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Acórdão
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I – RELATÓRIO. Trata-se de recurso de Apelação Cível manejado contra a sentença proferida na ação “Declaratória de Nulidade/Inexigibilidade de Desconto em Folha de Pagamento Cumulada com Repetição de Indébito e Danos Morais”, movida por Eva dos Santos em face do Banco Bradesco S/A.Na exordial, narrou a Autora que, dada a sua avançada idade, não se recorda se celebrou ou não o contrato nº 798467711 com o Réu, e que, por isso, solicitou administrativamente cópia do citado contrato, mas não obteve êxito. Diante disso, e considerando a constante veiculação de notícias dando conta de fraudes bancárias, ajuizou a demanda para constatar se presentes ou não algumas máculas que, ao seu ver, invalidariam a contratação (ausência de contrato, contrato parcialmente preenchido, assinatura em contrato incompatível, ausência de comprovante de entrega de valores, entre outros). Frente a esse panorama, postulou: “DOS PEDIDOSPosto isso, requer:a) Seja recebida e autuada a presente ação, bem como, a citação do Requerido, na pessoa de seu representante legal ou quem às vezes o faça, para querendo, ofereça resposta nos termos da lei, sob pena de revelia e confissão;b) A concessão da justiça gratuita ao Requerente;c) DECLARE a inversão do ônus da prova (Art. 6º, VIII do CDC);d) A dispensa na designação de audiência conciliatória e de instrução, por tratar se de matéria apenas documental;e) Que venha o requerido apresentar nos autos todos documentos referentes ao contrato mencionado na inicial, para que a parte autora venha a deles conhece-los e querendo venha impugna-los, documentos que já poderiam ter sido apresentados quando do pedido administrativo;f) No mérito, após analisados os documentos apresentados e inexistindo concomitantemente os três documentos imprescindíveis, quais sejam, o contrato válido, autorização para averbação junto ao INSS, e a prova inequívoca de que os valores foram entregues a parte autora, requer que seja declarado ilegal os descontos por ela realizados na única fonte de renda da autora, bem como CONDENAR O RÉU a restituir em dobro o montante pago no valor de R$ 6.194,14 (seis mil, cento e noventa e quatro reais e quatorze centavos) determinando a cessação dos descontos, se ativos, sob pena de multa a ser fixada pelo nobre magistrado;g) Condenar ainda o requerido a indenizar a título de danos morais ao Autor, no valor de R$ 10.000,00 - (dez mil reais) ou, caso entenda Vossa Excelência, quantia arbitrada de acordo com a concepção deste Juízo, nos moldes dos fundamentos apresentados;h) A condenação do Requerido ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios a serem fixados em 15% sobre o valor da condenação” (grifei). Ao analisar a exordial, o Juízo determinou a intimação da Autora para, no prazo de 15 (quinze) dias, emendar a inicial, para: (i) apresentar procuração atualizada, vez que indispensável à propositura da ação; (ii) “manifestar-se sobre a inépcia da inicial, eis que a peça de abertura é genérica e a parte – sem se valer do necessário procedimento de produção antecipada de provas frente ao desatendimento do seu pedido administrativo – serve-se de ação para verdadeira expedição no sentido de identificar se houve fraude ou não” (mov. 7.1).No mov. 12.2 a Autora apresentou a procuração atualizada. Concedido novo prazo para emenda da petição inicial (mov. 14.1), a Autora afirma, no mov. 17.1, ser seu direito “...pleitear, através de ação declaratória, a declaração judicial da existência ou inexistência do suposto contrato de empréstimo consignado, nos moldes em que entende fazer jus, competindo apenas ao magistrado de primeiro grau, quando da análise do mérito, julgar procedente ou improcedente os seus pedidos formulados”, não havendo razão para emenda à petição inicial. Afirmou, ainda, que a emissão de extratos bancários gera custo financeiro que, pela sua hipossuficiência, não tem condições de suportar, cabendo ao Banco-réu, em razão da inversão do ônus da prova pleiteada, apresentar os documentos pertinentes ao esclarecimento dos fatos.
Sobreveio a sentença (mov. 19.1) que indeferiu a petição inicial por inépcia e ausência de documentos essenciais à propositura da ação, julgando extinto o processo, sem resolução do mérito, com fulcro nos arts. 485, I e IV, c/c art. 76, §1º, I, ambos do CPC, condenando a Autora ao pagamento das custas processuais, observada, contudo, a sua condição de beneficiária da justiça gratuita, o fazendo nos seguintes termos: “(...) No caso, esta Magistrada entende que cabia a parte autora ajuizar, primeiramente, ação de produção antecipada de provas, a fim de compelir a parte ré a apresentar o instrumento contratual que alega estar maculado, para embasar, ao menos superficialmente, a sua tese principal.Considerando que a parte autora não juntou referido contrato, não é possível analisar a irregularidade das cobranças efetuadas e se houve fraude ou não, conforme sustenta, tampouco se tal ação é realmente viável e necessária.Nesse contexto, e renovando meus respeitos, a ação materializa verdadeira aventura jurídica, incentivada pela justiça gratuita e permeada da compreensão de que não se tem nada a perder, raciocínio que tem assolado o Poder Judiciário com ações fadadas ao insucesso.A conduta adotada tem por fundamento o fato de que somente neste ano de 2020 e nesta vara cível, o advogado subscritor da peça ajuizou mais de 150 ações judiciais nesse sentido, e quase 800 na Comarca de Cascavel (conforme consulta realizada nesta data no sistema projudi), sendo que quase todos estão no mesmo dilema.Como o próprio advogado alega, seus clientes são pessoas humildes que não se recordam se contrataram com a instituição financeira, tampouco se utilizaram o dinheiro.Então, o mais prudente seria que o procurador tivesse ingressado com ação preparatória, antes de apresentar em juízo um pedido genérico e sem base documental.Se não for para repelir demandas em massa, “sem pé nem cabeça”, e o juízo não puder desenfrear esse tipo de prática, tal instituto processual ficaria sem utilidade efetiva, e não é o que se espera do Poder Judiciário, ao qual cabe interpretar as leis e aplicar o direito de acordo com os casos a ele apresentados (...)”. Irresignada, a Autora interpôs o presente apelo (mov. 22.1) sustentando a necessária reforma da sentença ao argumento de que: (a) os requisitos da petição inicial foram preenchidos, o que desautoriza o indeferimento, sob pena de infringência ao direito de ação; (b) estão presentes os pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, previstos no art. 485, IV, do CPC, o que desautoriza a extinção do processo sem resolução de mérito; (c) a extinção prematura viola os princípios da economia e instrumentalidade do processo e da primazia da decisão de mérito; (d) desnecessário incidente anterior de produção antecipada de provas, podendo ser movida ação meramente declaratória; (e) a quantidade de ações protocoladas pelos procuradores da Apelante não autorizam indeferir de plano a petição inicial, uma vez que não prevista pelo art. 330, do CPC, como ensejadora dessa prática; (f) dispensável a apresentação do contrato e demais documentos pela Autora, haja vista sua hipossuficiência, e que necessária a inversão do ônus da prova; (g) a exigência de procuração atualizada e outorgada não somente à sociedade de advocacia configura excesso de formalismo do Juízo, uma vez que outorgada sem prazo específico e não revogada; (h) desnecessário o esgotamento das vias administrativas para o acesso ao Poder Judiciário; e (i) é desnecessária a juntada de comprovante de endereço em nome próprio, bastando apenas a simples indicação da residência das partes.Assim, com fundamento nos princípios do acesso à justiça e da primazia de decisão de mérito, requereu que conhecido e provido o recurso para, em reforma da sentença, determinar o retorno dos autos à origem para regular processamento.Mantida a sentença em sede de retratação (mov. 24.1), determinou-se a citação do Réu. Em contrarrazões (mov. 27.1), o Réu defende, preliminarmente, a necessidade de suspensão do processo em razão da instauração de inquérito contra o procurador da Autora, bem como o não conhecimento do recurso, uma vez que afronta o princípio da dialeticidade. No mérito, pleiteia o seu desprovimento.Subiram os autos, vindo-me conclusos.É a breve exposição.
II – VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO. Preliminarmente, defende o Réu a necessidade de suspensão do processo em razão da instauração de inquérito em desfavor do procurador da Autora. Conforme se verifica desse tal inquérito (nº 0000036-77.2020.8.16.0177), o Procedimento Investigatório Criminal (PIC) deflagrado em desfavor do procurador da Autora se restringe aos feitos ajuizados na Comarca de Xambrê, não havendo nenhuma notícia de extensão às demais comarcas do Estado. Portanto, não há que se falar em suspensão da ação, o que permite seja afastada a preliminar arguida. Ainda em sede de preliminar, o Réu-apelado pugna pelo não conhecimento do recurso, por ofensa ao princípio da dialeticidade, ao argumento de que as razões recursais não combatem os termos da sentença proferida. Todavia, depreende-se do recurso de Apelação o enfrentamento dos fundamentos da decisão judicial, com declínio claro das razões de inconformismo da Apelante, sobretudo ao defender a regularidade dos termos da petição inicial, que a seu ver, atende todos os comandos legais para processamento, o que autoriza concluir que o princípio da dialeticidade recursal restou plenamente atendido.Assim, presentes os pressupostos recursais de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos, conheço do recurso, cujas razões se cingem no reconhecimento de que a petição inicial da ação Declaratória de Nulidade/Inexigibilidade de Desconto em Folha de Pagamento c/c Repetição de Indébito e Danos Morais preenche os requisitos legais para o processamento da demanda, com vista ao julgamento de mérito.Pois bem.É importante dizer, desde logo, que este Relator, por algumas vezes, já se manifestou em sentido diverso. Contudo, dados os reiterados casos em que discutidas essas exatas mesmas questões, busquei debruçar-me ainda mais sobre os temas aventados, acabando por concluir pelo acerto da sentença em extinguir o feito, sem exame de mérito.O primeiro, e mais relevante fundamento, é que a Autora foi instada a emendar a inicial para que lapidasse os pedidos deduzidos, e, entretanto, nada fez, se limitando a defender a regularidade da petição inicial nos seus exatos termos em que apresentada (mov. 17.1).Assim, imperiosa a aplicação do parágrafo único, do art. 321, do CPC, com o indeferimento da petição inicial, o que observa o devido processo legal de modo pleno e não ofende o primado da primazia da decisão de mérito encartado no art. 4º, do CPC, pois é sempre válido apontar que a análise do mérito está sempre condicionada ao preenchimento dos seus prévios requisitos.Num segundo momento, também são válidas algumas considerações quanto ao pedido, à forma e ao modo em que deduzido.Consoante impõem os arts. 322 e 324, do CPC, o pedido deve ser certo e determinado, admitindo-se a dedução de pedidos genéricos tão somente “nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados”, “quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato”, ou ainda, “quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu”.E, no caso específico dos autos, é impossível visualizar qualquer certeza ou determinação no pedido deduzido pela Autora, e tampouco se está diante das exceções acima apontadas. Basta a leitura do pedido formulado na inicial (item “f”) para se perceber que se trata de pleito nitidamente condicional, porquanto postula a condenação da parte adversa ao acaso de ser evidenciada quaisquer das máculas que, ao seu ver, invalidariam a contratação, e que somente seriam verificadas ao longo da demanda, até porque, na causa de pedir, narra a Apelante que sequer se recorda da contratação, dos seus termos, ou mesmo do recebimento de valores, elementos que poderiam ter sido obtidos, com absoluta simplicidade, através de simples extrato de conta, fornecido pela própria instituição financeira onde mantém relacionamento.Logo, nem mesmo a máxima boa vontade na interpretação dos pedidos (§2º, do art. 322, do CPC) é capaz de afastar a nítida condicionalidade e generalidade do seu conteúdo.Sobre o tema já se manifestou esta Câmara: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO/AUSÊNCIA DO EFETIVO PROVEITO, CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. SENTENÇA DE EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL NÃO PREENCHIDOS. PEDIDO GENÉRICO E CONDICIONAL. OFENSA AO CONTIDO NO ARTIGO 330, DO CPC. SENTENÇA DE EXTINÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 14ª C.Cível - 0032909-71.2019.8.16.0014 - Londrina - Rel.: Desembargadora Themis de Almeida Furquim - J. 20.07.2020). APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS – SENTENÇA QUE INDEFERE A PETIÇÃO INICIAL PELA INÉPCIA, CONDENANDO A PARTE AUTORA, AINDA, AO PAGAMENTO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR – NÃO ACOLHIMENTO – PEÇA EXORDIAL QUE NÃO EXPÕE CLARAMENTE A TUTELA JURISDICIONAL BUSCADA, BEM COMO DEDUZ ARGUMENTOS GENÉRICOS DIFICULTANDO O EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – INÉPCIA CONSTATADA – PRECEDENTES DO STJ E DO TJPR. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 14ª C.Cível - 0058449-58.2018.8.16.0014 - Londrina - Rel.: Desembargador Fernando Antonio Prazeres - J. 03.07.2019). APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. SENTENÇA QUE JULGOU INEPTA A PETIÇÃO INICIAL E EXTINGUIU O FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. PEÇA EXORDIAL GENÉRICA – AUSÊNCIA DE INDÍCIO MÍNIMO DAS PRETENSÕES – FATOS ABSTRATOS E INCONGRUENTES – EMENDA À INICIAL OPORTUNIZADA – VÍCIOS NÃO SANADOS – INÉPCIA DA INICIAL CONFIGURADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 14ª C.Cível - 0001548-70.2018.8.16.0014 - Londrina - Rel.: Juíza Maria Roseli Guiessmann - J. 13.02.2019). Além disso, também é preciso registrar que, no caso dos autos, notadamente diante da própria narrativa fática da Autora, que se apresenta manifestamente impregnada de incertezas, se mostra necessária e como mais adequada a utilização prévia do procedimento de produção antecipada de provas, que, por certo e previamente, poderia esclarecer as dúvidas manifestadas.É óbvio que o CPC traz a possibilidade de se pleitear a exibição incidental de documentos (art. 396 e seguintes), mas isso se dá dentro de juízo prévio da efetiva presença de máculas a serem sanadas pela sua exibição, tanto que, por força do art. 397, do CPC, o pedido de exibição conterá: “I - a individuação, tão completa quanto possível, do documento ou da coisa; II - a finalidade da prova, indicando os fatos que se relacionam com o documento ou com a coisa; III - as circunstâncias em que se funda o requerente para afirmar que o documento ou a coisa existe e se acha em poder da parte contrária”.Todavia, o que se vê na hipótese dos autos não é a existência de qualquer certeza prévia (que, como visto, se traduz em pedido indeterminado e incerto), de modo que o procedimento mais adequado, e que, portanto, preencheria de forma plena os requisitos que compõem o interesse de agir (necessidade, utilidade e adequação) seria mesmo a “produção antecipada de provas”, até porque eventual constatação da ausência dos supostos vícios certamente poderia evitar o próprio ajuizamento da ação e a oneração da Autora, porquanto a própria concessão da gratuidade judiciária não importa em inexigibilidade dos ônus sucumbenciais, mas na sua simples suspensão pelo prazo de 5 (cinco) anos. Leia-se o contido no art. 381, do CPC, especialmente o seu inc. III: “Art. 381. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:I - haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação;II - a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito;III - o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação”. Evidente, portanto, que, nos termos, forma e modo com que movida a ação, carece também de interesse de agir a Autora, especialmente porque há outro procedimento, no momento, mais adequado à sua situação jurídica específica, de mera incerteza quanto à validade do contrato que lhe foi exigido, o que foi acertadamente considerado na sentença prolatada.Assim, e por todos estes fundamentos, deve o recurso ser conhecido e desprovido, porque é caso mesmo de se manter a sentença de extinção do feito, sem exame de mérito, situação que importa na necessária condenação da Apelante, ainda, ao pagamento de honorários sucumbenciais ao patrono da parte adversa[1], que estabeleço em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (art. 85, §2º, do CPC), percentual mínimo que se justifica pela simplicidade da demanda, observado o benefício da assistência judiciária gratuita, anteriormente lhe concedido (mov. 7.1).É como voto.
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