou status Constitucional, tendo-se estabelecido, no capítulo voltado aos direitos fundamentais, que a referida propriedade, "assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento" (art. 5°, XXVI). Recebeu, ainda, albergue de diversos normativos infraconstitucionais, tais como: Lei n° 8.009/90, CPC/1973 e CPC/2015. 2. O bem de família agrário é direito fundamental da família rurícola, sendo núcleo intangível - cláusula pétrea -, que restringe, justamente em razão da sua finalidade de preservação da identidade constitucional, uma garantia mínima de proteção à pequena propriedade rural, de um patrimônio mínimo necessário à manutenção e à sobrevivência da família. 3. Para fins de proteção, a norma exige dois requisitos para negar constrição à pequena propriedade rural: i) que a área seja qualificada como pequena, nos termos legais; e ii) que a propriedade seja trabalhada pela família. 4. É ônus do pequeno proprietário, executado, a comprovação de que o seu imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural. 5. No entanto, no tocante à exigência da prova de que a referida propriedade é trabalhada pela família, há uma presunção de que esta, enquadrando-se como diminuta, nos termos da lei, será explorada pelo ente familiar, sendo decorrência natural do que normalmente se espera que aconteça no mundo real, inclusive, das regras de experiência (NCPC, art. 375). 6. O próprio microssistema de direito agrário (Estatuto da Terra; Lei 8.629/1993, entre outros diplomas) entrelaça os conceitos de pequena propriedade, módulo rural e propriedade familiar, havendo uma espécie de presunção de que o pequeno imóvel rural se destinará à exploração direta pelo agricultor e sua família, haja vista que será voltado para garantir sua subsistência. 7. Em razão da presunção juris tantum em favor do pequeno proprietário rural, transfere-se ao exequente o encargo de demonstrar que não há exploração familiar da terra, para afastar a hiperproteção da pequena propriedade rural. 8. Recurso especial não provido. (STJ, REsp 1408152/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma. DJe 02/02/2017. Sem destaque no original)
Importante frisar, ademais, que para obstar a constrição judicial sobre a pequena propriedade rural, não há necessidade de que se trate do único imóvel de propriedade do devedor, confira-se: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. NOTA PROMISSÓRIA. DECISÃO AGRAVADA QUE RECONHECE A IMPENHORABILIDADE DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. RECURSO DO EXEQUENTE. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. ART. 833, INCISO VIII, DO CPC/15 E ARTIGO 5º, INCISO XXVI DA CF. ENCARGO DO CREDOR DEMONSTRAR QUE NÃO HÁ EXPLORAÇÃO FAMILIAR DA TERRA EM RAZÃO DA PRESUNÇÃO DO PEQUENOIURIS TANTUM PROPRIETÁRIO RURAL. PROVA DE SE TRATAR DE ÚNICO IMÓVEL. DESNECESSIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 13ª C.Cível - 0031499-54.2018.8.16.0000 - Campo Mourão - Rel.: Rosana Andriguetto de Carvalho - J. 17.10.2018. Sem destaque no original) AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO AGRAVADA QUE RECONHECE A IMPENHORABILIDADE. IMÓVEL DADO EM HIPOTECA SOBRE O QUAL RECAIU A PENHORA. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. PROVA DE SE TRATAR A MORADIA DA FAMÍLIA. DESNECESSIDADE DE SE TRATAR DE ÚNICO IMÓVEL DO DEVEDOR. PLEITO DE AFASTAMENTO ANTE A EXISTÊNCIA DE HIPOTECA SOBRE O BEM. GARANTIA REAL CONSTITUÍDA EM DÍVIDA DIVERSA DA EXECUTADA. IMPENHORABILIDADE MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJPR - 15ª C.Cível - 0021512-91.2018.8.16.0000 - Londrina - Rel.: Hayton Lee Swain Filho - J. 01.08.2018. Sem destaque no original) EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. APELAÇÃO CÍVEL. DUPLICATA MERCANTIL. INSUMOS AGRÍCOLAS. AÇÃO DECLA- RATÓRIA DE IMPENHORABILIDADE. (...) 2. IMPENHORABILIDADE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE DECISÃO ANTERIOR E, PORTANTO, PRECLUSÃO DO TEMA. 3. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. IMPENHORABILIDADE (CF, ART. 5º, XXVI). ESCOPO DE ACESSO AOS MEIOS GERADORES DE RENDA. IMÓVEL QUE NÃO ULTRAPASSA 4 (QUATRO) MÓDULOS FISCAIS (LEI Nº 8.629, ART. 4º, I E II, “A”) E NELE TRABALHAM O AGRICULTOR E SUA FAMÍLIA. INEXISTÊNCIA DE OUTROS IMÓVEIS OU ÙNICO MEIO DE SUBSISTÊNCIA QUE NÃO CONSTITUEM REQUISITOS EXIGIDOS PELO ORDENAMENTO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTE TRIBUNAL. (...) (TJPR - 16ª C.Cível - 0001492-58.2015.8.16.0138 - Primeiro de Maio - Rel.: Lauro Laertes de Oliveira - J. 11.07.2018. Sem destaque no original) In casu, incontroverso que os imóveis penhorados se enquadram como pequena propriedade rural, tal como já reconhecido pela juíza a quo. De mais a mais, não se pode olvidar que o próprio instrumento contratual executado se trata de uma Cédula de Produto Rural, onde os emitentes declaram expressamente que são produtores rurais. Mais que isso, o próprio adimplemento da cédula se daria com a entrega de 140.000kg de milho, a ser colhido na safra de 2008/2009 e entregue pelos recorrentes a cooperativa (mov. 1.4 – processo originário). Note-se, nesse ponto, que os grãos seriam cultivados nos imóveis denominados “Saudade” e “Paiquerê”, justamente de matriculas nºs 8.826, 11.540 e 11.539, respectivamente, todas do 1º CRI de Guarapuava/PR, cuja impenhorabilidade ora se discute. Corroborando, a parte ainda juntou diversas notas fiscais a fim de demostrar que também utiliza a área para a criação de gado, com a venda de leite, além de juntar comprovantes de vacinação de animais (mov. 145.1 e ss – processo originário)
De todo modo, até porque não há um único elemento nos autos que evidencie o contrário, deve prevalecer a presunção de que a propriedade é trabalhada pela família. Aliás, não havendo previsão legal nesse sentido, não se exige que o fruto da exploração do imóvel rural seja a única fonte de renda do devedor, pois, do contrário, estar-se-ia impondo à parte atendimento de requisito não previsto no art. 5º, XXVI, da Constituição Federal, de modo que persiste a impenhorabilidade, ainda que utilizada a terra a fim de complementação dos rendimentos. Em conclusão, é o caso se reconhecer a impenhorabilidade da pequena propriedade rural sub judice, de modo que a constrição realizada sobre ela deve ser desconstituída. Ante o exposto, voto pelo conhecimento e provimento do agravo de instrumento, para reconhecer a impenhorabilidade dos imóveis matriculados perante o Registro de Imóveis de Guarapuava sob nºs 8.826, 11.540 e 11.539, por se tratar de pequena propriedade rural trabalhada pela família, determinado o levantamento da penhora anteriormente efetuada.
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