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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
1.
Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de concessão do efeito suspensivo, interposto por Bradesco Auto/RE Companhia de Seguros, contra a decisão de mov. 52.1, proferida nos autos de Ação de Cobrança, autuada sob o nº 0027527-39.2019.8.16.0001, apenas na parte em que deferiu o pedido dos autores/agravados de inversão do ônus da prova, em razão da aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Para tanto, a recorrente aduz, em suas razões recursais (mov. 1.1-TJ), em síntese, após breve relato dos fatos, que: a) dentre os pontos controvertidos estabelecidos pelo juízo a quo, em dois deles, quais sejam, na “preexistência dos bens” e na “extensão dos danos”, não se verifica a hipossuficiência técnica e financeira dos recorridos; b) não é possível à agravante provar o nexo de causalidade entre o sinistro e os referidos pontos controvertidos, cujo esclarecimento incumbe aos agravados, com vistas ao correto desfecho da ação, “por dedução lógica”; c) não se pode exigir que a recorrente comprove os fatos constitutivos do direito dos recorridos; d) a manutenção da decisão atacada implica determinar que a agravante produza prova negativa quanto à existência dos bens dos agravados que devem ser indenizados; e) os fatos alegados devem ser minimamente comprovados, caso contrário, comprometeria a boa leitura do caso, prejudicando qualquer decisão proferida; f) a hipossuficiência técnica e financeira não pode ser presumida, devendo ser devidamente comprovada antes de se proferir decisão para inverter o ônus probatório; e g) não foram apresentados aos autos documentos capazes de demonstrar a verossimilhança dos fatos narrados na inicial.
Pugna pela concessão do efeito suspensivo à decisão agravada, eis que: a) caso seja mantido o interlocutório vergastado, haverá incontestável dano de impossível reparação, causando prejuízo à atividade da agravante e à coletividade dos segurados; e b) a demanda pode ser julgada a qualquer momento devido ao entendimento de que haverá julgamento antecipado da lide.Ao final, pugnou seja conhecido e provido o presente agravo de instrumento, no sentido de que não seja concedida a inversão do ônus da prova no presente caso, ou, alternativamente, que se reforme a decisão atacada, de modo a esclarecer em quais pontos incide a referida inversão e em quais não incide.
O efeito suspensivo foi deferido no mov. 9.1-TJ.Devidamente intimados, os recorridos apresentaram contrarrazões no mov. 24.1-TJ, oportunidade em que pugnaram pela manutenção da decisão agravada.Após, vieram os autos conclusos para julgamento. É o relatório.
Passo a fundamentar o voto. 2.
Presentes os requisitos de admissibilidade, tanto os extrínsecos, como os intrínsecos, o recurso comporta apreciação.Cinge-se a controvérsia recursal acerca da possibilidade, ou não, de se inverter o ônus da prova em favor dos agravados. Inicialmente, cumpre destacar que o magistrado a quo, no mov. 60.1, fixou como pontos controvertidos da demanda: a) preexistência dos bens; b) extensão dos danos; e c) cumprimento integral da obrigação do contrato pela seguradora/agravante.De partida, vale transcrever a seguinte lição de Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, in “Curso de Direito Processual Civil – Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela”, Volume 2, 6ª edição, Editora JusPodivm, 2011, pp. 96/97: “Parece-nos que a concepção mais acertada sobre a distribuição do ônus da prova é essa última: a distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual a prova incumbe a quem tem melhores condições de produzi-la, à luz das circunstâncias do caso concreto. Em outras palavras: prova quem pode. Esse posicionamento justifica-se nos princípios da adaptabilidade do procedimento às peculiaridades do caso concreto, da cooperação e da igualdade, todos examinados no volume 1 deste Curso.‘A solução alvitrada tem em vista o processo em sua concreta realidade, ignorando por completo a posição nele da parte (se autora ou se ré) ou a espécie do fato (se constitutivo, extintivo, modificativo, impeditivo). Há de demonstrar o fato, pouco releva se alegado pela parte contrária, aquele que se encontra em melhores condições de fazê-lo’.Enfim, de acordo com essa teoria: i) o encargo não deve ser repartido prévia e abstratamente, mas, sim, casuisticamente; ii) sua distribuição não pode ser estática e inflexível, mas, sim, dinâmica; iii) pouco importa, na sua subdivisão, a posição assumida pela parte na causa (se autor ou réu); iv) não é relevante a natureza do fato probando – se constitutivo, modificativo, impeditivo ou extintivo do direito – ou o interesse em prová-lo, mas, sim, quem tem mais possibilidades de fazer a prova. ” (grifo acrescido) Notadamente no que diz respeito à preexistência dos bens dos recorridos, bem como à extensão dos danos, caso se entendesse pelo deferimento da inversão do ônus probatório, estar-se-ia atribuindo à recorrente o ônus de comprovar fato negativo, chamada de “prova impossível” ou "prova diabólica".Por este motivo faz-se imperiosa a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus probatório acima referida, segundo a qual a prova irá competir a quem possuir melhores condições de produzi-la, no caso, conforme preconizado no artigo 373 do Código de Processo Civil.Versando sobre situações semelhantes, eis as seguintes decisões proferidas por este Egrégio Tribunal de Justiça: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DIFICULDADE DO AGRAVADO EM DEMONSTRAR SEU DIREITO. PROIBIÇÃO DE PROVA DIABÓLICA. DECISÃO REFORMADA PARA AFASTAR A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. RECURSO PROVIDO” (TJPR - 8ª C. Cível - 0010063-68.2020.8.16.0000 - São José dos Pinhais - Rel.: Desembargador Mário Helton Jorge - J. 29.06.2020). “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM DESPACHO SANEADOR. IMPOSSIBILIDADE. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. IMPOSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. AUTOR QUE DEVERÁ COMPROVAR O DANO MORAL SUPORTADO. IMPOSSIBILIDADE DE IMPUTAR AO RÉU PRODUÇÃO DE PROVA NEGATIVA. VEDADA PRODUÇÃO DE PROVA DIABÓLICA. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO” (TJPR - 8ª C. Cível - 0061626-38.2019.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: Desembargador Marco Antonio Antoniassi - J. 06.04.2020) (grifos acrescido). “AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – QUEDA EM ÔNIBUS COLETIVO MUNICIPAL – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – INSURGÊNCIA DA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA QUE FISCALIZA O TRANSPORTE – DESCABIMENTO – ÚNICA CONCESSIONÁRIA QUE CONFERE PERMISSÃO PARA EXPLORAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO – ENQUADRAMENTO NO ARTIGO 3º E 22 DO CDC – CONSTATAÇÃO DA VEROSSIMILHANÇA E HIPOSSUFICIÊNCIA, REQUISITOS EXIGIDOS PELO INCISO VIII DO ARTIGO 6º DO CDC – IMPOSSIBILIDADE DE OBRIGAR A RÉ A PRODUZIR PROVA DIABÓLICA – NECESSIDADE DE DELIMITAÇÃO DA MATÉRIA OBJETO DA INVERSÃO – INVERSÃO QUE SE LIMITA AOS FATOS DO ACIDENTE – DANO MORAL E MATERIAL QUE SE SUJEITAM AO ÔNUS DA PROVA PREVISTO PELO ARTIGO 373, I DO CPC. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO” (TJPR - 8ª C. Cível - 0039230-67.2019.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: Juiz Alexandre Barbosa Fabiani - J. 16.03.2020). Dessa forma, inaplicável o disposto no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, sendo de rigor a reforma da decisão atacada nesse tocante, aplicando-se a teoria da distribuição dinâmica da prova, determinando-se aos agravados a comprovação dos fatos constitutivos de seu direito, eis que possuem melhores condições para tanto, ressaltando que compete à agravante o dever de comprovar o devido cumprimento integral da obrigação contratual, de modo a não obrigar que os recorridos, por sua vez, produzam prova impossível. DIANTE DO EXPOSTO, voto no sentido de conhecer e dar parcial provimento ao agravo de instrumento, reformando a decisão agravada no que concerne à distribuição do ônus da prova apenas no que tange à preexistência dos bens e à extensão dos danos, cuja produção passa a ser incumbência dos agravados.
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