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Acórdão
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1. Relatório Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por Maitê D. contra sentença prolatada na seq. 332.1 dos autos de Ação Indenizatória por Abandono Afetivo nº 0006612-69.2016.8.16.0131, que julgou improcedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos: “DISPOSITIVO:Ante o exposto, com base no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo improcedente a presente demanda. Diante do princípio da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios ao patrono parte adversa, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, com fundamento no artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil. Entretanto, suspendo a exigibilidade de tais verbas eis que a requerente é beneficiária da gratuidade da justiça. Por fim, condeno o ESTADO DO PARANÁ ao pagamento dos honorários periciais do experto nomeado para a perícia técnica determinada por este Juízo, eis que a parte sucumbente é beneficiária da assistência judiciária gratuita. Os honorários, por sua vez, são os já fixados por este Juízo, ante a complexidade da demanda, e a atuação correta do perito nomeado.” Em suas razões recursais (mov. 347.1), a apelante sustentou, em suma: que a magistrada singular deixou de se atentar para outras evidências do abandono, para além do laudo pericial; que ficou comprovado que o convívio do apelado com a apelante era mínimo; que o abandono e rejeição do pai lhe causou dor e sofrimento. Requereu a reforma da sentença atacada, a fim de que o apelado seja condenado à indenização por danos morais, em razão do abandono afetivo.O apelado apresentou contrarrazões ao mov. 352.1, pugnando pelo não provimento do recurso oferecido e argumentando em favor da manutenção da sentença.Vieram os autos conclusos.
2. Fundamentação Presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, conheço o presente recurso, observada a gratuidade judiciária concedida à apelante em primeiro grau, cujos efeitos se estendem para o trâmite recursal. No mérito, o apelo merece acolhida, conforme fundamentação a seguir. A apelante busca a reforma da sentença que julgou improcedente o pedido inicial de indenização por abandono afetivo. Entendeu a magistrada de origem que não houve comprovação dos danos causados à autora em função da pouca convivência paterna.Pois bem. O abandono afetivo resulta da paternidade ausente e, portanto, de uma conduta omissiva ilícita, que evidencia a negligência do genitor e a violação da paternidade responsável.Observe-se que a paternidade responsável não abrange apenas o dever de pagar alimentos, mas também o cumprimento do dever de cuidado e de convivência. Nesse sentido, leciona Maria Berenice Dias:“Por preceito constitucional (CR 227) crianças e adolescentes transformaram-se em sujeitos e direito e foram contemplados com enorme número de garantias e prerrogativas. O princípio da proteção integral impõe que sejam colocados a salvo de toda forma de negligência. Mas direitos de uns significa obrigações de outros. (...)O conceito atual de família é centrado no afeto como elemento agregador e exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade. A enorme evolução das ciências psicossociais escancarou a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento sadio de pessoas em formação. Não se pode mais ignorar essa realidade, tanto que se passou a falar em paternidade responsável. Assim, a convivência dos pais com os filhos não é um direito é um dever. Não há o direito de visitá-lo, há a obrigação de conviver com eles. O distanciamento entre pais e filhos produz consequências de ordem emocional e pode comprometer o seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida”. (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 140). Com efeito, há previsão constitucional do dever de cuidado e convivência, veja-se:Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. No caso, a negligência foi demonstrada e é apta a justificar a reforma da sentença proferida, pois o dano emocional está caracterizado, bem como a existência de traços de ansiedade na personalidade da apelante.O não cumprimento do dever jurídico de convivência evidencia o ato ilícito e há prova do nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano emocional sofrido pela Autora, estando preenchidos os pressupostos do art. 186 e 927 do Código Civil, para a responsabilização civil do genitor.Observe-se que muito embora o laudo psicológico (mov. 295.1) consigne que não há dano decorrente de abandono afetivo em relação à Autora-apelante, o próprio perito consignou que:“O abandono afetivo infantil é uma violência que vai deixar marcas irreparáveis na vida das crianças. Ele vai machucando aos poucos, no dia-a-dia vendo o comportamento dos pais, até a total apatia. O abandono é morte em vida. Deixa a criança letárgica e com baixa produtividade na escola” (mov. 295.1). É oportuno ressaltar que o laudo não corrobora a tese de que a autora/apelante foi responsável pelo afastamento, veja-se: d. Pode a filha ter contribuído com o distanciamento do genitor, ao negar lhe as solicitações de almoços e saídas juntos? A avaliada nega que isso tenha ocorrido, no entanto, pela avaliação verifica-se que em alguns momentos a avaliada negou solicitação de almoço e saída junto, no entanto, ainda que isso potencialize o distanciamento, não é o foco principal de suposto distanciamento (mov. 295.1). Note-se que não há qualquer prova da alegada alienação parental, a qual tampouco foi constatada no laudo pericial.Assim, entendo que a conclusão do laudo, no sentido de que a apelante não apresenta sintomas de abandono afetivo deve ser vista com cautela e ponderada com os demais elementos de prova.O parecer técnico de mov. 1.4 consignou que a apelante demonstra “grande abalo emocional frente ao descompromisso de seu genitor a seu papel de pai. Maite demonstra significativas crises de ansiedade e insegurança (...)”.A ansiedade de Maitê é também um traço evidenciado no laudo pericial:“A avaliação do teste Pfister verificou os seguintes traços na avaliada: Desenvolvimento intelectual e artístico; Busca de equilíbrio; Indiferenciação; Tendência ao egocentrismo; Capacidade de controle e adaptação; traços de ansiedade.” Quanto à prova oral, entendo que ela confirma a ocorrência do abandono afetivo e o dano emocional sofrido pela Apelante.Em seu depoimento pessoal, Maitê afirmou que recentemente o pai estava buscando conversar consigo, no entanto, disse que o pai nunca se aproxima porque está preocupado com ela, mas por outros fatores. Mencionou que ficou sem contato com o pai entre 2015 e 2017 e, antes disso, o contato era pouco, uma vez a cada cinco ou seis meses. Não sabe o motivo desse afastamento. Mencionou que faz 16 anos que os pais estão separados e sente saudades de como o pai agia quando era pequenininha. Afirmou que a mãe sempre deu a liberdade para ela fazer o que quisesse, mas quando iam visitar o pai, na casa da avó, ele saía e deixava a depoente a irmã sozinhas, saía e voltava só na hora de levar as filhas para a casa. Argumentou, ainda, que o pai prometia que iria visitá-las e não vinha, o que ocorreu várias vezes. Asseverou que a ausência do pai afetou muito a vida da depoente, porque nunca compreendeu o que ela tinha para o pai rejeitá-la, tinha vontade de sair com o pai, de ter a presença dele e, quando o pai parou de falar com ela, não entendeu o porquê e ficou esperando. Perguntada, disse que nunca negou acesso ao pai e afirmou genitor forçava o contato delas com as namoradas e esposas (mov. 144.5).O Requerido (mov. 144.6) falou que se separou da genitora de Maitê quando esta tinha dois anos e daí o contato diminuiu, mas ligava toda semana e uma vez por mês tentava ver a filha, mas a ex-esposa não admitia o novo relacionamento do depoente e ela complicou a relação com as filhas. Confirmou que nunca ajuizou a ação para ver as filhas, porque se davam bem e disse que se distanciou mais porque foi morar em outra cidade. Questionado, respondeu que vinha vê-las uma vez por mês, mas acha que as filhas se sentem abandonadas porque teve outro filho e elas pararam de atender o telefone. Perguntado, respondeu que acredita que isso ocorreu por influência da ex-esposa.O informante Valdomiro irmão do Requerido afirmou que não tem convivência junto e ouvia comentários, geralmente o irmão falava que tinha dificuldade para pagar pensão. Asseverou que, quando a mãe do depoente era viva, o contato era maior. Disse que se reuniram poucas vezes na casa da vó, não se lembra das filhas de Marilso nas festas da família. Disse que as meninas iam visitar a avó e que Marilso morava em outra cidade. Questionado, disse que quem levava as meninas era o namorado da irmã de Maitê.A tia de Maitê, Iara, afirmou que Marilso deixou de ir a uma apresentação na escola e raramente compartilhava festividades com a filha e ela ficava sofrendo por dentro, era perceptível (mov. 144.3).Diante do quadro fático, entendo que há elementos suficientes a evidenciar o abandono afetivo e a negligência com o dever de convivência, a justificar a condenação do genitor em dano moral.Destaco, ainda, que o mero fato de o Apelado pagar alimentos não comprova o cumprimento de seus deveres como pai, pois, além da assistência material, o cuidado e a convivência também integram a paternidade responsável.Com efeito, a prova oral produzida é farta em evidenciar a ausência do genitor nos dias de celebrações, as promessas não cumpridas de visitações e a tristeza e frustração da autora-apelante, que se sentiu abandonada e rejeitada pelo pai. Essa prova corrobora o parecer técnico apresentado com a inicial e justifica a condenação do genitor em dano moral.Em sentido semelhante:CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO E DANOS MORAIS. PEDIDO INICIAL. INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO PATERNO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA QUE CONDENOU O GENITOR À REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS (...). INSURGÊNCIA RECURSAL. DO REQUERIDO PARA AFASTAR A CONFIGURAÇÃO DO ABANDONO AFETIVO OU REDUZIR O VALOR DEVIDO. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO POR RECONHECIMENTO DE CONDUTA OMISSIVA E NEGLIGENTE DO GENITOR QUE CONFIGURA ATO ILÍCITO. INEXISTÊNCIA DE LAÇO AFETIVO ENTRE PAI E FILHA POR BELIGERÂNCIA ENTRE OS GENITORES QUE NÃO AFASTA O DEVER PATERNO PROMULGADO NO ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO PROVIMENTO PARA REDUÇÃO DO “QUANTUM” INDENIZATÓRIO. VALOR DEVIDO QUE ATENDE AOS CRITÉRIOS SIMBÓLICOS DE COMPENSAÇÃO À VÍTIMA E PUNIÇÃO AO OFENSOR, OBSERVADA A VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E PREJUÍZO À SUBSISTÊNCIA DAS PARTES. ÔNUS SUCUMBENCIAL. MANUTENÇÃO.HONORÁRIOS EM GRAU RECURSAL. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS EM DESFAVOR DA APELANTE. DE 10% PARA 13% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 85, §11º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.1 - A indenização por dano moral constituída por abandono afetivo paterno encontra fundamento na ordem moral quando um dos genitores biológicos age em distonia ao protegido pela Carta Constitucional nos direitos de personalidade e assistência mútua em face de seu filho porque provoca danos de difícil reparação psíquica, emocional e sensorial deixando-o sem pertencimento na convenção social e afetiva da família desintegrando-o da cultura da época em mantendo a certeza biológica, porém sem a vivência e a memória da sensorialidade cotidiana . (TJPR - 11ª C. Cível - 0019271- 65.2018.8.16.0188 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADORA LENICE BODSTEIN - J. 17.05.2021) Quanto ao valor do dano moral, entendo que deve ser fixado em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), quantia que se mostra proporcional e apta a compensar a autora/apelante pelos danos emocionais sofridos, além de ser condizente com a capacidade econômica do genitor.A esse respeito, consigno os seguintes precedentes:“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTE DE ABANDONO AFETIVO. (...) 5. VALOR DA INDENIZAÇÃO. MINORAÇÃO. POSSIBILIDADE. VALOR ARBITRADO PELO JUÍZO SINGULAR QUE SE MOSTRA EXCESSIVO. Embora a simples compensação financeira não seja capaz de compensar o abandono, a indenização tem o intuito de oferecer algum acalento ao ofendido. Logo, a quantia arbitrada tem valor apenas simbólico, pois é notório que nenhuma quantia, por maior que seja, é capaz de compensar o sofrimento de uma criança ou adolescente em razão do abandono de seu genitor. A despeito disso, a medida não pode ser desproporcional, ou seja, a indenização não pode ocasionar enriquecimento indevido, pois o seu intuito é (tentar) compensar o filho de forma razoável pela falta da figura paterna durante o período de seu desenvolvimento.RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 11ª C.Cível - 0010060-13.2016.8.16.0014 - Londrina - Rel.: Juíza Luciane do Rocio Custódio Ludovico - J. 15.02.2021)” APELAÇÃO CÍVEL. ABANDONO AFETIVO. CONDENAÇÃO DO GENITOR AO PAGAMENTO DE DANO MORAL NO VALOR DE R$ 20.000,00 EM FAVOR DOS FILHOS GÊMEOS. RECURSO ADSTRITO AO PEDIDO DE MAJORAÇÃO DO VALOR DO DANO MORAL. MANUTENÇÃO DO VALOR. NECESSIDADE DE OBSERVAR A CAPACIDADE ECONÔMICA DO APELADO, A EXTENSÃO DO DANO PROVOCADO E O CARÁTER PREVENTIVO E EDUCATIVO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SOPESADOS TODOS OS CRITÉRIOS, O VALOR ARBITRADO PELO JUÍZO A QUO DEVE SER MANTIDO. PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA NO MESMO SENTIDO. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 11ª C.Cível - 0000239-33.2017.8.16.0116 - Matinhos - Rel.: Desembargador Sigurd Roberto Bengtsson - J. 28.09.2020) Diante desse contexto, conclui-se que é devida a reforma da sentença nos termos pleiteados pela recorrente, para condenar o apelado ao pagamento de indenização por dano moral à apelante, nos termos acima. 3. ConclusãoAnte o exposto, voto pelo conhecimento e provimento do recurso de apelação, para a condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).Tendo em vista a parte apelante ter obtido sucesso em parte substancial de seu pedido, com a reforma a sentença, devem ser invertidos os ônus de sucumbência, devendo a parte apelada ser responsabilizada ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.
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