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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I – RELATÓRIO Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto contra decisão proferida pelo Juízo da 9ª Vara Cível do Foro Central de Londrina da Comarca da Região Metropolitana de Londrina que, nos autos da ação revisional de aluguel nº. 0036324-28.2020.8.16.0014, autorizou a redução provisória do aluguel em 50% durante a vigência do período de pandemia e medidas restritivas nacionais, estaduais e locais ou até o surgimento de fatos novos que justifiquem a revisão do entendimento aqui adotado (mov. 14.1). Insatisfeito, o agravante interpôs o presente recurso alegando, em síntese, que:a) o contrato de locação tem por objeto um imóvel construído especialmente para a atividade de hospital referência para criança e atende toda a comunidade Londrinense;b) o contrato de locação sob modalidade built to suit não autoriza a revisão do aluguel e neste caso, mesmo diante do estado de calamidade pública;c) as demonstrações contábeis acostadas nos movs. 1.06 a 1.08, apenas o exercício de 2019 foi acostado as demonstrações de resultados do exercício – DRE 2 (mov. 1.8), demonstração esta que evidencia o faturamento da autora. Todas os demais documentos acostados são demonstrações patrimoniais, balanço contendo ativo e passivo, não evidenciando nos saldos de suas contas o faturamento contabilizado nos demais exercícios, prejudicando parcialmente as análises dos anos de 2017, 2018 e 2020;d) as alegações apresentadas pela autora do ponto de vista contábil, não merecem prosperar por não representar a realidade documental comprobatória, gerando informação não confiável e incomparável entre si. Razão pela qual merecem ser totalmente impugnadas ou ignoradas como prova documental, afetando assim consideravelmente o entendimento do Ilustre juiz a quo no convencimento que o levou a deferir a liminar reduzindo o aluguel em 50%e) em final de maio do corrente ano a Prefeitura de Londrina contratou com a empresa Ré a disponibilização de cinquenta leitos de UTI ao preço de R$ 5.000.000,00. Em 02 de Agosto último o contrato foi renovado por mais dois meses a um novo desembolso de R$ 5.000.000,00. Constata-se, portanto, que a Autora se acha em plena atividade na prestação de serviços que oferece a comunidade, notadamente porque o seu perfil de atendimento especializado, que é a sua referência, que são as doenças do coração, em nenhum momento teve restrição de funcionamento pelos Órgãos Governamentais, ou mesmo proibição, não sendo demais pontuar que, quem tem necessidade deste tipo de intervenção não pode se dar ao luxo de esperar um momento mais propício para realiza-la;f) não pode ser aplicado a este contrato a revisão dos valores com base no mencionado artigo 371 do CC, pois, para que seja autorizada a revisão do negócio seria necessário que o valor do locativo pactuado tivesse sido alterado pelas circunstâncias imprevisíveis. Sequer, igualmente, é o caso de aplicação de revisão do contrato, medida excepcional e limitada, conforme art. 421-A, II porque a contratação entre as partes foi especialíssima como é a característica desta modalidade de vínculo, presumindo-o paritário e simétrico até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção;g) acolher a revisão do contrato por força da Pandemia do Covid-19, a decisão liminar agravada acabou por impor à Agravante locadora excessivo ônus, e confundir a relação contratual existente entre ela e a Agravada com o risco da atividade desta última, o que não se pode admitir;h) os locativos mensais pagos sequer autorizam conceituá-los neste momento como sendo renda, pois o custo elevadíssimo para a construção de um prédio específico como foi este implicará ainda em seu recebimento de anos para apenas amortizar o capital investido. Por tais razões, requereu liminarmente a concessão de efeito suspensivo ao recurso, para determinar a suspensão da decisão agravada, com restabelecimento da integral exigibilidade do locativo mensal devido. Subsidiariamente, pelo princípio da eventualidade, que seja reduzido o percentual de desconto de 50% para 20% (mov. 1.1). Os autos vieram conclusos e este Relator deferiu em parte o efeito suspensivo almejado (mov. 8.1). Contra referida decisão foram opostos embargos de declaração, os quais foram acolhidos monocraticamente, conforme mov. 11.1 dos autos de embargos de declaração ED 1. O juízo a quo comunicou ciência no mov. 13. As contrarrazões foram apresentadas no mov. 18.1. É a breve exposição.
II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: O recurso foi tempestivamente ofertado e preenche os demais requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido. No mérito, busca a recorrente a reforma da decisão que autorizou a redução provisória do aluguel em 50% durante a vigência do período de pandemia e medidas restritivas nacionais, estaduais e locais ou até o surgimento de fatos novos que justifiquem a revisão de tal medida. A parte agravada propôs a ação revisional de aluguel com pedido de tutela provisória de urgência, na forma prescrita pelo art. 68, da Lei nº 8.245/1991, sustentando a necessidade de readequação do valor dos alugueis cobrados com o valor de mercado, sobretudo com o advento da pandemia e a essencialidade do serviço prestado pela autora. Com efeito, é fato público e notório que o Brasil e o mundo atravessam crise de ordem sanitária e econômico-financeira, causada pela pandemia da COVID-19. Neste cenário, muitas são as demandas ajuizadas em função da crise, em que as partes alegam desestabilização financeira e necessidade de intervenção estatal, de modo a restabelecer o equilíbrio contratual nos contratos de locação residenciais e não residenciais. A solução para estes litígios demanda a análise da casuística, valoração das peculiaridades como a condição financeira das partes, adotando-se, mais do que nunca, os critérios de proporcionalidade e razoabilidade. Partindo dessa premissa, tem-se que a Lei 8.245/91, que trata sobre a locação dos imóveis urbanos, permite ao Magistrado que, ao designar audiência de conciliação, fixe alugueres em valor não superior a 80% (oitenta por cento) do pedido efetivado pelo locador em sua pretensão revisional: Art. 68. Na ação revisional de aluguel, que terá o rito sumário, observar-se-á o seguinte:II – ao designar a audiência de conciliação, o juiz, se houver pedido e com base nos elementos fornecidos tanto pelo locador como pelo locatário, ou nos que indicar, fixará aluguel provisório, que será devido desde a citação, nos seguintes moldes: (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009)a) em ação proposta pelo locador, o aluguel provisório não poderá ser excedente a 80% (oitenta por cento) do pedido; (Incluída pela Lei nº 12.112, de 2009)b) em ação proposta pelo locatário, o aluguel provisório não poderá ser inferior a 80% (oitenta por cento) do aluguel vigente; III - sem prejuízo da contestação e até a audiência, o réu poderá pedir seja revisto o aluguel provisório, fornecendo os elementos para tanto; (sem grifo no original) No caso concreto, vale observar que as partes firmaram contrato na modalidade built to suit. Esta modalidade contratual, importada do direito norte americano, configura modalidade de contrato atípico, resultado de uma operação comercial complexa que envolve características de empreitada e de locação. Segundo a Doutrina: Assim, como verificado, o contrato built to suit sempre possuirá a prestação de locação, uma vez que haverá cessão de fruição e uso da coisa, mediante remuneração. Da mesma forma, sempre haverá a prestação da empreitada, porque o built to suit requer a realização de construção ou substancial reforma do imóvel que será cedido ao ocupante. (GOMIDE, Alexandre Junqueira. Contratos Built To Suit: aspectos controvertidos decorrentes de uma nova modalidade contratual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2017. p. 47) Nesse sentido, não se pode ignorar que as premissas para a deste tipo contratual divergem das adotadas nos contratos típicos de locação, eis que a contratação possui grau de risco mais elevado à contratada. Conforme leciona Luiz Augusto Haddad Figueiredo, trata-se de contrato intuito personae, uma vez que o empreendedor-locador é contratado para adquirir e executar a construção no terreno, sob a encomenda e exclusivamente para atender às necessidades do empresário-locatário[1]. Com efeito, a remuneração mensal de um contrato de built to suit difere dos valores envolvidos no contrato típico de locação comercial. Ao considerar que o imóvel é construído sob medida para o ocupante, bem como o fato de que o empreendimento pode ser desenvolvido em local distante, o risco do contrato ao empreendedor é maior, o que justificaria, portanto, uma remuneração maior do que comparada a um aluguel de um imóvel já construído. Assim, tem-se que contrato built to suit possui uma lógica de fixação de preço locatício diferente daquela adotada no contrato de locação comum, pois incorpora-se o custo da construção e o tempo despendido para reaver o investimento. Há também que se considerar o fato de que findo o contrato, o empreendedor não conseguira inserir novamente este imóvel no mercado por suas características especiais, corroborando o elevado risco enfrentado pelo investidor do contrato BTS. Por estas questões, há possibilidade de as partes estabelecerem em contrato a renúncia ao direito de propor ação revisional de locação. No caso dos autos, contudo, verifica-se que não foi inserida cláusula de renúncia no contrato trazido nos mov. 1.4 e 1.5. Partindo dessa premissa, não se pode ignorar que a fixação de aluguel provisório deve considerar o impacto causado não só na locadora como em toda a cadeia produtiva de fornecedores, empregados e demais participantes desta modalidade contratual. Por esta razão, a redução do aluguel em 50% representa brusca queda de faturamento, podendo gerar a grave iminente dano grave e de difícil reparação. Por outro lado, não se olvida a pandemia da COVID -19 configura caso fortuito externo imprevisto e imprevisível, não incorporado no risco da atividade desenvolvida e, por isso, não integra o cálculo econômico que serve de base para a verificação dos custos despendidos na atividade empresarial. Segundo Fábio Ulhoa Coelho: A concepção de fortuito interno ou externo está relacionada ao mesmo tempo à atividade desenvolvida pelo empresário e às expectativas legítimas que desperta nas pessoas expostas aos seus riscos.( COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 2 – Obrigações e responsabilidade civil, p. 406) Assim, ponderando-se estes dois fatores, têm-se como possível acolher o pedido subsidiário de redução do aluguel em 20% do valor originário, conquanto tenha a agravada demonstrado efetiva queda de faturamento mensal, conforme gráfico de atendimentos (mov. 1.10) e relatório de faturamento (mov. 1.11) acostados à inicial. Ainda, vale destacar que a agravada presta serviço essencial à população e possui altos custos de insumos necessários ao atendimento de pacientes, o que justifica, portanto, a redução de percentual do aluguel, ainda que o contrato de locação tenha ocorrido na modalidade built to suit. De outro norte, vê-se que a fixação de aluguel provisório em 80% do valor atualmente pago não traz maiores prejuízos aos locadores, eis que o valor do aluguel definitivo, fixado em sentença, será devido desde a data em que ocorreu a citação da parte requerida, ainda que outro tenha sido o valor fixado provisoriamente. Portanto, ao final da lide, os locadores poderão exigir da parte adversa/locatário todo o valor que eventualmente extrapole os já pagos desde a data da citação. Aliás, outro não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO. EMBARGOS DO DEVEDOR. PRETENSÃO DOS LOCADORES DE EXIGIR OS ALUGUÉS VENCIDOS NO CURSO DO PROCESSO. VALOR DO ALUGUEL ESTABELECIDO EM AÇÃO REVISIONAL. OBRIGAÇÃO CERTA, LÍQUIDA E EXIGÍVEL. JULGAMENTO: CPC/73. 1. Ação de embargos à execução ajuizada em 12/06/2007, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 06/12/2012 e atribuído ao gabinete em 26/08/2016. 2. O propósito recursal é dizer sobre a possibilidade de inclusão, na execução em que oferecidos estes embargos do devedor, dos aluguéis vencidos no curso do processo, com base no valor da locação que foi fixado em ação revisional. 3. Uma vez arbitrado o valor do aluguel - seja o provisório e/ou o definitivo - revela-se o crédito do locador certo quanto à sua existência, líquido quanto ao seu valor, bem como exigível, desde a citação na ação revisional. 4. O arbitramento do aluguel provisório faz nascer, num primeiro momento, a obrigação do locatário de pagá-lo no vencimento, a partir da citação, e, por conseguinte, o direito do locador de exigi-lo, tão logo constatada eventual mora. E a fixação do aluguel definitivo em quantia inferior à do aluguel provisório, num segundo momento, faz surgir para o locatário o direito à repetição do indébito, relativamente às parcelas pagas depois da citação, ou à compensação da diferença com os aluguéis vincendos. 5. A interpretação dada ao art. 69 da Lei 8.245/91 não pode se tal que prejudique o direito do locador de receber, desde logo, os aluguéis que lhe são devidos, condicionando o seu exercício ao trânsito em julgado da ação revisional. 6. As diferenças às quais alude o art. 69 da mesma lei dizem respeito ao quanto o valor do aluguel provisório, cobrado antecipadamente, é maior ou menor que o valor do aluguel definitivamente arbitrado, resultando essa operação matemática de subtração em um crédito para o locador, se este for maior que aquele, ou para o locatário, na hipótese contrária. 7. A eventual existência desse crédito, no entanto, não fulmina a pretensão dos locadores de executar os aluguéis devidos pela locatária desde a citação na ação revisional, tal qual decidiu o Tribunal de origem. 8. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 1714393/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019) Portanto, é o caso de ser provido o recurso para determinar a redução do percentual de desconto do aluguel pago pela locatária para 20% sobre o valor atualmente pago, com efeitos retroativos à data em que foi publicada a decisão agravada, nos termos da fundamentação. [1] TARDIN, Natália apud FIGUEIREDO, Luiz Augusto Haddad. Built to Suit. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, n. 72. janjun. 2012, p. 173. Disponível em: file:///C:/Users/55419/OneDrive/%C3%81rea%20de%20Trabalho/P%C3%93S%20EPM/23363-Texto%20do%20artigo-67629-1-10-20190128.pdf
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