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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
Trata-se de apelação cível em face da sentença proferida nos Autos do Mandado de Segurança nº 0014420-57.2020.8.16.0173, que extinguiu parcialmente o feito, sem resolução do mérito, diante do cumprimento da pretensão inicial pelo impetrado e julgou parcialmente procedente o pedido remanescente, para devolver à impetrante o prazo para autorregularização, em procedimento administrativo fiscal junto à Receita Estadual do Paraná (mov. 48.1 e 60.1 - MS).Da sentença recorre a impetrante, FARMÁCIA E DROGARIA N4 LTDA, sustentando ser indevida a extinção parcial do feito, sob o fundamento de que não houve a perda do objeto. Alega que a planilha de operações apresentadas pelo impetrado, nos autos do Agravo de Instrumento nº 716-74.2021, apresenta omissão e incorreções, a qual não é apta para aferir o valor efetivo da base de cálculo utilizado pelo fisco na autuação, relativa à “falta de recolhimento de ICMS-ST sobre bonificação de fármacos – responsabilidade solidária” (mov. 1.6 - MS).Defende que possui direito de proceder a autorregularização de débitos com base nos valores efetivamente praticados, sendo indevida a utilização do valor arbitrado pela Tabela PMC (Preço Máximo de Venda ao Consumidor), estabelecida pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Afirma que, pelo fato do fisco possuir as notas fiscais eletrônicas de venda de mercadorias da impetrante, é este quem deve apresentar os efetivos valores praticados e proceder a revisão da base de cálculo dos lançamentos de ICMS-ST realizados na referida autuação.Assim, requer que o apelado revise ou viabilize a revisão da base de cálculo do ICMS-ST, relativa à notificação recebida pela apelante em 14.07.2020 (mov. 1.6), objetivando reduzir o montante devido do tributo em questão, incidente sobre a bonificação de fármacos.Contrarrazões (mov. 13.1 - TJ).A D. Procuradoria de Justiça externou parecer pelo parcial provimento do recurso, bem como pela parcial reforma da sentença, em sede de reexame necessário (mov. 14.1 – AP).É o relatório.
Voto.Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo.Em breve síntese, a apelante atua no comércio varejista de produtos farmacêuticos, higiene pessoal, perfumaria, cosméticos e produtos naturais (seq. 1.3).Pela natureza do negócio, aplica-se o regime tributário da substituição tributária para frente, segundo a qual o recolhimento do imposto da cadeia econômica da mercadoria ocorre em etapa antecedente à sua comercialização ao consumidor final.Apesar da agravante figurar como substituída tributária, o ente fiscal a notificou na qualidade de responsável tributária, vez que, teoricamente, o tributo não foi recolhido na origem da cadeia produtiva.Em face de tal cenário, a apelante impetrou Mandado de Segurança em face do DELEGADO REGIONAL DA RECEITA ESTADUAL - DELEGACIA REGIONAL DE UMUARAMA, para que lhe fosse apresentado o valor efetivo do preço de venda dos produtos por ela comercializados, que compuseram a notificação fiscal recebida em 14.07.2020 (mov. 1.6), bem como que revisasse a base de cálculo do ICMS-ST das referidas operações, objetivando reduzir o montante tributário devido.O juízo de origem, ao proferir a decisão inicial, indeferiu a medida liminar pleiteada, o que ensejou a interposição do Agravo de Instrumento nº 716-74.2021.8.16.0000, oportunidade em que foi deferida a sua formação e concedido o efeito ativo pretendido, determinando que o agravado apresentasse o “valor efetivo do preço de venda dos produtos da agravante para o consumidor final, nas operações que compuseram a notificação fiscal recebida em 14.07.2020 (seq. 1.6), [...] correspondentes ao período de 03/02/2016 a 26/05/2020, objetivando apresentar a base de cálculo efetiva do ICMS-ST e apurar o montante exigido a maior no regime da substituição tributária.”Cumpre esclarecer que o deferimento da tutela recursal teve por fundamento o fato de que a autoridade fiscal possuía consigo as notas fiscais eletrônicas declaradas pela contribuinte, as quais compuseram a autuação que lhe foi enviada. Ainda, adotou-se como norte o direito fundamental à informação, constitucionalmente garantido.Além disso, utilizou-se como paradigma a decisão proferida nos Autos nº 0005971-35.2020.8.16.0004, em trâmite junto a 2ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba/PR, em caso idêntico, no qual foi determinada à Receita Estadual/PR o fornecimento das referidas informações atinentes à bonificação de medicamentos, cujo pleito foi atendido e culminou na revisão, de ofício, do tributo cobrado.A medida liminar foi prontamente atendida pela Procuradoria Estadual, a qual juntou aos autos do Agravo de Instrumento nº 716-74.2021 planilha contendo as informações requeridas pela agravante. Inclusive, a autoridade administrativa realizou a revisão do ICMS-ST, reduzindo o montante cobrado de R$ 113.760,59 (mov. 20.2, fl. 98 – AI 716-74.2021) para R$ 90.002,69 (mov. 20.2, fl. 112 – AI 716-74.2021).Ocorre que antes do julgamento colegiado do agravo de instrumento, o juízo de origem, ao constatar a apresentação, em grau recursal, da referida planilha pela autoridade fiscal, sentenciou o Mandado de Segurança, nos seguintes termos (mov. 48.1 – MS):“[...] a) com fundamento no art. 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO sem resolução de mérito o pedido de determinação à impetrante de apresentação do valor efetivo do preço de venda ao consumidor final dos produtos indicados na inicial;b) com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido remanescente, para o fim de conceder em parte a segurança, apenas para devolver à impetrante os dias de prazo para autorregularização, consistentes nos dias remanescentes entre a data de propositura do mandado de segurança e a data final do prazo de apresentação da declaração, devendo o novo prazo ser contado a partir da data de intimação desta sentença”.Em face do julgamento do Mandado de Segurança anteriormente ao do Agravo de Instrumento, foi reconhecida a perda superveniente do objeto recursal, razão pela qual o recurso restou prejudicado (mov. 54.1 – AI nº 716-74.2021).Assim, em vista da extinção parcial do Mandado de Segurança, insurge-se a apelante, sob o fundamento de que não houve a perda do objeto da ação, na medida em que as planilhas apresentadas pelo demandado são omissas e incorretas. Afirma que não lhe foi garantido o direito de utilização do valor efetivo das vendas realizadas como base de cálculo do ICMS-ST, sendo indevida a adoção da tabela de Preço Máximo de Venda ao Consumidor (PMC) para tal finalidade.Posto isto, cinge-se a controvérsia quanto a possibilidade de utilização do Mandado de Segurança para a finalidade acima delineada, observado que houve a apresentação de planilha e revisão da base de cálculo do imposto cobrado pelo Estado, contudo houve a discordância quanto ao seu conteúdo por parte da contribuinte.Nos termos do art. 1º da Lei 12.016/2009: “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”.Em razão do caráter célere da ação mandamental é descabida a instrução probatória, razão pela qual exige-se prova pré-constituída, indene de dúvidas, quanto a prática de conduta ilegal ou abusiva por parte de autoridade no exercício de função pública. À propósito:[...] 2. O Mandado de Segurança visa proteger direito líquido e certo, ou seja, tem como pressuposta a certeza do direito a ser tutelado. Trata-se de direito plenamente verificável, e não se admite, para tanto, direito de existência duvidosa ou decorrente de fatos ainda não determinados. [...] (AgInt no RMS 64.370/RN, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/06/2021, DJe 01/07/2021).O direito líquido e certo alegado pela impetrante, ora agravante, seria o direito à informação, constitucionalmente garantido pelo 5º, XIV e XXXIII, figurando como garantia fundamental:Art. 5º [...] XIV: XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional[...] XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; [...]No mesmo sentido, como citado pela D. Procuradoria de Justiça em seu parecer, o Supremo Tribunal Federal, ao tratar do direito à informação, consignou que:“ [...] ainda que se admita que a empresa deveria ter os dados que objetiva serem prestados pela Receita Federal do Brasil, tal fato, por si só, não obsta o seu interesse no conhecimento das informações contidas nos sistemas informatizados de apoio à arrecadação, para fins de aferição do fiel cumprimento de suas obrigações, o que se justifica diante da transparência que deve revestir as informações atinentes aos pagamentos efetuados pelo próprio contribuinte” (RE 673707, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 17/06/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-195 DIVULG 29-09-2015 PUBLIC 30-09-2015.)Portanto, o ordenamento constitucional aliado a jurisprudência do STF nos leva a conclusão de que deve ser resguardado ao contribuinte o acesso a informação quanto aos elementos da autuação fiscal lavrada em seu desfavor. No caso em tela, tal situação se perfectibiliza na ciência quanto aos valores utilizados pela autoridade administrativa para a base de cálculo de ICMS-ST nas operações envolvendo bonificação de fármacos.Em análise detida aos autos, verifica-se que, de fato, foi negada tal informação ao contribuinte, o que ensejou a tutela jurisdicional concedida através do Agravo de Instrumento nº 716-74.2021, em decisão proferida por esta Relatoria.Após a apresentação de planilha pormenorizada pela Fazenda Pública, constando as referências fiscais, montantes apurados, identificação dos contribuintes e imposto devido, tem-se que houve a efetiva satisfação da pretensão inicial do Mandado de Segurança, qual seja, repisa-se, o acesso à informação.Importante reforçar que a autoridade administrativa, além de apresentar as referidas informações, ainda efetivou a revisão do imposto cobrado, reduzindo de R$ 113.760,59 (mov. 20.2, fl. 98 – AI 716-74.2021) para R$ 90.002,69 (mov. 20.2, fl. 112 – AI 716-74.2021).De posse da tais elementos pelo impetrante, o juízo de origem constatou a perda do objeto da ação mandamental e, corretamente, devolveu o prazo ao contribuinte para efetivar a autorregularização junto ao órgão fazendário, sendo este o adequado momento para discutir incorreções e omissões por parte deste.Inclusive, a própria autoridade coatora afirmou que não houve a efetiva lavratura de autuação fiscal, mas informação de início de procedimento fiscal, de modo que foi oportunizado ao contribuinte a autorregularização, que consiste na juntada de novos documentos, revelando o efetivo valor das operações mercantis realizadas (mov. 30.3, fl. 02 – MS):“Resta evidenciado que a autorregularização não significa início de ação fiscal como também não representa um lançamento tributário e, portanto, não há que se falar em suspensão da exigibilidade, posto que ainda não há tributo exigível nessa fase.O instituto da autorregularização consiste na oportunidade de sanar espontaneamente as inconsistências apuradas pelo fisco, apresentadas por meio do portal do Estado – Receita-PR, meio de comunicação com os contribuintes, sem os acréscimos inerentes ao auto de infração, de forma análoga ao instituto da denúncia espontânea.”No bojo do Mandado de Segurança não há que se discutir eventuais omissões ou incorreções na apuração fiscal pela Fazenda Estadual, visto que tal cenário demanda prova pericial, a ser produzia na via ordinária.Confira-se caso semelhante julgado pelo TJ/RJ, cujo acórdão foi confirmado pelo STJ:[...] 2. O Mandado de Segurança, porque incompatível com a dilação probatória, requer a prévia e cabal demonstração da liquidez e certeza do direito que se tem por violado (AgInt no RMS 33.048/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 25.8.2016).3. Hipótese em que o Tribunal de origem expressamente consignou que os documentos anexados ao pedido mandamental não foram suficientes a conferir liquidez e certeza à concessão da segurança. Nesse sentido, transcrevo o seguinte trecho do acórdão: "O presente caso não se trata de simples reconhecimento de homologação tácita da compensação declarada pelo contribuinte, pois é necessária a produção de prova pericial contábil de modo a verificar a suficiência dos créditos do contribuinte em liquidar os créditos tributários, sendo inviável em sede de mandado de segurança" (fl. 386, e-STJ). Rever tal entendimento implica reexame da matéria fático-probatória, o que é vedado em Recurso Especial (Súmula 7/STJ). [...] 5. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp 1804994/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/11/2019, DJe 19/12/2019).Em vista disto, denota-se pelas razões recursais que a apelante, além de obter o acesso às informações sobre ela detidas pelo fisco, ainda pretende discutir a exatidão da apuração da base de cálculo do ICMS-ST incidente sobre suas operações, o que se mostra inviável em sede de Mandado de Segurança.De igual modo, não guarda razão quanto a alegação de que a apelada negou a possibilidade de utilização do valor efetivo da operação mercantil, em detrimento da Tabela de Preços Máximos ao Consumidor (PMC), visto que a base de cálculo arbitrada tem lugar justamente quando não é possível a aferição do valor da operação realizada pelo contribuinte.A forma adequada para a solução da controvérsia é a prestação de tais informações à Fazenda Pública, através do procedimento de autorregularização, cujo prazo foi devolvido pela sentença recorrida. Caso persista a autuação, com base em valores que o contribuinte entende ser incorretos, abrir-se-á a possibilidade de discussão judicial, na via ordinária, através de prova pericial competente.Por fim, com a finalidade de se evitar aclaratórios, não se desconhece a existência de precedentes em casos semelhantes neste Tribunal, todavia as peculiaridades do caso em análise não permitem o acolhimento da pretensão inicial, visto que esta encontra barreira no procedimento especial instituído pela Lei 12.016/09.Assim, não há que se prover o recurso de apelação, de modo que a sentença proferida pelo juízo de origem deve ser confirmada, em sede de remessa necessária, nos termos do art. 496 do CPC.Deixo de aplicar o art. 85, § 11º do CPC, visto que não cabem honorários advocatícios no processo de mandado de segurança, nos termos do art. 25 da Lei 12.016/09.Portanto, nego provimento ao apelo e confirmo a sentença, em sede de remessa necessária, nos termos da fundamentação supra.
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