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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I - Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto com fundamento no artigo 1.015 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015, contra a decisão saneadora de mov. 101.1 – 1º Grau proferida pelo juiz de Direito da Vara Cível do Foro Regional de Fazenda Rio Grande da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba nos autos de Reparação de Danos nº 0008597-56.2019.8.16.0038, por meio da qual se acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva da empresa JMDG LOTEAMENTOS LTDA para a presente demanda, e, por consequência, condenou a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa.Em suas razões recursais alega, o autor alega, que a decisão agravada coloca um grande ônus e prejuízo para o recorrente, pois em caso de procedência da demanda, somente poderão requerer os valores da Fontanive, enquanto a agravada JDMG, ficará isenta de qualquer obrigação, mesmo que tenha participado da cadeia construtiva e obtido lucro na operação. Argumenta que a JDMG auferiu lucro com as vendas dos imóveis, o que lhe acarreta também em participação em eventuais danos, o que permite que seja parte no presente processo, nos termos do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor.Afirma que a agravada JDMG pode, posteriormente, ingressar com ação de regresso em face da construtora Fontanive, por eventuais vícios e prejuízos decorrentes da má construção do empreendimento, entretanto, não pode deixar de responder em relação ao agravante, pois, participou efetivamente do empreendimento.Destaca que o contrato firmado entre JDMG e a Construtora Fontanive é particular, portanto, não produz efeito em relação ao agravante, que sequer participou ou anuiu com os termos entabulados entre as agravadas. Na realidade nem mesmo tinham conhecimento de referido contrato, pois sequer foi registrado em Cartório de Títulos e Documentos. Assim, não sendo dada publicidade a referido contrato, impossível fazer valer suas normas em relação a terceiros.Afirma que nas relações de consumo, a responsabilidade pela má prestação do serviço recai sobre todos os integrantes da cadeia de fornecimento de serviços em razão da presumida vulnerabilidade do consumidor.Pugnou pela concessão de efeito suspensivo ao recurso. Por fim, requereu o provimento do recurso para o fim cassar a decisão que declarou a ilegitimidade passiva da empresa JMDG LOTEAMENTOS LTDA. O pedido de efeito suspensivo foi deferido pela decisão de mov. 19.1-TJ.A J.M.D.G. LOTEAMENTOS LTDA apresentou contrarrazões (mov. 40.1 -TJ) rebatendo os argumentos do agravante e pugnando pelo desprovimento do recurso. É a breve exposição. II- VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO Presentes os pressupostos recursais, intrínsecos e extrínsecos, deve ser admitido o processamento do recurso.O Agravante pretende a reforma da decisão agravada para o fim de reconhecer a legitimidade passiva da empresa JMDG LOTEAMENTO LTDA para a presente demanda, ao argumento deque a responsabilidade desta decorre do fato de ter participado da cadeia construtiva e ter obtido lucro com as operações relativas ao empreendimento, destacando que a Lei nº 4.591/64 equipara o proprietário do terreno, como é o caso da Agravada, ao incorporador.Os fundamentos expostos na decisão inicial que concedeu efeito suspensivo ao recurso (mov. 19.1-TJ), estendem-se para a presente fase recursal, de cunho colegiado, destacando que os argumentos da agravada JMDG LOTEAMENTO LTDA não alteram o entendimento já manifestado, que passa a ser reiterado. De início, relevante destacar que o contrato objeto dos autos originários tem natureza eminentemente consumerista, uma vez que tanto o conceito de consumidor quanto o de fornecedor insculpidos nos artigos 2º e 3º, § 2º, ambos da Lei 8.078/90 se amoldam às partes litigantes.Partindo-se dessa premissa, é inegável que a empresa JMDG LOTEAMENTOS LTDA., na qualidade incorporadora e vendedora do imóvel, possui legitimidade passiva para a presente ação de Reparação de danos decorrentes de vícios construtivos.Isso, porque ao integrar a cadeia de fornecimento do produto, a incorporadora responde, objetiva e solidariamente, por danos eventualmente causados ao consumidor, nos termos do art. 7º, parágrafo único e art. 25, § 1º, ambos Código do Defesa do Consumidor, in verbis: “Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.” (destaquei) “Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.§ 1°. Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores. § 2°. Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação.” Nesse sentido, mutatis mutandis, já decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVOS INTERNOS NOS RECURSOS ESPECIAIS. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PERDAS E DANOS. ANULAÇÃO DE GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL DESNECESSÁRIA. POSSIBILIDADE DE REVISITAÇÃO DO PEDIDO EM SEDE DE LIQUIDAÇÃO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA. SÚMULA 07/STJ. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DOS PROMITENTES COMPRADORES. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS EM AÇÃO DE CUNHO CONDENATÓRIO FIXADOS NO MÍNIMO LEGAL DE 10%. REDUÇÃO INVIÁVEL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA RÉ COM A INCORPORADORA POR RECONHECIMENTO DA SUA PARTICIPAÇÃO NA CADEIA DE CONSUMO, BEM COMO POR APLICAÇÃO DA TEORIA DA APARÊNCIA. ART.7º DO CDC. SOLIDARIEDADE MANTIDA. CONFUSÃO PATRIMONIAL. (...). AGRAVOS INTERNOS DESPROVIDOS”. (AgInt no REsp 1758854/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/12/2019, DJe 13/12/2019) “RECURSO ESPECIAL. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIO. VÍCIOS E DEFEITOS SURGIDOS APÓS A ENTREGA DAS UNIDADES AUTÔNOMAS AOS ADQUIRENTES. RESPONSABILIDADE. SOLIDÁRIA DO INCORPORADOR E DO CONSTRUTOR RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. O incorporador, como impulsionador do empreendimento imobiliário em condomínio, atrai para si a responsabilidade pelos danos que possam resultar da inexecução ou da má execução do contrato de incorporação, incluindo-se aí os danos advindos de construção defeituosa. 2. A Lei n. 4.591/64 estabelece, em seu art. 31, que a "iniciativa e a responsabilidade das incorporações imobiliárias caberão ao incorporador". Acerca do envolvimento da responsabilidade do incorporador pela construção, dispõe que "nenhuma incorporação poderá ser proposta à venda sem a indicação expressa do incorporador, devendo também seu nome permanecer indicado extensivamente no local da construção", acrescentando, ainda, que toda e qualquer incorporação, independentemente da forma por que seja constituída, terá um ou mais incorporadores solidariamente responsáveis"(art. 31, §§ 2º e 3º). 3. Portanto, é o incorporador o principal garantidor do empreendimento no seu todo, solidariamente responsável com outros envolvidos nas diversas etapas da incorporação. Essa solidariedade decorre tanto da natureza da relação jurídica estabelecida entre o incorporador e o adquirente de unidades autônomas quanto de previsão legal, já que a solidariedade não pode ser presumida (CC/2002, caput do art. 942; CDC, art. 25, § 1º; Lei 4.591/64, arts. 31 e 43). 4. Mesmo quando o incorporador não é o executor direto da construção do empreendimento imobiliário, mas contrata construtor, fica, juntamente com este, responsável pela solidez e segurança da edificação (CC/2002, art. 618). Trata-se de obrigação de garantia assumida solidariamente com o construtor. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (STJ. REsp 884367/DF. Quarta Turma. Rel. Min. Raul Araújo. Julgado em 06.03.2012. DJe 15.03.2012). (Destaquei). Outro não é o entendimento deste Tribunal de Justiça: “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. SENTENÇA EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ALEGAÇÃO DE QUE CONSTRUTORA POSSUI LEGITIMIDADE PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. CONSTRUTORA QUE FIRMOU CONTRATO COM O MUNICÍPIO DE MARINGÁ, QUE, POR SUA VEZ, FIRMOU CONTRATO COM A APELANTE. CONSTRUTORA RÉ QUE SE RESPONSABILIZOU PELA SOLIDEZ DO IMÓVEL. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA POR EMPREITADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO INCORPORADOR E DO CONSTRUTOR. SENTENÇA CASSADA. BAIXA DOS AUTOS À ORIGEM. RECURSO PROVIDO”. (TJPR - 8ª C. Cível - 0028613-31.2018.8.16.0017 - Maringá - Rel.: Desembargador Mário Helton Jorge - J. 22.04.2020) “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. DECISÃO AGRAVADA QUE CONCEDEU A LIMINAR, CONTUDO IMPÔS A OBRIGAÇÃO DE FAZER APENAS A UMA DAS RÉS. INSURGÊNCIA DO CONDOMÍNIO AUTOR. REQUERIMENTO DE RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE SOLIDARIA DAS RÉS. POSSIBILIDADE. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR APLICADO AO CASO EM ANÁLISE. RÉ REITZFELD QUE FIGURA COMO INCORPORADORA. RESPONSABILIDADE PELOS DEFEITOS DA OBRA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 29 E 58 DA LEI 4591/1964. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO. Pretende o condomínio recorrente a extensão da responsabilidade pelo reparo no imóvel e pagamento de eventuais astreintes à incorporadora, tendo em vista se tratar de relação de consumo. Evidenciada a relação de consumo entre as partes, necessário a aplicação do código de defesa do consumidor ao caso em análise, bem como a solidariedade entre os fornecedores.” (TJ-PR - AI: 00183274520188160000 PR 0018327-45.2018.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Desembargador Sigurd Roberto Bengtsson, Data de Julgamento: 03/12/2019, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: 06/12/2019) (destaquei) “RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. LEGITIMIDADE DA INCORPORADORA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA POR INTEGRAR A CADEIA DE CONSUMO. PRECEDENTES DO STJ. EXISTÊNCIA DE REPARO PARCIAL INEFICAZ. PERDA DE OBJETO. INOCORRÊNCIA. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. DANOS MORAIS DEVIDOS. AUSÊNCIA DE SOLUÇÃO EFETIVA. QUEBRA DE LEGÍTIMA EXPECTATIVA. Recurso conhecido e desprovido”. (TJPR - 3ª Turma Recursal - 0041434-57.2018.8.16.0182 - Curitiba - Rel.: Juíza Adriana de Lourdes Simette - J. 18.05.2020) Nesse contexto, considerando que a responsabilidade por supostos vícios construtivos existentes na área comum que forma o Condomínio autor, ora agravante, é solidaria entre a incorporadora (vendedora) e construtora, ambas possuem legitimidade passiva ad causam para a presente demanda.De outro vértice, a existência de instrumento particular de constituição de sociedade em conta de participação firmado entre as agravadas (mov. 47.2-1º grau), por si só, não é suficiente para afastar a legitimidade da JMDG LOTEAMENTOS para a presente demanda.Isso, porque a despeito do contrato estabelecer a responsabilidade técnica da CONSTRUTORA FONTANIVE LTDA pela solidez e segurança do conjunto das obras de infraestrutura do empreendimento, pelo prazo de cinco anos (item 5.16), tal excludente de responsabilidade não pode ser oposto aos consumidores adquirentes e ao próprio condomínio, que não participaram da avença.Outrossim, não se olvida que de acordo com o parágrafo único do art. 991 do Código Civil, na sociedade em conta de participação, somente o sócio ostensivo se obriga perante terceiros. Todavia, no caso autos, incide a regra de exceção prevista no parágrafo único do art. 993 do mesmo codex, verbis: “Art. 993. O contrato social somente produz efeitos entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade.Parágrafo único. Sem prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o socio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier.” Neste aspecto, relevante destacar que o registro da Minuta da Convenção (mov. 1.8- 1º grau) foi realizado diretamente pela JMDG LOTEAMENTOS LTDA.Assim, a despeito de a JMDG LOTEAMENTOS LTDA ser sócia participante, e nessa qualidade, em tese, não se obrigar perante terceiros, ela deve responder solidariamente pelos eventuais vícios construtivos, pois, além de o contrato social somente produzir efeitos entre os sócios (art. 993, caput, CC/2002), a sócia participante (JMDG) tomou parte nas relações da sócia ostensiva (Fontanive), na medida em que inclusive levou a registro a minuta da convenção.Se não bastasse isso, de acordo com a teoria da asserção, adotada pela doutrina e pela jurisprudência brasileira, as condições da ação - legitimidade das partes, interesse processual e possibilidade jurídica do pedido - devem ser analisadas a partir das afirmações de quem alega, de maneira abstrata, quando da apreciação da petição inicial, ressaltando-se que a apreciação exauriente de tais alegações diz respeito ao mérito da causa. Nesse sentido: "AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STF. APLICAÇÃO DA TEORIA DA ASSERÇÃO. SÚMULA 83/STJ. RECURSO NÃO PRO- VIDO. 1. A análise da pretensão recursal sobre a alegada ilegitimidade passiva demanda, no caso, reexame do conjunto fático-probatório. Incidência da Súmula 7/STJ. 2. O entendimento desta Corte Superior é pacífico no sentido de que as condições da ação, incluindo a legitimidade ad causam, devem ser aferidas in status assertionis, ou seja, à luz exclusivamente da narrativa constante na petição inicial. 3. Agravo regimental não provido" (STJ AgRg no AREsp nº 655283/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ: 10.3.2015). "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO SUCESSÓRIO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. BEM INTEGRANTE DE QUINHÃO HEREDITÁRIO CEDIDO A TERCEIRO. LEGITIMIDADE ATIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO. 1. Tem prevalecido na jurisprudência desta Corte o entendimento de que as condições da ação, aí incluída a legitimidade para a causa, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial" (STJ AgRg nos EDcl no REsp nº 1035860/MS, Quarta Turma, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJ: 25.11.2014). Portanto, se o agravante afirma na petição inicial que os vícios construtivos são de responsabilidade da construtora e da incorporadora (vendedora), ambas possuem legitimidade para figurar no polo passivo da lide. A averiguação se a incorporadora é ou não efetivamente responsável pelos danos alegados na inicial diz respeito ao mérito da demanda, que não se confunde com a ilegitimidade de parte.Nestes termos, o recurso deve ser provido para o fim de cassar a parte da decisão que reconheceu a ilegitimidade passiva da JMDG LOTEAMENTOS LTDA. e, por consequência, a condenação das verbas sucumbenciais daí decorrentes. Diante do exposto, voto no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos da fundamentação.
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