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Acórdão
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FABIO AURÉLIO CAMARGO e VANESSA REGIÃO CAMARGO, com fulcro no art. 581, inciso X, do Código de Processo Penal, manejaram o presente Recurso Crime em Sentido Estrito, em face da decisão proferida nos autos de Habeas Corpus preventivo nº 0001796-65.2021.8.16.0035, em que o d. Juízo da 2ª Vara Criminal do Foro Regional de São José dos Pinhais denegou o salvo-conduto requerido pelos oras recorrentes (mov. 15.1).Em razões de recurso apresentadas no mov. 21.1, por intermédio do mesmo de defensor constituído (procuração mov. 1.4), os recorrentes pugnam, em síntese, pela reforma da decisão, ao argumento de que: a) prescrição médica indicando a eficácia do óleo da planta cannabis sativa para a condição clínica apresentada por FABIO, qual seja, transtorno bipolar do humor; b) o recorrente possui autorização da ANVISA para importar o óleo de cannabis, mas não tem condições financeiras de adquirir o remédio, assim como lhe foi negado, pelo Estado, o fornecimento do medicamento – via administrativa; c) ineficácia da medicação oferecida no mercado nacional e alto custo do medicamento disponível para importação. Informaram ainda que FÁBIO e CARLA estão extraindo de forma artesanal o óleo de cannabis sativa L., semeando, cultivando e colhendo a planta na residência onde moram.Por tais motivos, requerem a reforma da decisão singular e a concessão da ordem de salvo-conduto, de modo a impedir que sejam processados ou preso criminalmente em razão da prática de condutas delituosas eventualmente previstas na Lei nº 11.343/2006.O recurso foi contrarrazoado no sentido do seu conhecimento e desprovimento (mov. 28.1).O d. Juízo a quo, em sede de juízo de retratação, manteve a decisão recorrida (mov. 32.1).Nesta superior instância, colheu-se manifestação da douta Procuradoria Geral de Justiça, que opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto, aduzindo, em suma, que “não cabe à Justiça Criminal fazer as vezes da União no sentido de autorizar o paciente a realizar o cultivo e o manejo da substância prescrita, sem a devida autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, sob o risco de ofensa à saúde pública e à segurança pública. Por fim, igualmente não há como se reconhecer por essa estreita via, que os pacientes estejam agindo sob o manto do estado de necessidade ou da inexigibilidade da conduta diversa” (mov. 15.1 – área recursal).Consta ainda que o diligente Defensor constituído juntou precedentes favoráveis (mov. 10.2 e 3), bem como, peticionou com intuito de colacionar um parecer favorável do 5º Grupo da Procuradoria de Justiça Criminal (mov. 17.2).É O RELATÓRIO, EM SÍNTESE.
VOTO.DO CONHECIMENTO. Conheço do recurso por presentes os seus pressupostos legais.DA DECISÃO RECORRIDA. Assim decidiu o d. Juízo da 2ª Vara Criminal do Foro Regional de São José dos Pinhais, nos autos de Habeas Corpus preventivo nº 0001796-65.2021.8.16.0035, ao denegar o salvo-conduto requerido pelos oras recorrentes (mov. 15.1):“(...) No mérito, todavia, a ordem de salvo-conduto deve ser denegada, pois não vislumbra-se, na espécie, ilegalidade ou abuso de poder acaso as autoridades públicas venham a investigar, processar ou prender criminalmente os pacientes. Isso porque as condutas praticadas pelos pacientes são, em tese, típicas, antijurídicas e culpáveis. A planta de cannabis sativa constitui matéria-prima para a preparação de maconha, que tem como princípio ativo o THC (tetraidrocanabinol), substância de uso proscrito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (Portaria n. 344/1998), de maneira que o seu semeio, cultivo ou colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, configura a prática do crime de tráfico de drogas, na forma típica disposta no inciso II do §1º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. Há também tipicidade material, pois trata-se de crime de perigo abstrato, que tem como bem jurídico a saúde pública. No caso em exame, vale anotar que a plantação ocorre ao arrepio de qualquer fiscalização estatal, o que impossibilita o controle sobre os excedentes da colheita – aquilo que não é aproveitado para a extração do prefalado óleo. Os fatos não são praticados em estado de necessidade, em legítima defesa ou em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Nesse aspecto, em dois principais pontos, registre-se que não há perigo atual à vida do paciente FÁBIO que justifique seja a ordem jurídica quebrada e também não há, nas ações do casal, o exercício regular do direito à saúde, pois, ainda que seja permitido o plantio, a cultura e a colheita de drogas para fins medicinais (art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006), tais condutas devem ser autorizadas pela União, não sendo essa a hipótese dos autos. Por fim, os pacientes são imputáveis, encontram-se em condições de compreender o caráter ilícito de suas condutas e não sofrem influência de terceiros para a prática de seus atos.Quanto à exigibilidade de conduta diversa, não se desconhece a utilização, por milhares de pessoas, das propriedades da planta de cannabis sativa para os mais variados tratamentos médicos. Nem por isso, todavia, será permitido ao particular que semeie, cultive e colha, ao arrepio do Estado, sem qualquer iniciativa de controle e fiscalização, a planta de maconha, sob pena de banalizar a política de drogas anteposta pelo legislador. Permite-se a cultura para fins medicinais, mas isso deve ser autorizado pela União, nos termos do art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006. Se a União, por meio da Agência de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (ANVISA), ainda não definiu os critérios e as regras para autorizações dessa natureza, não cabe ao particular rebelar-se frente à omissão estatal e proceder ele próprio ao plantio de maconha, ignorando os crimes previstos na Lei n. 11.343/2006. Haveria de se valer dos meios ordinários para buscar a permissão almejada, no campo administrativo ou judicial (cível) – como tantos assim manobram, seja para a própria cultura de maconha ou o custeio pelo Estado da importação do óleo extraído da planta. Não há situação extremada, que justifique a inexigibilidade de conduta diversa dos pacientes, quando, em condições similares, outros particulares têm acesso ao óleo de cannabis (por meio do cultivo de associações autorizadas ou de particulares autorizados judicialmente e até mesmo, como se disse, através do custeio estatal, administrativo ou judicial, da importação do medicamento), sem que para isso tenham de afrontar a ordem jurídica e cometer crimes. No limite, como os pacientes informam a impossibilidade de se pleitear o cultivo artesanal de maconha perante a ANVISA, por falta de regulamentação do órgão neste sentido, caberia a eles provocar o Poder Judiciário, clamando pela autorização perquirida, na forma da lei e da Constituição. Com efeito, aqui, na via do habeas corpus preventivo, pretende-se não só uma autorização inviável de ser deferida (por flagrante limitação do presente writ para a definição de regras de controle, fiscalização e destinação de excedentes quanto ao semeio, cultivo e colheita de maconha, o que demandaria aprofundada dilação probatória, só possível em ação própria para o escrutínio de tais parâmetros – quiçá exigindo-se prova pericial), como também busca-se um salvo-conduto para a prática de uma conduta, em tese, delituosa – e mais, que configura crime permanente, com desdobramentos futuros à revelia de qualquer controle judicial in concreto. Destarte, não vislumbro a prática de ilegalidade ou abuso de poder na hipótese de os pacientes vierem a ser investigados, processados ou presos por autoridades públicas em razão do semeio, cultivo e colheita da planta cannabis sativa, nos termos noticiados no processo, pois tais condutas configuram a prática, em tese, do crime definido no art. 33, §1º, inciso II, da Lei n. 11.343/2006.Diante do exposto, CONHEÇO do presente habeas corpus e, no mérito, DENEGO a ordem de salvo-conduto em face dos pacientes CARLA VANESSA REGIÃO CAMARGO e FÁBIO AURÉLIO CAMARGO.Considerando-se a notícia da prática, em tese, de conduta criminosa, encaminhe-se cópia dos autos ao Ministério Público.”MÉRITO RECURSAL. PLEITO DE REFORMA E CONCESSÃO DE SALVO CONDUTO PARA O MANEJO DE CANNABIS SATIVA L. NÃO ACOLHIMENTO. Os recorrentes, através de Recurso em sentido estrito em face de decisão denegatória de Habeas Corpus preventivo, almejam que seja concedido salvo-conduto para garantir o cultivo, em sua residência, de 10 (dez) plantas de cannabis sativa por mês, atendendo à necessidade de uso terapêutico pelo paciente FABIO, com diagnóstico de Transtorno Bipolar do Humor (CID10 – F31.6). O pedido de salvo-conduto abrange também sua esposa, Carla Vanessa Região Camargo, que o auxilia no cultivo da planta.Extrai-se ainda da inicial e dos documentos acostados aos autos, que o recorrente possui autorização da ANVISA para importar o óleo de cannabis, mas não tem condições financeiras de adquirir o remédio, assim como lhe foi negado, pelo Estado, o fornecimento do medicamento – via administrativa; bem como, alega ineficácia da medicação oferecida no mercado nacional e alto custo do medicamento disponível para importação. Não assiste razão aos recorrentes.De plano, extrai-se dos arts. 2 e 31 da Lei nº 11.343/06 o seguinte:“Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas.”“Art. 31. É indispensável a licença prévia da autoridade competente para produzir, extrair, fabricar, transformar, preparar, possuir, manter em depósito, importar, exportar, reexportar, remeter, transportar, expor, oferecer, vender, comprar, trocar, ceder ou adquirir, para qualquer fim, drogas ou matéria-prima destinada à sua preparação, observadas as demais exigências legais.”Infere-se, assim, que cabe apenas à União, e não ao Estado-Juiz - cujo escopo, nesta esfera criminal, é a apuração e a devida punição de condutas que lesam ou colocam em grave risco os bens fundamentais à vida em sociedade, a tal ponto de terem sido tipificadas -, expedir autorização voltada ao cultivo e manejo de plantas de ‘maconha’, para a extração de seu óleo. Sob tal prisma, têm-se que não cabe à Justiça Criminal fazer às vezes da União no sentido de autorizar os recorrentes a dar-se ao manejo de substância prescrita sem a devida autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, sob risco de usurpar tal atribuição legal e de ofender a segurança jurídica.Nessa toada, nada obstante os recorrentes colacionem precedentes favoráveis, registra-se que, em recentíssimos entendimentos (19/04/2021 e 29/03/2021), acerca da matéria o excelso Superior Tribunal de Justiça assentou:RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PEDIDO DE SALVO-CONDUTO PARA PLANTIO, CULTIVO, USO E POSSE DE CANNABIS SATIVA L. PARA TRATAMENTO INDIVIDUAL. INDICAÇÃO MÉDICA PARA O USO DA SUBSTÂNCIA. AUTORIZAÇÃO PARA IMPORTAÇÃO DO PRODUTO POR PARTE DA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES AUTORIZADA PELA CORTE A QUO. AUTORIZAÇÃO PARA O CULTIVO E EXTRAÇÃO DE ÓLEO MEDICINAL. ANÁLISE TÉCNICA A CARGO DA AGÊNCIA DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. RECURSO NÃO PROVIDO. RECOMENDAÇÃO PARA QUE A ANVISA ANALISE A POSSIBILIDADE DE AUTORIZAÇÃO DO CULTIVO E MANEJO PARA FINS MEDICINAIS. 1. A recorrente busca salvo-conduto para viabilizar o plantio de maconha para fins medicinais, após ter obtido, perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, permissão para importar pequenas quantidades de semente de Cannabis sativa L. 2. Os Tribunais Superiores já possuem jurisprudência firmada no sentido de considerar que a conduta de importar pequenas quantidades de sementes de maconha não se adequa à forma prevista no art. 33 da Lei de Drogas, subsumindo-se, formalmente, ao tipo penal descrito no art. 334-A do Código Penal, mas cuja tipicidade material é afastada pela aplicação do princípio da insignificância. 3. O controle do cultivo e da manipulação da maconha deve ser limitado aos conhecidos efeitos deletérios atribuídos a algumas substâncias contidas na planta, sendo certo que a própria Lei n. 11.343/2006 permite o manejo de vegetais dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas para fins medicinais ou científicos, desde que autorizado pela União. 3. No atual estágio do debate acerca da regulamentação dos produtos baseados na Cannabis e de desenvolvimento das pesquisas a respeito da eficácia dos medicamentos obtidos a partir da planta, não parece razoável desautorizar a produção artesanal do óleo à base de maconha apenas sob o pretexto da falta de regulamentação. De mais a mais, a própria agência de vigilância sanitária federal já permite a importação de medicamentos à base de maconha, produzidos industrial ou artesanalmente no exterior, como, aliás, comprovam os documentos juntados a estes autos. 4. Entretanto, a autorização buscada pela recorrente depende de análise de critérios técnicos que não cabem ao juízo criminal, especialmente em sede de habeas corpus. Essa incumbência está a cargo da própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária que, diante das peculiaridades do caso concreto, poderá autorizar ou não o cultivo e colheita de plantas das quais se possam extrair as substâncias necessárias para a produção artesanal dos medicamentos. 5. Recurso ordinário em habeas corpus não provido, recomendando à Agência Nacional de Vigilância Sanitária que analise o caso e decida se é viável autorizar a recorrente a cultivar e ter a posse de plantas de Cannabis sativa L. para fins medicinais, suprindo a exigência contida no art. 33 da Lei n. 11.343/2006. (RHC 123.402/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 29/03/2021).PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. 1. MANDAMUS SUBSTITUTIVO DO RECURSO PRÓPRIO. DESVIRTUAMENTO DE GARANTIA CONSTITUCIONAL. 2. PEDIDO DE SALVO-CONDUTO. PLANTIO DE MACONHA. FINS MEDICINAIS. RELEVÂNCIA DO TEMA. DIREITO À SAÚDE. 3. REPRESSÃO AO TRÁFICO. EFEITOS DELETÉRIOS DAS DROGAS. NECESSIDADE DE CONTROLE. 4. PEDIDO DE SALVO-CONDUTO. FUNDAMENTO NO DIREITO À SAÚDE. LIMITES DA COMPETÊNCIA PENAL. VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. 5. TIPICIDADE DOS CRIMES DA LEI DE DROGAS. ELEMENTOS NORMATIVOS. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. DISCORDÂNCIA COM DETERMINAÇÃO LEGAL OU REGULAMENTAR. OBTENÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE. DESNECESSIDADE DE SALVO-CONDUTO. 6. AUTORIZAÇÃO QUE DEPENDE DE CRITÉRIOS TÉCNICOS. INCUMBÊNCIA DOS ÓRGÃOS DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. EXAME QUE ESCAPA À COMPETÊNCIA JUDICIAL PENAL. 7. NECESSIDADE DE SUBMISSÃO DA MATÉRIA À AUTARQUIA COMPETENTE. NEGATIVA OU MORA QUE DEVE SER IMPUGNADA NO JUÍZO CÍVEL. PRECEDENTE. 8. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. RECOMENDAÇÃO DE EXAME PELA ANVISA. 1. Diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, o STJ passou a acompanhar a orientação da Primeira Turma do STF, no sentido de ser inadmissível o emprego do writ como sucedâneo de recurso ou revisão criminal, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. O agravante pretende a expedição de salvo conduto, de modo a permitir o cultivo da planta para a extração do óleo medicinal de Cannabis na quantidade necessária para o controle de sua doença e consequente melhora na sua qualidade de vida. De início, esclareço que não se desconhece a existência de inúmeros estudos científicos que comprovam a eficácia da chamada terapia canábica no tratamento de doenças relacionadas a epilepsia, paralisia cerebral, dentre outras. 3. Não se pode ignorar, no entanto, que além de a Constituição Federal atribuir ao Poder Público a adoção de políticas públicas voltadas à promoção da saúde também determina a repressão ao tráfico de drogas. Assim, o controle do cultivo e da manipulação da maconha deve ser limitado, haja vista os conhecidos efeitos deletérios atribuídos a algumas substâncias contidas na planta. 4. Embora o pedido seja de expedição de salvo-conduto criminal, a causa de pedir diz respeito ao direito à saúde, cuja competência para exame, nos termos do Regimento Interno desta Corte, é das turmas que compõem a 1ª Seção. Dessa forma, apesar de reconhecer a relevância da fundamentação trazida pelo agravante, o exame deve se ater ao seu conteúdo penal e os limites do mandamus. 5. No campo penal, os tipos penais descritos no art. 33 bem como no art. 28, ambos da Lei n. 11.343/2006, condicionam a tipicidade dos delitos listados à ausência de autorização ou à discordância com determinação legal ou regulamentar. Nesse contexto, bem como diante do disposto no próprio parágrafo único do art. 2º da Lei de Drogas, tem-se que a pretensão do agravante deve ser direcionada à obtenção de autorização do órgão competente, o que, por si só, torna a conduta atípica, tornando desnecessária eventual expedição de salvo-conduto. 6. Esse tipo de autorização depende de critérios técnicos, cuja análise incumbe aos órgãos de vigilância sanitária. Isso porque uma decisão desse tipo depende de estudo de diversos elementos relativos à extensão do cultivo, número de espécimes suficientes para atender à necessidade da recorrente, mecanismos de controle da produção do medicamento, dentre outros fatores, cujo exame escapa ao conjunto de competências técnicas do magistrado, em especial do criminal. (...) 8. Agravo regimental a que se nega provimento. Recomenda-se à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, caso provocada, que analise e decida se é viável autorizar o paciente a cultivar plantas de Cannabis sativa L. para fins medicinais. (AgRg no HC 652.646/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 13/04/2021, DJe 19/04/2021).No mesmo sentido, a jurisprudência do e. Tribunal Regional Federal da 4ª Região robustece:"sem autorização do órgão sanitário, não é devida a expedição de salvo conduto para autorizar o plantio de Cannabis sativa e a posterior extração do óleo para fins terapêuticos, sem prejuízo que a parte interessada busca na via administrativa solução outra para obtenção do medicamento. Havendo autorização da ANVISA ou judicial do juízo cível para plantio e extração do CBD - Canabidiol, se estará, por consequência, diante de conduta atípica amparada no art. 22, inciso III do Código Penal" - e nesse ponto foi denegada a ordem (TRF4 5051739-11.2019.4.04.0000, OITAVA TURMA, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, POR MAIORIA, juntado aos autos em 09/01/2020).Não foi outra conclusão da douta Procuradoria Geral de Justiça, ao consignar no r. parecer (mov. 15.1 – área recursal):“mostra-se temerário conceder o salvo-conduto como requerido pelos pacientes, uma vez que se afigura de difícil, senão impraticável, a fiscalização do cumprimento da ordem judicial, especialmente no que toca ao limite de plantas cultivadas e a própria destinação exclusivamente terapêutica e somente para o paciente. Ademais, a produção da substância exige, além de técnica, controle sanitário, sobretudo por envolver o manuseio de planta que é matéria-prima para a produção de entorpecente proscrito pelo ordenamento e, no caso de deferimento do pedido, não haveria forma eficaz de controle ou fiscalização da produção artesanal, gerando-se risco de utilização imprópria da planta, até mesmo por parte de terceiros. Em suma, tendo em conta que o paciente obteve junto à ANVISA autorização para importar medicamento industrializado à base de cannabis, conclui-se que é mais adequada a discussão do alegado direito na esfera cível, objetivando até mesmo garantir o fornecimento do fármaco pelo Sistema Único de Saúde como mencionado anteriormente. Desta forma, no nosso entendimento, não há como reconhecer, através de Habeas Corpus, o direito do paciente, conforme pretendido. (...) não cabe à Justiça Criminal fazer as vezes da União no sentido de autorizar o paciente a realizar o cultivo e o manejo da substância prescrita, sem a devida autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, sob o risco de ofensa à saúde pública e à segurança pública. Por fim, igualmente não há como se reconhecer por essa estreita via, que os pacientes estejam agindo sob o manto do estado de necessidade ou da inexigibilidade da conduta diversa.”Convém registrar que, no particular dos autos, não houve qualquer pedido de fornecimento do medicamento na esfera cível, mas tão somente na via administrativa.Sendo assim, diante do disposto no próprio parágrafo único do art. 2º da Lei de Drogas, tem-se que a pretensão dos recorrentes deve ser direcionada à obtenção de autorização do órgão competente, o que, por si só, torna a conduta atípica, tornando desnecessária eventual expedição de salvo-conduto. Neste ponto, destaca-se que esse tipo de autorização depende de critérios técnicos, cuja análise incumbe aos órgãos de vigilância sanitária. Isso porque uma decisão desse tipo depende de estudo de diversos elementos relativos à extensão do cultivo, número de espécimes suficientes para atender à necessidade do recorrente FABIO, mecanismos de controle da produção do medicamento, dentre outros fatores, cujo exame escapa ao conjunto de competências técnicas do magistrado, em especial do criminal. Tal incumbência está, portanto, a cargo da própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária que, diante das peculiaridades do caso concreto, poderá autorizar ou não o cultivo e colheita de plantas das quais se possam extrair as substâncias necessárias para a produção artesanal dos medicamentos. Aliás, a própria ANVISA já regulamenta esse tipo de atividade no âmbito industrial, por meio da RDC n. 16/2014, cujos critérios podem se aplicar, de forma extensiva, ao cultivo doméstico, caso as demais condições técnicas sejam atendidas. Destarte, diante das razões encimadas, nego provimento ao recurso, apontando que a melhor solução é, inicialmente, submeter a questão ao exame da autarquia responsável pela vigilância sanitária e, em caso de demora ou de negativa, apresentar o tema ao Poder Judiciário, devendo o pleito ser direcionado à jurisdição cível competente.CONCLUSÃO. Pelo exposto, o voto que proponho aos meus eminentes pares é o no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso, mantendo-se incólume a decisão objurgada, consoante a fundamentação encimada.
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