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Acórdão
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1. Trata-se de apelação cível interposta por Doreodo Araujo Lyra, da sentença (mov. 25.1) proferida pelo Emitente Juiz João Batista Spanier Neto, que julgou improcedente os pedidos formulados na ação de retificação de registro civil, por meio da qual o Autor busca a retificação da sua certidão de nascimento para incluir o nome de sua genitora, dos seus avós maternos, bem como dos ascendentes do seu pai adotivo.Em suas razões recursais, o Apelante sustenta que foi registrado como filho de Pedro Araújo e Santilia Izabel Araújo, mas que “em data de 28 de junho de 1984, [...], já maior de idade, foi adotado pelo saudoso professor, advogado e jurista Roberto Lyra Filho, atualmente falecido, sendo que a referida adoção se deu a época através de Escritura Pública de Adoção” e que “no momento da averbação da referida adoção ocorrida perante o Serviço Distrital de Ventania, Estado do Paraná, o novo documento de registro de nascimento emitido com a competente averbação, deixou de constar o nome de sua genitora, bem como dos avós maternos e novos avós paternos [...]”.Acrescenta que a adoção “somente veio a trazer alteração ao nome do pai e avós paternos, não de sua genitora e avós maternos [...]”.Ressalta que “somente veio tomar ciência de tal fato em janeiro do presente ano, ao solicitar perante o Serviço Registral de Ventania a certidão de nascimento atualizada para emissão de nova cédula de identidade, já que o referido documento deve ser renovado a cada 10 (dez) anos”.Por fim, alega que a sentença apelada, ao julgar improcedentes os seus pedidos, contraria a legislação e a jurisprudência aplicável ao caso.A Procuradoria-Geral da Justiça opinou pelo “parcial provimento do recurso de apelação, apenas para que seja incluído o nome da genitora e dos avós maternos”.Na sequência, os autos retornaram conclusos.
2. Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso comporta conhecimento, conforme análise a seguir.Pretende o Autor/Apelante a retificação da sua certidão de nascimento, para que nela passe a constar o nome da sua mãe e dos seus avós maternos, bem como dos ascendentes do seu pai adotivo.Relata que inicialmente foi registrado como filho de Pedro Araujo e Santília Izabel Araujo, mas que em 28/06/1984, já maior de idade, foi adotado por meio de escritura pública de adoção por Roberto Lyra Filho. Informa que, quando da lavratura do novo registro civil, fundado em escritura pública de adoção, o escrivão deixou de constar o nome da sua mãe e dos seus avós paternos e maternos.Menciona que somente veio a tomar ciência de tal fato no mês de janeiro de 2020, ao solicitar a 2ª via da sua certidão de nascimento perante o Serviço Registral, eis que necessitava expedir nova via de carteira de identidade, para instruir seu pedido de aposentadoria perante o INSS, bem como para realizar a baixa de empresa perante a Junta Comercial do Paraná.No entanto, o juízo a quo, na sentença de mov. 25.1, julgou improcedentes os pedidos iniciais, por considerar que como a adoção do Autor ocorreu sob a égide do Código Civil de 1916, no âmbito do qual o parentesco resultante da adoção era meramente civil e limitava-se ao adotante e ao adotado, não se estende o parentesco aos familiares do adotante; daí a razão da ausência do nome dos pais do adotante na certidão de nascimento do adotado. A sentença considerou, também, que como a averbação da escritura pública de adoção “era feita no assento primitivo, a partir do qual o oficial fornecia certidão apenas com os novos elementos, não podendo conter informações sobre o estado anterior do adotado”, a adoção extinguiu o registro de nascimento anterior, motivo pelo qual houve a supressão do nomes da genitora e dos avós maternos em sua nova certidão de nascimento.Irresignado, o Autor interpôs a presente apelação cível, pretendendo a reforma da sentença para que os seus pedidos iniciais sejam julgados procedentes.Pois bem.De início, importa fazer um breve histórico das normas brasileiras a respeito da adoção, com destaque na regulamentação do vínculo entre os ascendentes do adotante e o adotado.O instituto da adoção passou por muitas transformações no decorrer do tempo, sobretudo com o advento da Constituição Federal e a sua regulamentação pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990), bem como, atualmente, pela Lei Nacional da Adoção (Lei n. 12.010, de 3 de agosto de 2009). Essas normas conferiram uma efetiva mudança de paradigmas à forma tradicional de adoção vigente no Brasil sob a égide do Código Civil de 1916.A adoção foi tratada pela primeira vez no Brasil no Código Civil de 1916, que previa a “adoção simples”, na qual se mantinham os vínculos biológicos do adotado com a família natural. A adoção tinha natureza assistencial e era realizada por meio de Registro Público, sem a interferência do Poder Judiciário.Com efeito, os artigos 375 e 376 daquele código previam que a adoção deveria ser realizada por intermédio de escritura pública, com restrição do parentesco apenas ao adotante e ao adotado, in verbis: “Art. 375. A adoção far-se-á por escritura pública, em que se não admite condição, em termo.Art. 376. O parentesco resultante da adoção (art. 336) limita-se ao adotante e ao adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, a cujo respeito se observará o disposto no art. 183, ns. III e V. ” Por sua vez, a Lei nº. 4.655/1965, que tratava sobre a legitimidade adotiva, trouxe, entre outras mudanças, a possibilidade do vínculo da adoção se estender aos ascendentes do adotante, desde que com expressa anuência destes: “Art. 9º O legitimado adotivo tem os mesmos direitos e deveres do filho legítimo, salvo no caso de sucessão, se concorrer com filho legítimo superveniente à adoção (Cód. Civ. § 2º do art. 1.605). § 1º O vínculo da adoção se estende à família dos legitimantes, quando os seus ascendentes derem adesão ao ato que o consagrou. § 2º Com a adoção, cessam os direitos e obrigações oriundos da relação parentesco do adotado com a família de origem. ” No entanto, o Código de Menores (Lei nº. 6.679, de 10/09/1979) revogou a Lei nº. 4.655/65, passando a vigorar duas formas de adoção: a “simples” (para maiores de idade) e a “plena” (para menores de idade em situação irregular).A adoção “simples” não extinguia os vínculos do adotado com a sua família natural, enquanto a “plena” promovia esse rompimento e estendia o vínculo da adoção à família do adotante. A adoção “plena” manteve o espírito da legitimação adotiva, mas estendeu o vínculo da ação à família do adotante, resultando, inclusive, na inscrição do nome dos ascendentes dos adotantes no registro civil do adotado, independentemente da concordância deles.Com o advento da Constituição Federal de 1988, o § 6º do artigo 227 expressamente previu a proibição do tratamento desigual entre os filhos, nos seguintes termos: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.Assim sendo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei 8.069, de 13/07/1990), disciplinou exclusivamente a adoção “plena”, que é aquela que desvincula o adotado de seus pais biológicos.Especificamente quanto aos ascendentes do adotante, o ECA manteve a obrigatoriedade do vínculo de parentesco, com registro na certidão de nascimento do adotado: “Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão. § 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes”. Posteriormente, o Código Civil de 2002, em harmonia com o mandamento constitucional, consagrou a igualdade entre os filhos, estabelecendo no seu artigo 1.596 que: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.Nessa perspectiva, de acordo com a doutrina de Luciano Alves Rossato, Rogério Sanches Cunha e Paulo Lepore, a legislação civilista de 2002 promoveu: "A unificação da adoção, impondo novo e completo vínculo familiar, com efetiva participação do poder Público. Determinou-se, dentre outras coisas, que só subsiste a adoção plena. Devido às inovações inseridas em 2002, o Estatuto da Criança e do Adolescente passou a ser aplicado somente naquilo que não contrariasse as disposições civilistas". [1] Finalmente, com a edição da Lei Nacional da Adoção (Lei n. 12.010, de 3 de agosto de 2009), ocorreram profundas modificações no Estatuto da Criança e do Adolescente, que praticamente passou a ser absoluto na regulamentação do tema, aplicando-se, inclusive, de forma subsidiária, quanto à adoção de maiores de idade (art. 1.619 do CC/2002).No caso dos autos, a adoção do Autor/Apelante, por Roberto Lyra Filho, aconteceu em 28/06/1984, na modalidade “simples”, já que o adotado era maior de idade, sendo levada a efeito por meio de escritura pública.Como a adoção ocorreu antes da Constituição Federal de 1988 e sob a égide do Código Civil de 1916, é essa a legislação aplicável ao caso, no âmbito da qual a adoção civil era restrita, pois não integrava totalmente o adotado na família do adotante, já que permaneciam os vínculos sanguíneos do parentesco natural.Como acima mencionado, de acordo com o Código Civil de 1916, mais especificamente em seu artigo 376, a adoção “simples” estabelecia parentesco civil apenas entre o adotante e o adotado, nunca com a família do adotante. Isto é, a adoção não agregava parentalidade relacionada aos ascendentes do adotante.Isso porque havia a manutenção não apenas dos vínculos, mas também dos direitos e deveres decorrentes do parentesco natural, dada a expressa e clara disposição constante no artigo 378 do Código Civil de 1916: "Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para o adotivo".Destarte, não há que se falar em parentesco entre o Autor e os ascendentes do seu adotante, muito menos em averbação do nome deles na sua certidão de nascimento. Por outro lado, como com a adoção simples não são extintos deveres e direitos decorrentes do parentesco natural, ou seja, o vínculo com a família de origem não é rompido, é de ser mantido no registro público os nomes da genitora biológica e dos avós maternos, nos termos do pedido formulado pelo Autor/Apelante.Ora, a pretensão de inclusão do nome dos ascendentes do pai adotivo no registro civil de nascimento do Autor viola o ato jurídico perfeito, em razão da adoção ter sido empreendida na vigência do Código Civil de 1916 e antes da Constituição da República de 1988.A propósito, mutatis mutandis: “RECURSO ESPECIAL - RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO - PRETENSÃO DE INCLUSÃO DO NOME DOS ASCENDENTES DOS PAIS ADOTIVOS NA CERTIDÃO DE NASCIMENTO - ADOÇÃO SIMPLES REALIZADA POR ESCRITURA PÚBLICA - INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE REJEITARAM O PEDIDO ANTE A IMPOSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DO ATO JURÍDICO PERFEITO. 1. O ordenamento jurídico vigente ao tempo em que realizada a adoção simples da peticionante por meio de escritura pública (natureza contratual), previa que o parentesco resultante da adoção era meramente civil e limitava-se ao adotante e ao adotado, não se estendendo aos familiares do adotante visto que mantidos os vínculos do adotado com a sua família biológica. 2. A pretensão da insurgente é a de afastar o parentesco para com os avós biológicos e estabelecer vínculo com a família dos adotantes (ascendentes), ou seja, objetiva modificar a substância do ato adotivo. Não se trata de aplicação retroativa dos efeitos hodiernos conferidos ao instituto da adoção plena e seus consectários, mas sim do próprio remodelamento do ato adotivo. 3. Inviável o acolhimento da reivindicação dada a impossibilidade de modificação do ato jurídico perfeito e acabado da adoção levada a efeito em 1962, tempo ao qual a lei previa a manutenção não apenas dos vínculos mas também dos direitos e deveres decorrentes do parentesco natural dada a expressa e clara disposição constante do artigo 378 do Código Civil/1916: "Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para o adotivo." 4. Recurso especial desprovido. ” (REsp 1232387/MG, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 28/02/2020) Ademais, importa frisar que, muito embora a Constituição Federal de 1988 tenha inaugurado a igualdade entre filhos biológicos e adotivos, no caso em tela não pode ser usado como pretexto para alterar situações consolidadas sob a égide de outro ordenamento jurídico.Com efeito, a legislação atual não se aplica aos casos pretéritos de adoção.Por fim, em respeito aos ditames do Código Civil de 1916, que mantinha o vínculo do adotado com a família de origem, deve ser reformada a sentença para julgar procedente o pedido do Autor/Apelante apenas para a retificação do seu registro civil, com a inclusão do nome de sua genitora biológica e dos seus avós maternos. 3. De conseguinte, conclui-se pelo parcial provimento do recurso, apenas para que seja incluído na certidão de nascimento do Autor/Apelante o nome da sua genitora e dos seus avós maternos; daí a parcial procedência da presente ação.
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