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Acórdão
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Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido cautelar, ajuizada pelo então Deputado Estadual Homero Figueiredo Lima e Marchese em face da Lei Complementar Estadual nº 237, de 9 de julho de 2021, do Paraná, que “Institui as Microrregiões dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário do Oeste, do Centro-leste e do Centro-litoral e suas respectivas estruturas de governança.” Em contextualização inicial, explicou o autor que um dos mecanismos adotados pelo Novo Marco Regulatório do Saneamento (Lei Federal nº 14.026/2020, que alterou a Lei Federal nº 11.445/2007) para promover a universalização da prestação dos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto no Brasil é o incentivo à privatização do sistema de prestação dos serviços de saneamento, por meio de disputa concorrencial. Todavia, em sua ótica, a lei atacada teve o real propósito de perpetuar o monopólio da Companhia de Saneamento do Paraná - SANEPAR sem necessidade de submissão a processo licitatório, já que nesse modelo de prestação conjunta, a titularidade do serviço passaria a ser também do ente estadual, justificando-se a prestação direta. Ao que aduziu, tal cenário restaria evidenciado inclusive pelo fato de a própria SANEPAR ter financiado e contratado o “estudo” que fundamentou o projeto que resultou na publicação da Lei Complementar 237/2021, sem o escrutínio de nenhuma entidade técnica e independente, apresentando um encaminhamento claramente enviesado. Sustentou que a norma impugnada, de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Estadual, padece de vício material de inconstitucionalidade, pois invade a esfera de gestão administrativa reservada ao Poder Executivo Municipal e viola o pacto federativo e o princípio da separação dos poderes, malferindo os arts. 18 e 30, incs. I e V, da Constituição Federal e os arts. 7º, 15, 16, 17, incs. I e V, e 87, incs. III e VI, todos da Constituição do Estado. Nessa esteira, asseverou que: (i) os municípios detêm competência privativa para legislar sobre assuntos de interesse local, sendo suplementar à legislação federal e estadual no que couber (art. 30, I e II, da CF e art. 17 da CE); (ii) nessa conjuntura, foi editada a Lei Federal nº 11.445/2007, segundo a qual os entes municipais são os verdadeiros titulares dos serviços públicos de saneamento básico, restando aos Estados apenas um exercício precário, exercido em conjunto com os municípios que compartilham efetivamente instalações operacionais, situação excepcional que não costuma ocorrer em sistemas de saneamento básico; (iii) assim, podem os municípios legislar sobre o tema e contratar de acordo com a sua discricionariedade, sendo certo que a formação de consórcio intermunicipal para a gestão associada, bem como o ingresso em unidade regional de saneamento, são meras faculdades dos entes municipais; (iv) ao determinar a inclusão dos municípios nas microrregiões, subordinando-os à gestão associada do serviço e à estrutura de governança criada, sem conceder-lhes a faculdade de rejeitá-las, a lei contestada retira das municipalidades o exercício da titularidade dos serviços e mina a sua competência constitucional para legislar sobre a matéria. Passou então o autor a explanar sobre a inconstitucionalidade de dispositivos específicos da Lei impugnada, iniciando pelos arts. 1º, incisos I, II e III, 5º e incisos I, II e § 1º, e art. 6º, caput. Dispôs que o art. 1º dividiu o Estado do Paraná em apenas três microrregiões (Oeste, Centro-leste e Centro-litoral), sendo que a Oeste contempla mais da metade dos municípios paranaenses, em franca oposição à formatação incentivada pelo Novo Marco Regulatório do Saneamento, cuja extensão seria apenas aquela suficiente para viabilizar economicamente a prestação dos serviços, promovendo a universalização sem violar a titularidade dos municípios. Afirmou ainda que a citada Lei Federal nº 11.445/2007 prevê que as unidades regionais deverão obedecer à estrutura de governança estabelecida no Estatuto da Metrópole (Lei nº 13.089/15), isto é, que permita, além da participação popular, a efetiva gestão compartilhada e respeite a autonomia de cada um dos entes titulares. Contudo, o sistema de governança previsto na norma atacada concentra o poder intencionalmente no Estado do Paraná em detrimento dos municípios envolvidos, pretensão que seria evidenciada especialmente nos dispositivos que estabelecem a divisão do direito de voto (art. 5º, inciso I e §1º) e fixam o quórum para a tomada de decisões (art. 6º). Quanto ao art. 1º, §3º, da Lei Complementar nº 237/2021 (§ 3º Integrarão a Microrregião os Municípios originados da incorporação, fusão ou desmembramento dos Municípios que já a integram.), apontou que tal norma infringiria diretamente o pacto federativo, na medida em que extirpa a autonomia dos entes municipais para exercer a faculdade de aderir ou não às microrregiões criadas. No tocante ao art. 9º, inciso VII e seu §5º, incisos I, II e III, que preveem ser atribuição do Colegiado Microrregional autorizar o Município a prestar isoladamente os serviços públicos de abastecimento de água ou de esgotamento sanitário e elencam hipóteses em que tal autorização não será concedida, argumentou que, além de desrespeitar o pacto federativo, invadiu a esfera da gestão administrativa. Isso porque cabe à Administração Municipal, e não ao legislador, deliberar a respeito do tema, que envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo.
Indicou ainda inconstitucionalidade no art. 23, caput, e seu parágrafo único, da Lei Complementar nº 237/2021, vez que, ao definir antecipadamente a entidade que exercerá as atividades de regulação e fiscalização dos serviços, mesmo que provisoriamente, o dispositivo vai de encontro ao contido na Lei Federal nº 11.445/2021, que confere ao titular dos serviços públicos de saneamento básico essa definição, e malfere a autonomia dos municípios. Amparado nesses fundamentos, pediu a concessão de liminar inaudita altera pars para suspender a eficácia da integralidade da Lei Complementar Estadual nº 237/2021, ou, ao menos, dos dispositivos por ele indicados. No mérito, requereu o reconhecimento da inconstitucionalidade da íntegra da lei impugnada, ou, caso assim não se entenda, dos artigos elencados (Art. 1º, incisos I, II e III, e §3º, Art. 5º e incisos I, II e § 1º, e Art. 6º, caput, art. 9º, inciso VII e seu §5º, incisos I, II e III e art. 23, caput, e de seu parágrafo único). Juntou documentos (mov. 1.4-1.18). Após virem os autos conclusos, o Município de Paranavaí peticionou requerendo sua habilitação na condição de amicus curiae (mov. 11.1). Determinou-se a emenda à inicial, para que o autor juntasse ao feito cópias do anexo da lei questionada e do processo legislativo que a originou, o que foi devidamente cumprimento no mov. 16. Em seguida, acolheu-se a emenda à inicial, admitiu-se o Município de Paranavaí como amicus curiae. Na oportunidade, adotou-se o rito do artigo 12 da Lei Federal nº 9.868/1999, em razão da natureza da matéria debatida nesta ação e de seu especial relevo para a ordem social e para a segurança jurídica, mostrando-se conveniente o deslinde definitivo da controvérsia constitucional (mov. 21.1). O Município de Paranavaí apresentou manifestação pela inconstitucionalidade da norma impugnada, por desrespeitar o pacto federativo, já que o saneamento básico é matéria de interesse local. Pontuou que o STF já declarou a inconstitucionalidade de lei do Estado do Paraná que invadiu a competência do município para legislar sobre o tema em questão (ADI 4454). Asseverou ainda que a norma ora invectivada obriga os entes municipais a se consorciarem, sem qualquer poder de escolha, reservando ao Estado do Paraná 40% do direito a voto, em desrespeito, ainda, ao artigo 5º, inciso XX, da CF, ao artigo 6º, inciso I, da Lei Federal nº 11.107/2005, e ao artigo 8º, §1º, da Lei Federal nº 11.445/2007. Acrescentou que, nos termos da Lei Federal nº 11.445/2007, só é possível a constituição de consórcio de saneamento básico exclusivamente composto de municípios, titulares dos serviços de saneamento. Requereu o acolhimento integral dos pedidos iniciais e, subsidiariamente, a interpretação conforme, ao efeito do reconhecimento da facultatividade da participação dos municípios na autarquia instituída pelo poder público estadual (mov. 31.1). Juntou documentos (movs. 31.2-31.3). Em suas informações (mov. 35.1), o Estado do Paraná propugnou que: (i) a Constituição Federal estipula ser da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico” (art. 23, IX); (ii) a prestação regionalizada dos serviços de saneamento básico (Lei Federal nº 11.445/2007, art. 2º, XIV) é um meio para se atingir a meta de universalização do acesso e efetiva prestação do serviço (Lei Federal nº 11.445/2007, arts. 2º, inc. I, 11-B, 50, inc. VII, de acordo com a Lei Federal nº 14.026/2020, o novo marco legal do saneamento básico); (iii) a universalização torna-se factível ante a economia de escala viabilizada pela regionalização, que possibilita a utilização da técnica do subsídio cruzado para tornar viável a melhoria dos serviços de água e esgoto principalmente nos municípios de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), onde estão os maiores déficits sanitários do Estado; (iv) a criação de microrregiões atende aos pressupostos do artigo 25, §3º, da CF, à orientação firmada pelo STF na ADI 1842 e ao artigo 3º, §2º, da Lei Federal nº 13.089/2015 (Estatuto da Metrópole). Pugnou, ao final, pela improcedência dos pedidos formulados na exordial. Acostou documentos (movs. 35.2-35.29). Por sua vez, a Assembleia Legislativa do Estado do Paraná discorreu sobre o processo legislativo que originou a LCE nº 237/2021, sustentando a sua higidez. Apontou a necessidade de suspensão do feito, em virtude da tramitação da ADI 6339 no STF, proposta em face de lei do Estado da Bahia que instituiu microrregiões de saneamento básico, a fim de evitar decisões conflitantes sobre o tema. No mérito, alegou a constitucionalidade da norma aguerrida, defendendo que não invadiu a competência privativa para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I e II, da CF e art. 17 da CE), mas se baseou nos artigos 21 e seguintes da CE, e no artigo 23, inciso IX e parágrafo único, da CF. Ponderou também que a lei vergastada vem em convergência com o interesse público, uma vez que a Administração tem o poder-dever de se adequar às obrigações impostas pela Lei Federal nº 14.026, de 15 de julho de 2020 - "Novo Marco Regulatório do Saneamento" que, em seu artigo 15, estabelece a data limite de 15 de julho de 2021, para que os Estados promovam a regionalização do saneamento básico, sob pena de, em caso de omissão, o Estado arcar com regionalização instituída unilateralmente por ato do Poder Executivo Federal, de forma que os resultados alcançados sejam coincidentes com os fins almejados pelo interesse público. Pediu o indeferimento da medida liminar e, no mérito, a improcedência dos pedidos. Juntou documentos (movs. 36.2-36.20). A Associação Paranaense de Defesa dos Direitos do Consumidor (APDC) pediu sua admissão como amicus curiae (mov. 42).
A Procuradoria-Geral do Estado manifestou-se na qualidade de curadora da presunção de constitucionalidade das leis, reiterando os fundamentos apresentados nas informações prestadas pelo Estado do Paraná. Pugnou pela improcedência dos pedidos formulados na inicial (mov. 44.1). Com vista dos autos, Procuradoria-Geral de Justiça posicionou-se pelo indeferimento do pleito de suspensão do processo, formulado pela Assembleia Legislativa do Paraná; pela admissão da APDC na condição de amicus curiae; e pela notificação da Associação de Municípios do Paraná, de cada uma das associações regionais de municípios elencadas no artigo 3º da Lei Estadual nº 19.216/2017 e dos Municípios de Maringá, Foz do Iguaçu e Cascavel, oportunizando-lhes manifestação (mov. 48). Na decisão de mov. 51.1, o pedido de suspensão do processo foi indeferido, ante a ausência do simultaneus processus; admitiu-se o ingresso da Associação Paranaense de Defesa dos Direitos do Consumidor – APDC como amicus curiae e acolheram-se as diligências sugeridas pelo Ministério Público, à exceção da ouvida das associações regionais de municípios. O Município de Maringá requereu sua habilitação como amicus curiae, passando a se manifestar sobre o tema objeto da ação. Argumentou, em síntese, que: (i) a maneira pela qual o Estado do Paraná organizou as microrregiões parece bastante equivocada, sobretudo porque faz com que a titularidade do serviço público, que via de regra pertence aos Municípios, seja impositivamente compartilhada com o Estado; (ii) o compartilhamento da titularidade do serviço não é, por si, medida desarrazoada, fazendo sentido nos casos de regiões faticamente metropolitanas, nos aglomerados urbanos e nas microrregiões em que se constate o uso de instalações operacionais em conjunto; (iii) a situação fática deve necessariamente anteceder a construção jurídica do arranjo regional, isto é, deve-se verificar se estão presentes as figuras disciplinadas pelo Estatuto da Metrópole (Lei Federal nº 14.089/2015) para então se trabalhar com a lógica de compartilhamento da titularidade do serviço público com o ente estatal; (iv) não se pode concordar que seja a medida mais adequada segmentar um dos maiores estados da federação em três microrregiões, sem sequer observar outras formas de divisão, como as regiões metropolitanas, as áreas de associativismo municipalista, territórios consorciados ou, ainda, respeitando-se as bacias hidrográficas; (v) o debate a respeito da criação das microrregiões ocorreu durante os piores momentos da pandemia, em que audiências e debates públicos tiveram que ser migrados para plataformas digitais, o que pode ter prejudicado a mobilização das populações locais que seriam atingidas pela nova legislação e o arranjo que se pretendia formar; (vi) a propósito, a Região Metropolitana de Maringá está no meio da elaboração de seu Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado - PDUI, sendo que o meio ambiente e o saneamento são Funções Públicas de Interesse Comum que foram estudadas e cujo diagnóstico já foi preliminarmente elaborado e será oportunamente discutido com a comunidade, em audiência pública; (vii) o próprio diagnóstico da FPIC de saneamento básico aponta como fraqueza a ausência de integração física dos diversos Sistemas de Esgotamento Sanitário (municipais e SANEPAR), dos Sistemas de Tratamento de Resíduos Sólidos e de Abastecimento de Água; isto é, mesmo no recorte metropolitano, que é muito menor que a microrregião de saneamento instituída pela Lei Complementar nº 237/2021, o nível de integração dos sistemas de saneamento é baixo; (viii) embora não se verifique a impossibilidade da existência de uma microrregião dentro de uma região metropolitana, a lógica do Estatuto da Metrópole parece rechaçar esse arranjo; não há razão para a superposição de arranjos federativos, se a questão do saneamento nas regiões metropolitanas pode ser solucionada a partir da governança metropolitana que se pretende instalar, estrutura esta que já foi objeto de estudo e cujo processo está em andamento; (ix) a instalação da microrregião pode prejudicar os debates realizados localmente para melhorar o serviço e implantar a modicidade de tarifas (mov. 74.1). Juntou documentos (movs. 74.2- 74.4). A Associação Paranaense de Defesa dos Direitos do Consumidor – APDC apresentou memoriais, nos quais afirmou, em síntese, que: (i) a criação das microrregiões deu-se sem a participação efetiva dos municípios titulares dos serviços públicos, em violação ao princípio da publicidade e ao art. 21 da CE; ainda, o estudo técnico no qual se amparou a lei atacada foi pago pela SANEPAR, maior interessada na criação das microrregiões; embora o Estado do Paraná tenha realizado audiências públicas, ocorreram à revelia dos municípios envolvidos, visto que não houve convite formal para que pudessem participar ativamente da discussão; (ii) a norma estabelece a adesão obrigatória dos municípios às microrregiões criadas, o que conflita com a facultatividade prevista no artigo 8-A da Lei Federal nº 11.445/2007 e malfere o pacto federativo, já que os municípios têm competência para legislar sobre saneamento; (iii) inobstante os artigos 3º e 8º da Lei nº 11.705/2007 exijam como requisito para o exercício conjunto da titularidade do serviço de saneamento o compartilhamento efetivo de instalações operacionais integrantes de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, verifica-se a ausência de integração física entre os municípios integrantes das microrregiões criadas. Ao final, requereu o acolhimento integral dos pedidos formulados na exordial e, subsidiariamente, a interpretação conforme, assentando-se a facultatividade da participação dos entes municipais na autarquia instituída pelo poder público estadual (mov. 83.1). A seu turno, a Associação dos Municípios do Paraná requereu a admissão como amicus curiae e apresentou manifestação de mérito, aduzindo, em breves linhas, que: (i) é preciso destacar as inúmeras diferenças de realidades e necessidades entre os municípios do Paraná, pois do total de 399, 80% são de pequeno porte (menos de 20.000 habitantes), o que deve ser considerado no desenho da efetivação da prestação de serviços de saneamento em cumprimento ao marco regulatório do saneamento; (ii) o Conselho Deliberativo da AMP deliberou em assembleia a posição da entidade no sentido de não haver violação à autonomia municipal na Lei Complementar 237/2021; (iii) mesmo a melhor compreensão da realidade local, delimitada geograficamente pelo território do município, não significa: (a) capacidade institucional, técnica e econômico-financeira para sua implementação, e (b) compreensão e consideração do quanto as dinâmicas regionais influenciarão a implementação das políticas públicas locais; (iv) a promoção da melhoria das condições de saneamento básico insere-se entre as competências comuns da União, Estados e Municípios (art. 23, inc. IX, CF), além de que o art. 25, § 3º, da CF prevê a criação de regiões metropolitanas para as funções públicas de interesse comum, sendo necessário convir que a integração de serviços públicos de saneamento entre os entes federados permite a geração de escala suficiente para reduzir os custos de sua prestação; (v) a criação das microrregiões foi precedida de estudos técnicos e audiências públicas envolvendo os municípios da regional afeta; (vi) com a criação de uma instância colegiada, tanto o planejamento, quanto as decisões deverão ser tomadas de forma conjunta, inclusive com a participação da sociedade civil, viabilizando o exercício da autonomia municipal nas políticas públicas de saneamento; (vii) com a governança através das microrregiões, será necessário o diálogo e a construção conjunta e consensual para efetivação da política pública, além de que o modelo do colegiado microrregional pode ser aperfeiçoado; (viii) as microrregiões trazem demandas e volumes que os municípios de pequeno porte seriam incapazes de atrair sozinhos; (ix) há incompreensão do autor a respeito da criação das microrregiões, na medida em que a participação dos municípios nas deliberações sobre os serviços de saneamento básico, relativas à determinada microrregião, é compulsória; (x) a posição da AMP se coaduna com a do Estado do Paraná, no sentido de que a regionalização encontra amparo constitucional, de modo a viabilizar maior universalização da prestação dos serviços, pois, utilizando-se da técnica do subsídio cruzado, obtém-se economia de escala e menores custos para a implementação de obras e serviços (mov. 87.1). O Município de Cascavel, na condição de amicus curiae, defendeu que a criação de microrregiões não ofende a autonomia municipal, vez que o saneamento não afeta somente a delimitação territorial de um município, mas toda uma região, e dessa forma deve ser planejado para fins de atingir o bem comum. Acrescentou que as decisões serão conferidas ao Colegiado Microrregional, no qual os Municípios possuem maioria (60% dos votos), não havendo concentração de poder por parte do Estado (mov. 89.1). Embora devidamente notificado (mov. 81), o Município de Foz do Iguaçu deixou de se manifestar nos autos (mov. 92). Admitiu-se o ingresso da AMP, do Município de Maringá e do Município de Cascavel na condição de amicus curiae (mov. 94). O autor peticionou noticiando a abertura de consultas públicas sobre termos de atualização contratual, a serem firmados entre as autarquias microrregionais e a Sanepar, referentes aos contratos de prestação de serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, originariamente celebrados pelos Municípios que compõem a Microrregião e a Companhia. Calcado na ocorrência de fato novo, requereu a concessão de cautelar incidental (mov. 108.1). Considerando a adoção do rito abreviado, deixou-se de analisar o pedido de tutela cautelar incidental, consignando que os argumentos trazidos no requerimento serão oportunamente apreciados e levados ao exame do Colegiado por ocasião do julgamento (mov. 120). Habilitada como amicus curiae (mov. 167.1), a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (AESBE) sustentou, preliminarmente, a ilegitimidade do demandante e a inadequação desta ação direta, seja em razão da inviabilidade do Judiciário sindicar aspectos de mérito, relativos à política pública, ou de analisar a consistência técnica de estudos técnicos, seja porque apresenta como fundamento a contrariedade de lei complementar estadual com lei federal. No mérito, aduziu, em resumo, que o autor interpreta o ato normativo de forma isolada, desconsiderando o repositório legislativo ao qual se integra, qual seja, a Lei Federal nº 11.445/2007, entre outras normas, inclusive constitucionais, que também disciplinam o tema; que a diretriz da lei federal é que todos os municípios que compartilham infraestrutura de saneamento básico devem estar na mesma microrregião, o que difere de dizer que todos os municípios da microrregião devem compartilhar entre si infraestruturas de saneamento; que não há concentração de poderes no Estado ou em outro ente da Federação integrante da microrregião. Requereu a extinção do processo sem julgamento do mérito e, no mérito, a improcedência do pedido autoral. Juntou documentação (movs. 170.2-170.16). Em cumprimento à diligência requerida pela Procuradoria-Geral de Justiça e deferida (movs. 162.1 e 167.1), o Governador do Estado do Paraná reiterou os pronunciamentos de movs. 35.1 e 44.1, e apresentou esclarecimentos adicionais, especificamente quanto ao: (i) interesse comum e o artigo 3º, inciso XIV, da Lei Federal nº 11.445/2007, (ii) disposto no artigo 3º, §2º, da Lei Federal nº 13.089/2015; e quanto à (iii) manifestação do Município de Maringá e da APDC, concluindo pela constitucionalidade da Lei Complementar Estadual nº 237/2021 (mov. 173.1). Oportunizou-se nova manifestação do autor para se pronunciar sobre as preliminares suscitadas pela AESBE e os documentos por ela juntados, porém o demandante deixou transcorrer o prazo in albis (movs. 177 e 178). Em acolhimento às novas diligências requeridas pela d. Procuradoria-Geral de Justiça, determinou-se a notificação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON) para que, querendo, se habilitassem neste feito na condição de amicus curiae e apresentassem manifestação sobre o mérito desta ação (mov. 184.1). Na sequência, a ABCON habilitou-se como amicus curiae e apresentou manifestação no mov. 189.5. Posicionou-se pela inconstitucionalidade do art. 9º, VIII, da LCE nº 237/21, por infringir diretamente a ordem legal atinente à livre concorrência, competição pelo mercado e promoção de licitação; e do art. 1º da mesma Lei, uma vez que cada autarquia microrregional teria que ser criada por lei específica, em consonância com o art. 37, XIX, da CF e art. 27, XVIII, da CE. Vislumbrou ainda ilegalidade do art. 23 da LCE Nº 273/21, pois não cabe ao Estado do Paraná, de modo isolado e por meio de Lei Complementar Estadual, definir a AGEPAR – Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Paraná como entidade reguladora e fiscalizadora dos serviços de saneamento das Microrregiões; tal definição, ao que defende, deve ocorrer no âmbito da governança, em conjunto com os Municípios, sob pena de supressão de competência do titular dos serviços. Consignou ainda que há a vedação à celebração de contratos de programa e outros instrumentos precários sem a promoção de licitação, nos termos do art. 10 da Lei Federal nº 11.445/2007, sob pena de violação aos art. 175 da Constituição Federal e 146 da Constituição Estadual (mov. 189.5). A ANA, apesar de devidamente notificada, não veio aos autos (movs. 188 e 195). Em derradeiro pronunciamento (mov. 198.1), a Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela rejeição das preliminares de ilegitimidade ativa e inadequação dos parâmetros de controle, arguidas pela AESBE e, no mérito, pela parcial procedência dos pedidos, a fim de que seja reconhecida a inconstitucionalidade formal e material do inciso I do §5º do artigo 9º da LCE nº 237/2021 (que veda, ao Município que pretenda isoladamente prestar os serviços de abastecimento de água ou de esgotamento sanitário ou atividades deles integrantes, receber qualquer contrapartida pela transferência do serviço), ao fundamento de que tal previsão viola os artigos 5º, LIV, e 22, inciso XXVII, da Constituição Federal, e aos artigos 1º, 15 e 27, caput, da Constituição do Estado do Paraná. Na data de 24/03/2023, a AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS E SANEAMENTO BÁSICO – ANA requereu sua habilitação nos autos na qualidade de amicus curiae (mov. 221.1). O pleito foi indeferido, à luz do entendimento do STF de que somente se permite a admissão de amicus curiae nas ações de controle abstrato de constitucionalidade até a liberação do feito para inclusão na pauta de julgamento (v.g. ADI 2135 AgR; ADPF 449 AgR), considerando-se, ademais, que foram colhidas as manifestações de oito interessados na condição amicus curiae ao longo da instrução do feito, de modo que o debate foi travado sob diferentes perspectivas (mov. 223.1) É o relatório
II.a. Da preliminar de ilegitimidade ativa Em sua manifestação na condição de amicus curiae (mov. 170.1, item VI, “i”), a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento – AESBE sustenta que o dispositivo da Constituição Estadual que confere legitimidade ao Deputado Estadual para, isoladamente, ajuizar ação direta de inconstitucionalidade (art. 111, inciso VII[1]), não encontra simetria no artigo 103 da Constituição Federal. Por essa razão, sustenta que deve ser declarada incidentalmente a inconstitucionalidade do citado dispositivo da Constituição Paranaense e, por conseguinte, reconhecida a ilegitimidade ativa do autor. Inicialmente, consigno que, embora o “amicus curiae” não possa ampliar o objeto da demanda instaurada, ampliando o pedido (STF, ADPF 187), as questões prefaciais suscitadas pela AESBE dizem respeito às condições da ação, sendo cognoscíveis até mesmo de ofício pelo juízo, razão pela qual comportam enfrentamento. Inobstante, a argumentação não merece guarida. Consoante a jurisprudência assente do Supremo Tribunal Federal, o rol de legitimados para ajuizar ADI previsto na Constituição Federal não é de observância obrigatória pelas constituições estaduais, que possuem autonomia para definir aqueles que podem propor ação direta perante o Tribunal de Justiça local, sendo vedada apenas a atribuição de agir a um único órgão, na forma do artigo 125, § 2º, da Constituição Federal (ADI nº 558, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 22/9/2021; RE 1070026 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. em 03/09/2019; ARE 1405836, Rel. Min. Cármen Lúcia, decisão monocrática, j. em 16/11/2022). Nessa esteira, não há falar em incompatibilidade vertical do art. 111, inciso VII, da CE, devendo-se reconhecer a legitimidade ativa dos Deputados Estaduais para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante este Tribunal de Justiça. Vale sublinhar que atualmente o autor não mais exerce o mandato de Deputado Estadual, visto que não foi reeleito no último certame eleitoral[2]. Ocorre que, diante do diante do caráter objetivo da ação direta e da indisponibilidade que a marca, o Pretório Excelso firmou o entendimento de que a aferição da legitimidade do autor deve ser realizada no momento da propositura da demanda (v.g: ADI 2266, Rel. Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, j. 27/09/2019; ADI 2618 AgR-AgR, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 12/08/2004). No mesmo sentido, já decidiu este Órgão Especial (AI 1584324-6, Rel. Des. José Augusto Gomes Aniceto, j. 03.09.2018). Considerando que na data em que foi protocolada a petição inicial o autor ostentava a condição de parlamentar, perfectibilizada está a sua legitimidade. Destarte, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa. II.b. Da preliminar de inadequação dos parâmetros de controle. A AESBE alega ainda a inadequação desta ação direta, seja em razão da inviabilidade de o Poder Judiciário sindicar aspectos de mérito, relativos à política pública, ou analisar a consistência técnica de estudos técnicos, seja porque apresenta como fundamento a contrariedade de lei complementar estadual em relação à lei federal (mov. 170.1, item VI, “ii”). Razão não lhe assiste. O exame da petição inicial demonstra que a causa de pedir principal consiste na inconstitucionalidade material decorrente da invasão da esfera de gestão administrativa reservada ao Poder Executivo Municipal e da ofensa ao pacto federativo e ao princípio da separação dos poderes, tendo havido a indicação dos dispositivos da Constituição Estadual tidos por violados (art. 7º, e art. 87, III e VI, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 15 da Carta Paranaense). Perfeitamente identicável, portanto, o parâmetro constitucional de controle, o que viabiliza o conhecimento da ação. Demais disso, conforme observado pela d. Procuradoria-Geral de Justiça (mov. 181.1), as alegadas dissonâncias do censurado ato normativo estadual com normas federais (Lei Federal nº 11.445/2007, Lei Federal nº 14.026/20202 e Constituição Federal), foram apontadas com vistas à apresentação de pretensa inobservância da competência da União, para instituir diretrizes para o saneamento básico (CF, art. 21, XX), e da autonomia e competência dos Municípios, para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual, no que couber (CF, art. 30, incs. I e II; CE, arts. 16 e 17, incs. I e II), além da verificação da titularidade (local ou compartilhada, ex vi da CF, art. 23, inc. IX; da CE, art. 12, inc. IX; e da Lei Federal nº 11.445/2007, art. 8º, incs. I e II, com redação de acordo com a Lei Federal nº 14.026/2020) dos serviços públicos de saneamento básico. Vê-se que a argumentação perpassa pelas regras de distribuição de competências legislativas e pelos limites do chamado condomínio legislativo, normas de observância obrigatória pelas ordens jurídicas estaduais, sendo natural que se realize o cotejo com as normas infraconstitucionais correlatas para fins de exame da observância das diretrizes estabelecidas pela legislação nacional. Nesse caso, não se caracteriza a mera antinomia entre normas legais, mas transgressão direta e imediata à Constituição do Estado do Paraná. A propósito, decidiu o STF, em temática semelhante à presente, que “[a] eventual análise de normas infraconstitucionais para a aferição do respeito à competência não caracteriza ofensa reflexa à Constituição.” (ADI 4132, Pleno, Relª Rosa Weber, j. 23/11/2021). Assim, tendo em vista que o autor se desincumbiu do ônus de indicar os dispositivos legais impugnados e os fundamentos jurídicos em relação a cada uma das impugnações (art. 3º da Lei nº 9.868/99), apontando os parâmetros de controle da Constituição Estadual ou da Constituição Federal de reprodução obrigatória que entende violados, a ação comporta conhecimento. Eventuais argumentos que escapem aos limites objetivos próprios à espécie não serão levados em consideração no exame das aventadas inconstitucionalidades. À luz do exposto, rejeito a preliminar de inadequação da via eleita. II.c. Do mérito. A presente ação direta de inconstitucionalidade se volta contra a Lei Complementar Estadual nº 237, de 09 de julho de 2021, do Paraná, que “[i]nstitui as Microrregiões dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário do Oeste, do Centro-leste e do Centro-litoral e suas respectivas estruturas de governança”. Como narrado, o autor formula o pedido principal de declaração de inconstitucionalidade da íntegra da Lei, ao argumento central de que a criação de microrregiões com participação compulsória dos municípios afronta o pacto federativo e o princípio da separação dos poderes, pois suprime a autonomia daqueles para deliberar, no âmbito do Poder Executivo, acerca dos assuntos e serviços de dos serviços de saneamento básico, de interesse local (CE, arts. 7º, 15, 87, incs. III e VI). Subsidiariamente, o demandante pede a invalidação do Art. 1º, incisos I, II e III, e §3º, Art. 5º e incisos I, II e § 1º, e Art. 6º, caput, art. 9º, inciso VII e seu §5º, incisos I, II e III e art. 23, caput, e de seu parágrafo único, que estarão reproduzidos em negrito a seguir, para melhor visualização: "LEI COMPLEMENTAR 237- 09 DE JULHO DE 2021Institui as Microrregiões dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário do Oeste, do Centro-leste e do Centro-litoral e suas respectivas estruturas de governança.Assembleia Legislativa do Estado do Paraná decretou e eu sanciono a seguinte Lei Complementar:CAPÍTULO IDO OBJETO E DO ÂMBITO DE APLICAÇÃOArt. 1º Institui as Microrregiões dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, no Estado do Paraná, classificando-as em:I - do Oeste, integrada pelo Estado do Paraná e os Municípios mencionados no Anexo I desta Lei Complementar;II - do Centro-leste, integrada pelo Estado do Paraná e os Municípios mencionados no Anexo II desta Lei Complementar; eIII - do Centro-litoral, integrada pelo Estado do Paraná e os Municípios mencionados no Anexo III desta Lei Complementar.§ 1º Cada Microrregião possui natureza jurídica de autarquia intergovernamental de regime especial, com caráter deliberativo e normativo, e personalidade jurídica de Direito Público.§ 2º A autarquia microrregional não possui estrutura administrativa ou orçamentária própria e exercerá sua atividade administrativa por meio derivado, mediante o auxílio da estrutura administrativa e orçamentária dos entes da Federação que a integram ou com ela conveniados.§ 3º Integrarão a Microrregião os Municípios originados da incorporação, fusão ou desmembramento dos Municípios que já a integram.CAPÍTULO IIDAS MICRORREGIÕES DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E DE ESGOTAMENTO SANITÁRIOSeção IDas Funções Públicas de Interesse ComumArt. 2º São funções públicas de interesse comum das Microrregiões instituídas por esta Lei Complementar o planejamento, a regulação, a fiscalização e a prestação, direta ou contratada, dos serviços públicos de abastecimento de água, de esgotamento sanitário e de manejo de águas pluviais urbanas.§ 1º No exercício das funções públicas de interesse comum mencionadas no caput deste artigo, cada Microrregião deve assegurar:I - a manutenção e a instituição de mecanismos que garantam o atendimento da população dos Municípios com menores indicadores de renda, especialmente pelo serviço público de esgotamento sanitário;II - o cumprimento das metas de universalização previstas na legislação federal; eIII - política de subsídios mediante a manutenção de tarifa uniforme para todos os Municípios que atualmente a praticam.§ 2º A prestação de serviços públicos de abastecimento de água, de esgotamento sanitário e de manejo de águas pluviais urbanas poderá obedecer a plano regional elaborado para o conjunto de municípios atendidos.Seção IIDas FinalidadesArt. 3º Cada Microrregião tem por finalidade exercer as competências relativas à integração da organização, do planejamento e da execução de funções públicas previstas no artigo 2º desta Lei Complementar, em relação aos Municípios que as integram, dentre elas:I - aprovar objetivos, metas e prioridades de interesse regional, compatibilizando-os com os objetivos do Estado e dos Municípios que a integram, bem como fiscalizar e avaliar sua execução;II - apreciar planos, programas e projetos, públicos ou privados, relativos à realização de obras, empreendimentos e atividades que tenham impacto regional;III - aprovar e encaminhar, em tempo útil, propostas regionais, constantes do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual; eIV - comunicar aos órgãos ou entidades federais que atuem no território da microrregião as deliberações acerca dos planos relacionados com os serviços, por eles realizados.CAPÍTULO IIIDA GOVERNANÇASeção IDa Estrutura de GovernançaArt. 4º Integram a estrutura de governança de cada autarquia microrregional:I - o Colegiado Microrregional, composto por um representante de cada Município que a integra ou com ela conveniado e por um representante do Estado do Paraná;II - o Comitê Técnico, composto por três representantes do Estado do Paraná e por oito representantes dos Municípios;III - o Conselho Participativo, composto por:a) cinco representantes da sociedade civil escolhidos pela Assembleia Legislativa; eb) seis representantes da sociedade civil escolhidos pelo Colegiado Microrregional;IV - o Secretário-Geral, eleito na forma do inciso X do art. 9º desta Lei Complementar.Seção IIDo Colegiado MicrorregionalSubseção IDa Composição e Do FuncionamentoArt. 5º O Colegiado Microrregional é instância máxima da entidade intergovernamental e deliberará com a presença de representantes de entes da Federação que, somados, detenham pelo menos a maioria absoluta do número total de votos, sendo que:I - o Estado do Paraná terá número de votos equivalente a 40% (quarenta por cento) do número total de votos; eII - Os Municípios terão número de votos equivalente a 60% (sessenta por cento) do número total de votos.§ 1º Cada município terá número de votos proporcional à sua população.§ 2º Cada município terá direito a pelo menos um voto no Colegiado Microrregional.Art. 6º As deliberações exigirão número de votos superior à metade do total de votos, salvo a aprovação ou alteração do Regimento Interno, ou a matéria do inciso VII do caput do art. 9º desta Lei cujas deliberações exigem número de votos equivalente a 3/5 (três quintos) do total de votos do Colegiado Microrregional.Art. 7º O Regimento Interno pode prever hipóteses de quórum qualificado.Art. 8º A presidência do Colegiado Microrregional será exercida pelo Governador do Estado ou, na sua ausência ou impedimento, pelo Secretário de Estado do Desenvolvimento Urbano e de Obras Públicas, que passará a compor automaticamente o Colegiado Microrregional representando o Estado.Subseção IIDas AtribuiçõesArt. 9º São atribuições do Colegiado Microrregional:I - instituir diretrizes sobre o planejamento, a organização e a execução de funções públicas de interesse comum, a ser observadas pelas Administrações Direta e Indireta de entes da Federação integrantes da Microrregião ou com ela conveniados;II - deliberar sobre assuntos de interesse regional, em matérias de maior relevância, nos termos do Regimento Interno;III - especificar os serviços públicos de interesse comum, bem como, quando for o caso, as correspondentes atividades ou fases e seus respectivos responsáveis, inclusive quanto à unificação de sua prestação;IV - aprovar os planos microrregionais e, quando couber, os planos intermunicipais ou locais;V - definir a entidade reguladora responsável pelas atividades de regulação e de fiscalização dos serviços públicos que integram funções públicas de interesse comum da Microrregião, bem como estabelecer as formas de prestação destes serviços, respeitados os contratos existentes;VI - propor critérios de compensação financeira aos Municípios da Microrregião que suportem ônus decorrentes da execução de funções ou serviços públicos de interesse comum;VII - autorizar Município a prestar isoladamente os serviços públicos de abastecimento de água ou de esgotamento sanitário, ou atividades deles integrantes, inclusive mediante a criação de órgão ou entidade, contrato de concessão ou ajuste vinculado à gestão associada de serviços públicos;VIII - manifestar-se em nome dos titulares em matérias regulares e contratuais, inclusive previstas no Decreto Federal nº 10.710, de 31 de maio de 2021, bem como celebrar aditamentos contratuais para preservar o ato jurídico perfeito mediante reequilíbrio econômico-financeiro, quando o reequilíbrio se realizar mediante dilação ou diminuição de prazo contratual;IX - autorizar Município integrante da Microrregião a participar, como convenente, de estruturas de prestação regionalizada de serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário de Estado limítrofe;X - elaborar e alterar o Regimento Interno da Entidade Microrregional; eXI - eleger e destituir o Secretário-Geral.§ 1º No caso de o Colegiado Microrregional deliberar pela unificação na prestação de serviço público, em dois ou mais Municípios que integram a Microrregião, ou de atividade dele integrante, o representante legal da Microrregião subscreverá o respectivo contrato.§ 2º A unificação mencionada no inciso III deste artigo ou qualquer ato decorrente das atribuições do caput deste artigo:I - pode se realizar mediante a consolidação dos instrumentos contratuais existentes;II - não poderá prejudicar o ato jurídico perfeito, em especial os instrumentos contratuais e seus eventuais aditamentos.§ 3º A unificação dos serviços públicos em municípios que possuem entidade ou órgão prestador de serviços públicos de abastecimento de água ou de esgotamento sanitário há, pelo menos, dez anos dependerá da aquiescência expressa do Município, por meio de manifestação inequívoca de seu representante no Colegiado Microrregional.§ 4º Havendo serviços públicos interdependentes, deve ser celebrado o respectivo contrato entre os prestadores, na forma prevista no art. 12 da Lei Federal nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007.§ 5º Não se concederá a autorização prevista no inciso VII do caput deste artigo, no caso de projetos que:I - prevejam o ônus pela outorga da concessão ou outra forma de pagamento pelo direito de prestar os serviços públicos;II - não prevejam indenizações e transferências ou pagamentos suficientes para assegurar a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da prestação dos serviços públicos mediante subsídios cruzados; eIII - cujo modelo contratual seja considerado prejudicial à modicidade tarifária ou à universalização de acesso aos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.§ 6º A gestão administrativa da Microrregião será definida por Resolução do Colegiado Microrregional, a qual poderá, por prazo certo, delegar o exercício de atribuições ou a execução de determinadas tarefas para órgãos ou entidades que integram a estrutura administrativa do Estado do Paraná ou de Municípios que integram a Microrregião ou com ela conveniados.Seção IIIDo Comitê TécnicoArt. 10. O Comitê Técnico tem por finalidade:I - apreciar previamente as matérias que integram a pauta das reuniões do Colegiado Microrregional, providenciando estudos técnicos que a fundamentem; eII - assegurar, nos assuntos relevantes, a prévia manifestação do Conselho Participativo.Art. 11. O Comitê Técnico poderá criar Câmaras Temáticas para análise de questões específicas, nas quais poderá haver a participação de técnicos de entidades.Art. 12. O Comitê Técnico será presidido pelo Secretário-Geral.Seção IVDo Conselho Participativo e do Controle SocialArt. 13. São atribuições do Conselho Participativo:I - elaborar propostas para apreciação das demais instâncias da Entidade Microrregional;II - apreciar matérias relevantes previamente à deliberação do Colegiado Microrregional;III - propor a constituição de Grupos de Trabalho para a análise e debate de temas específicos; eIV - convocar audiências e consultas públicas sobre matérias sob sua apreciação.Art. 14. Cada autarquia microrregional estabelecerá em seu Regimento Interno os procedimentos adequados à participação popular, observados os seguintes princípios:I - a divulgação dos planos, programas, projetos e propostas, com antecedência mínima de quinze dias;II - o acesso aos estudos de viabilidade técnica, econômica, financeira e ambiental;III - a possibilidade de representação por discordância e de comparecimento à reunião do Conselho Participativo e do Comitê Técnico para sustentação;IV - o uso de audiências e de consultas públicas como forma de se assegurar o pluralismo e a transparência.Parágrafo único. O acesso mencionado no inciso II do caput deste artigo não poderá prejudicar sigilo ou acesso restrito a informações em razão de disposição legal ou regulamentar, em especial da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.Art. 15. O acesso mencionado no inciso II do caput deste artigo não poderá prejudicar sigilo ou acesso restrito a informações em razão de disposição legal ou regulamentar, em especial da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.I - expor suas deliberações;II - debater os estudos e planos em desenvolvimento; eIII - prestar contas de sua gestão e resultados.Seção VDo Secretário-GeralArt. 16. O Secretário-Geral é o representante legal da entidade intergovernamental, cumprindo-lhe dar execução às deliberações do Colegiado Microrregional.§ 1º O Secretário-Geral participa, sem voto, de todas as reuniões do Colegiado Microrregional, sendo responsável pelo registro e publicidade de suas atas.§ 2º O Secretário-Geral será eleito pelo Colegiado Microrregional dentre os membros do Comitê Técnico, sendo exonerável ad nutum, a juízo da maioria de votos do Colegiado.§ 3º Vago o cargo de Secretário-Geral, ou impedido o seu titular, exercerá interinamente as suas funções, servidor designado pelo Secretário de Estado do Desenvolvimento Urbano e de Obras Públicas.CAPÍTULO IVDO REGIMENTO INTERNOArt. 17. O Regimento Interno de cada autarquia microrregional disporá, dentre outras matérias, sobre:I - o funcionamento dos órgãos mencionados nos incisos I a IV do caput deste artigo;II - a forma de escolha dos membros do Comitê Técnico e do Conselho Participativo, observando-se, quanto a este último, tanto quanto possível, o disposto no art. 47 da Lei Federal nº 11.445, de 2007;III - a criação e funcionamento das Câmaras Temáticas ou de outros órgãos, permanentes ou temporários.Art. 18. Enquanto não editado o Regimento Interno, o Governador, por meio de decreto, editará o Regimento Interno provisório de cada Autarquia Microrregional.Parágrafo único. O Regimento Interno provisório deverá dispor sobre a convocação, a instalação e o funcionamento do Colegiado Microrregional, inclusive os procedimentos para a elaboração de seu primeiro Regimento Interno, que deverá ser editado até 31 de dezembro de 2022.CAPÍTULO VDAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIASArt. 19. A entidade microrregional pode ser designada como local de lotação e exercício de servidores estaduais, inclusive de suas entidades da Administração Indireta, de direito público ou privado, sem prejuízo de remuneração e demais vantagens aos servidores designados.Art. 20. Autoriza o Chefe do Poder Executivo a celebrar convenio de cooperação entre entes federados para que municípios paranaenses possam se conveniar com Microrregiões instituídas por estados limítrofes.Art. 21. Os serviços públicos de abastecimento de água, de manejo de águas pluviais urbanas e de esgotamento sanitário deixam de ser função pública de interesse comum das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e de Microrregiões antes existentes no Estado do ParanáArt. 22. Até que seja editada a resolução prevista no §6º do art. 9º desta Lei Complementar, as funções de secretaria e suporte administrativo da Microrregião serão desempenhadas pela Secretaria do Desenvolvimento Urbano e de Obras Públicas do Estado do Paraná.Art. 23. Enquanto não houver disposição em contrário do Colegiado Microrregional, as funções de regulação e de fiscalização dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário serão desempenhadas pela AGEPAR - Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Paraná nos Municípios que, doze meses antes da vigência desta Lei Complementar, não tenham atribuído o exercício das ditas funções para outra entidade de regulação.Parágrafo único. A designação de entidade reguladora não pode se realizar em prejuízo ao previsto em contratos ou convênios de cooperação entre entes federados e na legislação estadual, salvo se a entidade reguladora deixar de atender as normas de referência da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA ou em razão de acordo com as partes contratantes ou convenentes.Art. 24. Os planos referentes aos serviços públicos de abastecimento de água, de esgotamento sanitário ou de manejo de águas pluviais urbanas, editado pelos Municípios antes da vigência desta Lei Complementar, permanecerão em vigor no que não contrariem resolução do Colegiado Microrregional.Art. 25. As Microrregiões criadas por esta Lei Complementar, para os fins do art. 15 da Lei Federal nº 14.026, de 15 de julho de 2020, equiparam-se às unidades regionais de saneamento.Art. 26. Aplica-se o contido nesta Lei Complementar ao Estado do Paraná e aos municípios que integram as Microrregiões, bem como às pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, que com elas se relacionem no que concerne às funções públicas de interesse comum previstas no art. 2º desta Lei Complementar.Art. 27. Autoriza as Microrregiões criadas por esta Lei Complementar à celebração de convênio de cooperação entre entes federados, de forma a que a estrutura de regionalização possa beneficiar também os municípios localizados em outros Estados, os quais terão prerrogativa de participação, voto e outros direitos e deveres equivalentes aos dos Municípios paranaenses que integram a Microrregião.Parágrafo único. Para sua eficácia, o convênio de cooperação entre entes federados previsto no caput deste artigo deverá ser subscrito, além da Microrregião, também pelos municípios beneficiados, como pelo Estado em cujo território se situem, considerando que em caso de integração efetiva de município de outro Estado, seja necessária a aprovação da Assembleia Legislativa.Art. 28. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação". Primeiramente, cumpre analisar o pedido principal. Consoante previsto no art. 23, IX, da CF, é competência material comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a melhoria das condições de saneamento básico. O serviço público de saneamento básico é prestado, em princípio, pelos municípios, diretamente ou por meio de concessão/permissão (art. 30, V, CF). Entretanto, como assentado pelo Plenário do STF no emblemático julgamento da ADI 1842, não raras vezes esse serviço extrapola o interesse local (municipal) e passa a caracterizar o chamado interesse comum, notadamente em razão do alto custo de sua prestação e da complexidade a ele inerente, já que é composto de várias etapas, que normalmente ultrapassam os limites territoriais de um município. Em casos tais, na linha do que decidido, estaria justificada a gestão integrada do serviço de saneamento, que pode se dar tanto voluntariamente, por meio de gestão associada (convênios de cooperação ou consórcios públicos), como compulsoriamente, por meio de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões instituídas por lei complementar estadual, nos termos nos termos do art. 25, § 3º, da Constituição Federal ( §3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.).
Destaque-se que o caráter compulsório da participação dos municípios em aglomerados metropolitanos já havia sido reconhecido pelo STF quando entendeu que a instituição de uma região metropolitana depende apenas da edição de lei complementar estadual, prescindindo da aprovação dos municípios envolvidos (ADI 1841/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.9.2002) ou de consulta às populações impactadas (ADI 79 6/ES, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17.12.1999).
No julgamento da ADI 1842, entendeu o Pretório Excelso que o caráter compulsório da integração metropolitana não se contrapõe à autonomia municipal, apenas a condiciona. Isso porque a autonomia político-administrativa dos municípios já nasceu com os contornos (e limites) que lhes deu a Constituição de 1988, dentre eles a possibilidade de criação municípios metropolitanos por lei complementar estadual. A respeito, Alaôr Caffé Alves pondera que “ao conceber-se juridicamente a autonomia municipal, no âmbito de nosso ordenamento positivo, está implícito, de imediato, o dever de o município acatar as diretrizes e prioridades metropolitanas, aliás fixadas com a sua indispensável participação nas decisões em nível regional-metropolitano.”[3] Explica o aclamado autor que, como o interesse comum é também de interesse local, admite-se e garante-se a participação do município nas decisões sobre a organização, o planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum. Porém, como também é de interesse regional, não é permitido ao município opor obstáculos à sua realização, em seu território. Lembra que os territórios municipal, estadual ou mesmo federal, são figuras de caráter relativo em um sistema federativo, compreendendo vários "espaços" institucionais, distinguíveis por razões funcionais superpostas e não por delimitações territoriais exclusivas. Nessa esteira, após extenso debate travado na citada ADI 1842, formou-se maioria no sentido de que, para se preservar a autonomia dos entes que compõem a unidade metropolitana integrada, a titularidade das funções públicas de interesse comum não poderia ser nem de cada um dos municípios, nem do estado, e sim do agrupamento formado entre eles, cujas decisões seriam tomadas por meio de um colegiado. Na ocasião, não foram delineadas as balizas objetivas para a conformação do colegiado, mas ficou assentado que, embora a participação dos entes nessa decisão colegiada não necessite ser paritária, deve ser apta a prevenir a concentração do poder decisório no âmbito de um único ente. Por sua importância, transcreve-se a ementa do julgado em comento: “Ação direta de inconstitucionalidade. Instituição de região metropolitana e competência para saneamento básico. Ação direta de inconstitucionalidade contra Lei Complementar n. 87/1997, Lei n. 2.869/1997 e Decreto n. 24.631/1998, todos do Estado do Rio de Janeiro, que instituem a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e a Microrregião dos Lagos e transferem a titularidade do poder concedente para prestação de serviços públicos de interesse metropolitano ao Estado do Rio de Janeiro. 2. Preliminares de inépcia da inicial e prejuízo. Rejeitada a preliminar de inépcia da inicial e acolhido parcialmente o prejuízo em relação aos arts. 1º, caput e § 1º; 2º, caput; 4º, caput e incisos I a VII; 11, caput e incisos I a VI; e 12 da LC 87/1997/RJ, porquanto alterados substancialmente. 3. Autonomia municipal e integração metropolitana. A Constituição Federal conferiu ênfase à autonomia municipal ao mencionar os municípios como integrantes do sistema federativo (art. 1º da CF/1988) e ao fixá-la junto com os estados e o Distrito Federal (art. 18 da CF/1988). A essência da autonomia municipal contém primordialmente (i) autoadministração, que implica capacidade decisória quanto aos interesses locais, sem delegação ou aprovação hierárquica; e (ii) autogoverno, que determina a eleição do chefe do Poder Executivo e dos representantes no Legislativo. O interesse comum e a compulsoriedade da integração metropolitana não são incompatíveis com a autonomia municipal. O mencionado interesse comum não é comum apenas aos municípios envolvidos, mas ao Estado e aos municípios do agrupamento urbano. O caráter compulsório da participação deles em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas já foi acolhido pelo Pleno do STF (ADI 1841/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.9.2002; ADI 796/ES, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17.12.1999). O interesse comum inclui funções públicas e serviços que atendam a mais de um município, assim como os que, restritos ao território de um deles, sejam de algum modo dependentes, concorrentes, confluentes ou integrados de funções públicas, bem como serviços supramunicipais. 4. Aglomerações urbanas e saneamento básico. O art. 23, IX, da Constituição Federal conferiu competência comum à União, aos estados e aos municípios para promover a melhoria das condições de saneamento básico. Nada obstante a competência municipal do poder concedente do serviço público de saneamento básico, o alto custo e o monopólio natural do serviço, além da existência de várias etapas – como captação, tratamento, adução, reserva, distribuição de água e o recolhimento, condução e disposição final de esgoto – que comumente ultrapassam os limites territoriais de um município, indicam a existência de interesse comum do serviço de saneamento básico. A função pública do saneamento básico frequentemente extrapola o interesse local e passa a ter natureza de interesse comum no caso de instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, nos termos do art. 25, § 3º, da Constituição Federal. Para o adequado atendimento do interesse comum, a integração municipal do serviço de saneamento básico pode ocorrer tanto voluntariamente, por meio de gestão associada, empregando convênios de cooperação ou consórcios públicos, consoante o arts. 3º, II, e 24 da Lei Federal 11.445/2007 e o art. 241 da Constituição Federal, como compulsoriamente, nos termos em que prevista na lei complementar estadual que institui as aglomerações urbanas. A instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões pode vincular a participação de municípios limítrofes, com o objetivo de executar e planejar a função pública do saneamento básico, seja para atender adequadamente às exigências de higiene e saúde pública, seja para dar viabilidade econômica e técnica aos municípios menos favorecidos. Repita-se que este caráter compulsório da integração metropolitana não esvazia a autonomia municipal. 5. Inconstitucionalidade da transferência ao estado-membro do poder concedente de funções e serviços públicos de interesse comum. O estabelecimento de região metropolitana não significa simples transferência de competências para o estado. O interesse comum é muito mais que a soma de cada interesse local envolvido, pois a má condução da função de saneamento básico por apenas um município pode colocar em risco todo o esforço do conjunto, além das consequências para a saúde pública de toda a região. O parâmetro para aferição da constitucionalidade reside no respeito à divisão de responsabilidades entre municípios e estado. É necessário evitar que o poder decisório e o poder concedente se concentrem nas mãos de um único ente para preservação do autogoverno e da autoadministração dos municípios. Reconhecimento do poder concedente e da titularidade do serviço ao colegiado formado pelos municípios e pelo estado federado. A participação dos entes nesse colegiado não necessita de ser paritária, desde que apta a prevenir a concentração do poder decisório no âmbito de um único ente. A participação de cada Município e do Estado deve ser estipulada em cada região metropolitana de acordo com suas particularidades, sem que se permita que um ente tenha predomínio absoluto. Ação julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “a ser submetido à Assembleia Legislativa” constante do art. 5º, I; e do § 2º do art. 4º; do parágrafo único do art. 5º; dos incisos I, II, IV e V do art. 6º; do art. 7º; do art. 10; e do § 2º do art. 11 da Lei Complementar n. 87/1997 do Estado do Rio de Janeiro, bem como dos arts. 11 a 21 da Lei n. 2.869/1997 do Estado do Rio de Janeiro. 6. Modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Em razão da necessidade de continuidade da prestação da função de saneamento básico, há excepcional interesse social para vigência excepcional das leis impugnadas, nos termos do art. 27 da Lei n. 9868/1998, pelo prazo de 24 meses, a contar da data de conclusão do julgamento, lapso temporal razoável dentro do qual o legislador estadual deverá reapreciar o tema, constituindo modelo de prestação de saneamento básico nas áreas de integração metropolitana, dirigido por órgão colegiado com participação dos municípios pertinentes e do próprio Estado do Rio de Janeiro, sem que haja concentração do poder decisório nas mãos de qualquer ente.”(ADI 1842, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 06/03/2013, DJe-181 DIVULG 13-09-2013 PUBLIC 16-09-2013 EMENT VOL-02701-01 PP-00001) A União, no exercício da competência que lhe conferiu o inciso XX do art. 21 da CF[4], editou a Lei nº 11.445/2007 e estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento básico, atualizadas pela Lei nº 14.026/2020 (novo marco legal do saneamento básico). A alteração legislativa promovida acabou positivando o entendimento do STF quanto ao compartilhamento da titularidade do serviço entre estados e municípios em caso de interesse comum.[5] Ademais, a lei passou a prever entre os princípios fundamentais norteadores da prestação dos serviços de saneamento a “prestação regionalizada, com vistas à geração de ganhos de escala e à garantia da universalização e da viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços” (art. 2º, XIV, da Lei nº 11.445/2007, na redação conferida pela Lei 14.026/2020), a qual pode ser estruturada em i) região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião; ii) unidade regional de saneamento básico; ou iii) bloco de referência (cf. art. 3º VI). De acordo com o disposto na referida Lei, a primeira modalidade consiste na unidade instituída pelos Estados mediante lei complementar, de acordo com o §3º do art. 25 da CF, composta de agrupamento de Municípios limítrofes e instituída nos termos da Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole). Quanto à compulsoriedade da participação dos municípios nas estruturas de prestação regionalizadas, sob a ótica da legislação federal, cabe uma breve consideração. Na esteira do que foi observado no parecer ministerial, embora o artigo 8-A do NMLSB estipule que “É facultativa a adesão dos titulares dos serviços públicos de saneamento de interesse local às estruturas das formas de prestação regionalizada”, a melhor exegese, à luz do já referido entendimento do STF quanto à compulsoriedade das figuras previstas no art. 25, §3º, da CF, indica que a norma dirige-se apenas às categorias previstas nas alíneas “b” (unidade regional) e “c” (bloco de referência) do inciso VI do artigo 3º do mesmo diploma legal. Nesse sentido, Luis André de Araújo Vasconcelos defende que “(...) a participação de municípios em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões é compulsória. No entanto, no caso das demais formas de prestação regionalizada, a adesão dos titulares será facultativa, nos termos do artigo 8º-A do novo marco do saneamento básico (...).”[6] A facultatividade dos arranjos regionais, inclusive, constou de forma expressa em dois dispositivos do NMLSB (artigo 3º, § 4º, e artigo 8º-A), sendo que o primeiro foi vetado pelo então Presidente da República com fundamento no artigo 25, §3º, da CF e no multicitado entendimento do STF; já o segundo permaneceu vigente, trazendo um cenário de incerteza jurídica para o tema. Sublinhe-se que a Suprema Corte, em recente julgado, posicionou-se pela constitucionalidade dos novos instrumentos de prestação regionalizadas (unidade regional e bloco de referência), constando do voto do Ministro Relator que estes se distinguem da região metropolitana, da aglomeração urbana e da microrregião porque estas são marcadas pela compulsoriedade e proximidade territorial (ADI 6492, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 02/12/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 24-05-2022 PUBLIC 25-05-2022). Ante todo o exposto, denota-se que instituição de microrregião com participação compulsória dos municípios e a integração dos serviços de saneamento básico não violam, em si, a autonomia dos municípios. Desse modo, acosto-me à conclusão alcançada pelos i. representantes ministeriais na linha de não há como reconhecer a inconstitucionalidade, a priori, da íntegra da Lei Complementar Estadual nº 237/2021, eis que derivada das exigências normativas contidas nos artigos 3o, inciso VI, “a”, e 50, inciso VII, da Lei Federal no 11.445/2007, com a redação que lhe foi conferida pela Lei Federal no 14026/2020 (“Novo Marco Legal do Saneamento Básico”, norma geral nacional editada com fulcro no inciso XX do artigo 21 da CF), e, notadamente, validada pelo §3º do artigo 25 da CF, não fere a autonomia e as competências dos Municípios ou dos respectivos gestores. Passo, pois, ao exame do pedido subsidiário. Observando-se a necessária adstrição do julgamento ao pedido e a correspondente necessidade de fundamentação em relação a cada uma das impugnações (art. 3º, I, da Lei nº 9.868/99), cumpre analisar se os dispositivos questionados (artigos 1º, incisos I, II, III e §3º; 5º, incisos I, II e § 1º; 6º, caput; 9º, inciso VII e §5º, incisos I, II e III; e 23, caput e parágrafo único) são compatíveis com a ordem constitucional. Quanto ao artigo 1º, §3º e ao artigo 9º, inciso VII e §5º, incisos II e III, da Lei Complementar Estadual nº 237/2021, o autor defende, em suma, que violam a autonomia municipal e o pacto federativo. O art. 1º, §3º, prevê que Integrarão a Microrregião os Municípios originados da incorporação, fusão ou desmembramento dos Municípios que já a integram. Já o art. 9º, na parte impugnada, insere nas atribuições do Colegiado Microrregional autorizar o Município a prestar isoladamente os serviços públicos de abastecimento de água ou de esgotamento sanitário, ou atividades deles integrantes, e estabelece as hipóteses em que não se concederá essa autorização. Como assentado previamente, em conformidade com o entendimento do Pretório Excelso, a instituição de microrregião por lei complementar estadual vincula os municípios, que não dispõem da faculdade de integrá-la ou não, sendo-lhes assegurada a participação no colegiado respectivo. Na esteira do escólio de Alaôr Caffé Alves, uma vez constituídas por lei complementar, a integração dos municípios será compulsória para o efeito de realização das funções públicas de interesse comum, não podendo o ente local subtrair-se à figura regional, ficando sujeito às condições estabelecidas a nível regional para realizar aquelas funções públicas de interesse comum.[7] Tendo em vista essa compulsoriedade, não há óbice a que o colegiado ao qual é transferido o poder decisório seja encarregado de autorizar a prestação isolada do serviço pelos municípios, bem como fixar hipóteses em que essa modalidade não será autorizada. A margem de discricionariedade do gestor municipal para decidir como será prestado o serviço fica, de fato, reduzida, porém com espeque na lei e na própria Constituição. No tocante às hipóteses previstas nos incisos II e III do §5º do art. 9º[8], denota-se que têm o escopo de evitar que a prestação isolada dos serviços interfira no planejamento regional e prejudiquem os princípios vetores do Novo Marco Regulatório, especialmente a modicidade tarifária e a universalização de acesso aos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Entretanto, comungo da conclusão alcançada pela d. Procuradoria-Geral de Justiça quanto à inconstitucionalidade do inciso I do mesmo dispositivo, que veda o município que pretenda prestar os serviços isoladamente de receber qualquer contrapartida pela transferência do serviço. Há, no particular, vício de ordem formal, por violação ao artigo 22, XXVII, da CF[9], que estabelece a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação. É que a lei estadual vai de encontro à norma geral nacional (Lei Federal nº 8.987/95 – “Lei de Concessões e Permissões”), a qual expressamente autoriza o pagamento pela outorga. O dispositivo padece ainda de vício material de inconstitucionalidade. A fim de evitar tautologia, transcrevo, no ponto, a fundamentação do bem lançado parecer ministerial, do qual me valho como razão de decidir: “a um, porque ao proibir, de antemão, que os municípios possam, sequer, apresentar qualquer proposta de delegação onerosa, nega-lhes autonomia no estabelecimento de elemento essencial dos ajustes contratuais que exclusivamente lhes digam respeito e, nesse passo, a excessiva intromissão na autoadministração local viola ao artigo 15 da CE; a dois, porque a vedação legal, totalmente abstraída dos contextuais componentes da equação econômico-financeira e tarifária e descolada dos custos de transação peculiares a cada caso concreto, sugere, porque inadequada e desproporcional, violação ao devido processo legal substantivo (CE, art. 1º, c/c CF, art. 5º, inc. LIV); e, a três, porque a desautorização, que no limite implica recusa legal à receita, sugere perda ou renúncia ao patrimônio público e ao consequente violação a princípios que regem a Administração Pública, notadamente, a razoabilidade e a eficiência (CE, art. 27, caput).” Passo ao exame da constitucionalidade dos artigos 1º, incisos I, II e III, 5º, incisos I, II e § 1º, e 6º, caput, da Lei Complementar Estadual nº 237/2021. Argumenta o autor que a divisão do Estado do Paraná em apenas três microrregiões (incisos I, II e III do artigo 1º) não acompanha a formatação incentivada pelo Novo Marco Regulatório do Saneamento, cuja extensão seria apenas aquela suficiente para viabilizar economicamente a prestação dos serviços, promovendo a universalização sem violar a titularidade dos municípios. Insurge-se ainda contra o sistema de governança previsto na norma atacada, que concentraria o poder intencionalmente no Estado do Paraná em detrimento dos municípios envolvidos, pretensão que seria evidenciada especialmente nos dispositivos que estabelecem a divisão do direito de voto (art. 5º, inciso I e §1º) e fixam o quórum para a tomada de decisões (art. 6º). Em síntese, a exordial aponta que a formatação das microrregiões criadas e a distribuição do poder decisório nos Colegiados Microrregionais implicam a concentração do poder decisório no Estado, em detrimento da titularidade exercida pelos Municípios. Dados os limites cognitivos próprios à via do controle abstrato de constitucionalidade, cumpre analisar se a criação das microrregiões pela lei estadual aguerrida atendeu aos requisitos previstos na Constituição e também nas normas gerais nacionais pertinentes (a fim de identificar se a lei estadual extrapolou os limites da divisão de competências legislativas). Como já consignado, a forma prevista no artigo 25, §3º, da CF (e também no artigo 21 da CE[10]) para a criação de microrregiões, consistente na lei complementar, foi observada. A seu turno, a Lei Federal nº 11.445/2007 dispõe que a prestação regionalizada, quando estruturada em microrregiões (art. 3º, inc. VI), deverá ser instituída nos termos da Lei Federal nº 13089/2015 (“Estatuto da Metrópole”).[11] O artigo 3º, §2º, do Estatuto da Metrópole, preconiza que a “criação de uma região metropolitana, de aglomeração urbana ou de microrregião deve ser precedida de estudos técnicos e audiências públicas que envolvam todos os Municípios pertencentes à unidade territorial”. Como pontuado pela Procuradoria-Geral da República no parecer exarado na ADI 6339/BA, “no caso das metrópoles, a decisão sobre os ‘campos funcionais ou funções públicas de interesse comum que justificam a instituição da unidade territorial urbana’ (Lei 13.089/2015; art. 5º, II) é de ordem técnico-política. [...] A partir dos estudos e das audiências públicas é que a assembleia legislativa passa a dispor de elementos para decidir criar ou não região metropolitana e que serviços integrar. Trata-se de decisão política do Poder Legislativo estadual, com um forte componente técnico, pois, “no processo de elaboração da lei complementar, [hão de ser] explicitados os critérios técnicos adotados para a definição” tanto dos municípios que integram a região metropolitana quanto das funções públicas de interesse comum que justificam a instituição da unidade territorial urbana (Lei 13.089/2015; art. 5º, § 1º).” No caso dos autos, a documentação trazida demonstra que o Projeto de Lei nº 004/2021 foi instruído com o “Estudo de Regionalização” elaborado pela Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia – FUNDACE (movs. 16.3-16.20). Vê-se ainda que foi realizada consulta pública, a qual foi divulgada no Diário Oficial do Estado de 03 de maio de 2021, franqueando-se a participação dos interessados pelo endereço eletrônico até o dia 02 de junho de 2021, após o que foram colhidas as sugestões e indagações, respondidas no Relatório Final da Consulta Pública (mov. 35.28). Realizaram-se também três audiências públicas, uma para cada microrregião (ocorridas em 17/05/2021, 19/05/2021 e 23/05/2021, conforme as atas anexadas no mov 35.29), para as quais os municípios foram convocados por e-mail. Muito embora a participação popular tenha sido baixa – o que certamente se pode creditar, ao menos em parte, ao cenário crítico da pandemia do Covid-19 à época – fato é que, formalmente, os requisitos legais foram cumpridos. Há de se ter em vista que a postergação indefinida do debate para a edição da lei seria temerária porque o NMLSB fixou a data limite de 15 de julho de 2021 para que os Estados promovessem a regionalização do saneamento básico, sob pena de, em caso de omissão, o Poder Executivo Federal instituir a regionalização unilateralmente. Avançando, o artigo 5º do Estatuto da Metrópole traz os requisitos mínimos que devem estar presentes nas leis complementares estaduais que instituírem regiões metropolitanas e aglomerações urbanas: I – os Municípios que integram a unidade territorial urbana; II – os campos funcionais ou funções públicas de interesse comum que justificam a instituição da unidade territorial urbana; III – a conformação da estrutura de governança interfederativa, incluindo a organização administrativa e o sistema integrado de alocação de recursos e de prestação de contas; e IV – os meios de controle social da organização, do planejamento e da execução de funções públicas de interesse comum. § 1º No processo de elaboração da lei complementar, serão explicitados os critérios técnicos adotados para a definição do conteúdo previsto nos incisos I e II do caput deste artigo.” Bem de ver que tais requisitos foram observados pela Lei Complementar Estadual nº 237/2021. No que concerne aos critérios técnicos empregados para a definição do desenho das microrregiões, que são compostas por municípios limítrofes com continuidade territorial, em resumo, tem-se que “De acordo com a justificativa técnica, a divisão dos municípios buscou uma homogeneidade de indicadores entre as três microrregiões, como: populacionais; de necessidade de expansão dos serviços de água e esgoto; e em termos de infraestrutura operacional dos serviços existentes, como também considerou as particularidades sociais, econômicas e geopolíticas dos territórios envolvidos. Outra premissa foi que cada microrregião tivesse pelo menos uma das regiões metropolitanas do Estado.”[12]. Destaque-se que, embora cause certo espanto a divisão dos 399 municípios paranaenses em apenas três unidades regionais, a legislação federal pertinente não traz parâmetros objetivos a serem observados quanto ao tamanho das microrregiões ou ao número de municípios por elas abrangidos.[13] Pertinente observar ainda que o Estudo de Regionalização no qual se amparou a lei questionada apresentou simulações de cenários alternativos (o primeiro sem a divisão regional e o segundo com a segmentação dos municípios do Paraná por bacias hidrográficas), concluindo-se pela maior vantajosidade do modelo adotado pela Lei (mov. 16.7). É preciso ter em vista que a ADI não é a via adequada para se perquirir acerca da consistência técnica do estudo que amparou a proposição normativa, já que é descabida a produção probatória. Tampouco se presta para avaliar escolhas políticas legítimas que se inserem nos limites da liberdade de conformação do legislador, porquanto não cabe ao Poder Judiciário imiscuir-se no juízo discricionário sobre qual seria a melhor regulamentação a ser dada à matéria.[14] Ademais, consoante observado pela PGJ, salvo ilações de natureza especulativa, nem o Demandante, nem nenhum dos demais interessados, logrou inequivocamente demonstrar parcialidade/enviesamento do Estudo, nem desconstituir o critério utilizado no esquema de divisão (equitativa, a partir da população da região metropolitana de Curitiba, com vistas à sustentabilidade econômico-financeira). Acrescente-se que eventual aferição da inconstitucionalidade por desvio de poder do ato legislativo, decorrente de motivação escusa para a edição da lei, não pode se sustentar em meras conjecturas, sobretudo porque, via de regra, dispõe o legislador de ampla margem de escolha na atividade normativa, que é naturalmente marcada pelo viés político e de conciliação de interesses das forças da sociedade.[15] Prosseguindo, faz-se presente o necessário interesse comum para justificar a prestação regionalizada dos serviços, exigido a nível constitucional e legal. Conforme exposto alhures, o STF já reconheceu que a natureza dos serviços de saneamento, abstratamente considerada, justifica o interesse comum necessário à prestação integrada. A LCE nº 237/2021 indica quais são as funções públicas de interesse comum das microrregiões criadas (o planejamento, a regulação, a fiscalização e a prestação, direta ou contratada, dos serviços públicos de abastecimento de água, de esgotamento sanitário e de manejo de águas pluviais urbanas). Em relação aos objetivos da regionalização, extrai-se que a prestação regionalizada mira a “geração de ganhos de escala necessários para a universalização e a viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços, com uniformização do planejamento, da regulação e da fiscalização. Visa também garantir que aqueles municípios que atuam isoladamente na prestação de serviços por autarquias ou empresas privadas tenham condições de buscar financiamentos federais, não podendo a microrregião interferir nessas opções já consolidadas.”[16] Assim, a juízo do Chefe do Poder Executivo, autor do projeto de lei, e da maioria parlamentar formada, estão presentes motivos de ordem técnico-política para a prestação regionalizada no modelo previsto na lei questionada. A respeito dos argumentos relativos à ausência de integração preexistente entre os sistemas de saneamento dos municípios agrupados, de rigor ter em vista que a Suprema Corte entendeu recentemente, em caso semelhante, que “ a simples existência fática de um isolamento ou uma de não-integração do sistema de saneamento básico [...] não seria suficiente para impedir a formação da Região Metropolitana.” (ADI 6911, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 16/05/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-174 DIVULG 31-08-2022 PUBLIC 01-09-2022). Do voto do Ministro Relator, colhe-se: “Aqui, há que se ter cuidado para não reproduzir uma falácia de tipo naturalista. Ora, que o sistema não seja integrado de facto, não decorre que ele não possa ou deva vir a ser integrado. Em outras palavras, a integração depende de uma valoração que é, a um só tempo, técnico-instrumental e política, e se dirige a uma avaliação projetiva da qualidade do serviço público prestado aos cidadãos.Conclui-se que a inexistência de sistema previamente integrado de saneamento básico não obsta que o mesmo venha a ser integrado na forma da legislação de regência e segundo os requisitos inerente à instituição de regiões metropolitanas.” Nesse particular, pertinente trazer excerto do já referido parecer da PGR exarado na ADI 6339/BA: “A existência do fenômeno da conurbação é desnecessária para configurar o interesse comum na prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico, face à circunstância de que até mesmo municípios não limítrofes podem optar por esse modelo compartilhado, a fim de “atender adequadamente às exigências de higiene e saúde pública, ou para dar viabilidade econômica e técnica aos Municípios menos favorecidos” (Lei 11.445/2007; art. 3º, VI, “b”).Desse modo, a pretensão autoral de que o interesse comum preexista - e, nessa medida, porque já existente, deva ser apenas declarado - não é a única possibilidade de interpretação do art. 25, § 3º, da Carta da República, eis que tal interesse comum pode ser criado e prospectivamente fomentado pelo planejamento urbano e, ainda, pelo planejamento econômico, que é mandatório ao setor público (art. 174, CF). Percebe-se, portanto, que a regionalização, na forma em que realizada, encontra respaldo nas normas constitucionais e legais pertinentes. Ademais, a estrutura de governança adotada pela Lei não destoa das diretrizes gerais trazidas pelas Leis Federais nºs 11.445/2007 e 13.089/2015. De outro giro, também não há inconstitucionalidade no art. 5º, incs. I e II e §1º, da Lei, segundo os quais, no âmbito do Colegiado Microrregional (instância máxima da entidade intergovernamental), o Estado do Paraná terá 40% do número total de votos e os Municípios terão 60%, proporcionalmente à sua população. Em linha com o já referido entendimento do STF, ao menos em tese, o ente estadual não concentra a maioria do número de votos e, portanto, não pode definir sozinho os rumos das deliberações colegiadas, preservando-se, suficientemente, a participação dos municípios no âmbito da gestão compartilhada. Em outros termos, ainda que o interesse comum não seja a soma algébrica dos interesses locais, tal conformação torna possível aos municípios paranaenses, titulares originários dos serviços de saneamento, o exercício das prerrogativas de autogoverno e autoadministração, em harmonia com a construção das pautas de interesse comum, sem prejuízo da participação do Estado do Paraná participar em cada microrregião. Partindo-se dessa premissa, também não se enxerga vício de inconstitucionalidade no artigo 6º, que prevê o quórum de maioria absoluta para as deliberações, com exceção da aprovação ou alteração do Regimento Interno e da autorização para o município prestar isoladamente os serviços públicos de abastecimento de água ou de esgotamento sanitário. Mesmo no quórum mais elevado previsto (de 3/5), os municípios conseguem em tese decidir em determinado sentido, caso votem de modo unânime ou contem com o voto do Estado do Paraná. Tendo em vista que essa forma de votação foi prevista apenas para questões mais sensíveis (aprovação do regimento interno e autorização para prestação isolada do serviço), não vejo irrazoabilidade a macular a norma, à luz do posicionamento do STF. Por fim, o demandante aponta inconstitucionalidade no artigo 23, caput e parágrafo único, da Lei Complementar Estadual nº 237/2021, que assim dispõem: “Art. 23. Enquanto não houver disposição em contrário do Colegiado Microrregional, as funções de regulação e de fiscalização dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário serão desempenhadas pela AGEPAR – Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Paraná nos Municípios que, doze meses antes da vigência desta Lei Complementar, não tenham atribuído o exercício das ditas funções para outra entidade de regulação. Parágrafo único. A designação de entidade reguladora não pode se realizar em prejuízo ao previsto em contratos ou convênios de cooperação entre entes federados e na legislação estadual, salvo se a entidade reguladora deixar de atender as normas de referência da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA ou em razão de acordo com as partes contratantes ou convenentes.” Afirma que, ao definir antecipadamente a entidade que exercerá as atividades de regulação e fiscalização dos serviços, mesmo que provisoriamente, o dispositivo vai de encontro ao contido na Lei Federal nº 11.445/2021, que confere ao titular dos serviços públicos de saneamento básico essa definição, e malfere a autonomia dos municípios, violando os artigos 18 e 30, incisos I e V, da CF, e aos artigos 7º, parágrafo único, 15, 16, 17, incisos I e V e 87, incisos III e XIV, da CE. A alegação não prospera. Em consonância com as ponderações feitas pelo órgão ministerial, deve-se ter em vista que a norma em questão incide apenas no âmbito das Microrregiões, não interferindo nos modelos de prestação municipal isolada então vigentes. Além disso, trata-se de norma transitória, com racional justificativa, que, de rigor, já teve sua eficácia exaurida com a efetiva instalação das Microrregiões, a cujos Colegiados passou a ser cometida a tarefa de designar as respectivas agências reguladoras. Por fim, calha anotar que subsistem reservadas, ao Demandante, como, de resto, a quaisquer interessados, medidas e vias próprias de impugnação e responsabilização na eventual hipótese – que aqui se admite apenas a título de argumentação – de captura de agência pelo mercado e/ou de atuação tecnicamente não informada ou prejudicial ao interesse público. Conclusão. À luz do exposto, meu voto é no sentido de rejeitar as preliminares de ilegitimidade ativa e inadequação da via eleita arguidas pela AESBE e, no mérito, julgar parcialmente procedente o pedido, para reconhecer a inconstitucionalidade formal e material do inciso I do §5º do artigo 9º da Lei Complementar Estadual nº 237/2021, do Paraná, em razão de violação aos artigos 5º, LIV, e 22, inciso XXVII, da Constituição Federal, e aos artigos 1º, 15 e 27, caput, da Constituição do Estado do Paraná.
É como voto.
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