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Acórdão
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1. RELATÓRIO. Trata-se de apelação cível interposta por Suzana Aparecida Gigante contra a r. sentença (mov. 26.1) proferida nos autos n° 0001730-34.2020.8.16.0128, de ação de ressarcimento de danos, que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, V, do CPC/2015, condenando a requerente ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00.Nas razões recursais (mov. 29.1), Suzana Aparecida Gigante alegou que o requerido não cumpriu a obrigação de pagar alimentos aos filhos do casal por mais de seis anos, mesmo depois de ajuizadas diversas demandas. Apontou que propôs ação de cobrança de alimentos atrasados em nome do filho menor de idade (autos de nº 0001495-67.2020.8.16.0128), englobando o período em que o infante estava sob os cuidados dela, porém, o processo foi extinto sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, IV, do CPC/2015, concluindo o juízo que “a genitora não possui legitimidade para representar seus filhos, visto que Guilherme já é civilmente capaz, bem como Mathew, ora menor, está sob a responsabilidade de seu genitor, ora devedor” (p. 04). Defendeu que é cabível o ajuizamento desta ação de ressarcimento, a fim de evitar o enriquecimento ilícito do alimentante/réu, que, ao deixar de cumprir a obrigação de prestar alimentos, fez com que a genitora/autora arcasse com a integralidade do sustento dos filhos. Discorreu sobre o direito do terceiro à restituição dos valores que prestou a título de alimento na ausência do indivíduo obrigado, conforme dispõe o art. 871 do Código Civil, que trata da gestão de negócios, argumentando que é vedado o enriquecimento sem causa (art. 884 do mesmo diploma). Desse modo, postulou a reforma da sentença para que seja dado prosseguimento ao feito ou, subsidiariamente, afastar a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, haja vista que a parte adversa não foi citada antes da sentença.Citado, o réu apresentou contrarrazões (mov. 44.1). Em síntese, é o relatório.
2. Fundamentação. Presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos, conheço do recurso. Síntese Fática Suzana Aparecida Gigante ajuizou “ação de enriquecimento ilícito” em face de Claudiomiro Basseiro da Costa (mov. 1.1), narrando que foi casada com o demandado e que, da união, tiveram dois filhos: Guilherme Henrique Costa (nascido em 10.11.1999) e Mathew Costa Gigante (nascido em 07.07.2003). Alegou que, por ocasião do divórcio e por força da sentença proferida nos autos nº 0002169-89.2013.8.16.0128, o varão ficou obrigado ao pagamento de pensão alimentícia aos filhos, no valor de 33,33% dos rendimentos dele, que, à época, montavam um salário mínimo. Afirmou que o importe devido a título de alimentos deveria ser depositado na conta corrente da autora, todavia, a obrigação nunca foi cumprida pelo requerido, fazendo com que ela custeasse as obrigações alimentares atribuídas ao genitor. Argumentou que o réu se esquivou de seu dever de pagar alimentos durante seis anos, obrigando a demandante a prestar, além da parte que lhe cabia no sustento dos filhos, os alimentos devidos pelo genitor em substituição a ele, acarretando privações pessoais. Defendeu que, “na qualidade de representante e assistente dos alimentandos, manejou várias ações de revisão de alimentos e execuções de alimentos em face do Réu omisso ( 0001495-67.2020.8.16.0128, 0001512-16.2014.8.16.0128, e 0001693-17.2014.8.16.0128), todas infrutíferas. Ocorre, no entanto, que agora que um dos filhos/ alimentandos atingiu a maioridade (Guilherme) e o outro Mathew, encontra-se desde abril/2020 com o genitor, aguardando sua convocação para jogar no Clube do Estado de Maceió/AL, não podendo assim a Autora se valer de ação de execução de alimentos em nome do menor em razão do direito personalíssimo dos alimentos” (p. 04). Neste contexto, postulou a condenação do demandado ao ressarcimento de R$ 23.260,40, correspondentes às prestações alimentares não pagas desde outubro de 2014 até março de 2020.Sobreveio a r. sentença que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, V, do CPC/2015, concluindo o que segue (mov. 26.1, p. 01): (...)No caso em tela, verifica-se que os valores da presente ação se tratam de obrigação de caráter personalíssimo, a qual é destinada ao provento dos filhos.Além do mais, da própria inicial, constata-se que um dos filhos é civilmente capaz, bem como que o filho que ainda é menor, está sob a responsabilidade do seu genitor.Deste modo, deveria a genitora ter requerido os alimentos quando ainda possuía a guarda dos filhos em execução de alimentos ou ação de conhecimento e não em ação de ressarcimento.Nestes termos, ante à existência de demanda anterior sobre o tema em testilha, entendo presente a coisa julgada no caso, porquanto o tema já fora tratado na ação supracitada (destaco que eventual falta de incremento do pedido de alimentos de situações expostas nesta ação afasta a coisa julgada). Daí adveio a interposição do recurso (mov. 29.1). Mérito Da análise dos autos, depreende-se que a autora busca a condenação do requerido, genitor dos filhos em comum (mov. 1.4 e 1.5), ao ressarcimento dos valores que ele deixou de pagar a título de alimentos por cerca de seis anos, os quais, por via de consequência, teriam sido arcados integralmente por ela. Em casos análogos, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que, sendo o direito aos alimentos relacionado à personalidade do alimentado e, assim, intransmissível, pois personalíssimo, eventual pretensão da genitora ao reembolso dos gastos com o filho no período de inadimplência do obrigado deverá ser apurada em ação própria.Confira-se: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS AJUIZADA PELO MENOR, REPRESENTADO POR SUA GENITORA. POSTERIOR ALTERAÇÃO DA GUARDA EM FAVOR DO EXECUTADO. IMPOSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO PELA GENITORA. DIREITO AOS ALIMENTOS CONCEBIDO COMO DIREITO DA PERSONALIDADE DO ALIMENTANDO, DO QUE DECORRE SUA INTRANSMISSIBILIDADE (AINDA QUE VENCIDOS), DADO O SEU VIÉS PERSONALÍSSIMO. AUSÊNCIA DE SUB-ROGAÇÃO NA ESPÉCIE. EVENTUAL PRETENSÃO DA GENITORA VISANDO O RESSARCIMENTO DOS GASTOS COM O MENOR, DURANTE O PERÍODO DE INADIMPLÊNCIA DO OBRIGADO, DEVERÁ SER MANEJADA EM AÇÃO PRÓPRIA, NOS TERMOS DO ART. 871 DO CÓDIGO CIVIL.RECURSO DESPROVIDO.1. A controvérsia instaurada no presente recurso especial centra-se em saber se a genitora do alimentando poderia prosseguir, em nome próprio, com a ação de execução de alimentos, a fim de perceber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, mesmo após a transferência da titularidade da guarda do menor ao executado.2. Em conformidade com o direito civil constitucional ? que preconiza uma releitura dos institutos reguladores das relações jurídicas privadas, a serem interpretados segundo a Constituição Federal, com esteio, basicamente, nos princípios da proteção da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da isonomia material ?, o direito aos alimentos deve ser concebido como um direito da personalidade do indivíduo. Trata-se, pois, de direito subjetivo inerente à condição de pessoa humana, imprescindível ao seu desenvolvimento, à sua integridade física, psíquica e intelectual e, mesmo, à sua subsistência. 3. Os alimentos integram o patrimônio moral do alimentando, e não o seu patrimônio econômico, ainda que possam ser apreciáveis economicamente. Para efeito de caracterização da natureza jurídica do direito aos alimentos, a correlata expressão econômica afigura-se in totum irrelevante, apresentando-se de modo meramente reflexo, como ocorre com os direitos da personalidade.4. Do viés personalíssimo do direito aos alimentos, destinado a assegurar a existência do alimentário ? e de ninguém mais ?, decorre a absoluta inviabilidade de se transmiti-lo a terceiros, seja por negócio jurídico, seja por qualquer outro fato jurídico.5. Nessa linha de entendimento, uma vez extinta a obrigação alimentar pela exoneração do alimentante - no caso pela alteração da guarda do menor em favor do executado -, a genitora não possui legitimidade para prosseguir na execução dos alimentos vencidos, em nome próprio, pois não há que se falar em sub-rogação na espécie, diante do caráter personalíssimo do direito discutido.6. Para o propósito perseguido, isto é, de evitar que o alimentante, a despeito de inadimplente, se beneficie com a extinção da obrigação alimentar, o que poderia acarretar enriquecimento sem causa, a genitora poderá, por meio de ação própria, obter o ressarcimento dos gastos despendidos no cuidado do alimentando, durante o período de inadimplência do obrigado, nos termos do que preconiza o art. 871 do Código Civil.7. Recurso especial desprovido.(REsp 1771258/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/08/2019, DJe 14/08/2019) (grifei) Direito processual civil e direito civil. Família. Execução de alimentos. Maioridade e colação de grau da credora. Decisão interlocutória. Pretensão da mãe de prosseguir com a execução, sub-rogando-se na condição de credora dos alimentos que pagou em lugar do pai inadimplente. Carência de interesse processual.Ilegitimidade ativa.- Não há como a mãe estribar-se como parte legítima ativa de execução proposta pela filha em face do pai, quando apenas assistiu a menor em razão de sua incapacidade relativa, suprida pelo advento da maioridade no curso do processo.- Da mesma forma, embora se mostre notório que o pai se esquivou ao longo dos anos do dever de prestar os alimentos constituídos por título judicial advindo de revisional de alimentos, onerando exclusivamente a genitora no sustento da prole, não é a execução de alimentos devidos unicamente à filha o meio apropriado para a mãe buscar o reembolso das despesas efetuadas, o que poderá ocorrer por meio de ação própria.Recurso especial não conhecido.(REsp 859.970/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/03/2007, DJ 26/03/2007, p. 241) No caso, tendo em vista que, atualmente, ambos os filhos já atingiram a maioridade (mov. 1.4 e 1.5), bem como que Mathew está residindo com o genitor/alimentante, não teria a demandante legitimidade para buscar ressarcimento em execução de alimentos, conforme novamente entendeu a Corte Superior em julgado mais recente: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS AJUIZADA PELA FILHA, REPRESENTADA PELA MÃE. MAIORIDADE CIVIL. PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL INDEFERIDO. PROSSEGUIMENTO DA LIDE EM NOME DA MÃE. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE SUB-ROGAÇÃO EM RELAÇÃO AOS ALIMENTOS DO PERÍODO EM QUE EXERCEU A GUARDA. ILEGITIMIDADE ATIVA. RECURSO PROVIDO.1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido da ilegitimidade da genitora para prosseguir, em seu próprio nome, com a execução de alimentos anteriormente ajuizada em nome da filha, e na qual atuou exclusivamente na condição de assistente da menor, cuja incapacidade ficou superada no curso do processo, em face da maioridade civil.2. Conforme já decidido por esta Corte, "Não há como a mãe estribar-se como parte legítima ativa de execução proposta pela filha em face do pai, quando apenas assistiu a menor em razão de sua incapacidade relativa, suprida pelo advento da maioridade no curso do processo" (REsp 859.970/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/03/2007, DJ de 26/03/2007).3. A ação de execução de alimentos não é apta à pretensão da genitora de ressarcir-se das despesas realizadas no período em que deteve a guarda da filha, que poderá ser buscada em ação própria. Com efeito, não há que se falar em sub-rogação nos direitos vindicados na demanda executiva, tendo em vista o caráter personalíssimo dos alimentos. Precedentes.4. Hipótese em que, ademais, a pretensão da genitora de assumir o polo ativo da ação executiva revela-se incompatível com a pretensão manifestada pela titular do direito, de prosseguir pessoalmente na execução dos alimentos fixados em seu favor.5. Agravo interno provido para conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial.(AgInt no AREsp 1182089/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 28/09/2020, DJe 20/10/2020) (grifei) Entendimento semelhante é encontrado no âmbito deste e. Tribunal de Justiça: APELAÇÃO CÍVEL. ALIMENTOS. EXECUÇÃO. MÃE. ILEGITIMIDADE. DIREITO DE OUTREM. RECONHECIMENTO. FILHA MAIOR À DATA DA PROPOSITURA DA EXECUÇÃO. DESPESAS DESEMBOLSADAS. AUTOS PRÓPRIOS. SENTENÇA ESCORREITA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Considerando que com a maioridade civil cessa o poder familiar exercido pelos pais sobre os filhos, extingue-se também, neste momento, a legitimidade de representa-los em juízo. Sendo vedado, nos termos do art. 6.º, do CPC, pleitear direito alheio, em nome próprio.2. “[...] Embora se mostre notório que o pai se esquivou ao longo dos anos do dever de prestar os alimentos constituídos por título judicial advindo de revisional de alimentos, onerando exclusivamente a genitora no sustento da prole, não é a execução de alimentos devidos unicamente à filha o meio apropriado para a mãe buscar o reembolso das despesas efetuadas, o que poderá ocorrer por meio de ação própria. Recurso especial não conhecido”. (STJ - Resp Nº 859.970 - SP (2006/0118809-6) Min. Nancy Andrighi - Terceira Turma. 3. Recurso conhecido e não provido.(TJPR - 11ª C.Cível - 0002971-42.2017.8.16.0033 - Pinhais - Rel.: DESEMBARGADOR FABIO HAICK DALLA VECCHIA - J. 28.09.2020) (grifei) Não é por outro motivo que a execução nº 0001495-67.2020.8.16.0128, ajuizada por Mathew, representado pela mãe Suzana, em face do genitor Claudiomir, foi extinta sem resolução do mérito, tendo o Magistrado entendido que “a genitora não possui legitimidade para representar seus filhos, visto que Guilherme já é civilmente capaz, bem como Mathew, ora menor, está sob a responsabilidade de seu genitor, ora devedor” (mov. 7.1 daqueles autos).Na aludida demanda, pretendia-se a cobrança da prestação alimentar inadimplida pelo genitor Claudiomir em relação ao filho Mathew no período de outubro de 2014 a abril de 2020, totalizando R$ 11.436,77.Neste sentido, considerando, ainda, que “Quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que este não ratifique o ato” (art. 871 do Código Civil), reputo adequada a via eleita pela autora para reaver possíveis verbas que custeou em decorrência do suposto inadimplemento do alimentante, não havendo que se falar em ofensa à coisa julgada.Assim, comporta reforma a r. sentença, devendo o processo retornar à origem para regular prosseguimento. Ônus de Sucumbência e Honorários Recursais Por fim, com a reforma da sentença, resta afastada a condenação da requerente ao pagamento do ônus de sucumbência, não se cogitando, por isso, do arbitramento de honorários recursais. 3. CONCLUSÃO.
Diante do exposto, voto pelo conhecimento e provimento da Apelação Cível interposta pela demandante para reformar a r. sentença e determinar o retorno dos autos ao primeiro grau a fim de que seja dado prosseguimento ao feito, nos termos da fundamentação.
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