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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
1. Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo da 2ª Vara Cível de Foz do Iguaçu nos autos nº 0006309-30.2019.8.16.0170, de “ação de obrigação de fazer c/c danos materiais e morais com pedido de urgência” ajuizada por Vicente Zucco Martini, nascido em 29.06.2016, em face de Fundação Sanepar de Assistência Social, na qual pugna pela condenação desta ao custeio de tratamentos multidisciplinares para autismo.A ação ajuizada pela criança foi inicialmente distribuída à 1ª Vara Cível da Comarca de Toledo, local onde até então tinha domicílio. Informada, porém, a sua mudança para o Município de Foz do Iguaçu-PR, foi declinada a competência pelo juízo sob o fundamento de que se deve observar o melhor interesse do incapaz, conforme requerido pela parte (mov. 64.1). O Juízo da 2ª Vara Cível de Foz do Iguaçu, todavia, sob o entendimento de que a competência é firmada no momento da propositura da ação, se perpetuando nos termos do art. 43 do CPC, suscitou o presente conflito negativo de competência (mov. 80.1).No mov. 14.1-TJPR, a Procuradoria de Justiça se manifestou pela rejeição do conflito.Após, vieram os autos conclusos. É o relatório.
Apresto-me a fundamentar o voto. 2. Cinge-se a controvérsia em definir a competência para o processamento e julgamento do feito, se da 1ª Vara Cível de Toledo ou da 2ª Vara Cível de Foz do Iguaçu.Compulsando-se os autos, destaque-se que a ação foi ajuizada com o objetivo de impor à operadora de plano de saúde do qual o demandante é beneficiário, a cobertura de tratamentos multidisciplinares para autismo. Note-se que o autor nasceu em 29.06.2016.À época, o demandante possuía domicílio no Município de Toledo, conforme comprovante de mov. 1.6.No mov. 7.1, a ré apresentou manifestação, reputada pelo juízo como contestação.Por sua vez, no mov. 28.1, foi saneado o feito, indeferindo-se o pedido de tutela provisória urgente, bem como fixando-se os pontos controvertidos, o ônus da prova e deferindo-se a produção de provas pericial e documental.O autor, após, juntou petição informando a mudança do seu domicílio e requerendo a remessa do feito para respectiva comarca (mov. 47.2).Intimada, a ré manifestou expressamente não possuir objeção (mov. 56.1).O Ministério Público em primeiro grau se manifestou favoravelmente (mov. 61.1).Sobreveio, então, a decisão do juízo suscitado, declinando a competência.Nesse contexto, não há dúvida de que se trata de competência territorial e, portanto, relativa.Igualmente, é certo que a competência é firmada com a distribuição, perpetuando-se nos termos do art. 43 do CPC.Por outro lado, a jurisprudência do STJ é firme pela relativização da do princípio da perpetuatio jurisdictionis quando a demanda envolve interesses de criança ou adolescente, notadamente guarda ou alimentos, confira-se: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO-SURPRESA. REQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS N. 282/STF E 211/STJ. AÇÃO DE ALIMENTOS, DIVÓRCIO E PARTILHA DE BENS. ALTERAÇÃO DE DOMICÍLIO. COMPETÊNCIA. DOMICÍLIO DO ALIMENTANDO. PERPETUATIO JURISDICTIONIS. PRINCÍPIO. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. PRECEDENTES. PARTILHA DE BENS. RECONVENÇÃO. DESNECESSIDADE. DISPOSITIVO LEGAL IMPERTINENTE. SÚMULA N. 284/STF. NÃO PROVIMENTO. (...) 2. É possível a modificação da competência no caso de alteração de domicílio do alimentando no curso da ação de alimentos, mormente em se tratando de filho menor e não constatada má-fé da detentora da guarda. (...). (AgInt no AREsp 1551305/GO, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 01/06/2020, DJe 05/06/2020). CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA NO CURSO DA AÇÃO, EM RAZÃO DA ALTERAÇÃO DO DOMICÍLIO DOS MENORES. POSSIBILIDADE. AFASTAMENTO DA REGRA DA PERPETUATIO JURISDICTIONIS (CPC/2015, ART. 43), DIANTE DO PRINCÍPIO DO JUÍZO IMEDIATO, PREVISTO NO ART. 147, I E II, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITANTE. 1. Nos termos do art. 43 do CPC/2015, a competência é determinada no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, não havendo qualquer relevância nas modificações supervenientes do estado de fato ou de direito, salvo quando houver supressão de órgão judiciário ou alteração da competência absoluta. Trata-se da regra da perpetuatio jurisdictionis, que impõe a estabilização da competência. 2. Ocorre que, tratando-se de demanda que envolve interesse de criança ou adolescente, a solução da controvérsia no que diz respeito à competência deve observar o princípio do melhor interesse do menor, introduzido em nosso sistema jurídico como corolário da doutrina da proteção integral, consagrada pelo art. 227 da Constituição Federal, o qual deve orientar a atuação tanto do legislador quanto do aplicador da norma jurídica, vinculando-se o ordenamento infraconstitucional aos seus contornos. 2.1. Nessa linha de entendimento, a competência para esses casos é disciplinada no art. 147, incisos I e II, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece o denominado princípio do juízo imediato, o qual determina que a competência será fixada (i) pelo domicílio dos pais ou responsável; ou (ii) pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável, excepcionando as regras gerais de competência estabelecidas no CPC, garantindo-se, assim, uma tutela jurisdicional mais eficaz e segura ao menor. 3. Na hipótese, a ação foi inicialmente distribuída no foro do lugar onde se encontravam as adolescentes (Altônia/Pr), a teor do art. 147, II, do ECA, tendo em vista que o genitor estava preso e a genitora estava em local incerto. Todavia, considerando que os atuais responsáveis pelas adolescentes (tia materna e seu companheiro), diante da guarda provisória deferida, possuem domicílio em Barueri/SP, era mesmo de rigor o deslocamento da competência para a respectiva comarca, nos termos do inciso I do art. 147 do ECA, para que seja julgada a ação de destituição de poder familiar contra seus genitores. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo suscitante. (CC 157.473/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/09/2018, DJe 01/10/2018) Embora o caso não verse propriamente sobre os direitos de guarda ou alimentos, diferindo nesse ponto dos precedentes do STJ, há de se notar que o art. 190 do CPC positivou a possibilidade de que as partes de comum acordo alterem o procedimento, confira-se:Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.Nesse sentido, nota-se que a declinação de competência surgiu em face de requerimento do menor com o qual anuiu a parte contrária e se posicionou favoravelmente o Ministério Público.Ademais, a situação dos autos cuida de matéria extremamente relevante na medida em que afeta ao atendimento da saúde de criança portadora de espectro autista, direito contemplado no art. 7º do ECA.Com efeito, tal modificação se dá não em prejuízo do infante, mas em seu claro benefício na medida em que o trâmite do feito no seu domicílio facilitará sua defesa em juízo, inclusive quanto à prova pericial.Outrossim, não se vislumbra qualquer evidência de que tal pretensão da parte configure manobra abusiva, inferindo-se sua boa-fé.Nessa perspectiva, a proteção integral à criança, constitucionalmente estabelecida (art. 227) e estampada no Estatuto da Criança e do Adolescente, encontra-se devidamente encampada pelo negócio jurídico processual na presente hipótese, a autorizar excepcionalmente que este relativize o princípio da perpetuatio jurisdictionis em favor da modificação da competência do juízo.DIANTE DO EXPOSTO, voto por rejeitar o conflito e declarar a competência do juízo da 2ª Vara Cível de Foz do Iguaçu.
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