Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
1. Trata-se de “AÇÃO de indenização por danos morais” proposta por adriano bortoloci lima em face de uber do brasil tecnologia ltda.Narra o autor que em 10 de dezembro de 2020 pediu um transporte da empresa requerida que acabou se envolvendo em um acidente de trânsito que, devido à falta de perícia do motorista e o mau funcionamento dos freios do veículo, veio a capotar.Alega que como o automóvel possuía combustão a gás, começou a exalar cheiro de gás, o que levou o autor a sair às pressas por medo de que o carro explodisse, mesmo não sendo essa a atitude mais recomendada já que, como vítima de capotamento, deveria aguardar o socorro sem se movimentar.Aduz que entrou em contato com a requerida que se limitou a pedir desculpas pelo incidente e devolver o valor da corrida.Em razão de todos os transtornos suportados, ajuizou a presente ação, pugnando pela condenação da requerida ao pagamento de indenização pelos danos morais.A r. sentença de mov. 51.1 julgou procedente o pedido inicial para condenar a requerida a pagar indenização a título de danos morais de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigidos monetariamente pela média do INPC/IGP-DI da sentença e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês do evento danoso.Condenou, ainda, a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 12% sobre o valor atualizado da condenação.Uber do Brasil Tecnologia Ltda apelou (mov. 65.1), pugnando pela reforma da sentença, defendendo que foi condenada ao pagamento de indenização em razão de condutas praticadas por terceiro que não é seu preposto, representante ou empregado, durante a prestação de um serviço autônomo, que não se confunde com o prestado por ela.Alega ser parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente ação, pois é empresa de tecnologia que visa aproximar “motoristas e entregadores a usuários”, não presta serviços de transporte ou de entrega, limitando-se a disponibilizar o software necessário para a intermediação destes serviços. Defende não estar demonstrada qualquer conduta ilícita praticada pela apelante capaz de configurar o dever de indenizar.Infere que não tem ingerência na forma como os motoristas independentes prestam seus serviços de transportes e não possui meios de prever e nem evitar situações como as ocorridas nos autos e, portanto, não foi negligente em permitir o cadastro de um motorista que, supostamente, teria sido descuidado, com a manutenção de seu veículo.Por fim, defende serem indevidos os danos morais fixados, já que não restou minimamente comprovado qualquer abalo moral, subsidiariamente, pugna pela redução do quantum arbitrado.Adriano Bortoloci Lima apresentou contrarrazões (mov. 70.1), pugnando pelo desprovimento do apelo, defende que assim como reconhecido pela r. sentença, a requerida detém legitimidade passiva, pois como explora a atividade e dela obtém lucro, faz parte da cadeia de fornecedores. Aduz ter ficado demonstrado o dano e que ele decorreu de falha na prestação de serviço, estando configurado o dever de indenizar. Por fim, defende que o quantum arbitrado está adequado às peculiaridades do caso concreto.
2. Presentes os pressupostos de admissibilidade extrínsecos e intrínsecos, o apelo deve ser conhecido.Pugna a recorrente pela reforma da r. sentença que jugou procedente o pedido inicial e a condenou ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais ao autor em razão de acidente de trânsito ocorrido enquanto viajava em corrida contada pelo aplicativo da apelante.Defende, inicialmente, a recorrente ser parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente ação. Alega que é apenas empresa de tecnologia que disponibiliza o software utilizado para aproximar motoristas e entregadores com os usuários. Defende que não presta serviços de transporte ou entrega e como a presente ação discute danos decorrentes de acidente durante contrato de transporte, o pleito deve ser dirigido ao motorista do veículo, e não a ela, empresa intermediadora.Sem razão.Nos termos do Código de Defesa do Consumidor, para configuração da relação de consumo necessário que exista o fornecedor e o consumidor, sendo fornecedor “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (art 3º CDC) e consumidor “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”(art 2º CDC).Na relação em discussão percebe-se que embora a empresa Uber não seja a responsável direta pelo transporte, administra o aplicativo e atua como intermediadora do serviço, portanto, também se enquadra como fornecedora, nos termos do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor.Sobre o tema: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PLATAFORMA UBER. LEGITIMIDADE PASSIVA CONFIGURADA. MOTORISTA DO APLICATIVO UBER QUE REALIZOU TRANSPOSIÇÃO DE FAIXA PARA A ESQUERDA SEM OBSERVAR QUE O VEÍCULO DO AUTOR SE APROXIMAVA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA RÉ. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. Recurso conhecido e desprovido. (TJPR - 1ª Turma Recursal - 0001250-83.2019.8.16.0195 - Curitiba - Rel.: JUIZ DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS NESTARIO DA SILVA QUEIROZ - J. 22.03.2021) Logo, presentes as figuras do fornecedor e do consumidor, aplicam-se as regras do CDC e caracterizada está a legitimidade passiva da requerida.Também não merece acolhida a tese de ausência de responsabilidade pelo evento danoso. Para se cadastrar na plataforma da Uber os “parceiros” (como são chamados os motoristas vinculados à plataforma) precisam preencher requisitos estabelecidos pela empresa, tanto em relação a pessoa física (tempo de CNH, antecedentes criminais) como em relação aos veículos que serão utilizados para prestar o serviço sob pena de não serem aceitos ou descredenciados (padronização de veículo, número de portas, ano de fabricação).Também é certo a uber lucra diretamente com a atividade exercida pelos motoristas (serviço de transporte), já que repassam parte dos valores recebidos com as corridas para ela, ou seja, embora de fato não preste diretamente o serviço de transporte, dele aufere seus lucros.Portanto, fazendo parte da cadeia de fornecedores e estando demonstrado que a UBER aufere lucro com a atividade exercida pelos motoristas “parceiros”, não há como admitir que a responsabilidade pelo risco da atividade (transporte) seja imputado exclusivamente a eles (motoristas “parceiros), devendo, sim, a UBER responder solidariamente pelos danos advindos de atos praticados pelos “parceiros”. Note-se que não obstante a apelante pretenda eximir-se de sua responsabilidade junto ao consumidor quando disponibiliza aos usuários de seus serviços o “Brasil-Termos de uso” (mov. 28.3) documento em que afasta por completo sua responsabilidade por qualquer dano ou prejuízo causado durante o uso de seus serviços, tais cláusulas são abusivas, pois afrontam o Código de Defesa do Consumidor:
In casu, incontroverso que no dia 10 de fevereiro de 2020 o autor pediu um veículo pelo aplicativo da apelante, e que se envolveu em um acidente de trânsito.Como se sabe, o contrato de transporte estabelece uma obrigação de resultado pela qual o transportador tem o dever de levar uma pessoa ou coisa de um ponto a outro, nos termos pré-definidos, devendo ele responder pelos danos que causar aos passageiros neste percurso, havendo a possibilidade de exoneração da responsabilidade, apenas, se comprovada a hipótese de “força maior”: Art. 733. Nos contratos de transporte cumulativo, cada transportador se obriga a cumprir o contrato relativamente ao respectivo percurso, respondendo pelos danos nele causados a pessoas e coisas. Art. 737. O transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior. Segundo consta do BO o motorista do aplicativo teria ficado sem freios, perdendo o controle do carro, batendo por duas vezes e capotado: Portanto, comprovado a falha na prestação de serviços, já que a viajem não foi finalizada na forma contratada. Por sua vez, a apelante não se desincumbiu do ônus de comprovar a excludente de responsabilidade. Note-se que embora alegue a apelante que não há provas sobre a falha no sistema de freios, sequer solicitou a produção de provas nesse sentido, ônus que lhe cabia, já que o autor trouxe aos autos o BO do acidente, bem como a fotografia do veículo capotado.Poderia a apelante, ao menos ter solicitado a oitiva do motorista “parceiro” para que esclarecesse as causas do acidente, o que, no entanto, não foi feito.Também não merece acolhida a tese de que não tem como controlar a manutenção dos veículos e, portanto, não pode responder por eventos advindos de defeitos dos mesmos. Isso porque, saber se os motoristas “parceiros” mantém ou não os veículos cadastrados com revisão em dia é um risco inerente à atividade da apelante, pois é a UBER quem aceita, credencia e disponibiliza os veículos ao consumidor final.Os danos morais também devem ser mantidos.Ainda que o autor não tenha sofrido nenhuma lesão grave, ficou demonstrada a falha na prestação de serviço decorrente de defeito no veículo da “parceira” da apelante. Restou comprovado que o veículo chegou a capotar, o que por certo gerou aflição no autor. Não bastasse, expõe em sua reclamação administrativa junto à UBER, que no dia dos fatos não lhe foi prestada nenhuma assistência (não foi chamado ambulância e não providenciaram outro uber para levá-lo ao hospital – mov. 1.6).Portanto, configurado o dever de indenizar.Sobre o dano moral bem expôs a r. sentença: “Assevero que, no caso da parte autora, na qualidade de passageira da empresa ré, a ocorrência do acidente, por si só, já é capaz de caracterizar o dano moral, ainda mais quando, incontroversamente, a parte autora se queixa da ausência de assistência pela empresa requerida.Como visto, não precisa a parte autora trazer prova de consequências nefastas decorrentes do ilícito, até porque o dano moral ocorre na esfera íntima do indivíduo.Como visto, não precisa a parte autora trazer prova de consequências nefastas decorrentes do ilícito, até porque o dano moral ocorre na esfera íntima do indivíduo.A norma constitucional, conforme já aduzido, é clara e abrangente ao estipular o dever de indenizar o dano moral, não o condicionando a nenhum resultado ou efeito prático.É cediço que não há, efetivamente, como reparar o sofrimento ou a angústia experimentada pela vítima do ato ilícito, contudo, é possível que lhe conceda indenização, objetivando o fim último de minorar as consequências nefastas enfrentadas.” Por fim, o quantum arbitrado é adequado.O quantum da indenização por danos morais deve respeitar parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, na medida em que visa contribuir para restaurar a dignidade do ofendido sem, contudo, proporcionar-lhe enriquecimento sem causa e, em contrapartida, representar uma forma de inibir reiteradas condutas do ofensor.No caso concreto a sentença considerou a intensidade do sofrimento experimentado pelo ofendido, gravidade do dano, a intensidade do dolo, o grau da culpa, considerou ser a parte autora beneficiária de justiça gratuita, não ter em nada contribuído para o evento danoso; por outro lado, considerou que a empresa requerida, ainda que seja de grande porte financeiro e responda pelo evento danoso em razão da atividade que desenvolve, não agiu com dolo.Assim, levando em consideração as peculiaridades do caso, o quantum indenizatório deve ser mantido em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) arbitrados pela sentença, já que suficientes a cumprir o caráter punitivo compensatório da indenização. Em suma, o voto é no sentido de conhecer e negar provimento ao apelo, mantendo-se na íntegra a sentença objurgada.Face o desprovimento do apelo condena-se o apelante ao pagamento de 5% sobre o valor atualizado da condenação aos patronos do autor a título de honorários recursais.
|