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Acórdão
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I – RELATÓRIO Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto contra a sentença proferida pela MM. Juíza de Direito da Vara da Fazenda Pública do Foro Regional de Mandaguaçu da Comarca da Região Metropolitana de Maringá, nos autos de “Ação Civil Pública com Preceito Cominatório (Obrigação de Fazer) c/c Pedido Liminar de Tutela de Urgência” proposta pelo Ministério Público do Estado do Paraná, nos interesses de Carlos José Barbosa Santiago, em face do Município de Ourizona e do Estado do Paraná, a fim de obter a inserção e o translado do substituído processual, portador de Esquizofrenia simples (CID10 F20.6), para serviço de acolhimento que seja apta a efetivar o seu acompanhamento e tratamento (serviço residencial terapêutico em saúde mental).Por brevidade, adoto o relatório da r. sentença (mov. 60.1 p. 01-02):“1. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ ajuizou a presente ação civil pública com obrigação de fazer e pedido liminar de tutela antecipada em favor de CARLOS JOSÉ BARBOSA SANTIAGO e em face de MUNICÍPIO DE OURIZONA E ESTADO DO PARANÁ. Alega, em síntese, que o substituído processual Carlos tem diagnóstico de “Esquizofrenia simples” (CID 10-F 20.6) e encontra-se internado no Hospital Regional do Vale do Ivaí em Jandaia do Sul/PR, sendo ali internado pela primeira vez em 06/10/1995 e essa internação atual o seu 35ª ingresso ao nosocômio. Esclareceu que desde o ano de 1995, a vida de Carlos resumiu-se em idas e vindas ao hospital e, nos períodos em que não estava no hospital, ficava pelas ruas da cidade de Ourizona. Explicou que quando Carlos recebe alta hospitalar, é cedido um local pelo Município de Ourizona para que ele durma e faça as suas necessidades básicas, porém, Carlos nunca fica no local, voltando a perambular pelas ruas da cidade e os cuidados básicos como medicação, alimentação e higiene pessoal são fornecidos e realizados por funcionários dos Departamentos de Saúde e de Assistência Social. Afirmou que a Secretaria de Assistência Social do Município de Ourizona tem se mobilizado, há anos, para solucionar a situação de Carlos, tentando a reestruturação familiar ou busca de vaga em residência de longa permanência, sem êxito. Diante do quadro apresentado e que Carlos receberia alta hospitalar no dia 28/07/2020, pretendia a concessão de liminar, a fim de que os réus providenciassem a inserção e o translado de CARLOS JOSÉ BARBOSA SANTIAGO para serviço de acolhimento que seja apto a efetivar o seu acompanhamento e tratamento (serviço residencial terapêutico em saúde mental), sob pena de multa diária, com expedição de ofício ao Hospital Regional do Vale do Ivaí em Jandaia do Sul/PR para requisitar que permaneçam com Carlos até o seu traslado para a residência terapêutica. Juntou documentos.Proferida decisão indeferindo a liminar pretendida, mas determinada a permanência de CARLOS JOSÉ BARBOSA SANTIAGO no Hospital Regional do Vale do Ivaí em Jandaia do Sul/PR, onde se encontra internado, até ulterior decisão judicial, a fim preservar sua integridade, evitando que volte às ruas de Ourizona em condições de vulnerabilidade (evento 06).Oferecida contestação pelo ESTADO DO PARANÁ que alegou, preliminarmente, inépcia da inicial em razão do pedido genérico e obscuro e ilegitimidade passiva, pois o serviço residencial terapêutico em saúde mental é de competência municipal. No mérito, aduziu em suma que o Serviço Residencial Terapêutico em Saúde Mental - SRT consiste em política pública, criada no âmbito do Serviço Único de Saúde - SUS, voltada a atender portadores de transtornos mentais com histórico de internações psiquiátricas de longa duração, que se encontram sem suporte social e laços familiares e, no caso, o paciente Carlos não preenche os requisitos para participação do programa e que deve ser utilizado em caráter excepcional. Juntou documentos (evento 34).Oferecida contestação pelo réu MUNICÍPIO DE OURIZONA que alegou, preliminarmente, ilegitimidade passiva. No mérito, sustentou em suma que, por diversas oportunidades, procurou realizar a internação de Carlos em instituições de serviço residencial terapêutico em saúde mental, sendo os requerimentos negados. Disse concordar com a pretensão inicial quanto ao acolhimento de Carlos em instituição adequada (evento 40).Réplica (evento 41).Intimado para esclarecimentos, o Parquet ratificou os termos apresentados, requerendo que o Estado do Paraná disponibilize em favor do assistido Carlos, uma vaga em instituição terapêutica de residência inclusiva apropriada (evento 48).Intimadas, as partes pugnaram o julgamento antecipado da lide (eventos 41, 55 e 58).É o relatório”. Da sentença recorrida Seguindo a marcha processual, sobreveio sentença de mérito em 11 de dezembro de 2020 (mov. 60.1).Preliminarmente, a douta Magistrada singular afastou a alegação de inépcia da inicial aventada pelo Estado do Paraná, que afirmou que os pedidos da exordial são obscuros e genéricos. Defendeu a existência de pedido claro e específico de “internamento do assistido CARLOS JOSÉ BARBOSA SANTIAGO em instituição terapêutica de residência inclusiva apropriada, eis que diagnosticado com ‘esquizofrenia simples’, estando, atualmente, internado provisoriamente junto ao Hospital Regional Vale do Ivaí em Jandaia do Sul/PR, inexistindo instituição municipal comunitária adequada para exercer os cuidados sobre o mesmo, nem mesmo familiares dispostos a recebê-lo, haja vista o rompimento dos vínculos”.Acolheu a ilegitimidade passiva aventada pelo Município de Ourizona, sustentando que ele é de pequeno porte, não dispondo de instituição ou centro comunitário de inclusão adequado (CAPS, albergue, ou casa de repouso) para receber o substituído processual, não sendo justificável a inclusão do município na presente ação, ao passo que ele possui uma população estimada em 3.425 pessoas, sendo extremamente pequeno e sem estrutura para manter instituição adequada visando o acolhimento de deficientes em situação vulnerável. Assim, extinguiu o feito sem resolução de mérito em face do Município de Ourizona (art. 485, inciso VI, NCPC).Por outro lado, rejeitou a ilegitimidade passiva arguida pelo Estado do Paraná, eis que evidenciada sua responsabilidade em manter os serviços assistenciais aos portadores de deficiência em situação de vulnerabilidade, porquanto o serviço de Residência Inclusiva é uma modalidade de acolhimento institucional e, portanto, caracteriza-se como Serviço de Proteção Social Especial de Alta Complexidade, de acordo com o art. 1°, da Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, que aprovou a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais.Adentrando ao mérito, asseverou que a primeira internação do substituído processual ocorreu em 1995, e que agora ele se encontra no Hospital Regional do Vale do Ivaí em Jandaia do Sul/PR desde 03 de abril de 2020, sendo sua 35ª internação no local, com diagnóstico de esquizofrenia simples e, o quadro atual do paciente se caracteriza por ser um estágio crônico do transtorno esquizofrênico, caracterizado pela presença de sintomas negativos de longa duração, ou seja, retardo psicomotor, hipoatividade, passividade, falta de iniciativa, auto cuidado e desempenho social pobre.Consignou que Carlos não possui vínculos familiares e o CRAS teria tentado o resgate familiar, principalmente com o pai José, mas Carlos não o aceita, pois têm lembranças ruins do pai, que era muito agressivo e alcoólatra, e da mãe, que também é portadora de esquizofrenia. Ainda, mencionou que, em contato com as irmãs do paciente, o CRAS também verificou a impossibilidade de reestruturação familiar do assistido, tendo em vista que elas também não possuem boas lembranças de Carlos, que era abusivo e violento.Sustentou que o parecer psiquiátrico acostado aos autos comprova a deficiência mental que acomete o paciente, que atualmente se encontra internado provisoriamente no Hospital Regional do Vale do Ivaí em Jandaia do Sul/PR, sendo certo que após alta hospitalar voltará às ruas da cidade de Ourizona, em condições de extrema vulnerabilidade, diante da ausência de instituição municipal adequada para acolhê-lo, nem mesmo de familiares dispostos a recebê-lo, em razão do rompimento do vínculo.Assim, entendeu que a pretensão inicial merece acolhimento, a fim de que o ente estatal disponibilize vaga em instituição terapêutica de residência inclusiva apropriada, de acordo com o art. 31, do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Destarte, julgou procedentes os pedidos iniciais, concedendo a tutela de urgência satisfativa, por entender que restou demonstrado o perigo de dano, determinando ao Estado do Paraná que disponibilize, em favor do assistido Carlos José Barbosa Santiago, vaga em instituição terapêutica de residência inclusiva apropriada, informando nos autos em 10 (dez) dias corridos (a contar da intimação da sentença), o nome da referida instituição, competindo ao réu providenciar o traslado do assistido do hospital diretamente à instituição escolhida, sob pena de multa diária pelo descumprimento, fixada em R$ 500,00 (quinhentos) reais, com amparo no art. 536, §1º, NCPC.Ainda, determinou a notificação do Hospital Regional do Vale do Ivaí em Jandaia do Sul/PR, a fim de manter o paciente Carlos José Barbosa Santiago internado até que fosse realizado o seu traslado para a residência inclusiva adequada, a ser realizada pelo Estado do Paraná.Por fim, condenou o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, deixando de arbitrar honorários advocatícios.Expedido ofício ao Hospital Regional do Vale do Ivaí em Jandaia do Sul/PR (mov. 63.1), este respondeu em 06/01/2021, informando que o paciente permanecia internado naquele serviço (mov. 66.1). O Estado do Paraná, por sua vez, informou que “foi encaminhado protocolo administrativo solicitando às autoridades competentes o cumprimento imediato da obrigação de fazer estabelecida na sentença. Tão logo obtenha resposta, informará nos presentes autos” (mov. 67.1). Nos dias 03/02/2021 e 15/03/2021, o Hospital Regional do Vale do Ivaí em Jandaia do Sul/PR solicitou informações sobre o andamento do processo, ao passo que Carlos permanecia internado na instituição (mov. 77.1 e 82.1).O Parquet, então, pleiteou o cumprimento provisório da sentença no que tange a concessão da tutela provisória de urgência, visto que o requerido descumpriu o prazo de 10 dias assinalado em sentença (mov. 86.1). O pedido foi deferido pelo Juízo a quo (mov. 91.1), e o autor se manifestou, afirmando que providenciaria a autuação do pedido de cumprimento provisório de sentença em apartado (mov. 95.1). Das razões recursais Irresignado, o Estado do Paraná interpôs recurso de Apelação Cível à seq. 79.1.Preliminarmente, aventou a inépcia da petição inicial, ante a existência de pedido obscuro e genérico, em ofensa aos arts. 322 e 324, NCPC. Alegou que, na exordial, o apelado postulou a inserção do paciente em “serviço residencial terapêutico em saúde mental”, “residência terapêutica” e “residência inclusiva”, políticas públicas que não se confundem e possuem fundamentação jurídica, beneficiários e critérios de admissão distintos.Alegou que faltou clareza e definição dos pedidos, realidade que impõe a extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485, IV, NCPC), ante a ausência de pressuposto objetivo necessário à constituição e ao regular desenvolvimento do processo.Também afirmou ser parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda, na medida em que cabe ao Município prestar os serviços de assistência social (art. 15, inciso V, Lei nº 8.742/1993). Ressaltou que a obrigação dos Estados é residual, surgindo apenas quando, na ausência de demanda própria dos Municípios de menor porte, houver justificativa para uma rede regional (art. 13, incisos II e V, Lei nº 8.742/1993). Nesta toada, consignou que o Estado do Paraná já mantém duas unidades regionalizadas no Município de Irati, não existindo omissão da sua parte.No mérito, asseverou que o Sistema Único de Assistência Social – SUAS (Lei nº 8.742/1993) engloba as ações de Proteção Social Básica (destinadas à prevenção de riscos sociais), de Proteção Social Especial (destinadas à contenção de situações de risco, quando já houver violação de direitos) e os Benefícios Assistenciais, ao passo que, dentre os serviços de Proteção Social Especial, inclui-se o “Acolhimento Institucional”, que nada mais é do que a proteção integral do indivíduo ou da família pelo Estado, com a disponibilização de habitação, alimentação, higiene, salubridade, segurança, acessibilidade e privacidade, o que, como regra, deverá ocorrer em caráter provisório.Mencionou que, de acordo com a Resolução nº 109/2009, do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, o acolhimento institucional poderá ocorrer sob as seguintes modalidades: i) abrigo institucional; ii) casa-lar: iii) casa de passagem; e iv) residência inclusiva. Além disso, aduziu que a Proteção Especial de alta complexidade abrange os serviços de acolhimento em república, acolhimento em família acolhedora, e proteção em situações de calamidades públicas e de emergências, salientando que cada uma dessas espécies possui usuários, objetivos, condições, formas de acesso, abrangência e funcionamento próprios, não se confundindo uma com a outra.Sustentou que a residência inclusiva constitui espécie de acolhimento institucional, inserta dentre os programas de proteção social de alta complexidade, especificados na citada Resolução nº 109/2009 do CNAS, e é destinada ao acolhimento de jovens e adultos com deficiência, prioritariamente agraciados com o benefício de prestação continuada – BPC ou outro programa de transferência de renda, que se mostrarem dependentes para as atividades da vida cotidiana e não gozarem de vínculos familiares, seja em caráter temporário ou permanente.Assim, alegou que a “residência inclusiva” não se confunde com o “serviço residencial terapêutico” em saúde mental, que é uma política pública do SUS e não do SUAS. Afirmou que nem todos os portadores de doenças mentais podem ser considerados deficientes e, assim, se subsumirem à qualidade de potenciais usuários da política pública “residência inclusiva”. Por outro lado, consignou que nem todos os deficientes mentais são usuários potenciais do “serviço residencial terapêutico” em saúde mental, pois o diagnóstico de doença psiquiátrica e da condição de deficiente não basta, sendo necessário o preenchimento de todos os outros requisitos, como, por exemplo, a preexistência de internação contínua por pelo menos dois anos.Por tais razões, alegou que o substituído processual não se enquadra no público alvo do “serviço residencial terapêutico” em saúde mental, tampouco no público das “residências inclusivas”, porquanto, apesar de possuir diagnóstico de doença mental, não há comprovação de se tratar de pessoa com deficiência mental, atestada por avaliação atualizada, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, nos termos do art. 2º da Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).Também, mencionou que não restou demonstrada a estabilização do paciente e que este realmente possui indicação para esse tipo de assistência, ao passo que a residência inclusiva nada mais é do que uma casa de pequeno porte, destinada a pessoas com deficiência (até então desconhecidas) viverem juntas, recebendo estímulos para sua autonomia. Ainda, ressaltou que esse serviço não possui acompanhamento direto de profissionais da saúde, tampouco o rigor existente em um hospital psiquiátrico, de modo que o seu usuário precisa de estabilização psíquica e condições para conviver com outros indivíduos em grupo, circunstâncias que não foram comprovadas nos autos, visto que o paciente possui idas e vindas ao hospital desde 1995 e, mesmo após ter disponibilizado local para dormir e realizar suas atividades básicas, “Carlos nunca fica no local, voltando a perambular pelas ruas da cidade” (mov. 1.1, p. 04).Dissertou acerca do direito à saúde e à moradia das pessoas com deficiência (art. 23, inciso II, CF/88; arts. 25 e 26, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; arts. 18 e 31, da Lei nº 13.146/15), salientando não se tratarem de direitos absolutos, visto que devem ser respeitados os critérios delineados pelo legislador infraconstitucional e pelos próprios órgãos executores, o que não foi levado em consideração na sentença.Afirmou que, com o escopo de não violar o princípio da separação dos poderes (art. 2º, da CF/88), o Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência pacífica no sentido de que somente em casos excepcionais, configurada a inércia da Administração, o Poder Judiciário está legitimado a tomar decisões interferindo em políticas públicas, ainda que com o intuito de assegurar o exercício de direitos fundamentais.Consignou que, no caso em comento, inexiste omissão do Estado do Paraná, “a uma porque a política pública de acolhimento institucional (assistência social) e o serviço residencial terapêutico em saúde mental, como regra, não se incluem no rol das suas atribuições (integram as competências dos Municípios), a duas porque, junto com a União, o ente estadual oportunamente já fomentou, mediante a oferta de cofinanciamento, a expansão das residências inclusivas pelos entes municipais, a três porque já se desincumbiu de criar residência inclusiva de âmbito regional, nos termos do art. 13, V, da Lei nº 8.742/1993 (residências no Município de Irati)”.Ademais, aventou o atual contexto da pandemia do Covid-19, que restringe novos acolhimentos, em razão do distanciamento social e da mitigação dos riscos de transmissibilidade do vírus entre os assistidos e os cuidadores, fazendo-se necessário buscar alternativas, seja restaurando vínculos familiares, através da mudança para residências de outros membros da família ou de terceiros com as quais o indivíduo já tenha vínculo de afeto.Sustentou que o art. 1º, inciso IX, da Recomendação Conjunta nº 01/2020 do CNJ e do CNMP orienta que, no período da pandemia, novos acolhimentos são admitidos apenas em casos excepcionais e, embora a recomendação seja direcionada à atenção de crianças e adolescentes, surge como parâmetro para o caso.Na mesma senda, mencionou que o item 5 da Portaria nº 59, de 22/04/2020, do Ministério da Cidadania/Secretaria Nacional de Assistência Social, instituiu uma série de providências para diminuir o fluxo de pessoas e aglomerações em unidades de acolhimento institucional, deixando claro que novos acolhimentos deverão ocorrer excepcionalmente e em caráter provisório.Ainda, alegou que houve ofensa aos arts. 20 e seguintes, da LINDB, porquanto a sentença não considerou as consequências práticas da determinação e o contexto em que se encontra o gestor público, tampouco indicou o caminho prático para o cumprimento da obrigação de fazer estabelecida.Assim sendo, postulou (i) o recebimento do recurso com efeito suspensivo e a revogação/anulação da tutela de urgência deferida em sentença, (ii) a reforma da sentença, a fim de julgar improcedentes os pedidos iniciais, ou (iii) na hipótese de manutenção da condenação, a dilatação do prazo para cumprimento da medida e a exclusão ou redução das astreintes.O apelado apresentou contrarrazões refutando os argumentos ventilados e postulando o desprovimento do recurso (mov. 84.1).Em 2º grau, a douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela manutenção da r. sentença (mov. 13.1).É o relatório.
II - VOTO E FUNDAMENTAÇÃO O recurso foi tempestivamente ofertado, preenchendo os demais requisitos de admissibilidade, pelo que deve ser conhecido.Inobstante a concessão de tutela provisória esteja prevista no rol do art. 1.012, §1º, NCPC[1], que elenca as hipóteses em que a sentença começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação, deixa-se de receber o recurso com efeito suspensivo e de apreciar o pleito de revogação da liminar, ao passo que o pedido deve ser formulado mediante requerimento apartado perante o Tribunal de Justiça, possuindo procedimento específico a ser seguido, conforme determina o art. 1.012, §3º, NCPC[2].Cinge-se a controvérsia em determinar se (i) a petição inicial é inepta, (ii) o feito deve ser extinto em razão da ilegitimidade passiva do apelante, (iii) o substituído processual não preenche todos os requisitos exigidos para a concessão da medida, e (iv) houve violação à separação dos poderes e às regras do art. 20 e seguintes da LINDB. Da inépcia da petição inicial Preliminarmente, o Estado do Paraná alegou que o feito deve ser extinto sem resolução de mérito, ao passo que a petição inicial seria inepta por conter pedido obscuro e genérico, dificultando sua defesa.Todavia, razão não lhe assiste.No escólio de Theotonio Negrão et al.[3]:“Art. 319: 12ª. ‘O pedido é o que se pretende com a instauração da demanda e se extrai da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, sendo de levar-se em conta os requerimentos feitos em seu corpo e não só aqueles constantes em capítulo especial ou sob rubrica ‘dos pedidos’’ (STJ-4ªT., AI 594.865-AgRg, Min. Fernando Gonçalves, j. 21.10.04, DJU 16.11.04). No mesmo sentido: STJ-1ªT., AI 468.472-AgRg, Min. Luiz Fux, j. 20.5.03, DJU 2.6.03”.Da atenta leitura aos autos, depreende-se que, de fato, o Parquet se equivocou na terminologia do acolhimento inicialmente postulado (“serviço residencial terapêutico em saúde mental”), o que, no entanto, não veio a dificultar, de maneira alguma, a defesa do apelante, que foi plenamente capaz de dissertar extensamente sobre as diferenças entre o “serviço residencial terapêutico em saúde mental” e as “residências inclusivas” em sua peça de defesa e em suas razões recursais (mov. 34.1 e 79.1).Nesta senda, entende-se que a disponibilização de vaga em uma instituição terapêutica de “residência inclusiva” ao substituído processual é consequência lógica dos fundamentos expostos na inicial, restando afastada a preliminar formulada pelo apelante. Da ilegitimidade passiva Ainda em sede preliminar, o Estado do Paraná aventou sua ilegitimidade passiva, alegando ser responsabilidade dos Municípios a prestação dos serviços de assistência social.Novamente, o argumento não merece ser acolhido.A Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93), em seu art. 15, impõe aos Municípios o dever de prestar os serviços socioassistenciais. No entanto, a LOAS também previu a competência subsidiária dos Estados na hipótese de ausência de demanda municipal que justifique a criação de uma rede regional de serviços: Art. 13. Compete aos Estados:II - cofinanciar, por meio de transferência automática, o aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e os projetos de assistência social em âmbito regional ou local;V - prestar os serviços assistenciais cujos custos ou ausência de demanda municipal justifiquem uma rede regional de serviços, desconcentrada, no âmbito do respectivo Estado.Art. 15. Compete aos Municípios:V - prestar os serviços assistenciais de que trata o art. 23 desta lei.Art. 23. Entendem-se por serviços socioassistenciais as atividades continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações, voltadas para as necessidades básicas, observem os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidos nesta Lei.Restou comprovado nos autos que o Município de Ourizona/PR é de pequeno porte, possuindo população inferior a 4.000 habitantes, motivo pelo qual inexiste o serviço assistencial de residência inclusiva na esfera municipal, atraindo, portanto, a incidência da regra supracitada, que impõe ao Estado do Paraná a prestação de “serviços assistenciais cujos custos ou ausência de demanda municipal justifiquem uma rede regional de serviços, desconcentrada, no âmbito do respectivo Estado”.Inobstante o apelante alegue que já possui duas unidades regionalizadas no Município de Irati, buscando afirmar que não há omissão de sua parte, é inegável que a impossibilidade de o Município de Ourizona fornecer o serviço assistencial ao paciente obriga o Estado do Paraná a disponibilizar a vaga ao substituído processual, não tendo que se falar em ilegitimidade passiva do apelante.Cumpre mencionar que, mesmo que o acolhimento do paciente fosse em "serviço residencial terapêutico", não está afastada a responsabilidade do Estado.A Lei nº 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, fala da responsabilidade do Estado, junto com o Município, no desenvolvimento de políticas públicas de saúde mental.Ainda, a Lei nº 11.189/1995 do Estado do Paraná também aborda esta atuação conjunta do Estado com os Municípios para a promoção de atendimento às pessoas com transtornos mentais.Então, independentemente da instituição, o Estado não estaria isento de sua responsabilidade. E se, no caso, não há instituição de acolhimento no Município de Ourizona, surge o dever de o Estado promover uma vaga em outro Município que possua instituição adequada ao atendimento de Carlos.Para tentar se eximir de sua responsabilidade, o Estado do Paraná invocou o disposto no artigo 15, inciso V, da Lei nº 8.742/1993, que dispõe ser competência do Município prestar os serviços de assistência social que trata o artigo 23, que, por sua vez, fala dos serviços socioassistencias para melhoria de vida da população.Porém, serviços de assistência social não se confundem com atendimento e promoção de políticas públicas a serem promovidos às pessoas com transtornos mentais ou deficiências mentais.Cada situação tem uma regulamentação própria e específica. Por isso, não estamos falando apenas de uma assistência social a uma pessoa que se encontra desabrigada, mas sim em proporcionar atendimento e acolhimento em instituição adequada para uma pessoa com transtorno/doença psíquica e deficiência mental.Assim, entendo que, independentemente da instituição a ser garantida a vaga para o atendimento do paciente, a responsabilidade do Estado do Paraná não está afastada. Da residência inclusiva No caso em tela, o Ministério Público do Estado do Paraná, ora apelado, propôs “Ação Civil Pública com Preceito Cominatório (Obrigação de Fazer) c/c Pedido Liminar de Tutela de Urgência, nos interesses de Carlos José Barbosa Santiago, em face do Município de Ourizona e do Estado do Paraná, ora apelante, a fim de obter a inserção e o translado do substituído processual, portador de Esquizofrenia simples (CID10 F20.6), para serviço de acolhimento que seja apta a efetivar o seu acompanhamento e tratamento (serviço residencial terapêutico em saúde mental).O Parquet assim narrou na exordial (mov. 1.1):“CARLOS JOSÉ BARBOSA SANTIAGO diagnóstico compatível ao CID 9 295.0/5 que corresponde ao CID 10-F 20.6 ‘Esquizofrenia simples’. Atualmente CARLOS está internado no Hospital Regional do Vale do Ivaí em Jandaia do Sul/PR, unidade esta em que foi internado pela primeira vez em 06/10/1995, sendo esta internação atual o seu 35ª ingresso ao Centro de Triagem. (...) Veja-se que a vida de CARLOS desde o ano 1995, quando foi internado pela primeira vez, resumiu-se em ‘idas e vindas’ ao hospital, sendo que nos períodos em que não estava no Hospital, conforme referenciado nos relatórios apresentados pelo Departamento de Assistência Social do Município de Ourizona, CARLOS ficava pelas ruas da cidade. Como bem informado pelas Assistentes Sociais do Município de Ourizona/PR, quando CARLOS recebe alta hospitalar, apesar do município não dispor, pelo próprio porte do município, de equipamento comunitário ou centro de inclusão para receber CARLOS, é cedido um local para que ele durma e faça as suas necessidades básicas, porém, Carlos nunca fica no local, voltando a perambular pelas ruas da cidade. Durante o período em que CARLOS fica no município, a alimentação, medicação e sua própria higiene pessoal é fornecida e realizada por funcionários dos Departamentos de Saúde e de Assistência Social, que se revezam para atender a necessidade de CARLOS. Contudo, nem sempre CARLOS é localizado para tomar o medicamento ou receber alimentação. Verifica-se que conforme provam os documentos anexos, a Secretaria de Assistência Social do município tem se mobilizado, há anos, para solucionar a situação de CARLOS, seja por meio do conhecimento familiar e tentativa na reestruturação de vínculos, seja por meio da busca de vaga em residência de longa permanência, onde CARLOS pudesse permanecer e viver dignamente. (...) Quanto ao núcleo familiar de CARLOS, em relatório confeccionado pelo CRAS, verifica-se que ele tem pai, mãe e quatro irmãos, mas sem contato com nenhum deles: (...) Em outro relatório do CRAS, datado de 10/04/2020, refere que não houve avanço na aproximação e reestabelecimento de vínculos de CARLOS com os familiares: (...) A genitora também possui deficiência mental, reside e é cuidada por uma das irmãs, com quem CARLOS não tem vínculo, a exemplo do que ocorre com os outros irmãos também. Veja-se, portanto, que os vínculos afetivos familiares estão rigorosamente rompidos, de forma que restou impossível a inserção de CARLOS na família. De outro lado, a teor do que consta no relatório do CRAS de 10/04/2020, a tentativa de vaga para CARLOS em residência inclusiva também restou negativa. Nesta conjuntura, percebe-se que os anos se passaram, porém a situação de CARLOS é a mesma: sem vínculo familiar com quem possa ficar, e sem vaga em residência terapêutica que possa recebê-lo, saindo do Hospital, CARLOS será recebido pelo Município e direcionado ao local disponibilizado para ele ficar, mas voltará a sair pelas ruas, a não tomar a medicação corretamente, a não ter alimentação adequada e não realizar a higienização correta, sempre necessária, porém imprescindível neste momento de pandemia que vivemos. Diante de todo esse contexto, mostra-se inquestionável a necessidade de acolhimento de CARLOS em serviço residencial terapêutico”.Ao prolatar a r. sentença vergastada, o Juízo a quo acolheu a ilegitimidade passiva do Município de Ourizona, que não possui capacidade para receber o substituído processual em estabelecimento adequado às suas necessidades. Por tal razão, condenou o Estado do Paraná à disponibilização de vaga em instituição terapêutica de residência inclusiva apropriada ao assistido, responsabilizando-se pelo traslado do paciente.Inconformado, o ente interpôs o recurso que ora se aprecia.Pois bem.Do arcabouço fático-probatório dos autos, extrai-se que Carlos José Barbosa Santiago é uma pessoa em situação de rua, estando, no momento, em sua 35ª internação junto ao Hospital Regional do Vale do Ivaí em Jandaia do Sul/PR, em razão do seu “estágio crônico de transtorno esquizofrênico, caracterizado pela presença de sintomas negativos de longa duração, ou seja, retardo psicomotor, hipoatividade, afeto embotado, passividade, falta de iniciativa, pobreza da quantidade e conteúdo do discurso, comunicação não-verbal pobre, auto cuidado e desempenho social pobre”.O referido diagnóstico foi atestado pela Psiquiatra e Diretora Clínica do Hospital Regional do Vale do Ivaí, Dra. Cleidimar Costenaro Brandes, CRM/PR nº 11.295, no bojo da Notícia de Fato nº 0081.19.000794-8, que deu origem à presente Ação Civil Pública (mov. 1.4, p. 08). A douta Procuradora de Justiça Coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias do Idoso e da Pessoa com Deficiência do MPPR, Dra. Rosana Beraldi Bevervanço, elaborou breves considerações acerca da diferença entre deficiência mental e doença mental, disponíveis no site do Ministério Público do Estado do Paraná[4], que merecem cotejo:“Segundo a Associação Americana de Deficiência e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, por deficiência mental entende-se o estado de redução notável do funcionamento intelectual significativamente inferior à média, associado a limitações pelo menos em dois aspectos do funcionamento adaptativo: comunicação e cuidados pessoais, competências domésticas, habilidades sociais, utilização dos recursos comunitários, autonomia, saúde e segurança, aptidões escolares, lazer e trabalho. Todos esses aspectos devem ocorrer durante o desenvolvimento infantil, ou seja, antes dos 18 anos, para que um indivíduo seja diagnosticado como deficiente intelectual.A doença ou o transtorno mental, conforme assinala a Associação Brasileira de Psiquiatria engloba um amplo espectro de condições que afetam a mente (nosso mapa genético, química cerebral, aspectos de nosso estilo de vida, acontecimentos passados). Seja qual for a causa, a pessoa que desenvolve a doença ou o transtorno mental muitas vezes se sente em sofrimento, desesperançada e incapaz de levar sua vida em plenitude. Caracteriza-se, portanto como uma variação mórbida do normal, capaz de produzir prejuízo no desempenho global da pessoa nos âmbitos social, ocupacional, familiar e pessoal. Dessa forma, se na deficiência o indivíduo apresenta desenvolvimento intelectual reduzido ou incompleto, não dispondo, por conseguinte, de instrumentos necessários à boa compreensão de todas ou de parte das coisas, na doença ou no transtorno mental ele detém os instrumentos intelectuais necessários, os quais, entretanto, apresentam funcionamento comprometido. (...)No que pertine à deficiência mental (atualmente denominada deficiência intelectual), contamos com a definição legal do artigo 4º, IV, do Decreto nº 3298/99, “funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas (...)”, conforme rol exemplificativo que traz. Para o portador de transtorno mental, o critério a nos guiar deve ser a conclusão médica, necessariamente detalhado para a avaliação correta por parte do operador do Direito”O supracitado art. 4º, inciso IV, do Decreto nº 3298/99 assim preconiza:Art. 4o É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:a) comunicação;b) cuidado pessoal;c) habilidades sociais;d) utilização dos recursos da comunidade;e) saúde e segurança;f) habilidades acadêmicas;g) lazer; eh) trabalho; [...]O parecer do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) do Município de Ourizona atestou que “a situação do Sr. Carlos vem se agravando e notamos que sua relação com a sociedade está ficando conflituosa, pois houve episódios de roubo, de notificação de mulheres por presenciar gestos obscenos do mesmo, de masturbações em público, dentre outros fatos que chegam ao conhecimento do CRAS informalmente, pois a sociedade não realiza boletim de ocorrência por pena do Sr. Carlos” (mov. 1.2, p. 17).Ademais, o CRAS consignou que o grau de comprometimento do transtorno mental impede Carlos de exercer atividades laborais e de ser responsável por ações básicas de autocuidado, como alimentação, higiene e medicação (mov. 1.6, p. 01).Desta feita, as provas constantes nos autos indicam que o paciente se subsume à condição de portador de deficiência mental/cognitiva, não sendo apenas portador de doença/transtorno mental, porquanto a esquizofrenia que o acomete possui alto grau de comprometimento, afetando sua comunicação, sua interação social e seu cuidado pessoal, apresentando, portanto, duas ou mais limitações nas áreas de habilidades adaptativas retrocitadas (comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, saúde e segurança, e trabalho), além de não possuir vínculos familiares.Segundo os médicos que atendem o paciente, o eclodir da esquizofrenia de Carlos pode ter sido ocasionado por fatores ambientais e pelo fator genético, tendo em vista que sua mãe também era portadora do transtorno. O CRAS afirmou que o primeiro episódio de esquizofrenia de Carlos ocorreu em 1994, oportunidade em que foi dado início ao tratamento e acompanhamento do paciente, que, desde então, já foi internado 35 vezes em um hospital psiquiátrico, lá permanecendo por 2 meses, recebendo alta, e retornando após permanecer certo tempo vivendo nas ruas do Município (mov. 1.7, p. 03-04).A Constituição Federal determinou ser competência comum entre os entes federativos a promoção da assistência social e da saúde das pessoas com deficiência, visando sua habilitação, reabilitação e integração à vida comunitária:Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; [...]De modo a efetivar o mandamento constitucional, o Poder Legislativo editou a Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social), oportunidade em que instituiu o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), integrado pelos entes federativos, pelos respectivos conselhos de assistência social e pelas entidades e organizações de assistência social abrangidas naquela Lei. O “acolhimento institucional” é medida de assistência social que constitui política pública de garantia do mínimo existencial para as pessoas com deficiência, de modo que a omissão do poder público ou a insuficiência na oferta do serviço configura afronta à dignidade da pessoa humana, a qual deve ser respeitada de maneira incondicional pelo Estado.O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), em seu art. 31, impõe a adoção de providências para a implementação de “residências inclusivas” àqueles que não possuam mais vínculos familiares e/ou condições de autossustentabilidade:Art. 31. A pessoa com deficiência tem direito à moradia digna, no seio da família natural ou substituta, com seu cônjuge ou companheiro ou desacompanhada, ou em moradia para a vida independente da pessoa com deficiência, ou, ainda, em residência inclusiva.§ 2º A proteção integral na modalidade de residência inclusiva será prestada no âmbito do Suas à pessoa com deficiência em situação de dependência que não disponha de condições de autossustentabilidade, com vínculos familiares fragilizados ou rompidos.A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949/09, prevê em seu artigo 28 que “Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a um padrão adequado de vida para si e para suas famílias, inclusive alimentação, vestuário e moradia adequados, bem como à melhoria contínua de suas condições de vida, e tomarão as providências necessárias para salvaguardar e promover a realização desse direito sem discriminação baseada na deficiência”. Ainda, o diploma dispõe que “Os Estados Partes reconhecem que as pessoas com deficiência têm o direito de gozar do estado de saúde mais elevado possível, sem discriminação baseada na deficiência. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso a serviços de saúde, incluindo os serviços de reabilitação, que levarão em conta as especificidades de gênero” (artigo 25).Quanto ao direito à saúde, cumpre tecer alguns comentários.Ele se trata de obrigação imposta aos entes federativos pela Constituição Federal, em seus arts. 23, inciso II e 196:Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...)II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.Além do mais, o art. 18, do Estatuto da Pessoa com Deficiência também assegura a “atenção integral à saúde da pessoa com deficiência em todos os níveis de complexidade, por intermédio do SUS, garantido acesso universal e igualitário”.Cumpre mencionar que o direito à saúde, previsto no artigo 196 da Constituição Federal, além de ser um direito fundamental que assiste a todas as pessoas, é um direito constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode se mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.Sendo o direito à saúde um dever dos entes públicos, incumbe às esferas dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) trazer efetividade máxima à norma cogente traçada pelo legislador constituinte. O Judiciário, não se furtando a tal dívida social, tem reiteradamente reconhecido aos portadores de moléstias graves, que não detenham disponibilidade financeira, o direito de receber gratuitamente do Estado os tratamentos médicos nos casos de comprovada necessidade, não tendo que se falar, portanto, em violação à separação dos poderes, consubstanciada no art. 2º, da Constituição Federal.Nesta esteira, o art. 6º, da Constituição Federal estabelece o direito à saúde como um dos direitos sociais dos cidadãos, devendo o Estado garanti-lo:Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.Ainda, deve ser citada a Lei nº 8.080/90 (SUS), que determina:Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).José Afonso da Silva[5], sobre ao assunto, defende que:“A saúde, como direito público subjetivo, representa uma prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas e é decorrência indissociável do direito fundamental à vida, que se constitui a fonte primária de todos os demais bens jurídicos, devendo ser resguardada de modo concreto e efetivo, na forma prevista pela Carta Constitucional, regendo-se pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que a promovem, protegem e recuperam”.Logo, pode-se concluir que a saúde, física e mental, é um direito fundamental de todos os indivíduos e cabe também aos Estados garantirem tal direito, especialmente quando se trata de uma pessoa com deficiência em situação de vulnerabilidade social. A Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS 2012) assim estabelece:Art. 4º São seguranças afiançadas pelo SUAS:I - acolhida: provida por meio da oferta pública de espaços e serviços para a realização da proteção social básica e especial, devendo as instalações físicas e a ação profissional conter:h) oferta de uma rede de serviços e de locais de permanência de indivíduos e famílias sob curta, média e longa permanência.Art. 15. São responsabilidades dos Estados:IV - organizar, coordenar e prestar serviços regionalizados da proteção social especial de média e alta complexidade, de acordo com o diagnóstico socioterritorial e os critérios pactuados na CIB e deliberados pelo CEAS;Por sua vez, a Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, responsável pela aprovação da “Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais”, determina que o serviço de “residência inclusiva” é uma modalidade de acolhimento institucional e, portanto, caracteriza-se como Serviço de Proteção Social Especial de Alta Complexidade, conforme se vê:Art. 1º. Aprovar a Tipificação nacional de Serviços Socioassistenciais, conforme anexos, organizados por níveis de complexidade do SUAS: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade, de acordo com a disposição abaixo: (...)III - Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade:a) Serviço de Acolhimento Institucional, nas seguintes modalidades:- Abrigo institucional;- Casa-Lar;- Casa de Passagem;- Residência Inclusiva.O Estatuto da Pessoa com Deficiência assim conceitua o instituto da “residência inclusiva”:Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se:X - residências inclusivas: unidades de oferta do Serviço de Acolhimento do Sistema Único de Assistência Social (Suas) localizadas em áreas residenciais da comunidade, com estruturas adequadas, que possam contar com apoio psicossocial para o atendimento das necessidades da pessoa acolhida, destinadas a jovens e adultos com deficiência, em situação de dependência, que não dispõem de condições de autossustentabilidade e com vínculos familiares fragilizados ou rompidos; [...]O Ministério do Desenvolvimento Social, por meio do Sistema Único de Assistência Social, elaborou um “guia” com “orientações para gestores, profissionais, residentes e familiares sobre o Serviço de Acolhimento Institucional para Jovens e Adultos com Deficiência em Residências Inclusivas”, de modo a responder as perguntas mais frequentes sobre o assunto[6].Dele, extraem-se as seguintes informações:“O conceito de ‘Pessoa com Deficiência’ está em evolução. Construído historicamente, vem rompendo com a ótica cujo foco estava nas supostas ‘limitações’ da pessoa com deficiência, e traz para os momentos atuais a reflexão sobre as diversas barreiras (físicas, arquitetônicas, atitudinais, de comunicação, etc) impostas pela coletividade e que impedem o pleno desenvolvimento de todos os seus cidadãos.O conceito de pessoa com deficiência tem como base a definição da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF/OMS/2001, que contempla: condição de saúde, deficiência, limitação da atividade e restrição da participação social; e concebe, ainda, a interação da pessoa com deficiência e barreiras existentes como geradoras de situação de dependência.A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ratificada pelo Brasil em 2008, com equivalência constitucional, por meio do Decreto Legislativo nº 186/08 e Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 apresenta o conceito:‘São consideradas pessoas com deficiência aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas’. (...)Nem todas as pessoas com deficiência são dependentes. O conceito de dependência está relacionado à perda da capacidade funcional associada à demanda por cuidados de longa duração. A dependência pode ser incapacitante ou não, bem como gradual, definitiva ou reversível. A situação de dependência pode afetar as capacidades das pessoas com deficiência que, em interação com as barreiras, limitam a realização das atividades e restringem a participação social. (...)A Residência Inclusiva é uma unidade que oferta Serviço de Acolhimento Institucional, no âmbito da Proteção Social Especial de Alta Complexidade do SUAS, para jovens e adultos com deficiência, em situação de dependência, que não disponham de condições de autossustentabilidade ou de retaguarda familiar, em sintonia com a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais.A Residência Inclusiva tem o propósito de romper com a prática do isolamento, de mudança do paradigma de estruturação de serviços de acolhimento para pessoas com deficiência em áreas afastadas ou que não favoreçam o convívio comunitário. São residências adaptadas, com estrutura física adequada, localizadas em áreas residenciais na comunidade. Devem dispor de equipe especializada e metodologia adequada para prestar atendimento personalizado e qualificado, proporcionando cuidado e atenção às necessidades individuais e coletivas.Tem como finalidade propiciar a construção progressiva da autonomia e do protagonismo no desenvolvimento das atividades da vida diária, a participação social e comunitária e o fortalecimento dos vínculos familiares com vistas à reintegração e/ou convivência. (...)9. Qual o público atendido na Residência Inclusiva? Jovens e adultos com deficiência, em situação de dependência, prioritariamente beneficiários do Beneficio de Prestação Continuada-BPC, que não disponham de condições de autossustentabilidade ou de retaguarda familiar e/ ou que estejam em processo de desinstitucionalização de instituições de longa permanência”.Conforme exposto alhures no tópico que apreciou a tese de ilegitimidade passiva do apelante, verificou-se que os Estados possuem responsabilidade subsidiária de prestar os serviços assistenciais na hipótese de impossibilidade de prestação pelo Município (arts. 13 e 15, da Lei nº 8.742/93).Assim, considerando que o Município de Ourizona é de pequeno porte, o Estado do Paraná torna-se o principal responsável pela prestação de assistência a Carlos, que é portador de doença mental e possui vínculos familiares rompidos, conforme se verifica nos pareceres elaborados pelo Centro de Referência de Assistência Social de Ourizona (CRAS), acostados nos ev. 1.2, 1.6 e 32.2, que atestaram a impossibilidade de reestruturação familiar do assistido, haja vista o falecimento da mãe (que também era portadora de esquizofrenia), e o afastamento do pai e das irmãs, ante o histórico de violência perpetrado pelo genitor e, posteriormente, pelo próprio substituído processual.Na seara administrativa, o próprio Estado do Paraná, ao emitir a Informação Técnica nº 033/2017-CPSE sobre o caso concreto, asseverou que “pela breve descrição da situação do Sr. Carlos, o serviço tipificado pela PNAS mais apropriado para ele seria a ‘Residência Inclusiva’, que é um serviço de acolhimento institucional constante na Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais – 2009” (mov. 1.8, p. 04).O serviço de “Residência Inclusiva” possui público específico (jovens e adultos com deficiência, em situação de dependência), e é prestado pela rede de assistência social (SUAS). Já as pessoas com transtornos mentais devem ser atendidas pela rede de saúde pública (SUS), que contempla serviços exclusivos nos municípios e na comunidade.A Política Nacional de Saúde Mental possui uma rede de serviços voltados para as pessoas com transtorno mental como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura, e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais ou nos CAPS III).No entanto, conforme fundamentação supra, verifica-se que o substituído processual se encaixa na definição de “deficiente mental”, tendo em vista sua condição de dependência, não sendo possível, no momento, acolhê-lo nos serviços voltados para as pessoas portadoras de transtorno mental, tal como o “Serviço Residencial Terapêutico”.Além do mais, não pode o apelante levantar a impossibilidade de inclusão de Carlos em uma residência inclusiva em razão da pandemia da Covid-19, que já dura aproximadamente um ano e meio. Valendo-se de todos os protocolos de segurança estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (uso de máscara, vacinação, distanciamento social, higienização das mãos com água, sabão e álcool em gel, etc.), revela-se perfeitamente possível a inclusão do substituído processual em um estabelecimento adequado, de modo a garantir seus direitos à moradia, à saúde e à dignidade humana.O contrário seria aceitar que Carlos permanecesse vivendo em situação de rua, exposto aos mais diversos males existentes, como o próprio coronavírus, a fome, o frio e a ausência de cuidados com a saúde física e mental do substituído processual, que depende de assistência para tomar seus medicamentos e realizar sua higiene pessoal.Desta feita, sendo Carlos um adulto com deficiência (Esquizofrenia simples – CID10 F20.6), em situação de dependência e sem vínculos familiares, o acolhimento deste em residência inclusiva se mostra adequado, devendo ser devidamente providenciado pelo Estado do Paraná, nos moldes delineados na r. sentença.Neste mesmo sentido:AGRAVO DE INSTRUMENTO - COMINAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - PACIENTE ACOMETIDO DE RETARDO MENTAL E OUTRAS ENFERMIDADES - PEDIDO DE ACOLHIMENTO EM RESIDÊNCIA INCLUSIVA - SERVIÇO DE PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE ALTA COMPLEXIDADE (ART. 1º, INCISO III, “A” DA RESOLUÇÃO 109/2009 DO CNAS) - SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - “AÇÕES DE PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL, DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE, QUE DEVEM SER ESTRUTURADAS PELOS MUNICÍPIOS DE MÉDIO, GRANDE PORTE E METRÓPOLES”, CONCEITO EM QUE NÃO SE INSERE O PEQUENO MUNICÍPIO DE RIO BONITO DO IGUAÇU - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 5ª C.Cível - 0010782-16.2021.8.16.0000 - Laranjeiras do Sul - Rel.: DESEMBARGADOR RENATO BRAGA BETTEGA - J. 09.08.2021). (Destaquei).APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - PESSOA COM DEFICIÊNCIA E EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE – ACOLHIMENTO EM RESIDÊNCIA INCLUSIVA – ACESSO AOS SERVIÇOS ASSISTENCIAIS GARANTIDO CONSTITUCIONALMENTE – RESPONSABILIDADE DO ESTADO DO PARANÁ –DESNECESSIDADE DE O MUNICÍPIO DE QUITANDINHA FIGURAR NO POLO PASSIVO DA DEMANDA – RECURSO DESPROVIDO – SENTENÇA MANTIDA. (TJPR - 4ª C.Cível - 0003343-69.2019.8.16.0146 - Rio Negro - Rel.: DESEMBARGADORA REGINA HELENA AFONSO DE OLIVEIRA PORTES - J. 05.05.2020). (Destaquei).DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA DE OFÍCIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLÍTICAS PÚBLICAS. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INOVAÇÃO RECURSAL. CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO. PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO E CARÊNCIA DA AÇÃO AFASTADAS. MÉRITO. GARANTIA CONSTITUCIONAL AO ACESSO AOS SERVIÇOS ASSISTENCIAIS À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LEI N.º 18419/15. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL AFASTADAS. POSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO DETERMINAR A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ESSENCIAIS A FIM DE ASSEGURAR O EXERCÍCIO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS, ESPECIALMENTE NO TOCANTE À ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA GARANTIR O DIREITO AO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL À PESSOA QUE DELE NECESSITA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO, CONHECIDO DE OFÍCIO. (TJPR - 4ª C.Cível - 0010595-77.2019.8.16.0129 - Paranaguá - Rel.: DESEMBARGADOR ABRAHAM LINCOLN MERHEB CALIXTO - J. 26.09.2020). (Destaquei).APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA MENTAL EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL, DE SAÚDE E SÓCIO FAMILIAR. FORNECIMENTO DE VAGA EM UNIDADE DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. SERVIÇO DE PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE ALTA COMPLEXIDADE. GARANTIA CONSTITUCIONAL AO ACESSO AOS SERVIÇOS ASSISTÊNCIAS À PESSOA PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS. ABANDONO DA FAMÍLIA. OBRIGAÇÃO DO MUNICÍPIO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 5ª C.Cível - 0001221-37.2014.8.16.0024 - Almirante Tamandaré - Rel.: DESEMBARGADOR CARLOS MANSUR ARIDA - J. 03.09.2019). (Destaquei).Por fim, resta afastada a alegação de nulidade da sentença por ofensa aos arts. 20 e seguintes, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), porquanto a decisão foi clara e objetiva, considerando todos os efeitos práticos da determinação, não podendo o Estado se furtar de seu dever constitucional de promover a saúde e a assistência social da população.Ainda, deixo de acolher os pleitos de dilatação do prazo e de exclusão ou redução das astreintes, ao passo que o apelante resistiu ao cumprimento da medida, procedendo à transferência de Carlos para a Casa de Apoio WR Fernandes apenas no dia 12/08/2021, após o Parquet requerer o Cumprimento Provisório de Sentença em autos apartados (mov. 49.1, autos nº 0000779-66.2021.8.16.0108).Ante o exposto, com base nos fundamentos acima delineados, voto pelo conhecimento e desprovimento do recurso, mantendo-se integralmente a r. sentença que condenou o Estado do Paraná a disponibilizar, em favor do assistido Carlos José Barbosa Santiago, uma vaga em instituição terapêutica de Residência Inclusiva apropriada, no prazo de 10 (dez) dias, competindo-lhe, ainda, providenciar o traslado do assistido do hospital diretamente à instituição escolhida, sob pena de multa diária pelo descumprimento, que mantenho em R$ 500,00 (quinhentos) reais por dia, com amparo no artigo 536, § 1º, do NCPC, limitando-a, de ofício, a 30 dias-multa, em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.Sem arbitramento de honorários de sucumbência, posto que, em sede de Ação Civil Pública, a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé; dentro da absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, não pode o Parquet beneficiar-se dessa verba, quando for vencedor na Ação Civil Pública[7].
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