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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I - RELATÓRIO Cuida-se de mandado de segurança c/c pedido de tutela de urgência impetrado por Maison Infinity em face de suposto ato coator praticado pelo Prefeito de Londrina, Sr. Marcelo Belinati Martins.
Afirma o impetrante que o Prefeito de Londrina vem editando decreto em cima de decreto com a finalidade de evitar a expansão da pandemia. Ocorre que a constante modificação da legislação, somada à falta de clareza, provocam confusão sobre o que pode e o que não pode funcionar dentro do município.
É o que acontece com o decreto municipal nº 834/2020. De fato, os arts. 22 e 23 podem ser mal interpretados pelos fiscais, e, caso eles entendam que as restrições abarcam condomínios como o impetrante, a penalidade pode ser severa, oscilando entre 10 e 120 mil reais. De tal modo, há a necessidade de ser declarado que, respeitando-se as recomendações sanitárias da OMS, o uso da área de lazer do condomínio deve ser autorizado.
Caso a interpretação a respeito do decreto seja outra, então o controle jurisdicional deve ser levado a efeito com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Com efeito, é excessivo privar o uso de um espaço que possa ser utilizado seguindo as medidas sanitárias, como a prática de esporte individual ou com número reduzido de pessoas, sem a presença de público e de aglomeração.
Há de se destacar, outrossim, que a medida ofende o princípio constitucional da isonomia, na medida em que atividades empresariais do mesmo gênero estariam permitidas. Ressalta que a jurisprudência já chancelou pretensões idênticas em casos similares.
Com base nos fatos e argumentos acima, o impetrante requereu, inclusive liminarmente, autorização para o uso das áreas de lazer do condomínio, inibindo a imposição de sanções arbitrárias pela fiscalização municipal.
O pleito liminar foi indeferido (mov. 20.1). A decisão interlocutória foi recorrida por agravo de instrumento. Por decisão deste relator, o recurso foi recebido apenas no efeito devolutivo (mov. 10.1, autos n. 0041910-88.2020.8.16.0000). Posteriormente, o recurso foi declarado prejudicado (mov. 29.1 dos mesmos autos).
O município de Londrina apresentou defesa na forma de contestação / informações, seguida de réplica (mov. 46.1).
Os autos seguiram conclusos ao Exmo. Juiz Marcos José Vieira, que extinguiu o processo sem resolução de mérito pela perda superveniente do interesse processual (mov. 64.1). No seu entendimento: (i) “Com a edição do Decreto Municipal nº 959/2020, a utilização das áreas comuns em condomínios residenciais, inclusive academias, passou a ser indiscutivelmente permitida no âmbito do Município de Londrina. Assim, a tutela jurisdicional pleiteada nesta demanda não mais atende ao binômio necessidade-utilidade, impondo-se a extinção do feito”. (ii) “Em que pese reconhecida a perda superveniente do interesse de agir, assinalo que o princípio da causalidade milita em desfavor do Município de Londrina”.
Inconformado com a sentença, o município de Londrina interpôs o presente recurso de apelação (mov. 71.1). Em breve resumo, argumenta que:
a) “o Município de Londrina, ao editar os atos normativos, observou a realidade epidemiológica local ao vedar a realização de eventos, encontros comemorativos, e uso de algumas áreas de lazer, bem como sopesou a possibilidade de risco de dano com a circulação de pessoas, a fim de evitar o contato social e, consequentemente, conter a pandemia”. b) “... não pode o MM. Juízo extinguir o processo por perda de objeto utilizando fundamentação de mérito referente a processo diverso. De efeito, a falta de interesse de agir superveniente não é afeta ao mérito e, portanto, a extinção é pela ausência do binômio interesse-utilidade”. c) “ao contrário da fundamentação externalizada na r. sentença, importante destacar o art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual: ‘Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão’”. d) “Ainda, o art. 22 da mesma Lei prescreve que: “Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados”.
Contrarrazões à seq. 79.1 dos autos.
A douta Procuradoria Geral de Justiça emitiu parecer pelo conhecimento e provimento do recurso de apelação (mov. 12.1 - TJ).
É o relatório.
II - VOTO E FUNDAMENTAÇÃO O recurso preenche todos os pressupostos - intrínsecos e extrínsecos - de admissibilidade.
Cuida-se de mandado de segurança impetrado por MAISON INFINITY em face de suposto ato coator praticado pelo prefeito de Londrina.
De acordo com o impetrante, o decreto municipal 834/2020 contém disposições obscuras acerca da possibilidade (ou não) de uso de áreas comuns do seu condomínio. Assim, com o receio de sofrer sanções decorrentes de interpretações equivocadas dos fiscais, ele requer a concessão de segurança preventiva, declarando-se a ausência de restrições criadas pelo sobredito ato normativo municipal. Alternativamente, caso assim não se entenda, ele considera que o decreto padece de nulidade, invocando princípios constitucionais como, e.g., a razoabilidade, a proporcionalidade e a isonomia.
O processo foi extinto sem resolução de mérito ante a perda superveniente do interesse processual, tendo em vista o advento do decreto 959/2020, que, incontroversamente, autorizou o uso de áreas comuns dentro de condomínios horizontais. Pelo princípio da causalidade, o “juízo a quo” condenou o município de Londrina ao pagamento das custas processuais, sendo este o objeto do presente recurso.
Bem delimitados os contornos da lide, tem-se como oportuna a transcrição dos arts. 22 e 23 do decreto municipal 834/2020. Vejamos:
Art. 22. Permanece vedado o funcionamento de:
I – Casas noturnas, boates e similares. II – Buffets, salões de eventos/festas, espaços de recreação/entretenimento e quaisquer outras áreas de conveniência similares, ainda que seja em locais privados; III – teatros, museus, centros culturais, bibliotecas, cinemas e similares; IV – Clubes sociais e similares. Art. 23. Permanece proibida a realização de comemorações, festas, eventos, partidas esportivas e quaisquer outras atividades similares, em local aberto ou fechado, em espaços públicos ou privados, inclusive em condomínios horizontais e verticais, associações e congêneres.
(...) §2°. A proibição instituída no caput, estende-se à realização de confraternização (“churrascos” e similares) que cause aglomeração em numero igual ou maior que 10 pessoas. Conforme já salientado no exame liminar do agravo de instrumento (autos n. 0041910-88.2020.8.16.0000 - mov. 10.1), “... a proibição contida no decreto impugnado diz respeito unicamente à realização de festas, eventos, comemorações e partidas esportivas, de modo que com exceção de tal impedimento, cumpre ao síndico, no uso de suas atribuições legais, estabelecer regras de uso e circulação das áreas comuns, nos termos do disposto no art. 1348, V, do Código Civil”.
Importante registrar que os prefeitos possuem autonomia para adotar medidas combativas à expansão do Coronavírus (COVID-19), sempre considerando a realidade local (casos ativos, índice de transmissão, ocupação dos leitos, etc), inserindo-se neste contexto as limitações contidas no Decreto 834/2020, que não podem ser consideradas desarrazoadas ou desproporcionais. Mais uma vez, reporto-me à fundamentação da liminar do AI, quando restou assentado que:
Outrossim, é importante consignar que nesta análise de cognição sumária e não exauriente, a proibição constante no Decreto Municipal nº 834/2020, relativa à realização de festas, eventos, comemorações e partidas esportivas, não parece causar prejuízo irremediável ou de difícil reparação ao recorrente.
Trata-se de atividades de lazer que promovem o convívio social, lembrando que estamos diante do enfrentamento de uma pandemia, e a situação no Estado do Paraná, como dito acima, é periclitante, com a ascensão de novos casos, sendo pública e notória a importância do isolamento social para contenção das infecções causadas pelo Covid-19. Fora as restrições já elencadas (comemorações, festas, eventos, partidas esportivas e atividades similares), o uso das áreas comuns dos condomínios não estava proibido (dicção expressa do art. 23 do Decreto 834/2020), afastando-se a necessidade de qualquer pronunciamento judicial neste sentido. Paralelamente, como já frisado, as regras de uso mais específicas do que o decreto municipal seriam de alçada do síndico, a teor do que estabelece o art. 1348, inciso V do CCB/02.
Neste panorama, seja pela razoabilidade / proporcionalidade das limitações impostas, seja pela possibilidade de uso das áreas comuns que o decreto não excepcionou, conclui-se que quem deu causa à propositura da presente ação foi o próprio condomínio impetrante, o qual deve arcar com o pagamento dos encargos sucumbenciais.
Ante o exposto, o voto é pelo conhecimento e provimento do recurso de apelação, ao fim de inverter os encargos sucumbenciais, o que se faz em nome da causalidade.
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