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Acórdão
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RELATÓRIO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 0000532-11.2021.8.16.0068, da Vara Cível da Comarca de Chopinzinho, em que figuram como apelante Cristiano Gabriel e apelado Banco Itaú Consignado S.A. 1. Trata-se de ação declaratória de nulidade/inexigibilidade de desconto em folha de pagamento, cumulada com repetição de indébito e indenização por dano moral, afinal extinta sem resolução de mérito, diante do indeferimento da petição inicial, com a condenação do autor ao pagamento das custas processuais, sobrestada a exigibilidade diante da concessão da justiça gratuita (CPC, art. 98, §3º). Sem honorários. 2. O apelante aduz, em síntese, que: a) a procuração apresentada é válida, pois o autor sequer é analfabeto; b) a determinação judicial afronta os princípios constitucionais de amplo acesso à justiça (art. 5º XXXV). 3. Sentença mantida em juízo de retratação (mov. 22.1). Recurso respondido (mov. 29.1).
VOTO E SEUS FUNDAMENTOS 4. A controvérsia cinge-se ao indeferimento da petição inicial. 5. Em primeiro lugar, extrai-se dos autos que, em 25-3-2021, o apelante ajuizou a presente ação declaratória de nulidade/inexigibilidade de desconto em folha de pagamento, cumulada com repetição de indébito e dano moral em desfavor de Itaú Unibanco S.A. e, alegou, em síntese, que ao verificar seu extrato do INSS tomou conhecimento do contrato nº 0078147881320180125, com início em fevereiro de 2018, no valor de R$1.241,02, a ser quitado em 72 parcelas de R$34,33, contrato excluído com 12 parcelas descontadas, cuja contratação não se recorda de ter realizado e que possivelmente foi vítima de fraude. Almeja a declaração de ilegalidade dos descontos, a repetição do indébito em dobro e indenização por dano moral de R$10.000,00. 6. O juízo singular registrou que naquela mesma data o autor ajuizou 10 (dez) demandas envolvendo empréstimos consignados em sua aposentadoria. Assim, reconheceu a conexão e determinou o apensamento dos feitos para consideração conjunta e facilitação da prova. Outrossim, determinou a intimação do autor para que apresentasse procuração por instrumento público, sob pena de indeferimento da petição inicial (mov. 10.1). Em resposta, o autor requereu a reconsideração da decisão (mov. 14.1). 7. Sobreveio, então, a sentença que indeferiu a petição inicial e julgou extinto o processo sem resolução do mérito, em razão da não regularização da representação processual do autor. Em suma, o juízo singular registrou que: a) a determinação decorreu de uma precaução contra o uso abusivo da jurisdição, diante do notório fato de que o escritório que representa o autor é alvo de inúmeros questionamentos éticos, em virtude do reduzido lapso temporal em que ajuizou milhares de ações perante este e outros Tribunais pátrios, todas de caráter repetitivo e de clientes que residem muitos quilômetros distante de sua sede em Iguatemi-MS; b) em concreto, a alegação inicial do autor é de que se trata de pessoa analfabeta, entretanto a procuração anexada não possui sequer assinatura a rogo. 8. Após a interposição de recurso de apelação pelo autor, o juízo singular, em atenção ao art. 331, § 2º, do CPC, manteve a sentença. 9. Em segundo lugar, a exigência de procuração por instrumento público e atualizada não se mostra imprescindível no caso, sendo suficiente o instrumento de outorga de poderes acostado com a inicial (mov. 1.2), contemporâneo à propositura da ação e que se encontra devidamente assinado pelo autor, que não é analfabeto, do que faz prova seu documento de identificação (mov. 1.4). Aliás, na petição inicial não há afirmação de que o autor consiste em pessoa analfabeta. 10. Nos termos do art. 692, do CC, o mandato judicial se subordina às normas da legislação processual e, supletivamente, aquelas do Código Civil estabelecidas para o mantado em geral. A respeito, o art. 105, do CPC, dispõe que “a procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica”. Destaquei. 11. Nesse sentido, o mandato judicial poderá ser concretizado tanto por instrumento público ou particular. Isso porque, “a outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado” (CC, art. 657). E, como visto, a norma processual confere aos sujeitos do processo a possibilidade de escolha entre a forma escrita pública e a particular. 12. Igualmente, “todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante” (CC, art. 654). A lei não exige, sequer, o reconhecimento da firma do mandante. 13. É desnecessário o instrumento público até mesmo nos casos de o outorgante ser pessoa analfabeta. A respeito, este Tribunal de Justiça já decidiu: “Apelação cível. Ação declaratória de nulidade de empréstimo consignado cumulado com repetição de indébito e danos morais. Sentença de extinção do processo sem resolução do mérito por ausência de pressuposto de desenvolvimento válido do processo (art. 485, inciso IV, Código de Processo Civil). Irregularidade de representação. Inocorrência. Procuração ad judicia outorgada por pessoa analfabeta por instrumento particular, assinada a rogo e subscrita por duas testemunhas. Validade. Desnecessidade de instrumento público. Aplicação analógica do art. 595 do Código Civil. Entendimento do CNJ. Sentença cassada, com determinação de regular prosseguimento do feito. Recurso conhecido e provido.” (Apelação Cível nº 0045680-81.2019.8.16.0014 - Rel. Des. Francisco Eduardo Gonzaga de Oliveira - 13ª Câmara Cível - DJe 17-3-2020). Destaquei. 14. Ademais, o art. 16, do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil estabelece que “o mandato judicial ou extrajudicial não se extingue pelo decurso de tempo, desde que permaneça a confiança recíproca entre o outorgante e o seu patrono no interesse da causa”. 15. O instrumento de mandato goza de presunção de veracidade e possui prazo indeterminado. Sem contar que não estão presentes nenhuma das hipóteses de extinção do mandato previstas no art. 682, do Código Civil (revogação ou pela renúncia; morte ou interdição de uma das partes; mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer; término do prazo ou pela conclusão do negócio). 16. Em casos semelhantes, este egrégio Tribunal de Justiça já decidiu: “Apelação cível. Ação condenatória de reajuste de cláusula contratual abusiva e devolução de valores pagos indevidamente cumulada com repetição de indébito e danos morais. Indeferimento da petição inicial e extinção do feito sem julgamento do mérito. Recurso da autora. (...) Extinção do feito pela ausência de apresentação de procuração atualizada. Desnecessidade. Ausência de qualquer circunstância a justificar a medida. Hipóteses do art. 682 do CC não evidenciadas. Procuração que não possui prazo de validade. Exegese do art. 16 do Código de Ética e Disciplina da OAB. Impossibilidade de indeferimento da petição inicial. Inteligência do art. 321 do CPC. Sentença cassada com retorno dos autos para prosseguimento do feito. Recurso conhecido e provido.” (Apelação Cível nº 0011936-52.2020.8.16.0017 – Rel.ª Des.ª Rosana Andriguetto de Carvalho – 13ª Câmara Cível – DJe 13-11-2020). Destaquei. “Processual civil. Apelação. Ação declaratória de nulidade de desconto em folha de pagamento. Empréstimo consignado. Sentença de extinção do feito sem resolução do mérito. Indeferimento da inicial por ausência de procuração atualizada. Desnecessidade. Inteligência dos arts. 682, 692 do CPC e art. 16º do Código de Ética da OAB. Precedentes desta Câmara. Decisão cassada. Recurso conhecido e provido.” (Apelação Cível nº 0009693-38.2020.8.16.0017 – Rel. Juiz Substituto em 2º Grau Fabio Andre Santos Muniz – 15ª Câmara Cível – DJe 28-9-2020). Destaquei. 17. Por fim, a despeito dos relatos de procuração sem validade jurídica e da suspeita de atitudes ilícitas envolvendo representantes do escritório de advocacia registrados em sentença, este Tribunal tem verificado que se trata de casos isolados. Inclusive, já houve situações em que, posteriormente, o autor da demanda se retratou e reconheceu a outorga de procuração. 18. Em terceiro lugar, por fim, releva notar que com a juntada do extrato do INSS (mov. 1.7) em que consta o contrato objeto da lide, foi devidamente comprovada a existência mínima de relação jurídica estabelecida entre as partes. Destaca-se que o Banco requerido tem acesso aos extratos da movimentação bancária e, ademais, nesses casos, pode apresentar o comprovante de transferência bancária e o contrato de empréstimo consignado, documentos indispensáveis ao mérito da demanda e não à admissibilidade da petição inicial. Inclusive, já é de costume o Banco trazer esses documentos com a contestação, sem a necessidade de determinação a respeito. 19. Em quarto lugar, não se olvida que é dever do juiz zelar pelo regular andamento do processo e que, dentre tantas outras funções, deve determinar o saneamento dos vícios processuais. Entretanto, lembra-se que, a qualquer momento, o juiz pode determinar o comparecimento pessoal do autor (CPC, art. 139, VIII). 20. Diante do exposto, impõe-se a cassação da sentença, com o retorno dos autos ao juízo de origem para o regular prosseguimento da ação, em seus ulteriores termos. 21. Em quinto lugar, sem honorários recursais, porque não há o que ser majorado, uma vez que não houve fixação na sentença e a finalidade da norma é a de evitar recursos protelatórios e/ou infundados.
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