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Acórdão
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i – RELATÓRIO:Trata-se de Apelação Cível interposta contra a r. Sentença de mov. 199.1, que nos autos da “Ação de Indenização por Danos Morais Decorrente de Erro Médico”, de n.º 0007735-36.2016.8.16.0077, julgou improcedentes os pedidos formulados na Inicial, nos seguintes conclusivos termos:“Diante do exposto, e por tudo mais que dos autos consta, resolvo o mérito, nos termos do art. 487, I do Código de Processo Civil, e JULGO IMPROCEDENTE o pedido contido na inicial.Sucumbente, condeno a parte Autora ao pagamento das custas e honorários processuais, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85 do CPC, bem sopesados o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, cuja exigibilidade suspendo pela concessão anterior da Justiça Gratuita.”Inconformada, JOSINÉIA DA SILVA INOCENCIO, representada por EDILEUSA ROSENDO DA SILVA INOCENCIO, apelou da decisão ao mov. 208.1, argumentando, em síntese, quê: a) a paciente possui deficiência mental, de modo que não poderia compreender os riscos inerentes ao procedimento de laqueadura; b) A Sentença afirmou que a apelante foi devidamente cientificada acerca das implicações do procedimento e que, portanto, não poderia o Hospital acabar responsabilizado, entretanto, proibida a laqueadura em pessoas com deficiência mental, nos termos do artigo 10, § 3.º, da Lei n.º 9.263/96; c) não há como acatar o termo de consentimento apresentado pela apelada (mov. 23.13), já que a apelante não tinha como exercer suas faculdades mentais de forma plena; d) há diversos comprovantes nos autos de sua total incapacidade para os atos da vida civil; d) ainda antes do procedimento em 06.08.15, o Médico soube que a apelante era pessoa com deficiência mental, interditada por Sentença exarada pelo Juízo da Vara Cível da Comarca de Cruzeiro do Oeste, nos autos de n.º 0005310-36.2017.8.16.0077; e) o erro médico deriva do fracasso do procedimento, que trouxe danos à apelante com uma gravidez indesejada. Assim é que pediu a reforma da decisão com a procedência dos pedidos iniciais, reconhecendo-se afinal a ilicitude do ato e o dever de indenizar os prejuízos dele decorrentes, com a inversão da sucumbência.Contrarrazões ao mov. 213.1, pelo desprovimento da pretensão recursal.Ao mov. 13.1 do procedimento recursal, a douta Procuradoria de Justiça ofertou Parecer pelo conhecimento e provimento da pretensão recursal. É a breve exposição.
II – VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃOO recurso merece apenas parcial conhecimento, porque a alegação de que proibida a realização de laqueadura em pessoas com deficiência mental, nos termos do artigo 10, § 3.º da Lei n.º 9.263/96, constitui inovação recursal e está em descompasso com o deduzido na Inicial, onde a autora alegou não ter sido informada dos riscos atinentes ao procedimento de laqueadura, desconhecendo que poderia mesmo assim vir a engravidar, enquanto o procedimento teria sido inclusive prescrito por seu Médico assistente, segundo o documento ao mov. 1.7:Eis o teor da narrativa fática contida na Inicial, onde se vê que em nenhum momento a autora defendeu a proibição de ser submetida a procedimento de laqueadura em razão de sua deficiência mental, senão reclama os danos decorrentes de gravidez indesejada, sobre a qual nem ela nem os familiares teriam tido os esclarecimentos necessários, referindo que a ele teria se submetido por solicitação médica:“(...) Por recomendação médica do Dr. Walter Assunção de Araújo, médico da Requerente, CRM nº 6.605, a Autora não pode engravidar, tendo em vista que se trata de pessoa especial, com deficiência mental, necessitando fazer uso contínuo de medicamento (comprovante anexo). Desse modo, o médico da Requerente recomendou a realização de uma intervenção cirúrgica com a finalidade de evitar possível gravidez, sendo este procedimento denominado de laqueadura. A Requerente se submeteu a vários exames e foi encaminhada para sala de cirurgia no dia 27 de janeiro de 2016 na Santa Casa de Cianorte/PR, sendo que o médico responsável pelo procedimento, foi o Dr. Jorge Nabhan (prontuários anexos). Neste procedimento a Requerente foi informada que haveria a almejada esterilização (tornar estéril). Ocorre que passado algum tempo a Autora começou a se sentir enjoo e desconforto, sendo assim, necessitou procurar um médico, e para sua surpresa, esta foi informada que estava grávida. A notícia da gravidez foi um choque tanto para a Requerente quanto família. Acreditava a Autora que a laqueadura era um procedimento 100% (cem por cento) eficaz, até porque a equipe médica informou a paciente e a seus familiares que o procedimento cirúrgico evitaria a gravidez. Em momento algum a Autora foi informada sob eventual risco de insucesso da cirurgia, o que conforme veremos adiante, caracteriza sem dúvidas responsabilidade médica. Sem falar que a Autora é deficiente mental e não se deu conta de tamanha gravidade do acontecimento, necessitando ser amparada e cuidada pelos seus familiares. Além do mais, a Autora e sua família são pessoas simples, de pouca instrução, de modo que a vinda de uma criança comprometeu significativamente o sustento da família, que é detentora de escassos recursos financeiros. A Autora não se conforma com o fracasso da cirurgia de laqueadura, vez que nada do que foi anunciado pelos médicos surtiram efeitos, causando assim inúmeros transtornos a Requerente. Sentindo-se lesada em virtude da péssima prestação de serviço do Réu, e do descumprimento do dever de prestar as devidas informações a paciente, não resta a Autora, senão socorrer-se ao Judiciário, ingressando com a presente ação.” (sic)A inovação recursal ocorre quando o recurso apresenta argumentos jurídicos e de fato não aventados na instância originária, com violação ao duplo grau de jurisdição e ao efeito devolutivo da Apelação, previsto no artigo 1.031, §§ 1.º e 2.º, do novo Código de Processo Civil:Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. § 1º. Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado. § 2º. Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais. Logo, impõe-se o não conhecimento do recurso quanto ao tópico, vez que não está em pauta a alegada proibição de vir a autora ser submetida a procedimento de laqueadura em razão da sua condição de deficiente mental, mas sim a alegada ausência de esclarecimentos acerca do possível insucesso do procedimento, no caso requerido expressamente por seu Médico Assistente.Ultrapassada a questão preliminar, trata-se de Indenizatória por danos morais decorrentes de erro médico, proposta por JOSINÉIA DA SILVA INOCENCIO, representada por EDILEUSA ROSENDO DASILVA INOCENCIO, contra FUNDAÇÃO HOSPITALAR DE SAÚDE (HOSPITAL SANTA CASA); alegou a autora, em síntese, que o Dr. Jorge Sabah realizou procedimento cirúrgico no dia 27.01.16, com a finalidade de evitar gravidez, comumente conhecido como laqueadura; ocorre que passado um tempo, a autora começou a apresentar sintomas de gravidez, o que lhe causou tremenda surpresa, pois não informada de qualquer fator que pudesse resultar no ocorrido; por ser pessoa de pouca condição financeira e portadora de deficiência mental, a notícia causou vários transtornos entre os familiares, até porque a situação econômica não comportava o recebimento de um bebê na família; nessa conjuntura, a demandante alegou erro médico ligado à negligência, porquanto o Código de Ética Médica diz que todas as informações devem ser transmitidas de forma clara ao paciente, salientando a negligência e omissão do Médico em relação à autora e sua Curadora no que tange a comunicações sobre a eficácia e riscos do procedimento. Citada, FUNDAÇÃO HOSPITALAR DE SAÚDE, em contrapartida ao alegado, trouxe aos autos Termo de Consentimento, afirmando que as informações foram devidamente prestadas aos interessados. Pois bem, antes de se adentar no mérito do recurso propriamente dito, cumpre tecer alguns comentários acerca do procedimento de laqueadura tubária, bem como sobre os cuidados que a paciente deve tomar após a realização do ato.Segundo informações extraídas do site http://www.lersaude.com.br[1]:“A laqueadura, também conhecida por ligadura de trompas, é um processo cirúrgico feito com objetivo contraceptivo, ou seja, que impede que a mulher engravide novamente. Nesse procedimento, as tubas uterinas são obstruídas, cortadas e/ou amarradas, impedindo a descida do óvulo e subida do espermatozoide, tendo como resultado um índice de concepção menor que 1%. A despeito de ser uma intervenção simples e pouco invasiva, as leis no Brasil são rigorosas quanto à sua prática, pois a esterilização pode ser definitiva.O que éTrata-se de um método de esterilização. O procedimento visa obstruir as tubas uterinas (ou trompas), onde o espermatozoide se une ao óvulo. Após a cirurgia, a fecundação se torna praticamente impossível – são raríssimos os casos de mulheres que engravidam. Uma vez que a abertura da cavidade abdominal é necessária, a laqueadura é normalmente realizada durante uma cesárea, mas pode ser feita fora da gravidez, desde que a mulher cumpra os pré-requisitos exigidos pela legislação.(...)PreparaçãoOs cuidados pré-operatórios são os mesmos exigidos por cirurgias convencionais: a paciente deve se submeter a exames que identificarão se ela possui alguma patologia cardiocirculatória. No dia da operação, o médico exige jejum de oito horas.Como o procedimento é feitoDurante a cesária, o cirurgião corta as trompas e amarra suas extremidades com um fio de algodão (material que não pode ser absorvido pelo organismo), bloqueando a passagem tanto dos espermatozoides quanto a dos óvulos. A obstrução também pode ser feita por cauterização ou por meio de anéis ou clipes cirúrgicos. Fora da gravidez, a abertura do abdome pode ser feita por diversos métodos. Uma das técnicas mais empregadas é a videolaparoscopia, pois é menos invasiva: o médico administra anestesia geral e injeta gás carbônico na cavidade abdominal. Na sequência, faz pequenas incisões no abdome da paciente para introduzir o laparoscópio. Acoplado a uma câmara, esse aparelho transmite imagens internas para um monitor por meio de fibra ótica, permitindo que o especialista faça a obstrução das trompas com facilidade.DuraçãoEm média, a operação dura de 30 a 40 minutos. Se for realizado junto com cesária, exige cerca de três minutos, pois o abdome da paciente já estaria aberto. Na laqueadura sem corte a duração será de 5 minutos.Pós-operatórioComo a laqueadura é um procedimento simples, os cuidados que a paciente deve tomar após a operação são poucos. Se a técnica utilizada foi a videolaparoscopia, ela precisa ficar três dias em repouso, e pelo menos uma semana sem praticar atividades físicas – inclusive relações sexuais. Além disso, ela não pode dirigir por um período estipulado pelo médico. Os médicos sugerem que o casal mantenha os métodos anticoncepcionais durante pelo menos 30 dias após a cirurgia.A menstruação não será afetada pela laqueadura, mas algumas mulheres começam a ter períodos mais longos depois da esterilização.A produção hormonal e a libido não costumam ser afetadas. A operação em que as trompas de Falópio são efetivamente cortadas é menos comum atualmente. A intervenção também é realizada por uma incisão no abdômen ou através da vagina. (...).”Sobre o tema, mais especificamente quanto à possibilidade de engravidar-se após a realização da cirurgia de laqueadura tubária, diz a Dr.ª Ângela Cassol[2]:“É POSSÍVEL ENGRAVIDAR APÓS LAQUEADURA?Sim, é possível engravidar após a laqueadura, mas a chance é muito pequena. A taxa de reversão espontânea da laqueadura é de 0,5% a 1%, e pode ocorrer independentemente da cirurgia que foi feita. O risco de gravidez após a laqueadura pela de técnica de Pomeroy, a mais utilizada no Brasil, é de um em 2 mil – muito menor que o da pílula anticoncepcional, que é de dois ou três para cada cem.As mulheres que desejam engravidar após a realização da laqueadura, podem se submeter a cirurgia de reversão. A cirurgia é feita por laparoscopia e as tubas uterinas são religadas através de sutura. Também é retirada a região onde ficou a cicatriz da laqueadura. A anestesia pode ser raquidiana ou peridural e usualmente a mulher tem alta após 24 horas. A cirurgia é complexa, com duração de três a quatro horas.A fertilidade só é restabelecida depois de 30 dias da operação. Uma grande parte das pacientes consegue engravidar após 6 a 12 meses. É importante referir que a probabilidade de engravidar é reduzida em 15 a 20%. Mesmo com essa redução, mulheres com menos de 35 anos têm 80% de probabilidade de engravidar depois da cirurgia.O sucesso deste procedimento depende da condição atual das tubas. Se elas estiverem doentes, dilatadas ou com cicatrizes, o sucesso fica reduzido. Apesar disso, essa condição só pode ser verificada durante a cirurgia.O médico ginecologista deverá ser procurado para orientá-la sobre a laqueadura e no caso de desejo de reversão.”Feitas essas considerações, tem-se que nos termos do artigo 14, § 4.º do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do Médico é subjetiva, in verbis: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.A par disso, a natureza da obrigação é caracterizada como de meio, significando dizer que deve o profissional utilizar todos os conhecimentos e esforços possíveis, de maneira diligente, a fim de obter o resultado desejado. Desse modo, mesmo que não alcance o objetivo, terá se desincumbido da prestação em virtude do adequado atendimento dispensado à paciente.Muito bem, com essas premissas em mente, o que se infere da Inicial é que a autora, por expressa indicação de seu Médico assistente, submeteu-se a procedimento de laqueadura em 27.01.16.Analisando o caso, bem pontuou o r. Juízo a quo, na parte que interessa da r. Sentença:“(...) A parte Autora aduz que o ente hospitalar falhou em seu dever legal de expor todos os riscos inerentes ao procedimento ao qual foi submetida. A Ré, por seu turno, alegou que a Autora e seu companheiro assinaram termo de consentimento, em que ficou explicitada a possibilidade de falibilidade do procedimento. Com razão a Ré. Verifica-se, de fato, que seu companheiro assinou termo de consentimento (mov. 23.13), em que conta a seguinte informação: “apesar de a laqueadura ser um método de esterilização permanente, existe uma pequena possibilidade de ocorrer recanalização espontânea das trompas, com subsequente gravidez.”. Assim, a prova documental é desfavorável ao pleito da autora.Igualmente, a prova oral não lhe foi favorável. A testemunha do Réu JULIANO GEORGETO, indagada pelo Juízo, afirmou que é médico, e entende ser possível a recanalização das trompas mesmo após a submissão ao procedimento da laqueadura, embora rara tal ocorrência. Na mesma oportunidade, a testemunha JORGE ABOU NABHAN, alegou que realizou o procedimento na Autora, que ocorreu normalmente. Afirmou que seu representante foi informado dos riscos inerentes ao procedimento, inclusive durante o pré-natal e assinou termo de consentimento. Atesta que, ainda que incomum, em cerca de 1 a cada 100 casos, é possível a recanalização das trompas após a esterilização. Afirma que, durante sua carreira médica, presenciou 2 casos em mais de 300 laqueaduras que realizou. Narra que não há óbice para realização do procedimento em pessoas portadoras de deficiência mental, desde que com prévia anuência de representantes. Não obstante, conforme estudos científicos, o que se admite com base em médica de evidência, “a taxa de reversão espontânea da laqueadura é de 0,5% a 1%, e pode ocorrer independentemente da cirurgia que foi feita. O risco de gravidez após a laqueadura pela de técnica de Pomeroy, a mais utilizada no Brasil, é de um em 2 mil – muito menor que o da pílula anticoncepcional, que é de dois ou três para cada cem. “ (https://medicoresponde.com.br/e-possivel-engravidar-apos-laqueadura/) É possível constatar, portanto que, embora rara, a recanalização das trompas pode ocorrer após o procedimento de laqueadura. Nessa toada, cumpre rememorar que a obrigação de médico com relação aos seus pacientes é de meio, ou seja, a responsabilidade do médico é circunscrita ao dever geral de diligência, devendo assim ser empregados todos os esforços no sentido de melhor zelar pelos interesses do paciente, independentemente do sucesso ou insucesso do tratamento. Assim, o médico possui como obrigação principal despender um tratamento dentro da técnica, satisfatório para o referido caso, buscando, dessa forma, a cura. Apenas a título ilustrativo, o entendimento sedimentado pela jurisprudência do e. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná a respeito: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTE DE SUPOSTO ERRO MÉDICO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. CIRURGIA REALIZADA EM FRATURA DE FÊMUR. APLICAÇÃO DO CDC. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO MÉDICO E OBJETIVA DO HOSPITAL. OBRIGAÇÃO DE MEIO. PROVA PERICIAL QUE EVIDENCIOU A CORRETA ADOÇÃO DO TRATAMENTO EM CONFORMIDADE COM A LITERATURA MÉDICA. AUSÊNCIA DE SEQUELAS À AUTORA. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA ESCORREITA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 9ª C.Cível - 0023115-07.2011.8.16.0014 - Londrina - Rel.: Juiz Guilherme Frederico Hernandes Denz - J. 23.05.2019) Tendo isso em vista, infere-se que a Autora não se insurge quanto ao procedimento em si, e sim quanto a eventual falha no dever de informação, eis que supostamente não teria sido informada de eventuais riscos inerentes ao procedimento. De todo modo, não há como se acolher o pedido autoral, eis que restou comprovada a assinatura de termo de consentimento pela Requerente e seu companheiro.Tal termo, inclusive, se presta para os fins previstos no art. 10, §1º da lei nº 9.263/1996, que dispõe sobre o planejamento familiar: “Art. 10. § 1º É condição para que se realize a esterilização o registro de expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação a respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua reversão e opções de contracepção reversíveis existentes.“ Logo, cientificados os pacientes sobre os riscos do procedimento, suas vantagens e desvantagens, e não comprovado nenhum vício na assinatura do termo de consentimento, não há qualquer falha no dever de informação pelo Hospital Réu, de modo que resta afastada sua responsabilidade civil e dever de indenizar. Sobre o tema, é a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. AUTORA QUE ENGRAVIDOU APÓS A REALIZAÇÃO DE LAQUEADURA. MÉTODO CONTRACEPTIVO QUE NÃO DESCARTA A POSSIBILIDADE DE GRAVIDEZ POSTERIOR. FALIBILIDADE DO PROCEDIMENTO. DEVER DE INFORMAÇÃO DEVIDAMENTE CUMPRIDO PELO MÉDICO E PELO HOSPITAL PÚBLICO. CASAL QUE FIRMOU TERMO DE CONSENTIMENTO ANTERIORMENTE À CIRURGIA. MÉTODO ANTICONCEPCIONAL QUE NÃO É 100% EFICAZ. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ENTE ESTATAL E DO MÉDICO. SENTENÇA MANTIDA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 9ª C.Cível - 0000683-43.2015.8.16.0017 - Maringá - Rel.: Juiz Guilherme Frederico Hernandes Denz - J. 16.12.2019) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO CIVIL. PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SUPOSTA OMISSÃO EM FORNECER INFORMAÇÕES QUANTO A MÉTODOS CONTRACEPTIVOS E À POSSIBILIDADE DE GRAVIDEZ APÓS A LAQUEADURA DE TROMPAS. INOCORRÊNCIA. TEORIA SUBJETIVA DA RESPONSABILIDADE. OMISSÃO E CULPA NÃO COMPROVADAS. OBRIGAÇÃO DE MEIO. INFORMAÇÃO QUANTO ÀS VANTAGENS E DESVANTAGENS DO PROCEDIMENTO. FALIBILIDADE POSSÍVEL. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO DEMONSTRADO. DEVER INDENIZATÓRIO INEXISTENTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E NEGADO PROVIMENTO.” (TJPR - 4ª C.Cível - 0001649-50.2013.8.16.0025 - Araucária - Rel.: Desembargadora Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes - J. 28/06/2018) Assim, ausente nexo de causalidade a ensejar o reconhecimento da responsabilidade civil do Réu, de rigor a improcedência da demanda. (...).”De fato, a autora não se insurgiu contra o procedimento em si, e sim quanto à alegada falha no dever de informação quanto aos eventuais riscos inerentes ao procedimento.Contudo, à época da realização do procedimento, a autora estava acompanhada de seu cônjuge, que juntamente com ela tomou ciência acerca da possibilidade de vir a ocorrer uma recanalização das trompas, com subsequente gravidez (mov. 23.13): Apesar de alegar a autora em suas razões recursais, que tramita “Ação de Nulidade de Casamento” de Josinéia da Silva Inocêncio e Waldemir Luchtenberg na Vara de Família da Comarca de Cruzeiro do Oeste (autos n.º 0005352- 85.2017.8.16.0077), essa circunstância não é capaz de alterar a conclusão estampada na r. Sentença, pois constou da Inicial que a autora não recebeu nenhum esclarecimento acerca da possibilidade de insucesso do procedimento, e não que tais esclarecimentos teriam sido repassados ao cônjuge, cujo casamento estaria em processo de anulação judicial; tal informação surgiu somente na “Impugnação à Contestação”, ao mov. 27.1, após haver a parte requerida apresentado o Termo assinado pela autora e seu marido à época.
De fato, nos autos não há provas de que a gravidez tenha decorrido de erro médico, em virtude da má execução da cirurgia de laqueadura tubária, vez que, como acima explicado, apesar de se tratar de um método contraceptivo bastante eficaz, ainda subsiste a possibilidade de gestação após o procedimento, justamente em razão da possibilidade de recanalização tubária, tal como ocorreu no caso em apreço, fato imprevisível e inevitável, que independe de conduta médica.Ora, não se nega que a autora tenha experimentado sentimentos negativos com a indesejada gravidez, visto que realizada a laqueadura justamente com o propósito de não engravidar. Entretanto, não se vislumbra o dever de indenizar o dano moral, vez que a gravidez não decorreu de erro médico, mas sim de um processo natural de recanalização de trompas, tanto que o casal tinha ciência do risco, de acordo com o Termo de Consentimento juntado ao mov. 23.3, assinado também pelo marido da autora, Sr. Waldemir Luchtenberg, ao que tudo indica, plenamente capaz, sendo ele inclusive o pai de seu filho (conforme consta da cópia da Certidão de Nascimento ao mov. 1.4).Requer a autora a aplicação na espécie das disposições contidas no artigo 10, § 3.º, da Lei n.º 9.263/96 (Lei de Planejamento Familiar), para invalidar tal Termo de Consentimento, pois “Não será considerada a manifestação de vontade, na forma do § 1º, expressa durante ocorrência de alterações na capacidade de discernimento por influência de álcool, drogas, estados emocionais alterados ou incapacidade mental temporária ou permanente.”Contudo, como referido, em que pese a deficiência mental da autora, tanto ela, como o marido, assinaram o documento, o qual assinalava o risco, ainda que pequeno, de vir a ocorrer uma gravidez após o procedimento, não mencionando a Inicial qualquer vício apto a macular o ato, sequer informando que a autora estava acompanhada do cônjuge na ocasião, o que acabou por reconhecer em audiência a representante legal da autora. Com efeito, disse ela em Juízo que a autora tinha um companheiro, o qual esteve no Hospital também, não sabendo entretanto dizer se os esclarecimentos sobre o eventual insucesso do procedimento teriam sido a ele repassados, pois nada comentou; ao lhe ser exibido o Termo ao mov. 23.13, confirmou que foi assinado pelo companheiro da autora, que não soube dizer porque também não o assinou; durante o tempo em que permaneceu casada, a autora morou com o marido, acreditando que chamaram o marido para assinar o Termo de Consentimento, “porque era ele que tinha que assinar”, sendo casado com ela”; o processo de interdição da autora teve início depois da gravidez e da separação do casal.Assim, demonstrado nos autos que a gravidez indesejada se deu por fato alheio não ligado à intervenção médica, não há cogitar a culpa do nosocômio e profissionais envolvidos no ato cirúrgico.Nesse mesmo sentido já se posicionou esta c. Câmara:APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL - CIRURGIA DE LAQUEADURA - OBRIGAÇÃO DE MEIO - FALIBILIDADE DO PROCEDIMENTO - GRAVIDEZ POSTERIOR - CULPA DO MÉDICO NÃO DEMONSTRADA - IMPLICAÇÃO INERENTE AO ATO CIRÚRGICO - SUPOSTO DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO QUE NÃO RESTOU INSERIDO NA CAUSA DE PEDIR - PROVA ACOSTADA NOS AUTOS, ADEMAIS, QUE DEMONSTRA QUE A PACIENTE FOI DEVIDAMENTE INFORMADA ACERCA DO RISCO DE NOVA GRAVIDEZ - INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR - SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Demonstrado que apesar de a laqueadura ser um método contraceptivo bastante eficaz, existe a possibilidade de gravidez após o procedimento cirúrgico, justamente em razão da possibilidade da recanalização tubária, fato imprevisível e inevitável, que independe da conduta do médico, não pode ser atribuído a este a culpa pela gravidez posterior da demandante e, de corolário, a responsabilidade pelos danos daí advindos. Ademais, não inserido na causa de pedir o suposto descumprimento do dever de informação, tal fundamento não se presta ao acolhimento do pedido. Ainda que assim não o fosse, restou demonstrado que a paciente foi devidamente informada acerca da possibilidade de nova gravidez. (AC 1.138.028-2, Francisco Beltrão, Rel. Des. Luiz Lopes, julg. em 05.06.14 – grifou-se)RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS CAUSADOS POR ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA DE LAQUEADURA TUBÁRIA. OBRIGAÇÃO DE MEIO. FALIBILIDADE DO PROCEDIMENTO. Demonstrado que apesar de a laqueadura ser um método contraceptivo bastante eficaz, existe a possibilidade de gravidez após o procedimento cirúrgico, em razão da possibilidade da recanalização tubária, fato imprevisível e inevitável, que independe de conduta médica, não pode ser atribuída ao profissional de saúde a culpa pela gravidez posterior da demandante e, de corolário, a responsabilidade pelos danos daí advindos. CULPA DA MÉDICA NÃO DEMONSTRADA. IMPLICAÇÃO INERENTE AO ATO CIRÚRGICO. SUPOSTO DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE INFORMAR QUE NÃO RESTOU DEMONSTRADO. PROVA ORAL ACOSTADA AOS AUTOS QUE DEMONSTRA QUE A PACIENTE FOI DEVIDAMENTE INFORMADA ACERCA DO RISCO DE NOVA GRAVIDEZ. Outrossim, não tendo inserido na causa de pedir o suposto descumprimento do dever de informação, tal fundamento não se presta ao acolhimento do pedido. Ainda que assim não fosse, restou demonstrado, através de prova oral, que a paciente foi devidamente informada acerca da possibilidade de nova gravidez. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (AC 1.016.695-7, Rel.ª Dr.ª Elizabeth de Fátima Nogueira, unânime, 12.03.15 – grifou-se)Certo que a laqueadura tubária é um dos métodos contraceptivos mais seguros, porém, em casos raros pode acontecer a recanalização das trompas, levando, de consequência, à nova gravidez, decorrente não de erro médico, mas de um processo natural desencadeado pelo próprio organismo, com o que não há ilícito indenizável a qualquer título, havendo de se manter a r. Sentença de improcedência.Por fim, haja vista o parcial conhecimento, com o desprovimento do Apelo e o que passou a dispor o artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, é o caso de majorarem-se os honorários advocatícios para 11% (onze por cento) sobre o valor atualizado da causa, observando-se o disposto no artigo 98, § 3.º, do Código de Processo Civil, já que a autora é beneficiária da gratuidade.Ex positis, o voto é no sentido de conhecer parcialmente, e na extensão, negar provimento ao recurso de Apelação da autora, mantendo-se incólume a r. Sentença de improcedência, tudo nos termos da fundamentação.
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