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Acórdão
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Ministério Público do Estado do Paraná ofereceu Denúncia, autos nº 0000410-11.2020.8.16.0075, em face de Gislei Carlos Barbosa, qualificado na peça inicial, como incurso nos artigos 129, §9º e 147, caput, ambos do Código Penal, observadas as disposições da Lei nº 11.340/06 pela prática do fato delituoso assim descrito (mov. 30.1 - Autos originários):“Em 26 de janeiro de 2020, no período noturno, na residência localizada na Rua Carlos Gomes, nº. 35, Jardim Novo Bandeirantes, neste Município e Comarca de Cornélio Procópio/PR, o denunciado GISLEI CARLOS BARBOSA, dolosamente, no contexto de violência doméstica, e valendo-se da relação de gênero, ameaçou causar mal injusto e grave a sua ex-mulher MARINA DPEBIRA DE SOUZA, dizendo que “era para encontrar seu amante dentro de dois dias se não iria acabar com a vida dela”, bem como ofendeu sua integridade corporal, apertando fortemente seu braço e seu pescoço, causando-lhe lesões de natureza leve, quais sejam, “escoriações no tórax, cotovelo esquerdo, braço esquerdo, e hematomas evoluído em m.s.direito (Boletim de Ocorrência de mov. 1.22 e Atestado Médico de mov. 1.23). Tais comportamentos causaram acentuado temor na vítima, levando-a a registrar a ocorrência junto a autoridade competente. ”Proferida sentença, foi julgada parcialmente procedente a denúncia, para o fim de absolver o réu Gislei Carlos Barbosa, em relação ao crime de ameaça (art. 147, caput, do Código Penal), e condená-lo pela prática do crime de lesão corporal qualificada (art. 129, §9º do Código Penal), à pena de 03 (três) meses de detenção, em regime aberto e, ao pagamento de indenização por danos morais suportados pela vítima, com amparo no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), corrigidos monetariamente desde a data do arbitramento (Súmula nº 362, do STJ), incidindo juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir do evento danoso (Súmula nº 54, do STJ), bem como ao pagamento das custas e despesas processuais (mov. 161.1 – Autos originários). As partes foram intimadas pessoalmente quanto ao teor da sentença condenatória (mov. 177.1 e 182.1 - Autos originários). Inconformadas, a Acusação e a Defesa apresentaram recurso de apelação (mov. 186.1 e 204.1 - Autos originários), que foram recebidos com efeito suspensivo (mov. 188.1 e 192.1 – Autos originários). Nas razões recursais, o Parquet pugna pela condenação do acusado em relação ao crime de ameaça, sustentando que o delito possui natureza formal, sendo consumado na prática do ato, independente do resultado. Alega que os elementos de informação colhidos durante a fase inquisitorial foram integralmente confirmados durante a instrução probatória, e que a vítima confirmou que foi ameaçada pelo acusado, frisando que nos delitos envolvendo violência doméstica a palavra da vítima merece especial relevância, mormente se considerada a clandestinidade em que tais ofensas são perpetradas, sendo que a palavra da vítima encontra amparo nas demais provas coligidas aos autos (mov. 200.1 - Autos originários)A Defesa por sua vez, pleiteia a absolvição do réu pelo crime de lesão corporal qualificada, sob o fundamento de que a autoria e a materialidade delitivas não restaram devidamente comprovadas, pois, as provas colhidas em sede investigativa, bem como durante a instrução criminal, não indicam a prática de lesão corporal. Sustenta que durante a instrução criminal, a vítima, deixou claro que o réu não lhe bateu e nem lhe agrediu, ele apenas a segurou, não sabendo precisar se as lesões constatadas no atestado médico foram ocasionadas pelo réu no corredor da casa, visto que muitas pessoas vieram separar e a puxaram, não havendo convicção quanto à eventual lesão perpetuada pelo réu. Alega que as testemunhas e informantes em nenhum momento inferem que o réu agrediu a vítima e que somente foram até o local quando ouviram os gritos e, que o réu ao ser interrogado, negou as agressões e afirmou que segurou a vítima, vez que ela estava alterada e teria acabado de jogar uma garrafa em sua direção. Aduz que o réu compareceu à festa a convite da vítima e que esta é categórica em dizer que não liga para a medida protetiva, pois eles são uma família e tem que estar juntos, demonstrando assim, um bom convívio entre as partes naquele momento. Afirma que a genitora da vítima teria contado ao réu que a vítima teria pedido para seu sobrinho arranhar e bater nela antes da polícia chegar no dia dos fatos. Assevera que as provas existentes nos autos são realmente duvidosas e insuficientes para o reconhecimento da certeza e da veracidade da acusação, admitindo-se o “in dubio pro reo”.Contrarrazões nos movimentos 208.1 e 210.1.A d. Procuradoria Geral de Justiça em parecer do ilustre Procurador de Justiça Alfredo Nelson da Silva Baki, pronunciou-se pelo conhecimento e desprovimento dos recursos (mov. 15.1).É o relatório.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, é de se conhecer os recursos.Tratam-se de recursos de apelação em face de sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal, para o fim absolver o réu Gislei Carlos Barbosa, em relação ao crime de ameaça e, condená-lo pela prática do crime de lesão corporal qualificada, à pena de 03 (três) meses de detenção, em regime aberto e, ao pagamento de indenização por danos morais suportados pela vítima, bem como ao pagamento das custas e despesas processuais.Em relação às duas acusações, verifica-se que a materialidade está devidamente comprovada pelo auto de prisão em flagrante (mov. 1.5 - Autos originários), boletim de ocorrência (mov. 1.22 - Autos originários), atestado médico (mov. 1.23 - Autos originários) e demais provas colhidas nos autos. Desta forma, a materialidade se mostra incontestável. Quanto a autoria, esta recai sobre o acusado, conforme se infere dos depoimentos constantes nos autos.Em sede policial, a vítima Maria Débora de Souza declarou em seu depoimento (mov. 1.7 - Autos originários):“Que estava separada há 8 meses do réu, o qual lhe pediu para fazer uma festa de aniversário para o filho. Na festinha, ele bebeu e, num momento em que ele estava fumando do lado de fora, na companhia de Lucas, ele a puxou pelo braço até o corredor e segurou seu pescoço. Anteriormente, no interior da casa, ele já tinha lhe falado algumas coisas, dizendo que, se ela não encontrasse seu amante em dois dias, ele acabaria com a vida dela. Disse que já tinha solicitado medidas protetivas anteriormente, em razão de outras ameaças. Confirmou que, na data dos fatos, foi lesionada pelo réu no pescoço e nos braços. ” (Transcrição retirada da sentença mov. 161.1 autos originários). (Destaquei e grifei)Em seu depoimento judicial a vítima assim afirmou (mov. 104.2 - Autos originários):“Ela e o réu foram casados por 13 anos e tiveram dois filhos. Disse que já havia registrado uma ocorrência contra ele anteriormente, tendo, inclusive, medida protetiva. No dia 26 de janeiro, houve uma festa em comemoração ao seu aniversário e o de seu filho, por isso o réu também compareceu. Contudo, ficaram longe um do outro, bebendo. Num certo horário, quando saiu para se despedir de uma amiga, o réu a puxou pelo braço e a levou para o corredor da casa, dizendo que não queria que ela conversasse com uma determinada pessoa e que ela estava com um amante, pois ainda se considerava marido dela. Quando ele a puxou no corredor, ela acabou arranhando o braço na parede, por ser de grafiato. Como já tinha medida protetiva, ficou com muita raiva, pois tinha nojo dele em razão das traições. Por conta disso, também o empurrou. Não sabe se o réu a puxou para tentar beijá-la. Disse que o réu não a pegou com muita força. Afirmou que a lesão do cotovelo decorreu do esbarrão na parede, mas os demais hematomas não sabe informar como ocorreram, pois, quando o réu tentou ir embora, começaram uma discussão do lado de fora da casa, momento em que uma amiga começou a puxá-la para dentro. Não sabe, portanto, se os hematomas foram feitos pelo acusado ou por alguém que a puxou. O réu dizia “toma vergonha na sua cara e vai encontrar seu amante daqui dois dias, senão você vai ver o que eu vou fazer com você”. Contudo, sabia que ele não faria nada, porque ela é mãe dos filhos dele. Foi o sobrinho dela, a seu pedido, que ligou para a polícia, pois queria colocar um ponto final na situação, já que não era a primeira vez que o réu a acusava de ter um amante e ela ficou com muita raiva pela vergonha que ele estava lhe causando. Ademais, queria que ele saísse da casa, pois estavam separados, mas continuavam morando juntos. Afirma que não sentiu medo da fala do réu, pois estavam brigando há dois anos e ele sempre falava “você vai ver o que eu vou fazer com você”, contudo nada fazia. Não houve mais ameaça ou agressão depois que ele saiu da residência. Afirma que não tem mais interesse na continuidade da ação penal. (Transcrição do áudio retirada da sentença mov. 161.1). (Destaquei e grifei)A testemunha Elcio Pereira dos Santos, policial militar que atendeu a ocorrência, em sede policial relatou (mov. 1.13 - Autos originários): “Que prestou atendimento à ocorrência envolvendo a vítima e o réu, tendo, no local da solicitação, presenciado uma aglomeração de pessoas tentando apartá-los. A vítima se aproximou da viatura, disse que tinha medida protetiva em face do réu e que ele não poderia se aproximar. Contudo, como era aniversário do filho deles, ele estava na residência. Dois rapazes estavam tentando controlar o réu e duas moças acalmavam a vítima. O policial disse que não presenciou a agressão, mas a vítima descreveu ter sofrido lesões, pois o réu teria apertado seu pescoço. Ele, por sua vez, alegou que ela jogara uma garrafa nele. A vítima foi encaminhada para atendimento médico, pois estava com hematoma no braço. O réu não apresentava lesão. Salientou que ele estava um pouco alcoolizado e revoltado, dizendo o tempo todo que não havia agredido a vítima. ” (Destaquei e grifei)O policial Antônio Roberto Leite Junior, também prestou seu depoimento em juízo afirmando (mov. 104.6 - Autos originários): "Que chegando no local da solicitação, logo na calçada da residência, havia uma confusão. Todos estavam muito nervosos, falando alto e tentando se agredir. Duas moças e dois rapazes tentavam conter a discussão entre o réu e a vítima. Esta relatou que o réu foi à festa de seu filho e, num determinado momento, começou a proferir xingamentos contra ela. Disse, ainda, que ele havia agarrado seu braço, na tentativa de agredi-la. A vítima mostrou o braço, mas não dava para perceber lesão, talvez por ser à noite. Não havia lesão aparente. Também não constatou lesão no réu. A vítima estava assustada, pois já tinha sofrido várias ameaças do réu e devido à sua agressividade. ” (Transcrição do áudio retirada da sentença mov. 161.1) (Destaquei e grifei)A testemunha Lucas Damasceno Pinto, em seu depoimento policial afirmou (mov. 1.16/1.17 - Autos originários):“Que durante a festa de aniversário, o réu e a vítima foram se despedir de um casal de fora da cidade. Os demais ficaram na área da churrasqueira. De repente, ouviram a vítima gritando e saíram para ver o que estava acontecendo. Viu que eles estavam brigando, um arranhando o outro, discutindo e batendo boca. Não presenciou o réu agredindo a vítima, apenas um tumulto. Já tinha conhecimento de que eles possuíam desavenças anteriores, inclusive que a vítima tinha medidas protetivas em face do réu. Sobre as lesões da vítima, disse que só viu alguns arranhões, mas não soube dizer o que os causou. ” (Transcrição do áudio retirada da sentença mov. 161.1) (Destaquei e grifei)E em seu depoimento judicial a testemunha narrou (mov. 104.5 - Autos originários): “Quando a vítima foi acompanhar uma convidada até o portão, ele estava lá fora fumando com o réu. Eles começaram a conversar, então o declarante entrou na casa, deixando-os a sós. Em menos de um minuto, ouviram o barulho de uma garrafa, que a vítima arremessou contra o réu. Todos correram para ver o que estava acontecendo. Eles estavam discutindo. O réu estava segurando a vítima, para que ela não batesse nele, pois havia jogado a garrafa. Os convidados tiveram que apartá-los. A vítima entrou na casa para pegar um papel e, quando voltou para fora, a polícia já estava lá. Disse que a vítima desferiu um soco em seu rosto na presença dos policiais. Aduziu que não presenciou a agressão no corredor, nem viu lesões na vítima. ” (Transcrição do áudio retirada da sentença mov. 161.1) (Destaquei e grifei)Em depoimento judicial, o informante Sergio Augusto de Paula, sobrinho da vítima, declarou (mov. 104.3 - Autos originários):“que mora com a tia há 2 anos, período no qual presenciou várias discussões e ameaças. Violência física não havia ocorrido. Inicialmente, a vítima tinha medo do réu, mas, como era algo frequente, passou a não mais temer. No dia dos fatos, já no fim da festa, percebeu que a vítima havia sumido. De repente, ouviu seu nome sendo chamado e foi até o corredor. Chegando lá, viu o réu empurrando a vítima contra a parede, ameaçando e xingando. Ela, então, o empurrou e pediu que chamassem a polícia. Disse que o réu estava segurando a vítima na parede pelo braço, mas não o viu batendo nela. Sua tia acabou machucando o braço, pois bateu na parede. O informante disse que soube da ameaça pela vítima, mas ouviu o réu dizendo que ela tinha amante. No dia em questão, não o ouviu falando que acabaria com a vida da vítima, mas em outras oportunidades sim. O réu e a vítima estavam brigando, o réu a xingava, e ela queria bater nele, então Suellen puxava a vítima para apartá-los. Afirma que não viu toda a cena, chegou no final. Quando os policiais chegaram, a vítima lhe contou que o réu a empurrou e segurou seu pescoço para prensar na parede, segurou seus braços e a ameaçou, que foi quando ela gritou o nome do declarante. Acha que o réu não tinha a intenção de machucar a vítima, mas que agiu por nervosismo. Ele só a prensou na parede porque a vítima não queria ouvi-lo e ele queria conversar. Disse que as medidas protetivas foram requeridas porque o réu não saía da casa. Relatou que, no dia 26, durante a briga, Gabrieli foi com o irmão para o quarto de cima. Negou que a vítima tenha lhe pedido para arranhá-la. Disse que isso é mentira e que permaneceram do lado de fora durante todo o ocorrido. Suellen puxava a vítima até a garagem, mas o réu a insultava e ela voltava para a rua. Disse que a única agressão física que presenciou foi a que ocorreu no corredor. ” (Transcrição do áudio retirada da sentença mov. 161.1) (Destaquei e grifei)A testemunha Lillyan Gianelli Muraki, afirmou em juízo (mov. 104.4 - Autos originários):“Que estava na festa no dia dos fatos, mas não presenciou o réu apertando o pescoço da vítima. Quando ouviram gritos e foram ver o que era, a vítima e o réu estavam se agredindo verbalmente do lado de fora da casa. Sua preocupação foi com o filho da vítima, do qual cuidou para que não visse a situação. Presenciou agressões verbais apenas, físicas não. Viu vermelhidões no pescoço e no braço da vítima, mas não lesões. A vítima lhe contou que o réu a levou para o corredor e apertou o pescoço dela, mas a declarante ressaltou que não presenciou isso. Durante a briga, dois rapazes seguravam o réu, pedindo para que ele fosse embora, e Suelen segurava a vítima. Ambos estavam muito alvoroçados, a vítima dava voltas na casa de um lado para o outro. Não sabe precisar se os arranhões na vítima foram feitos pelo acusado ou pelas pessoas que estavam tentando separar a briga. Afirmou que, depois que começaram a brigar na rua, ninguém mais retornou para o interior da casa, já foram direto para a Delegacia. ” (Transcrição do áudio retirada da sentença mov. 161.1) (Destaquei e grifei)A informante Maria Aparecida dos Santos Souza, mãe da vítima, declarou em juízo que: “não presenciou os fatos, que no dia seguinte, sua filha ligou e contou que tivera uma desavença com o réu, mas nada mencionou sobre ele ter batido nela. Disse apenas que ele a havia segurado pelo braço e encostado na parede. Parece-lhe que ele queria beijá-la. A informante não soube dizer se a vítima tinha medo do réu. Disse que ele era um bom marido e não batia nem nos filhos. Não soube informar o motivo pelo qual ela requereu medidas protetivas. Contou que eles se separaram, mas continuaram morando na mesma casa por um tempo. A respeito do áudio de mov. 103.2, disse que foi uma informação que chegou até ela, no sentido de que, no dia dos fatos, o réu não havia batido na vítima. Contudo, como os policiais estavam a caminho, ela pediu ao sobrinho Sérgio que a unhasse. Ressaltou que não pode confirmar isso, pois só ouviu falar por boatos. A vítima negou tal informação. A informante disse que nunca presenciou briga entre o réu e a vítima. Acrescentou, por fim, que, segundo a vítima, os machucados no braço dela foram causados pelas próprias amigas que a puxaram durante a discussão, para apartá-la do réu. (Transcrição do áudio retirada da sentença mov. 161.1) (Destaquei e grifei)A testemunha Cristiane dos Martyres, declarou em juízo (mov. 124.2 - Autos originários):“Afirmou que estava presente no dia dos fatos. Disse que viu a vítima saindo da casa batendo no réu e brigando com ele. Nesse momento, estava do lado de fora, na calçada. Não viu o que aconteceu anteriormente, dentro da casa. Logo em seguida, os policiais chegaram, conversaram com eles e todos se acalmaram. Não presenciou o réu batendo na vítima. Disse que trabalhou na casa do casal e houve uma vez em que a vítima entrou no banheiro com as crianças e passou a alegar que o réu estava batendo nela. Contudo, ele sequer estava no banheiro, mas no quarto. Sobre a relação do réu com o Sérgio, disse que era normal, nunca os viu se maltratando. ” (Transcrição do áudio retirada da sentença mov. 161.1)A informante Mônica Cristina de Souza Ferreira Leite, irmã da vítima, prestou seu depoimento em juízo relatando (mov. 140.1 - Autos originários): “Que seu filho, Sérgio Augusto, contou-lhe que, no aniversário, a ofendida tinha bebido muito e queria tirar Carlos da casa, em razão da separação deles. Pediu, então, que Sérgio lhe batesse e arranhasse, a fim de que pudesse acusar Carlos. Disse que Sérgio lhe contou isso no dia seguinte, dia 27, porque estava bravo com a tia por algum motivo. Na ligação, Sérgio disse, ainda, “agora conseguimos tirar o Carlos de casa”. A informante disse que contou tudo isso para a sua mãe. Aduziu que seu filho Sérgio é bem problemático, tendo já investido contra ela algumas vezes. ” (Transcrição do áudio retirada da sentença mov. 161.1) (Destaquei e grifei)Quando interrogado em juízo (mov. 124.3 autos originários), o acusado Gislei Carlos Barbosa afirmou (mov. 124.3 - Autos originários):“Que Sérgio, seu sobrinho e filho de criação, um dia após a prisão, ligou para sua mãe, irmã da vítima, e contou que a vítima teria mandado Sérgio e Gabrieli baterem nela antes que a polícia chegasse, para acusar o interrogado. A irmã da vítima contou isso para a mãe delas, a qual lhe mandou um áudio assim que saiu da cadeia. Disse que, no dia dos fatos, não morava mais na casa, mas a vítima o convidou para a festa. Quando se despediram de uma das convidadas no portão e estavam voltando para dentro da casa, a vítima começou a ofendê-lo. No corredor, ela arremessou uma garrafa contra ele, momento em que ele segurou os braços dela para que não o agredisse. Ela gritou o pessoal, começou a sair e entrar na casa com coisas na mão e trancou o portão para que ele não saísse da casa. As amigas dela a seguravam o tempo todo. Num determinado momento, ela entrou na casa com o Sérgio e a Gabi, e o Sérgio bateu nela. Afirmou que não houve ameaça. Alegou que, no dia, a vítima estava transtornada, desequilibrada, arremessou vários objetos nele, deu um murro e trancou a casa para que ele não saísse. Disse que não causou lesão na vítima, pois não apertou seu braço, apenas o segurou. ” (Transcrição do áudio retirada da sentença mov. 161.1)A acusação argumenta, em suas razões, que o réu deve ser condenado pelo crime de ameaça visto que o delito possui natureza formal, sendo consumado na prática do ato, independente do resultado, e que a palavra da vítima possui especial relevância nos crimes que envolvem violência doméstica, estando no presente caso em consonância com as demais provas coligidas nos autos.Sem razão.Isto porque, ainda que este fosse o entendimento, a condenação não poderia se basear exclusivamente no depoimento da vítima, que, embora possua especial relevância nos crimes cometidos no contexto de violência doméstica e familiar, tal declaração precisa estar minimamente confirmada por outras provas, ou seja, embora detenha maior credibilidade, não basta para, isoladamente, dar procedência à pretensão acusatória.No presente caso, a palavra da vítima se faz isolada nos autos, não encontrando respaldo em nenhum outro elemento probatório, visto que nenhuma das pessoas que estavam presentes no dia dos fatos afirmou que o réu ameaçou a vítima.Logo, não há como averiguar a certeza da autoria da ameaça aludida na exordial acusatória. E, ausente prova inequívoca de que o réu incidiu em atitude criminosa em desfavor da vítima, a absolvição é medida que se impõe, em razão da incidência do princípio do in dubio pro reo, com a manutenção da absolvição do acusado quanto ao crime de ameaça no âmbito doméstico, uma vez que, o direito penal exige certeza quando da condenação de uma pessoa, não sendo possível firmar decreto condenatório sobre inferências.Nesse sentido, é o entendimento desta 1ª Câmara Criminal: “APELAÇÃO CRIME. AMEAÇA EM ÂMBITO DOMÉSTICO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA FORMAR CONVICÇÃO DE CONDENAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. REFORMA DA SENTENÇA PARA ABSOLVER O ACUSADO. RECURSO PROVIDO. ” (TJPR, 1ª C. Criminal, AC nº 0003406-08.2017.8.16.0165, Rel. Des. Macedo Pacheco, julgado em 27/3/2021). (Destaquei) “APELAÇÃO CRIME - AMEAÇA E PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – RECURSO DA DEFESA - PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO - ACOLHIMENTO - PALAVRA DA VÍTIMA ISOLADA NOS AUTOS – AUSÊNCIA DE PROVAS CONTUNDENTES ACERCA DA MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS – INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO – ABSOLVIÇÃO COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 386, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - RECURSO PROVIDO. ” (TJPR - 1ª C. Criminal, AC nº 0000404-71.2016.8.16.0098, Rel. Des. Antônio Loyola Vieira, julgado em 04.10.2018). (Destaquei) Desta forma, inexistindo provas suficientes acerca da configuração do crime de ameaça, mantem-se a sentença de absolvição.Quanto ao crime de lesão corporal qualificada, a Defesa argumenta que não há provas suficientes de materialidade e autoria, pugnando pela absolvição do réu pelo princípio in dubio pro reo.Verifica-se que, ao contrário do que alega a Defesa, há provas suficientes da pratica delitiva do acusado. Extrai-se dos depoimentos que a vítima e o acusado iniciaram uma discussão durante a festa de aniversário do filho do ex-casal, tendo o réu causado lesões na vítima ao segurá-la contra a parede e apertar seu braço e pescoço. O atestado médico também comprova as lesões sofridas pela vítima, visto que atestou escoriações no tórax, cotovelo e braço esquerdos, e hematomas no braço direito, demonstrando agressão à vítima, caracterizando o delito previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, em consonância com a Lei nº 11.340/2006, que disciplina a violência doméstica contra mulher.Nesse sentido:APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CRIME DE LESÃO CORPORAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. ALEGADA INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA E INDÍCIOS DE AUTORIA. IMPROCEDÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA PELAS DEMAIS PROVAS. REGIME INICIAL CORRETAMENTE FIXADO NO SEMIABERTO, EM RAZÃO DA REINCIDÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, NÃO PROVIDO. (TJPR. 1ª C. Criminal. AC n. 0002171-59.2018.8.16.0136. Comarca: Pitanga. Relator: Juiz Ruy Alves Henriques Filho. Julgamento: 18/12/2020). (Destaquei).VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. APELAÇÃO. CRIME DE LESÃO CORPORAL (ART. 129, § 9.º, CP). RÉU CONDENADO À PENA DE TRÊS (3) MESES DE DETENÇÃO, EM REGIME ABERTO. RECURSO DA DEFESA. 1) AUSÊNCIA DE PROVAS. DESACOLHIMENTO. AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADA. PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM AS DEMAIS PROVAS PRODUZIDAS NOS AUTOS. 2) ALEGADA LEGÍTIMA DEFESA. IMPROCEDÊNCIA. REQUISITOS DA EXCLUDENTE NÃO DEMONSTRADOS DE FORMA ESTREME DE DÚVIDAS. USO MODERADO DOS MEIOS NECESSÁRIOS NÃO COMPROVADO DE FORMA CABAL. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR. 1ª C. Criminal. AC n. 1729469-6. Comarca: Paranavaí. Relator: Des. Miguel Kfouri Neto. Julgamento: 23.11.2017). (Destaquei).Portanto, a tese trazida pela Defesa de ausência de provas não pode subsistir. De tal forma, existem elementos de prova seguros nos autos que apontam com certeza a materialidade e autoria do crime de lesão corporal no âmbito doméstico, narrado na denúncia, não havendo como interpretar qualquer incerteza em favor do réu, com a incidência do princípio in dubio pro reo.Nesse sentido:APELAÇÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE LESÕES CORPORAIS (ART. 129, § 9º, CP). CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR. AVENTADA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. NÃO ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE TRANSCURSO DO LAPSO TEMPORAL ENTRE O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E A SENTENÇA, E ENTRE A SENTENÇA E ATUAL DATA. MÉRITO. PLEITO DE REDUÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. NÃO CONHECIMENTO. MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO. ALEGADA INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA PARA A CONDENAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. MATERIALIDADE, AUTORIA E ANIMUS LAEDENDI DEVIDAMENTE COMPROVADOS. PALAVRA DA VÍTIMA QUE POSSUI ESPECIAL RELEVÂNCIA CORROBORADA PELAS DEMAIS PROVAS, ESPECIALMENTE LAUDO MÉDICO. PEDIDO DE APLICAÇÃO DO IN DUBIO PRO REO. INVIABILIDADE. COMPROVAÇÃO SEGURA. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA POR EMBRIAGUEZ. IMPROCEDÊNCIA. USO VOLUNTÁRIO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES QUE NÃO AFASTA A IMPUTABILIDADE DO AGENTE (ART. 28, II DO CP). PLEITO DE APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA PREVISTA NO ART. 26, § ÚNICO DO CP. NÃO OCORRÊNCIA. SEMI-IMPUTABILIDADE NÃO COMPROVADA. PEDIDO GENÉRICO DE FIXAÇÃO DA PENA NO MÍNIMO LEGAL. NÃO ACOLHIMENTO. DOSIMETRIA DA PENA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. PLEITO DE MODIFICAÇÃO DO REGIME INICIAL SEMIABERTO. INVIABILIDADE. RÉU REINCIDENTE. EXEGESE DO ART. 33, §2º, “C”, DO CÓDIGO PENAL E SÚMULA 269 DO STJ. CONDENAÇÃO ESCORREITA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO, E NESTA DIMENSÃO, NÃO PROVIDO. (TJPR. 1ª C. Criminal. AC n. 0002454-48.2012.8.16.0086. Comarca: Guaíra. Relator: Juiz Ruy Alves Henriques Filho. Julgamento: 21/11/2020). (Destaquei).Sendo assim, a condenação do réu pelo crime de lesão corporal no âmbito doméstico deve ser mantida.Diante do exposto, é de se conhecer e negar provimento aos recursos de apelação de Ministério Público do Estado do Paraná e de Gislei Carlos Barbosa, mantendo a sentença na íntegra.
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