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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I. RELATÓRIO Trata-se de recurso de apelação cível interposto pelo autor Augusto Fonseca da Costa contra a sentença de improcedência (mov. 93.1), proferida em ação de obrigação de fazer e não fazer c/c danos morais, pela MMª Juíza de Direito Substituta Michela Vechi Saviato, nos seguintes termos: III – Dispositivo Diante do exposto, extinguindo o feito, com resolução do mérito, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS, na forma do artigo 487, I, do NCPC. Pela sucumbência, condeno a autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em favor dos procuradores dos réus, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, tendo em vista o grau de zelo profissional, o lugar de prestação do serviço, a importância e a natureza da causa, o trabalho realizado pelo advogado, o tempo exigido para o seu serviço e a ausência de complexidade, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 8º, do NCPC.O valor da causa será corrigido monetariamente pelo índice INPC a partir do ajuizamento, nos termos da Súmula 14 do Superior Tribunal de Justiça, enquanto os juros de mora fluirão nos moldes delineados pelo artigo 85, §16, do NCPC. Requer o apelante (mov. 121.1) o reconhecimento da nulidade da r. sentença que, a seu sentir, não se mostra devidamente fundamentada, para que seja devidamente revista. Ainda em suas razões propugna pela total procedência do recurso para reformar a decisão recorrida e determinar que: a) ambos os apelados sejam compelidos à obrigação de não fazer uso e exploração econômica das garagens n. 34, 35, 36 e 37, de propriedade, domínio e posse do apelante; b) seja a apelada/Estacione, na qualidade de atual operadora do estacionamento, compelida à obrigação de fazer, qual seja, de controlar o acesso às vagas de propriedade exclusiva do apelante, impedindo seu uso por terceiros; c) seja declarada a total procedência dos pedidos do apelante, para o efeito de confirmar e assegurar a propriedade dos seus bens e a vedação permanente de utilização das vagas de garagem privativas, n. 34, 35, 36 e 37, sem sua expressa autorização; d) condenar os apelados, solidariamente, ao pagamento das indenizações pleiteadas, pelo uso e exploração comercial das vagas de garagem de sua propriedade, constituídas pelas garagens n. 34, 35, 36 e 37, a contar da data da aquisição do imóvel até a data em que restar cessada tal condição de uso irregular; e) a condenação dos apelados ao pagamento da indenização por Danos Morais, causados pelo Desvio Produtivo ilegalmente infligido ao apelante, sugerindo o importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), com a finalidade de se atender os critérios da razoabilidade, justa adequação e proporcionalidade; f) que sejam aplicadas as regras do Estatuto do Idoso, do Código de Defesa do Consumidor, por equiparação, em especial o da inversão do ônus da prova, como previsto no Art. 6º inciso VIII, e as regras de distribuição dinâmica do ônus da prova, previstas no Art. 373, § 3º, inciso I do Código de Processo Civil.Foram oferecidas contrarrazões por ambos os réus pelo não provimento do recurso (movs. 130.1 e 134.1).É o relatório.
II. VOTO Presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso.Cinge-se a controvérsia recursal sobre o direito de propriedade, materializado nas matrículas das unidades autônomas de garagem, incompatível, a sentir do autor, com o modelo adotado no condomínio réu de “vagas rotativas”.Consta da inicial que em 23/01/2019 o autor adquiriu os imóveis constituídos pelas salas comerciais n. 1601, 1602, 1603 e 1604, e as vagas de garagens n. 34, 35, 36 e 37 do Edifício LAKESIDE CORPORATE, localizado na Rua Mario Tourinho, n. 1805, nesta capital. Referidas vagas de garagens – de uso e propriedade exclusiva –, estão descritas nas matrículas n. 118.591, 118.592, 118.593 e 118.594, todas da 6ª Circunscrição Registral da Comarca de Curitiba. Pela sua propriedade pagou o valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais) cada uma, totalizando o montante de R$ 280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais). Prossegue o autor elucidando que as vagas de garagem no edifício LAKESIDE CORPORATE constituem unidades autônomas, com matrículas distintas das salas comerciais, sendo de uso exclusivo do proprietário/condômino (escritura pública, itens 5, 6, 7 e 8 nos seguintes termos: “vaga de estacionamento coberta (...), com a área construída de utilização exclusiva de 12,0000m²”, cada uma). Relata que desde a primeira vez que as tentou utilizar fora informado que suas vagas foram incluídas em um sistema de exploração de vagas rotativas, administrado pela 2ª apelada. Ao tomar ciência da situação, ajuizou a presente ação, pois, a seu sentir, as vagas são de sua propriedade exclusiva, constituem unidades autônomas, não são propriedade do condomínio, nem são áreas de uso comum.Pois bem.À partida, cumpre afastar a alegação de que a r. decisão recorrida merece ser anulada em face da ausência de fundamento. Ao contrário do alegado a r. decisão encontra-se cumpridamente fundamentada na lei e convenção de condomínio, não havendo que se falar em nulidade por violação ao art. 489 do CPC. Ademais é sabido que o julgador não é obrigado a rebater todos os argumentos levantados pelas partes, especialmente quando já encontrar fundamento suficiente para decidir, tal como ocorre no presente.Isto superado, em síntese, alega o apelante, pessoa idosa com 72 anos de idade, que as vagas em litígio não são de uso comum, mas sim privativas, de uso exclusivo, unidades autônomas devidamente delimitadas. Elucida que seu uso exclusivo foi um dos principais motivos da compra, vez que são de mais fácil acesso; que a r. sentença se pautou em falsa premissa fática, ao considerar que as vagas em questão se tratam de vagas de uso comum, passíveis de serem reguladas pela Convenção Condominial, baseando seu pedido nos artigos 1228, 1331 e 1335, todos do Código Civil[1].Reforça sua tese recursal com os seguintes dispositivos da Convenção de Condomínio (mov. 49.5): “ARTIGO 4º - São direitos comuns a todos os condôminos. Usar e gozar e dispor da respectiva unidade autônoma, de acordo com o respectivo destino, desde que não prejudiquem a segurança e a solides do conjunto, que não causem dano aos demais condôminos, e não infrinjam as normas legais ou as disposições desta Convenção; ”
“ARTIGO 8º - A definição da empresa especializada em operação de estacionamento e manobras a ser contratada ficará a cargo dos condôminos proprietários das vagas de estacionamento, exceto nos dois primeiros anos, nos quais a Incorporadora definirá a empresa que operará o estacionamento. (...) PARÁGRAFO TERCEIRO – A operadora de Estacionamento poderá utilizar os espaços de uso comum para manobras e estacionamentos temporários, assim poderá fazer uso da ociosidade de vagas, desde que não cause nenhum tipo de transtorno nos demais usuários e condôminos. ” Considera, à vista dos citados artigos, que a referida Convenção, fora instituída em 27/01/2017 e, em 27/01/2019 – fim do período estabelecido – não houve Assembleia para que fosse definida a empresa para operação do estacionamento do edifício. A seu sentir, tanto o Condomínio quanto a Empresa Estacione, ambos requeridos, atuam de forma irregular perante a Lei e perante a própria Convenção de Condomínio do Edifício LAKESIDE.Vejamos.A 7/3/2017 realizou-se a 1ª Assembleia Ordinária de Instituição do Condomínio. Consta da respectiva ata (mov. 46.8), a dispensa de convocação e presença haja vista o reconhecimento da “presença de todos os condôminos”. Nesta ocasião fora instituído o regime de condomínio edilício sobre o referido imóvel. O sistema de rodízio já havia sido estipulado em Convenção de Condomínio datada de 27/01/2017 (mov. 16.2) e, como visto, prevista, em seu art. 7º, a operação por empresa especializada “na operação de estacionamento e manobras, em sistema rotativo remunerado, o qual propiciará a utilização as vagas também por usuários e visitantes do empreendimento” (mov. 49.5, fl. 11). Não há notícia de que durante a assembleia ordinária realizada meses após qualquer insurgência quanto ao tem tenha sido suscitada.Extrai-se da inicial que apenas em 23/01/2019 o autor adquiriu os imóveis no referido edifício (mov. 1.5). Ou seja, a Convenção de Condomínio aprovada é anterior à aquisição da propriedade, de modo que caberia ao autor a incumbência de optar, ou não, por adquirir os imóveis situados naquele empreendimento, haja vista que a vontade coletiva dos condôminos já estava concretizada. A Convenção de Condomínio garante a utilização exclusiva das unidades autônomas, a definição da empresa para operação do estacionamento ficará a cargo dos condôminos proprietários das vagas de estacionamento, e que a alteração da destinação das unidades autônomas dependerá da unanimidade de votos, e que tal operação no estacionamento não cause nenhum tipo de transtorno aos demais usuários e condôminos. (Art. 17).Ainda que o apelante se apegue à Convenção Condominial a fim de fazer prevalecer sua tese, ao fazer referência aos citados arts. 4° e 8°, revela-se mais relevante para o desfecho do feito o teor de seu art. 7°, verbis: “(...) tendo em vista a estrutura funcional das áreas destinadas ao Estacionamento, as vagas de garagem poderão ser operadas através de empresa especializada na operação de estacionamento e manobras, em sistema rotativo remunerado, o qual propiciará a utilização das vagas também por usuários e visitantes do Empreendimento”. Releva novamente ressaltar que o referido excerto da convenção do condomínio fora instituído em 27 de janeiro de 2017 (mov. 49.5), ou seja, dois anos antes da aquisição das vagas pelo requerente (mov. 1.6/1.9). Força então é reconhecer que se tratando de previsão contida na Convenção de Condomínio anterior à aquisição das propriedades pelo apelante, não há qualquer ilicitude no tocante à conduta das rés.Ou seja, não assiste razão ao apelante quando alega que a exploração das garagens se dá sem o seu consentimento. Está claro nos autos que a Convenção do Condomínio regulamentou a relação jurídica em momento anterior a aquisição das propriedades pelo autor, o que leva a crer que, a respeito das respectivas unidades, deu-se anterior anuência.Sabe-se que o condomínio em edifícios é, a rigor, formado por dois elementos: as unidades autônomas e a área comum. O termo “unidade autônoma” compreende qualquer unidade habitacional ou profissional – elemento principal, este é, de fato, o objeto de propriedade exclusiva. Já a área comum é considerada acessório da unidade autônoma, e objeto de copropriedade. A vaga de garagem, por sua vez, merece especial tratamento pois não se encaixa nem como área comum nem como unidade autônoma. Seu regime legal fora estabelecido pelo §1º do art. 2º da Lei 4.591/64 (acrescido pela Lei 4864/65): Art. 2º Cada unidade com saída para a via pública, diretamente ou por processo de passagem comum, será sempre tratada como objeto de propriedade exclusiva, qualquer que seja o número de suas peças e sua destinação, inclusive (VETADO) edifício-garagem, com ressalva das restrições que se lhe imponham. 1º O direito à guarda de veículos nas garagens ou locais a isso destinados nas edificações ou conjuntos de edificações será tratado como objeto de propriedade exclusiva, com ressalva das restrições que ao mesmo sejam impostas por instrumentos contratuais adequados, e será vinculada à unidade habitacional a que corresponder, no caso de não lhe ser atribuída fração ideal específica de terreno. Como se vê, a lei não se refere à “vaga de garagem”, mas sim ao “direito à guarda do veículo nas garagens”. É dizer, admite-se o direito à garagem como um direito de propriedade exclusiva, no entanto possibilitando sua limitação por restrições típicas do condomínio. A garagem, assim, é objeto de propriedade exclusiva (assim como é a unidade autônoma), mas acessória da unidade autônoma (tal como a fração ideal da coisa comum) e seu regime de exploração submete-se à vontade dos demais condôminos dentro os procedimentos destinados para tal, como deliberação em assembleia ordinária ou extraordinária e na respectiva convenção.Nesta linha de raciocínio, à vista do caso em exame a Convenção de Condomínio é o instrumento hábil para fazer a demarcação das vagas na garagem incluindo seus acessos e especificação de vagas para carros grandes e pequenos, tal como se verifica no caso em exame.Com efeito a Lei nº 4.591/64 art. 9º, §3º, ‘a’, estabelece - verbis:Art. 9º Os proprietários, promitentes compradores, cessionários ou promitentes cessionários dos direitos pertinentes à aquisição de unidades autônomas, em edificações a serem construídas, em construção ou já construídas, elaborarão, por escrito, a Convenção de condomínio, e deverão, também, por contrato ou por deliberação em assembléia, aprovar o Regimento Interno da edificação ou conjunto de edificações.§ 3º Além de outras normas aprovadas pelos interessados, a Convenção deverá conter:a) a discriminação das partes de propriedade exclusiva, e as de condomínio, com especificações das diferentes áreas; Isto superado, está bem de ver que não há qualquer violação ao direito de propriedade do autor, tampouco ofensa ao previsto nos arts. 1.228, 1.331 e 1.335 do CCB/02, e art. 170, II da CRFB/88. Resta claro concluir que o sistema rotativo de estacionamento apenas não lhe permite possuir um local pré-definido. No entanto, o autor conserva todos os direitos inerentes a propriedade, inclusive, no que tange à sua alienação quando bem quiser.De outro norte, não demonstrara o apelante qualquer ato por parte das rés impeditivo de utilizar, a qualquer momento, às vagas de garagem que possui, e usufruir o espaço correspondente. Dos autos não há prova alguma nesse sentido, tampouco como transtornos supostamente por ele sofridos. Por fim, à vista do reconhecimento da improcedência da ação com a corroboração da licitude da conduta das rés, evidencia-se insubsistente a alegação recursal no sentido de atribuir à r. decisão recorrida ser citra petita ao não enfrentar o tema dos danos materiais e morais. Explico. Com a improcedência do pedido principal em virtude da ausência de qualquer ato ilícito praticado pela apelada, a consequência lógica também é a improcedência dos pedidos de danos materiais e morais. Por não restar demonstrado nos autos qualquer forma de ato ilícito praticado pelas rés não se há dizer haver dano passível de indenização. Restou expressamente consignado na d. decisão que a distribuição do ônus da prova seguirá as regras ordinárias do artigo 373 do NCPC. Ou seja, deste ônus não se desincumbiu o autor, pois não há nos autos prova alguma de transtorno capaz de justificar eventual indenização por ato ilícito.Assim, força é reconhecer, nos termos da fundamentação supra, manter-se a sentença no tópico.Em face do não provimento do recurso cumprirá ao apelante, à conta do trabalho adicional em grau recursal, suportar o pagamento dos honorários advocatícios em prol do patrono das rés (CPC art. 85, §11), que majoro em mais 2% (dois por cento), sem prejuízo do percentual de honorários já fixado na sentença – 10% sobre o valor da causa. CONCLUSÃO Ante o exposto, voto pelo não provimento do recurso de apelação, mantendo a sentença de improcedência da ação.
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