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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
Cuida-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de TATIANE APARECIDA CAMARGO, denunciada (seq. 33.1) pela suposta prática do crime de tráfico de drogas previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, nos autos de ação penal nº 0004301-66.2020.8.16.0034, que tramitam perante a Vara Criminal do Foro Regional de Piraquara, da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. A prisão em flagrante foi homologada em decisão de seq. 16.1, em 23/04/2020. Foi decretada a prisão preventiva da paciente em seq. 23.1, em 14/04/2020. Argumenta, o impetrante, em síntese: a) que a paciente foi presa portando pequena quantidade de droga, 14,5g (quatorze gramas e meio) de cocaína e 6g (seis gramas) de crack; b) que, em 14/05/2020 (seq. 40.1), foi expedido mandado de notificação para que a denunciada oferecesse defesa prévia, contudo, até a data de 29/10/2020 o mandado não havia sido cumprido, e o juízo permaneceu inerte quanto à mora injustificada do oficial de justiça, por mais de cinco meses depois da expedição do mandado; c) que a paciente está presa há mais de seis meses sem sequer ter defesa habilitada nos autos, ocorrendo evidente excesso de prazo e violação à garantia constitucional da ampla defesa; d) que a prisão preventiva não foi reanalisada pelo juízo no prazo de 90 (noventa) dias, conforme prevê o art. 316, parágrafo único, do CPP; e) que a paciente possui condições pessoais favoráveis, é ré primária, tem residência fixa e ocupação lícita (seq. 1.12 dos autos originais); f) que é possível a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas, previstas no art. 319 do CPP.Por fim, requer, seja concedida liminarmente a presente ordem de habeas corpus, a fim de que a prisão preventiva seja revogada ou substituída por uma medida cautelar diversa, preferencialmente as previstas nos incisos I, V e/ou IX do art. 319 do Código de Processo Penal.O pedido liminar foi deferido em seq. 8.1. Foram requisitadas informações ao juízo de primeiro grau, atendidas em seq. 11.1, do seguinte modo:Sobre o presente expediente, tenho a informar que foi dada imediata ordem de cumprimento à decisão proferida por V. Exa. Informo, ademais, que foi constatada a falha e que, efetivamente, houve neste feito indevido excesso de prazo por parte do oficial de justiça no cumprimento do mandado. Em assim sendo, determinei a extração de peças e remessa à Direção do Fórum para as providências disciplinares necessárias. No mais, foi ordenado o cumprimento imediato da intimação da paciente, a fim de ser dado prosseguimento ao feito.A douta Procuradoria Geral de Justiça apresentou parecer em seq. 14.1, de lavra da nobre Procuradora Drª Luciane Maria Duda, opinando pelo conhecimento e pela concessão da ordem.É o breve relato.
Conhece-se do writ, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.2.1. Da ocorrência de excesso de prazo para a formação da culpa É pacífico o entendimento dos Tribunais Superiores, no sentido de que a verificação da ocorrência de excesso de prazo para formação da culpa não decorre da simples soma dos prazos processuais, devendo ser examinadas as peculiaridades de cada caso, sempre observado o princípio da razoabilidade.O Superior Tribunal de Justiça, conforme informativo de jurisprudência nº 477, tem pacificado o entendimento de "não haver excesso de prazo na formação da culpa, visto que, segundo o entendimento doutrinário e jurisprudencial, a configuração de excesso de prazo na instrução não decorre de soma aritmética de prazos legais, a questão deve ser aferida segundo critérios de razoabilidade, tendo em vista as peculiaridades do caso. (STJ - HC 198.401-CE, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/6/2011). Contudo, no presente caso, resta configurado o excesso de prazo na formação da culpa. Só se tem por configurado o constrangimento ilegal, por atraso na conclusão do feito, quando, por desídia, descaso, ou de forma injustificada, o Juízo prolonga a instrução do processo, situação que ocorre no caso em análise.A paciente está presa preventivamente há mais de seis meses (o decreto prisional foi proferido em 24/04/2020), sem ser representada por defensor técnico nos autos. Em seq. 38.1, data de 13/05/2020, o d. juízo a quo determinou a expedição de mandado de intimação, para que a investigada apresente defesa prévia, por meio de advogado habilitado. O mandado foi expedido em 14/05/2020 (seq. 40.1), a cargo do Oficial de Justiça Rodwilton Picanzo Martins.Ocorre que, até a presente data, passados quase seis meses da expedição do mandado, a investigada ainda não foi devidamente intimada. O d. juízo de primeiro grau, percebendo a demora no cumprimento do ato, apenas determinou a intimação do Oficial de Justiça, em seq. 48 (data de 27/10/2020), com o prazo de um dia, que já foi ultrapassado.O excesso de prazo está caracterizado nos autos, pois, de acordo com o Código de Normas do Foro Judicial do TJPR CNFJ, Provimento nº 282, de 10 de outubro de 2018, os mandados serão cumpridos no prazo máximo de 15 (quinze) dias, conforme o art. 266 .In casu, este prazo foi ultrapassado em mais de cinco meses, sem qualquer justificativa por parte do serventuário da justiça responsável pelo seu cumprimento, situação que tem causado sérios prejuízos à paciente, que aguarda presa o cumprimento da diligência.Ainda, poderia, o d. juízo a quo, ao perceber a demora injustificada no cumprimento da diligência, nomear outro serventuário da justiça para cumprir o ato, conforme o art. 268 do Código de Normas . A situação torna-se ainda mais grave, pois se trata de autos de ré presa, hipótese em que deveria ser observada a prioridade na tramitação.O prazo de aproximadamente seis meses para se aguardar presa a intimação para o oferecimento de defesa prévia, em caso que (aparentemente) não envolve grande complexidade, não é condizente com os princípios da razoabilidade e celeridade processual. Como se não bastasse, percebe-se que não foi observado o prazo previsto no art. 316, parágrafo único, do CPP, para se reavaliar a necessidade de prisão preventiva em 90 (noventa) dias. A prisão preventiva da paciente não foi reavaliada, desde a data em que foi decretada (24/04/2020), ou seja, há mais de seis meses.Por mais que se compreenda que o prazo previsto no r. artigo não é peremptório , ou seja, que eventual atraso na execução deste ato não implica automático reconhecimento da ilegalidade da prisão, no caso em tela o prazo foi ultrapassado consideravelmente, sem qualquer justificativa do d. juízo de primeiro grau, o que evidencia o constrangimento ilegal. Preciso o parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça neste sentido, de lavra da nobre Procuradora Drª Luciane Maria Duda, cujo seguinte excerto pede-se vênia para colacionar ao voto:No caso em tela, observa-se que o feito não possui complexidade elevada, pois conta com apenas uma ré e não demanda, ainda, a expedição de cartas precatórias. Com efeito, observa-se que o mandado de notificação foi expedido em maio de 2020 e somente foi cumprido em novembro do mesmo ano, o que demonstra a desídia do poder estatal e a demora injustificada do processo. (...) Denota-se, portanto, que, em relação à Tatiane, há uma injustificada demora no cumprimento de mandados, o que não se pode admitir. Importante ressaltar, ainda, que, de maio até outubro deste ano, o processo não foi movimentado pela autoridade singular, o que certamente configura excesso de prazo apto a revogar o cárcere imposto, como bem pontuado na análise do pleito liminar. Ademais, não há como ignorar a redação do artigo 316, parágrafo único do CPP, que diz, in verbis, que: Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal. Ainda que referido prazo não seja peremptório e que o atraso na reavaliação do cárcere possa ser justificado de acordo com as circunstâncias do caso concreto, no presente feito, conclui-se não haver justificativa plausível para a inércia de cinco meses da autoridade coatora e não execução da medida prevista no artigo supramencionado. Assim, é de rigor a confirmação da liminar e a concessão definitiva da ordem, considerando o excesso de prazo para finalização do feito e a ofensa ao artigo 316, § único, do CPP.Neste sentido, os seguintes julgados deste Eg. Tribunal de Justiça:HABEAS CORPUS PACIENTE CONDENADO COMO INCURSO NAS SANÇÕES DOS ARTIGOS 33, CAPUT, E 35, CAPUT, C/C O 40, INCISOS III, V E VI, TODOS DA LEI Nº 11.343/06, NA FORMA DO ARTIGO 69, DO CÓDIGO PENAL (...) ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ARTIGO 316, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP REVISÃO DA PRISÃO CAUTELAR REALIZADA EM SENTENÇA ULTRAPASSADO O PRAZO DE NOVENTA DIAS PRISÃO QUE SE TORNOU ILEGAL CONCESSÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA AO PACIENTE ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA PARTE, CONCEDIDA. (TJPR - 4ª C.Criminal - 0038896-96.2020.8.16.0000 - Cambé - Rel.: Desembargador Carvílio da Silveira Filho - J. 27.08.2020)HABEAS CORPUS CRIME - ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO - CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO - DEMORA DE QUASE CINCO ANOS PARA CUMPRIMENTO DO MANDADO DE PRISÃO - PACIENTE PRESA HÁ APROXIMADAMENTE UM ANO E SETE MESES EM RAZÃO DE OUTRO PROCESSO CRIMINAL - FEITO QUE NÃO É DE ELEVADA COMPLEXIDADE - DEMORA EXCESSIVA NO PRESENTE CASO NÃO PODE SER IMPUTADA À PACIENTE - CONCEDIDA LIBERDADE PROVISÓRIA AO PACIENTE, MEDIANTE O CUMPRIMENTO DE MEDIDAS CAUTELARES PREVISTAS NO ARTIGO 319 DO CPP.ORDEM CONCEDIDA. (TJPR - 2ª C.Criminal - HCC - 1312241-9 - Piraí do Sul - Rel.: Juiz Marcio José Tokars - Unânime - J. 16.04.2015)HABEAS CORPUS CRIMES DE TRAFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO INVOCADO EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA PACIENTE SEGREGADO POR QUASE 1 (UM) ANO CASO SEM CONTORNOS DE COMPLEXIDADE FEITO AGUARDANDO OITIVA DE TESTEMUNHA ARROLADA PELA ACUSAÇÃO INSISTINDO NA SUA INQUIRIÇÃO, APESAR DE TRÊS TENTATIVAS FRUSTRADAS CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO SEGREGAÇÃO QUE SE PROTRAÍ DE FORMA DESMEDIDA EM PROL DE PROVA NO INTERESSE EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO EXTRAPOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE À CONCLUSÃO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DE PRIMEIRO GRAU CONFIRMAÇÃO DA LIMINAR COM A LIBERDADE PROVISÓRIA COM MEDIDAS CAUTELARES ESTABELECIDAS ORDEM CONCEDIDA. (TJPR - 4ª C.Criminal - 0025855-96.2019.8.16.0000 - Ampére - Rel.: Desembargador Carvílio da Silveira Filho - J. 27.06.2019)Em face do exposto, constatado o excesso de prazo para o cumprimento do mandado de intimação de réu preso, somado ao descumprimento injustificado, por tempo considerável, do prazo previsto no art. 316, parágrafo único, do CPP, é o caso de se confirmar a liminar anteriormente concedida, para o fim de expedir alvará de soltura em favor da paciente, cumulado com as seguintes medidas cautelares previstas no art. 319, do CPP (sem prejuízo de outras que o juízo a quo entender pertinentes): I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga; e IX - monitoração eletrônica. Isto tudo para possibilitar o adequado deslinde do processo criminal, para evitar a prática de novas infrações penais, para garantir a futura aplicação da lei penal e adequar-se à gravidade do crime e às condições pessoais da paciente.Contudo, é de se ressalvar que, caso a denunciada descumpra injustificadamente as medidas cautelares impostas, poderá ter a prisão preventiva novamente decretada, do que deverá ser ela advertida.
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