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Acórdão
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RELATÓRIOTrata-se de agravo de instrumento interposto por SEBASTIÃO BRAZ FERREIRA SANTIAGO contra a decisão de mov. 191.1 (complementada pela de mov. 208.1), proferida nos autos de execução de título extrajudicial nº 0000211-74.2014.8.16.0050, por meio da qual a MMª Juíza de Direito determinou “a suspensão da CNH do executado, até o pagamento ou prescrição do débito, obviamente como medida coercitiva ao pagamento do valor exequendo, determinando a expedição de oficio ao DETRAN/PR para que promova a suspensão da habilitação para dirigir do executado, bem como a inclusão do executado nos cadastros de proteção ao crédito”. Em suas razões recursais (mov. 1.1), o agravante sustenta, em síntese, que: a) o agravado requereu sucintamente a suspensão da sua CNH e a magistrada, sem estabelecer prévio contraditório, deferiu o pedido “sem fundamentar a excepcionalidade da medida adotada”; b) jamais dificultou o pagamento do débito, inclusive houve a penhora de um veículo (movs. 115/116), com designação de leilão que não ocorreu por desídia do agravado; c) não há evidência de conduta nociva ou reprovável a ensejar a suspensão da CNH e ainda não houve a quitação do débito, por falta de recursos; d) a medida não é eficaz para o cumprimento da obrigação e não trará efetividade no recebimento do crédito, “resultando exclusivamente na restrição do direito individual do agravante, ofendendo o artigo 8º” do CPC; e) a restrição imposta ultrapassa os limites da proporcionalidade e razoabilidade, ferindo o princípio da menor onerosidade, não tendo utilidade para a satisfação do débito; f) o precedente do STJ citado pela magistrada (HC 411.519-SP) não pode ser utilizado, uma vez que lá não houve a apreciação quanto à possibilidade, ou não, da suspensão da CNH como forma de concretizar o adimplemento da dívida; g) é necessária a concessão do efeito suspensivo, já que a aplicação de medidas atípicas não está autorizada de forma ilimitada; e h) é manifesta a probabilidade do direito e o perigo de dano que a manutenção da decisão representa, inclusive de “colocá-lo ao perigo de contaminação ao Covid-19, posto que atualmente estamos passando por uma pandemia, na qual o agravante pertence, por sua idade, ao grupo de risco de contaminação”, pois terá que usar transporte coletivo e dependerá de terceiros para a condução do seu veículo. Requer a concessão do efeito suspensivo e, ao final, o provimento do recurso “para afastar a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação”. Por meio da decisão de mov. 8.1, foi concedido o efeito suspensivo.A parte agravada apresentou resposta no mov. 17.1, pugnando pelo desprovimento do recurso.É o relatório.
VOTOPresentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.Extrai-se do processo de execução originário que o exequente, alegando que “todos os meios legais empreendidos na tentativa de satisfação do crédito ora exequendo restaram infrutíferos”, pugnou pela suspensão da CNH e do passaporte do executado, assim como o bloqueio dos cartões de crédito/débito e, ainda, a inclusão do nome do devedor no cadastro de proteção ao crédito, até o efetivo pagamento do débito (mov. 189.1).Na decisão agravada, a magistrada, considerando que: (i) “muito embora a execução se perdure por anos, até o momento não foram encontrados bens para saldar a dívida”; (ii) “baseado na lealdade processual que deve existir entre as partes, bem ainda assentado no Código de Processo Civil de 2015, [...], tenho por bem em afastar dádivas de um sistema de meios de execução prévios e tipicamente catalogados para impor um sistema atípico ao caso em testilha, sob o qual a execução pode ser modelada segundo o necessário e razoável para a consecução da tutela satisfativa (por exemplo, mediante suspensão de CNH, de cartão decrédito, etc.)”; e (iii) “na execução por quantia são incontáveis os casos em que o exaurimento dos meios tipicamente previstos não tem como consequência o recebimento, pelo credor, da importância perseguida. E, assim, não restaria mais nada ao credor senão amargar a frustração”, determinou a suspensão da CNH do executado, até o pagamento ou prescrição do débito, assim como a inclusão do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito (mov. 191.1, complementada pela de mov. 208.1).Ocorre que as medidas previstas no artigo 139, inciso IV, do CPC/15 devem ser aplicadas com razoabilidade e guardar correlação com sua finalidade.A propósito, Fredie Didier Jr. esclarece que:Naturalmente, a análise quanto ao atendimento desses critérios deve considerar cada caso concreto. De todo modo, entendemos que não são possíveis, em princípio, medidas executivas consistentes na retenção de Carteira Nacional de habilitação (CNH) ou de passaporte, ou ainda o cancelamento de cartões de crédito do executado, como forma de pressioná-lo ao pagamento integral de dívida pecuniária.Essas não são medidas adequadas ao atingimento do fim almejado (o pagamento de quantia) – não há, propriamente, uma relação meio/fim entre tais medidas e o objetivo buscado, uma vez que a retenção de documentos pessoais ou a restrição de crédito do executado não geram, por consequência direta, o pagamento da quantia devida ao exequente. Tais medidas soam mais como forma de punição do devedor, não como forma de compeli-lo ao cumprimento da ordem judicial – e as cláusulas gerais executivas não autorizam a utilização de meios sancionatórios pelo magistrado, mas apenas de meios de coerção indireta e sub-rogatórios.(...)Em síntese, temos os seguintes standards:viii) a medida executiva escolhida pelo juiz deve ser adequada a que se atinja o resultado buscado (critério da adequação);ix) a medida executiva escolhida pelo juiz deve causar a menor restrição possível ao executado (critério da necessidade);x) a escolha da medida executiva deve buscar a solução que mais bem atenda aos interesses em conflito, ponderando-se as vantagens e as desvantagens que ela produz (critério da proporcionalidade).[1]Ainda, consoante entendimento do STJ, não é possível a concessão dessas medidas coercitivas, porquanto implicam limitação à liberdade individual do devedor, o que não é proporcional com a pretensão patrimonial buscada.A propósito:AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE AGRAVANTE. 1. No tocante à ofensa ao artigo 139, inciso IV, do CPC, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que as medidas atípicas de satisfação do crédito não podem extrapolar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo-se observar, ainda, o princípio da menor onerosidade ao devedor, não sendo admitida a utilização do instituto como penalidade processual. Precedentes. 1.1. No caso concreto, o Tribunal de origem consignou que a tutela atípica postulada, consistente na apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), cartões de crédito/débito e Passaporte, extrapola os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, além de não representar certeza de efetividade à satisfação do crédito. 1.2. A conclusão do Tribunal está em harmonia com a jurisprudência desta Corte, atraindo a aplicação da Súmula 83 do STJ. 1.3. O reexame dos critérios fáticos é inviável em sede de recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 1495012/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 29/10/2019, DJe 12/11/2019)No mesmo sentido, é o entendimento desta Câmara:AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. DEVER GERAL DE EFETIVAÇÃO DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS. SUSPENSÃO DE CNH E BLOQUEIO DE CARTÕES DE CRÉDITO. AFRONTA A DIREITOS FUNDAMENTAIS. DESPROPORCIONALIDADE DAS MEDIDAS. OCULTAÇÃO DE PATRIMÔNIO OU PADRÃO DE VIDA INCOMPATÍVEL. DEMONSTRAÇÃO NÃO REALIZADA, AO MENOS ATÉ O MOMENTO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJPR - 13ª C. Cível - 0038576-17.2018.8.16.0000 - União da Vitória - Rel. Fernando Ferreira de Moraes - J. 13.02.2019).A par disso, a adoção dos meios executivos atípicos deve se sujeitar ao contraditório, garantindo-se ao devedor o direito à prévia manifestação sobre sua aplicação, vedando-se, em todo o caso, a prolação de decisão surpresa.Confira-se, a propósito, a orientação do colendo Superior Tribunal de Justiça:AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE MORTE EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MEDIDA COERCITIVA ATÍPICA. ART. 139, IV, DO CPC/2015. SUSPENSÃO DA CNH. REVISÃO DA CONCLUSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO EM RELAÇÃO AOS CRITÉRIOS QUE AUTORIZARAM O DEFERIMENTO DA MEDIDA. DESCABIMENTO. SÚMULA 7/STF. RECURSO DESPROVIDO. 1. Nos termos do art. 139, IV, do CPC/2015, incumbe ao juiz "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária." 2. Para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia das que foram deferidas anteriormente. (omissis). (AgInt no REsp 1785726/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2019, DJe 22/08/2019)RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL E REPARAÇÃO POR DANO MATERIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. QUANTIA CERTA. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. CABIMENTO. DELINEAMENTO DE DIRETRIZES A SEREM OBSERVADAS PARA SUA APLICAÇÃO. 1. (omissis). 2. O propósito recursal é definir se, na fase de cumprimento de sentença, a suspensão da carteira nacional de habilitação e a retenção do passaporte do devedor de obrigação de pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo. 3. O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV). 4. A interpretação sistemática do ordenamento jurídico revela, todavia, que tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada de qualquer medida executiva, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. 5. De acordo com o entendimento do STJ, as modernas regras de processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Precedente específico. 6. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. (omissis). RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp 1782418/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 26/04/2019)Pelo decisum agravado, fora deferida a medida atípica de suspensão da CNH sem conceder ao executado a possibilidade de manifestação prévia, circunstância essa que configura hipótese de violação ao contraditório substancial e à vedação de decisão surpresa, previstos nos artigos 7º, 9º e 10, todos do CPC, pelo que deve ser reconhecida a nulidade da decisão. Além disso, nota-se, igualmente, quanto ao mérito, a impossibilidade, a priori, de concessão da medida atípica, tal como pretende o agravado, com a finalidade de pressionar o executado ao pagamento integral do valor devido.Isso porque, a despeito das alegações do recorrido, não se vislumbra, neste momento, qualquer chance de satisfação do crédito mediante a adoção da medida requerida.Note-se que, apesar das diligências infrutíferas, não se pode considerar que o agravante esteja atuando com o escopo de ocultação patrimonial, tampouco estejam procedendo de má-fé.Ou seja, a medida pretendida pelo agravado, e deferida pelo Juízo a quo, não se mostra adequada para atingir a finalidade de satisfação do crédito e podem causar restrição ao executado além do necessário, com evidente desproporcionalidade entre a pretensão de satisfação do crédito e a medida requerida e autorizada.Dessarte, considerando a ausência de provas de que o agravado esteja deliberadamente ocultando/dilapidando eventual patrimônio, com vistas à manutenção da frustração do feito executivo, a decisão atacada comporta reforma.Nesse sentido, destacam-se os seguintes julgados desta Corte que, em casos análogos, adotaram o entendimento de se evitar o uso desarrazoado das medidas atípicas, indeferindo-as:AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. DEVER GERAL DE EFETIVAÇÃO DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS. ART. 139, INCISO IV DO CPC/15. SUSPENSÃO DE CNH E CANCELAMENTO DE CARTÕES DE CRÉDITO DO DEVEDOR. DESCABIMENTO NA FASE ATUAL DO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE PROVAS OU INDÍCIOS DE DILAPIDAÇÃO/OCULTAÇÃO DE PATRIMÔNIO OU DE SITUAÇÃO ECONÔMICA INCOMPATÍVEL. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (TJPR - 13ª C. Cível - AI - 1689264-7 - Toledo - Rel. Fernando Ferreira de Moraes - Unânime - J. 04.10.2017)AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DEFERIMENTO DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO DAS EXECUTADAS E BLOQUEIO DE CARTÕES. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL QUE PERMITE A ADOÇÃO DE MEDIDAS INDUTIVAS, COERCITIVAS, MANDAMENTAIS OU SUB- ROGATÓRIAS NECESSÁRIAS PARA ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL E QUE DEVEM SER TOMADAS DE ACORDO COM A PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO E À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONSTATAÇÃO DE CONDUTAS TEMERÁRIAS E DESLEAIS DAS DEVEDORAS NO SENTIDO DE OCULTAR PATRIMÔNIO OU FRUSTRAR A EXECUÇÃO. SUSPENSÃO DA CNH QUE CERCEIA A LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO DA PARTE. RELATIVIZAÇÃO DE DIREITO FUNDAMENTAL QUE NÃO SE REVELA ADEQUADA E PROPORCIONAL. COBRANÇA QUE DEVE RECAIR SOBRE O PATRIMÔNIO DO DEVEDOR E NÃO SOBRE A PESSOA DESTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 15ª C. Cível - AI - 1707715-9 - Região Metropolitana de Maringá - Foro Regional de Mandaguari - Rel. Marco Antonio Antoniassi - Unânime - J. 25.10.2017)AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PEDIDO DE CANCELAMENTO DOS CARTÕES DE CRÉDITO E DÉBITO DO DEVEDOR, COMO MEDIDA COERCITIVA DE PAGAMENTO. INVOCAÇÃO DO ARTIGO 139, INCISO IV DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE. PROVIDÊNCIA QUE, ALÉM DE INÓCUA AO FIM PRETENDIDO, NA MEDIDA EM QUE OS CARTÕES BANCÁRIOS CONSTITUEM APENAS UM MEIO DE PAGAMENTO, CONFIGURA RESTRIÇÃO DA LIBERDADE CONTRATUAL DO INDIVÍDUO, VULNERANDO PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. PRECEDENTES DA CORTE. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 9ª C. Cível - AI - 1608702-4 - União da Vitória - Rel. Vilma Régia Ramos de Rezende - Unânime - J. 03.08.2017)Com essas considerações, CONHEÇO E DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento interposto pelo executado SEBASTIÃO BRAZ FERREIRA SANTIAGO, nos termos da fundamentação.É como voto.
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