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Acórdão
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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0014265-08.2019.8.16.0038 da Vara da Fazenda Pública de Fazenda Rio Grande. Trata-se de recurso de apelação cível interposto contra a sentença (mov. 39.1 – mantida pela decisão de embargos de declaração de mov. 51.1) que, em embargos à execução, julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade da CDA, com afastamento da cobrança e isenção da embargante do pagamento de IPTU dos exercícios de 2014, 2015, 2016 e 2018, por entender que a CDA preencheu os requisitos legais, bem como que não restou comprovado o direito à isenção do pagamento dos valores a título de IPTU ante a não comprovação de destinação agropastoril, visto que os documentos trazidos pelo embargante para indicar eventual incidência de ITR tratam-se de imóvel distinto daquele indicado na CDA. Condenou a embargante ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios que fixados em 10% do valor da causa. Em suas razões, a apelante alega (mov. 111.1), em síntese, que: a) o imóvel descrito na CDA é o mesmo da documentação apresentada e a diferença no nome do bairro deu-se em virtude de alteração realizada pelo Município; b) o imóvel possui destinação rural; c) a exigência de registro em cartório dos contratos de arrendamento e de inscrição no CICAD/PRO para o reconhecimento da isenção do IPTU nos exercícios de 2014, 2015, 2016 e 2018 não prospera, já que a Lei Complementar nº 175/2018 não estava vigente à data dos fatos geradores. Requer a reforma da sentença, para que seja declarada a isenção do pagamento dos valores a título de IPTU, referentes aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2018, afirmando que preenche os requisitos legais por se tratar de atividade agropastoril. Assim, que seja imediatamente desbloqueado os valores penhorados da apelante. As contrarrazões foram apresentadas (mov. 60.1). A Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo encaminhamento dos autos ao Órgão Especial deste Tribunal para instauração de incidente de declaração de inconstitucionalidade do art. 173-A, do Código Tributário Municipal de Fazenda Rio Grande (mov. 12.1).É o relatório.
Verifica-se nos autos que se trata de embargos à execução fiscal opostos contra execução ajuizada pelo Município de Fazenda Rio Grande para cobrança de IPTU referente aos exercícios fiscais dos anos de 2014, 2015, 2016 e 2018. Alega a parte apelante que em 2015, após a entrada em vigor da Lei n. 79/2013, requereu junto a Prefeitura de Fazenda Rio Grande, o enquadramento de área urbana. O procedimento foi deferido em março de 2017 e que após a finalização do processo de enquadramento, o Município emitiu a cobrança de IPTU de forma retroativa dos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017. Sustenta ter buscado junto a prefeitura o pedido de isenção do pagamento de IPTU, afirmando que pelas características, o imóvel se enquadra na referida isenção por destinação agropastoril. Ainda, aponta que houve a isenção para o ano de 2017 (mov. 1.55).A sentença entendeu que os documentos juntados pela embargante/apelante para comprovação da destinação agropastoril e isenção do IPTU não são aptos, consignando que possui endereço diverso daquele constante na CDA, uma vez que os documentos juntados indicam que o imóvel está situado no “Bairro Santo Antônio” e na Certidão de Dívida Ativa, consta como endereço do imóvel “Estrada Rural André Wosniak”.No entanto, este entendimento merece reforma. Observa-se na CDA que o imóvel possui um código de nº 63170 e a Inscrição Imobiliária nº 028.005.1220.001.001 (mov. 1.67). O mesmo nº de Inscrição Imobiliária é localizado na certidão de perímetro assinada pelo prefeito do Município, a qual foi encaminhada ao INCRA (mov.1.5), juntamente com o número do Registro do Imóvel, sendo ele 5983. Conforme a matrícula de imóvel juntada aos autos (mov. 18.3) com nº 5983, verifica-se que o imóvel é descrito com localização no “bairro Santo Antonio”. Ainda, que o imóvel possui cadastro junto ao INCRA sob o nº 701.106.006.440-4 e está cadastrado na Secretaria da Receita Federal com o NIRF nº 3.593.865-0.As declarações de ITR (mov. 1.21/1.29) e contratos de arrendamento (mov. 1.11/1.15) juntados pela apelante apontam que o imóvel está situado no bairro Santo Antônio, possui o INCRA nº 701.106.006.440-4 e NIFR nº 3.593.865-0. Portanto, resta demonstrado se tratar do mesmo imóvel descrito na CDA, apesar da divergência de bairro. Nesse sentido, foi bem colocado no parecer da Procuradoria Geral de Justiça: “Ao que se vê, em que pese a divergência no nome dos bairros, os demais dados do imóvel são idênticos, podendo-se concluir que houve alteração pelo Município acerca da denominação da localidade em que o bem está situado. Tal conclusão é reforçada pelo fato de que a matrícula do imóvel data de 2001 e indica que o bem está situado no bairro Santo Antônio, ao passo que a ficha do cadastro imobiliário, em consulta realizada em 2017, aponta que o imóvel de matrícula nº 5983 está localizado no bairro Veneza. Portanto, com razão a apelante em afirmar que o imóvel descrito na CDA é o mesmo da documentação acostada à exordial.” Assim, demonstrado que se trata do mesmo imóvel, tem-se que os documentos são aptos para se analisar o suposto direito da parte apelada em se obter isenção ao pagamento do IPTU referente aos exercícios de 2014, 2015, 2016 e 2018 sob alegação de que o imóvel possui destinação agropastoril. O Município afirma que os contratos de arrendamento realizados pela apelante não são suficientes para concessão de isenção do IPTU, uma vez que não restaram preenchidos os requisitos previstos no art. 173-A, inc. I do Código Tributário Municipal, com redação dada pela Lei Complementar nº 175/2018, visto que não foram registrados em Cartório quando firmados, somente após o ajuizamento da execução fiscal. Para melhor esclarecimento, colaciono a redação do referido dispositivo após a alteração promovida pela Lei Complementar nº 175/2018: Art. 173 A - Os imóveis situados no perímetro urbano do Município para serem caracterizados como de finalidade rural, além de terem sua matrícula atualizada apresentada, deverão comprovar, cumulativamente: (Redação acrescida pela Lei Complementar nº 88/2013I - A utilização do imóvel com finalidade agropastoril através de nota fiscal de produtor rural com CICAD/PRO nesta Municipalidade ou mediante apresentação de contrato de arrendamento do solo devidamente registrado em Cartório e com o arrendatário cadastrado no CICAD/PRO deste Município, com a mesma finalidade, em ambos os casos, quanto aos respectivos exercícios financeiros dos quais se pleiteia a caracterização, observada ainda a exceção do parágrafo único; (Redação dada pela Lei Complementar nº 175/2018) No entanto, esta não era a redação do inciso I dado pela lei vigente na época do lançamento dos exercícios fiscais discutidos nos autos, uma vez que a Lei Complementar nº 175/2018 foi publicada em 19 de dezembro de 2018, entrando em vigor na data da publicação. A redação vigente era dada pela Lei Complementar nº 88/2013, que não exigia o registro dos contratos de arrendamento firmados em cartório. Cito pela pertinência: I - a utilização do imóvel com finalidade agropastoril através de nota fiscal de produtor rural ou mediante apresentação de contrato de arrendamento do solo com a mesma finalidade, em ambos os casos, quanto aos respectivos exercícios financeiros dos quais se pleiteia a caracterização, observada ainda a exceção do parágrafo único; (Redação acrescida pela Lei Complementar nº 88/2013) No mesmo sentido é a situação referente ao inciso II do art. 173-A do Código Tributário Municipal, que após a redação dada pela Lei Complementar nº 175/2018, passou a exigir que os imóveis devem possuir mais de 80% de finalidade agropastoril, podendo para atingir o referido percentual serem somadas eventuais áreas de preservação ambiental, desde que comprovadas através de Cadastro Ambiental Rural (CAR), Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) ou outra forma de reserva ambiental averbada em matrícula imobiliária. Cito a redação atual do referido dispositivo de lei: “II - Que mais de 80% (oitenta por cento) do imóvel tenha as características constantes do inciso I deste artigo, podendo para atingir o referido percentual serem somadas eventuais áreas de preservação ambiental constantes na área do imóvel, desde que comprovadas através de Cadastro Ambiental Rural (CAR), Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) ou outra forma de reserva ambiental averbada em matrícula imobiliária; (Redação dada pela Lei Complementar nº 175/2018)” E, quando da época do lançamento dos tributos, conforme redação dada pela Lei Complementar nº 88/2013: “II - que mais de 80% (oitenta por cento) do imóvel tenha as características constantes do inciso I deste artigo, podendo para atingir o referido percentual serem somadas eventuais áreas de preservação ambiental constantes na área do imóvel; (Redação acrescida pela Lei Complementar nº 88/2013)” Para essa comprovação, a parte apelante realizou um parecer técnico de elaboração de mapa de uso e cobertura do solo do imóvel em discussão, realizado a partir da análise sistematizada de imagens de satélite de alta resolução capturadas da plataforma digital do Google Earth, visando a realização de mapeamento para determinar o uso do solo e a cobertura vegetal no período de 2003 a 2019 (mov. 1.66). O referido parecer concluiu pelo predomínio da atividade agrícola e que nas áreas onde não ocorreu atividades agrícolas restou evidenciado a presença de mata: “4. CONCLUÇÃO Através da análise sistemática dos resultados, pode-se concluir que a área da matrícula 5.983 do CRI da Fazenda Rio Grande/PR, localizada no munícipio de Fazenda Rio Grande/PR, de propriedade da Partilha Empreendimentos Ltda, no período de 2003 a 2019 (período de análise das imagens) certamente exerceu atividades agrícolas em aproximadamente 58,30% da sua área o que corresponde em 134.034,69 m2. Desta forma, pode-se concluir que ocorreu expressivo predomínio de plantios agrícolas em grande parte da propriedade, evidenciando o predomínio da atividade agrícola características de áreas rurais, nas áreas onde não ocorreu atividades agrícolas foi evidenciado a presença de mata, levantada em 41,18% o que corresponde a 94.674,20m2” Assim, resta demonstrado que o requisito de que mais de 80% (oitenta por cento) do imóvel tenha finalidade agropastoril, considerando às áreas de preservação ambiental constantes na área do imóvel para atingir o referido percentual. Além disso, existe a finalidade agropastoril no imóvel demonstrado através de contratos de arrendamento firmados (mov. 1.11/1.15) com o objetivo de atividade de exploração agrícola e plantio de cereais (arroz, trigo, soja, milho, feijão, etc.), ressaltando que não havia a exigência de registro dos contratos em cartório e a comprovação da porcentagem de destinação agropastoril do imóvel através de Cadastro Ambiental Rural (CAR), Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) ou outra forma de reserva ambiental averbada em matrícula imobiliária na época de lançamento dos tributos. Somado a esses fatores, verifica-se que foi juntado aos autos a declaração e pagamento do imposto ITR de 2013 a 2018 (mov. 1.17/1.29). Portanto, caso se mantenha a exigência do pagamento do IPTU referente aos exercícios de 2014, 2015, 2016 e 2018, haverá incidência de bitributação sobre o mesmo imóvel e pelo mesmo fato gerador. Nesse sentido, já decidiu esta Câmara em caso análogo de minha relatoria: APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. IPTU. EXECUÇÃO FISCAL. IMÓVEL LOCALIZADO EM ÁREA URBANA COM DESTINAÇÃO RURAL. INAPLICABILIDADE DO ART. 32 DO CTN. INTELIGÊNCIA DO ART. 15 DO DECRETO-LEI Nº 57/66. INCIDÊNCIA DO ITR. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE IPTU. VEDAÇÃO DA BITRIBUTAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJPR - 1ª C.Cível - 0004298-31.2017.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU FERNANDO CESAR ZENI - J. 23.11.2020) A própria certidão de perímetro encaminhada pelo prefeito do Município ao INCRA, reconhece que o imóvel estava cadastrado junto ao referido órgão e certamente era tributado pelo ITR (mov. 1.5). Há entendimento deste Tribunal envolvendo o mesmo Município que afastou a cobrança de IPTU em caso semelhante: EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IPTU.PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. IMÓVEL QUE TEM CARACTERÍSTICA DE PROPRIEDADE RURAL. CRIAÇÃO DE GADO COMPROVADA. EXISTÊNCIA DE PARECER TÉCNICO NESSE SENTIDO. PAGAMENTO DE IMPOSTO TERRITORAIL RURAL (ITR). AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO INCRA ACERCA DA ALTERAÇÃO DO IMÓVEL DE RURAL PARA URBANO. COBRANÇA DO IPTU QUE SE MOSTRA DESCABIDA. EMBARGOS JULGADOS PROCEDENTES.EXTINÇÃO DAS EXECUÇÕES E LEVANTAMENTO DO BEM PENHORADO. CONDENAÇÃO DO MUNICÍPIO AO PAGAMENTO DAS CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.RECURSO PROVIDO.APELAÇÃO 2: MUNICÍPIO DE FAZENDA RIO GRANDE APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IPTU.OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO JUNTAMENTE COM O OFERECIMENTO DE GARANTIA DO JUÍZO. TERMO DE NOMEAÇÃO DE BEM PENHORADO DEVIDAMENTE LAVRADO.INTEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS NÃO CONFIGURADO.INSUFICIÊNCIA DO BEM PENHORADO. IRRELEVÂNCIA NESTE MOMENTO, TENDO EM VISTA QUE PODERÁ O CREDOR PEDIR O REFORÇO DA PENHORA, SE FOR O CASO. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 2ª C.Cível - AC - 1232423-5 - Fazenda Rio Grande - Rel.: DESEMBARGADOR SILVIO VERICUNDO FERNANDES DIAS - Unânime - J. 09.12.2014) Sendo assim, voto pelo provimento do recurso, devendo ser reconhecida a impossibilidade de cobrança de IPTU nos exercícios fiscais de 2014, 2015, 2016 e 2018, com extinção da execução fiscal e levantamento da penhora, conforme a fundamentação supra.Ainda, deverá haver a inversão do ônus de sucumbência, condenando o Município ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios fixados 10% (dez por cento) do valor da causa, a ser corrigido monetariamente com base no IPCA-E e juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança a contar do trânsito em julgado, conforme teses fixadas quando do julgamento dos recursos repetitivos REsp. 1.495.146/MG, 1.492.221/PR e 1.495.144/RS (Tema 905/STJ).
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