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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
1. Trata-se de agravo de instrumento interposto por LUCIANE ALVES BOLINO, da decisão saneadora de mov. 100.1 que, nos autos de “ação de indenização por danos morais e materiais” sob nº 0020347-98.2018.8.16.0035, acolheu os embargos de declaração, ajustando a decisão de saneamento, afastando a incidência da legislação consumerista e a inversão do ônus da prova.Refere que se trata de ação indenizatória em decorrência de erro médico em procedimento cirúrgico da coluna.Sustenta que se encaixa na definição de consumidora e os agravados, prestadores de serviço de saúde, na definição de fornecedor trazida pelo CDC. Afirma que a jurisprudência firmou entendimento nesse sentido, inclusive reconhecendo a inversão do ônus da prova nos casos de relação médico-paciente. Requer a atribuição do efeito suspensivo obstando o trâmite processual até o julgamento do agravo e, ao final, o provimento do recurso reconhecendo a incidência do CDC e, consequentemente, a inversão do ônus da prova.A inicial foi instruída com os documentos necessários.O efeito suspensivo foi deferido. mov.8.1.Em contrarrazões o agravado Hospital São Vicente sustenta que não há incidência das regras da legislação consumerista, pois o atendimento foi realizado via SUS, sem remuneração direta. Afirma que ausente os requisitos que justifiquem a inversão do ônus da prova. A prova dos fatos cabe exclusivamente a quem alega. (mov. 20.1)O agravado Julio Cesar Fontoura deixou de apresentar contrarrazões ao recurso. (mov. 21)
2. O cabimento do agravo de instrumento, após o julgamento do REsp 1704520 pelo e. Superior Tribunal de Justiça de acordo com o procedimento de recursos repetitivos, está sujeito ao regime de taxatividade mitigada. Em outros termos, o cabimento de referida espécie recursal está condicionado à previsão da questão no rol do art. 1.015 do CPC ou, então, à urgência para a análise da questão decorrente da inutilidade de sua apreciação em sede de apelação. No caso, na medida em que o objeto recursal versa sobre a incidência da legislação consumerista, certo que deixar a análise da questão apenas quando da interposição de eventual apelação iria de encontro aos preceitos de celeridade e economia processuais, nos moldes do que já decidido por aquela e. Corte Superior.Desta forma, presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.Debruça–se na tese de incidência do Código de Defesa do Consumidor com a inversão do ônus probatório, com fulcro no art. 6, inc. VIII da legislação consumerista. Na inicial da ação indenizatória, a agravante narra que foi submetida a dois procedimentos cirúrgicos (artrodese toraco-lombo-sacra posterior de três níveis e artrodese cervical anterior de dois níveis) realizados pelo médico agravado. Após os procedimentos, diante de dores extremas, foi encaminhada para nova cirurgia para tratamento de infecção nos ossos da coluna (osteomielite).Alega que diante da negligência, imprudência e imperícia do médico, que deixou de dar a atenção devida ao seu estado clinico, permanece com dores insuportáveis mesmo após um ano de cirurgia.O Juízo singular indeferiu a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor e da inversão do ônus da prova sob o fundamento que a atuação médica foi de meio e não de resultado.A agravante assevera ser tecnicamente hipossuficiente em relação ao agravado, a quem incumbiria o ônus de demonstrar que não agiu com negligência, imprudência ou imperícia.Na hipótese, a incidência da norma consumerista resta inquestionável ante a identificação da autora/agravante como consumidora e os réus/agravados como fornecedor. O Código de Defesa do Consumidor estabelece:Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.(...)Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.(...) § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. In casu, tendo sido os réus fornecedores de serviço (serviço médico hospitalar) e não tendo havido o adequado atendimento, a relação de direito material estabelecida é de consumo.Com efeito, o fato de a paciente ter sido atendida por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS) não afasta a incidência do Código de Defesa do Consumidor, já que o serviço prestado não pode ser considerado gratuito, tendo em vista que o hospital e o médico são remunerados pelos seus serviços. Nesse sentindo, a doutrina Luiz Antônio Rizatto Nunes, esclarece: “Logo, quando a lei fala em “remuneração” não está necessariamente se referindo a preço ou a preço cobrado. Deve-se entender o aspecto “remuneração” no sentido estrito de absolutamente qualquer tipo de cobrança ou repasse, direto ou indireto. Para estar diante de um serviço prestado sem remuneração, será necessário que, de fato, o prestador do serviço não tenha, de maneira alguma, se ressarcido de seus custos, ou que, em função da natureza da prestação do serviço, não tenha cobrado o preço. Por exemplo, o médico que atende uma pessoa que está passando mal na rua e nada cobre por isso enquadra-se na hipótese legal de não recebimento de remuneração. Nenhum serviço público pode ser considerado efetivamente gratuito, já que todos são criados, mantidos e oferecidos a partir da receita advinda da arrecadação de tributos. (Curso de Direito do Consumidor. E-book. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2018). Não obstante é o entendimento desta Corte: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ERRO MÉDICO. ATENDIMENTO PRESTADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REMUNERAÇÃO INDIRETA PELO ESTADO QUE NÃO DESCARACTERIZA A RELAÇÃO DE CONSUMO. PACIENTE E HOSPITAL QUE SE ENQUADRAM NA CONDIÇÃO DE CONSUMIDOR E FORNECEDOR, RESPECTIVAMENTE. ALEGAÇÃO DE FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICO-HOSPITALARES. INDENIZAÇÃO PELO FATO DO PRODUTO OU SERVIÇO. INCIDÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL (ART. 27, DO CDC). INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM, PARA PROSSEGUIMENTO DO FEITO. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO. (TJPR - 8ª C.Cível – 0002597-91.2018.8.16.0194 - Curitiba - Rel.: Desembargador Mário Helton Jorge - J. 26.02.2020). Consequentemente, aplicáveis as disposições do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor que estabelecem que um dos direitos básicos do consumidor “é a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência”.In casu, inobstante os fundamentos da decisão recorrida, não há dúvida quanto à hipossuficiência técnica da agravante em relação aos agravados. Ela foi atendida pelo hospital réu e permaneceu internada em suas instalações após os procedimentos.É de observar que os requeridos são detentores de todo o conhecimento técnico dos métodos e procedimentos empreendidos na avaliação e atendimento da vítima por ocasião de seus internamentos, sendo que à requerente resta apenas a impressão de erro, pois hipossuficiente diante de todo o conhecimento técnico do médico e do Hospital, os quais poderão demonstrar os motivos e causas do ocorrido.Nesse sentido, o precedente: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ERRO MÉDICO. DECISÃO SANEADORA QUE DEFERIU O PEDIDO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. (...) APLICABILIDADE DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA E ECONÔMICA E VULNERABILIDADE DA PARTE AGRAVADA (CDC, ART. 6º, INC. VIII). EQUILÍBRIO DA RELAÇÃO PROCESSUAL. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJPR – AI 1707644-5 – 8ª C. Cível – Rel. Des. Luis Sérgio Swiech – unânime – julgado em 01.02.2018) Desse modo, diante da hipossuficiência técnica da agravante, a decisão recorrida comporta reparos, devendo ser invertido o ônus probatório, com base no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.Logo, o agravo de instrumento comporta provimento para o fim de, reformando a decisão recorrida, reconhecer a incidência da norma consumerista e deferir a inversão do ônus da prova, com fulcro no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
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