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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I – RELATÓRIO:Trata-se de recursos de apelação interpostos em face da sentença de mov. 443.1, que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais para: a) condenar as rés SANTA CASA e UNIMED, solidariamente, ao pagamento de pensão mensal vitalícia à autora LAURA, no valor equivalente a um salário mínimo, desde a data do parto (04.04.2014) até seu falecimento, sendo que as parcelas vencidas deverão ser pagas em parcela única e corrigidas monetariamente pela média entre os índices INMPC/IGP-DI e acrescidas de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, ambos a contar a partir do vencimento de cada prestação, e as vincendas serão pagas mensalmente, devendo o réu constituir capital de garantia ou caução fidejussória; b) condenar as rés SANTA CASA e UNIMED, solidariamente, ao pagamento de indenização a título de danos morais aos autores, no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil Reais), corrigido monetariamente, pela média entre os índices INPC/IGP-DI, a partir da sentença, e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação; c) condenar os autores e as rés SANTA CASA e UNIMED “(...) ao pagamento de 70% (setenta por cento) das custas processuais e honorários advocatícios – na proporção de 35% autor e 65% ré –, os quais, nos termos do art. 85, §2º do CPC, atenta às diretrizes de seus incisos, arbitro em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação” (pág. 58); e d) com relação aos pedidos dos autores que foram julgados improcedentes, no tocante à ré SANDRA, determinou a condenação deles ao pagamento “(...) de 30% (trinta) por cento das custas e honorários advocatícios, os quais, nos moldes do art. 85, §§ 2º e 8º do CPC, fixo em R$8.000,00 (oito mil reais)” (pág. 59), ressalvado o benefício da gratuidade da justiça outrora concedido a eles.Publicada a sentença, a ré SANTA CASA opôs embargos de declaração no mov. 455.1, os quais foram rejeitados no mov. 459.1.Logo após, a ré SANTA CASA interpôs recurso de apelação no mov. 470.1, no qual requer, preliminarmente, a concessão do benefício da gratuidade da justiça. No mérito sustenta, em síntese, que: a) o juízo de primeiro grau deixou de se manifestar sobre as omissões e contradições apontadas em seus embargos de declaração, consubstanciadas na ausência de esclarecimento quanto à expectativa de vida da autora LAURA, para fins de constituição de capital ou caução fidejussória, bem como quanto à equação da distribuição do ônus de sucumbência, pelo que a sentença deve ser anulada ou, alternativamente, as questões devem ser analisadas quando do julgamento do presente recurso; b) não há que se falar em ausência de assistência à autora SOLANGE, tampouco em qualquer negligência praticada por si e pelos profissionais no atendimento e acompanhamento das autoras SOLANGE e LAURA, bem como da menor LUCIANA; c) a evolução do grau de descolamento e a necessidade de realização do parto ocorreram mesmo com todos os cuidados providenciados na internação e a autora SOLANGE e os bebês estavam sendo devidamente monitorados; d) ainda que o perito tenha atestado que em caso de feto vivo e viável a atitude recomendável é a resolução imediata do caso, é certo que se tratava de gestação gemelar, na qual a autora LAURA possuía 765g e a LUCIANA possuía 460g, motivo pelo qual os profissionais do hospital buscaram garantir a vida de ambas as bebês, aguardando o momento que a autora SOLANGE passou a sentir contrações para dar início ao parto; e) os protocolos médicos e a indicação clínica desde o início da internação foram de repouso absoluto e medicação para tentar conter o parto prematuro, cuidados que foram tomados pela médica assistente da autora SOLANGE e, durante sua ausência, pelos profissionais do hospital; f) não há que se falar que ela não se desincumbiu do ônus de comprovar que procedeu o adequado atendimento à autora SOLANGE; g) as provas constantes dos autos, em especial a testemunhal, comprovam que a autora SOLANGE foi devidamente assistida durante todo período de internação, bem como que a conduta de repouso adotada pelo hospital foi a mais correta, haja vista a prematuridade extrema e a tentativa de aguardar o máximo de tempo possível para realizar o parto, motivo pelo qual não há que se falar em ocorrência de negligência, tampouco em nexo de causalidade entre a suposta falha e os danos cerebrais apresentados pela autora LAURA; h) não se pode afirmar que o retardo na realização do parto foi o fato gerador da condição clínica da autora LAURA, sendo que se tratava de conduta protocolar ao caso, como bem explanado pelo perito, inexistindo conduta imprópria ou temorosa, tampouco elementos para que se afirme que há comprometimento fetal além dos próprios causados pela prematuridade extrema, o que deveria ter sido comprovado minimamente pelas autoras, independentemente da inversão do ônus da prova; i) a Dra. Sandra tinha conhecimento do agravamento da caso da autora SOLANGE e estava monitorando a condição de estabilidade, pelo que é solidariamente responsável quanto aos atendimentos prestados; j) inexistem danos morais passíveis de indenização, tendo em vista a ausência de nexo de causalidade; k) subsidiariamente, requer a minoração do quantum arbitrado a título de danos morais, bem como a aplicação da culpa concorrente para reduzir proporcionalmente os valores atinentes aos danos morais e da pensão vitalícia, de acordo com o art. 945 do CC; l) deve ser afastada a condenação a título de pensão mensal vitalícia à autora LAURA ou, subsidiariamente, é necessário ser estabelecido parâmetros para a sua fixação, conforme apontado nos embargos de declaração, bem como que o valor relativo ao pagamento em parcela única das parcelas vencidas seja parcelado em 10 vezes; e m) o ônus de sucumbência deve ser readequado, inclusive com a majoração dos honorários em favor de seus procuradores.Apelaram também os autores no mov. 471.1, no qual aduzem, em suma, que: a) apesar da prematuridades das infantes, no momento em que foi disponibilizado o resultado do exame de ultrassonografia não havia agravamento clínico capaz de gerar o resultado morte a elas, desde que houvesse intervenção cirúrgica imediata, pelo que a falha na realização do diagnóstico e a aplicação equivocada do tratamento conservador fez com que o quadro de SOLANGE se agravasse, o que deu causa ao sofrimento fetal das bebês e ao óbito de LUCIANA; b) a prematuridade não foi a causa primordial da morte, sendo que na certidão de óbito constou três causas específicas para o evento, quais sejam, a prematuridade extrema, a hemorragia pulmonar e membrana hialina, que decorreram exclusivamente do ato ilícito praticado pelos réus; c) em nenhum momento o perito afirmou que a morte foi ocasionada somente pela prematuridade, tampouco afirmou que o óbito não teria decorrido de erro médico, sendo que os elementos da perícia demonstram a culpa dos réus; d) não foi ministrado corticoide à SOLANGE para a maturação dos pulmões dos neonatos, o que revela o nexo de causalidade entre a falha na prestação de serviços dos réus e o óbito de LUCIANA; e) as provas produzidas nos autos demonstram que a aplicação inadequada do tratamento conservador foi a única e exclusiva causa que gerou a necessidade de SOLANGE ser submetida ao procedimento de histerectomia, sendo que a perícia foi categórica ao afirmar que o descolamento prematuro de placenta de longa duração pode ser complicada por atonia uterina; f) a retirada do útero representou a perda definitiva dos sonhos de terem mais filhos, uma vez que gera a esterilidade da mulher e se trata de procedimento irreversível; g) além dos problemas físicos e cognitivos suportados por LAURA, ao nascer ela apresentou obstrução intestinal que não foi adequadamente diagnosticada durante o período que passou na UTI, o que lhe ensejou graves sequelas, devendo os réus serem condenados ao ressarcimento dos valores arcados para o seu tratamento; h) os réus não produziram provas capazes de demonstrar que sua atuação estava em conformidade com os protocolos médicos indicados para o caso de LAURA e que o diagnóstico foi realizado de forma tardia no tocante à obstrução intestinal e aos problemas oftalmológicos, estes últimos de modo a evitar a cegueira que até o presente momento é irreversível; i) quanto aos lucros cessantes, restou comprovado que SOLANGE e LUCIANO foram obrigados a deixar seus respectivos trabalhos para cuidar de LUCIANA e oportunizar a ela o tratamento médico necessário; j) SOLANGE faz jus ao recebimento de pensão mensal, uma vez que “(...) as sequelas que sobrevieram à filha sobrevivente em face da conduta ilícita dos Apelados foram determinantes para que ela necessitasse deixar o emprego de forma definitiva a fim de dispender cuidados intensivos e contínuos à infante (...)” (pág. 28), estando preenchidos os requisitos do art. 930 do CC; k) também é devido o pagamento de pensão mensal em razão do óbito de LUCIANA “(...) na base de 2/3 do salário mínimo até a época em que a infante completaria 70 anos (com as devidas correções), uma vez que o óbito em questão ocorreu diretamente em decorrência da falha na prestação dos serviços médicos (...)” (pág. 29); l) o pensionamento deferido à LAURA deve ser pago em cota única, nos termos do art. 950 do CC; m) os danos morais devem ser majorados; n) é necessário o reconhecimento da responsabilidade solidária da Dra. SANDRA, ante sua conduta negligente que foi devidamente comprovada nos autos, uma vez que mesmo totalmente consciente da situação de sua paciente, se limitou a proceder o internamento de SOLANGE, sem realizar nenhum tipo de avaliação específica, deixando de prestar assistência para atender outro procedimento médico, o qual não era urgente ou emergente e somente retornou para avaliá-la após às 17 horas; e o) os réus devem ser compelidos a custear integralmente o plano de saúde de SOLANGE e LAURA, de forma vitalícia.
As rés SANDRA e UNIMED apresentaram contrarrazões nos movs. 487.1, 488.1.A ré SANTA CASA apresentou contrarrazões no mov. 489.1, no qual alega, preliminarmente, a inovação recursal quanto ao pedido de custeio do plano de saúde às autoras SOLANGE e LAURA.Os autores apresentaram contrarrazões no mov. 490.1.Já o Ministério Público apresentou parecer no mov. 43.1/TJ, opinando "pelo parcial provimento do apelo Santa Casa, a fim de viabilizar o pagamento parcelado das prestações vencidas; pelo parcial provimento do recurso da incapaz, para que seja reconhecido o nexo de causalidade entre a falha dos serviços médico-hospitalares e o óbito de Luciana, com majoração da indenização por dano moral a Laura, decorrente do óbito da irmã gêmea, confirmando-se a sentença nos demais termos" (pág. 20).Por fim, as partes foram intimadas sobre eventual ocorrência de inovação recursal com relação ao pedido de aplicação de culpa concorrente para reduzir proporcionalmente os valores relativos aos danos morais e pensão vitalícia (mov. 46.1/TJ) e se manifestaram nos movs. 62.1/TJ, 70.1/TJ e 72.1/TJ. É o relatório.
II – FUNDAMENTAÇÃO E VOTO:A Súm. 481 do STJ estipula que: “Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais”.No balanço patrimonial de movs. 470.3 constou que a ré Santa Casa “(...) apresenta um capital líquido negativo e prejuízos nos últimos anos com exceção do ano base 2020. As Demonstrações Contábeis foram preparadas no pressuposto da continuidade normal da Entidade. Para solucionar está (SIC) situação a Entidade já fez seu planejamento/orçamento estratégico, visando a adequação das Receitas x Despesas” (pág.12).Ainda, restou esclarecido no referido balanço que “A Entidade não incorporou o resultado de 2019 para que o Patrimônio Social não ficasse a descoberto, isso porque a Agência Nacional de Saúde Suplementar, não aceita Patrimônio Social Negativo” (pág. 12).Tais considerações indicam que a ré Santa Casa passa por delicada situação financeira, o que autoriza a concessão do pedido da gratuidade da justiça.Consigno, todavia, que o referido benefício possui efeito ex nunc, de modo que não alcança obrigações constituídas antes de seu requerimento.Nesse sentido:“PROCESSUAL CIVIL. (...). GRATUIDADE DA JUSTIÇA. DEFERIMENTO. EFEITOS "EX NUNC". (...). 5. "O pleito de gratuidade de justiça pode ser requerido a qualquer tempo, desde que a ação esteja em curso. Contudo, sua concessão não possui efeito retroativo para o fim de suspender a exigibilidade de eventuais honorários arbitrados anteriormente ao requerimento do benefício" (AgInt na ExeMS 12.614/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/11/2020, DJe 27/11/2020)”. Gratuidade da justiça deferida, sem efeitos retroativos. 6. Agravo interno a que se nega provimento”. (AgInt nos EDcl nos EDcl na Rcl 24.115/MA, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 20/04/2021, DJe 26/04/2021) – grifei.Afasto, no entanto, a preliminar de inovação recursal arguida pela ré Santa Casa, no tocante ao pedido de condenação das rés ao custeio do plano de saúde das autoras Solange e Laura, de forma vitalícia, uma vez que houve pedido expresso na petição inicial (vide item “f” na pág. 38 do mov. 1.1), bem como foi relatado e julgado pelo primeiro grau (vide págs. 2 e 47 do mov. 443.1), motivo pelo qual sua análise em segundo grau não ofende o princípio do duplo grau de jurisdição, tampouco acarreta supressão de instância. Por outro lado, deixo de conhecer de parcela do recurso de apelação da ré Santa Casa, quanto ao pedido de aplicação de culpa concorrente para reduzir proporcionalmente os valores relativos aos danos morais e pensão vitalícia, de acordo com o art. 945 do CC, por inovação recursal, uma vez que esse pedido não foi formulado em primeiro grau e analisado na sentença.No mais, presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos que lhe são exigidos, conheço dos recursos de apelação, nos termos do art. 1.009 e seguintes do CPC.É evidente que o recurso de apelação devolve ao Tribunal toda matéria discutida nos autos, de modo que eventual omissão e/ou contradição não acolhida em sede de embargos de declaração pode ser novamente reanalisada, inexistindo prejuízos às partes que justifique a nulidade da sentença requerida pela ré Santa Casa.Visto isso, passo à análise do mérito.Consta dos autos que a autora Solange se encontrava com 26 semanas de gestação gemelar quando, no dia 04.04.2014, se encaminhou às dependências da ré Santa Casa, onde foi diagnosticada com descolamento prematuro de placenta e submetida a parto cesariana de emergência, que resultou no óbito de Luciana, em sequelas físicas e neurológicas na autora Laura e, ainda, no procedimento de histerectomia ([5]) na autora Solange.A discussão cinge-se quanto à eventual responsabilidade das rés Santa Casa e Sandra pelos acontecimentos narrados na inicial, inexistindo, todavia, insurgência quanto à ré Unimed, ante a ausência de interposição de recurso por ela ou questionamento nos recursos interpostos pelos autores e pela ré Santa Casa.Não obstante os fundamentos da ré Santa Casa, tenho que a sentença deva ser mantida pelos motivos que passo a expor.Pelo raciocínio técnico pericial de págs. 10/11 de mov. 319.1, o perito destacou que “o período crítico que gerou a percepção de “falha” de atendimento médico hospitalar foi o compreendido entre o primeiro atendimento no hospital e a realização da cirurgia cesariana”.Além disso, afirmou que “foi esclarecido pelo assistente técnico que o intervalo de espera serve para planejar a forma mais segura para a mãe e para os fetos, que a proporção do descolamento descrito no US, não indicava um procedimento emergencial, mas esse raciocínio não pode ser confirmado pela documentação anexa, pois não existe o registro do exame físico inicial, evoluções, informações sobre o volume de sangramento, contração uterina, ou medidas para evitar, já que havia a informação inicial de trabalho de parto prematuro” – grifei.De fato, o pedido de internamento urgente era justificado pela gestação gemelar de 26 semanas e o trabalho de parto prematuro, uma vez que naquele momento ainda não havia ciência do corpo clínico quanto à eventual descolamento prematuro da placenta (vide pág. 1 do mov. 9.20).Ainda, verifico pela linha do tempo do dia 04.04.2014 (págs. 6/7 do mov. 319.1) que, logo após a entrada da autora Solange no hospital, houve a solicitação da realização de exame de ultrassonografia, cujo laudo foi liberado às 11h31min, indicando sinais de descolamento placentário.Todavia, após a última evolução da enfermagem, ocorrida às 12h37min, houve um longo período de tempo sem qualquer informação sobre o estado geral da autora Solange, sendo que somente às 17h02min foi registrada a evolução médica pela ré Sandra sobre a ciência do resultado da ultrassonografia, que apresentou o descolamento de placenta, e a conduta adotada: “contato imediato com UTI neonatal, remanejando vagas para os RN e cesariana de urgência as 19:00”.Nesse sentido, foi a resposta do quesito nº 4 da ré Unimed: “4. Houve o retardamento injustificado do parto? Em caso afirmativo, favor justificar a resposta.O prontuário mostra que houve uma avaliação médica no início da manhã e outra depois das 17 horas, sem evoluções ou registro monitorização materno fetal nesse intervalo. Que ao ter conhecimento do resultado do US, com descolamento de placenta, indicou a conduta protocolar para o caso” (pág. 20).Tais fatos corroboram as alegações dos autores Solange e Luciano, bem como de suas testemunhas e informante (mov. 421), de que a autora Solange ficou durante longo período sem o devido atendimento médico.Dessa forma, como bem destacado pela sentença de primeiro grau, a ré Santa Casa não se desincumbiu do ônus de comprovar que prestou a devida assistência à autora Solange, de modo que a falha na prestação de serviço restou configurada.Além disso, a negligência no atendimento médico prestado pelos profissionais da ré Santa Casa também ficou demonstrada nos autos, uma vez que o perito foi incisivo ao afirmar que o quadro da autora Solange comportava resolução imediata, com a realização da cesárea no momento em que houve o conhecimento do descolamento prematuro de placenta. Veja-se:“Quadro clínico de descolamento prematuro de placenta em gestação gemelar de 26 semanas, confirmado em US realizada e liberada ao final da manhã, que segundo a literatura anexa impõe resolução imediata (...)” (pág. 11 do mov. 319.1) – grifei.Quesitos da ré Sandra: “3. Em que condições se faz a opção por realizar uma cesariana imediata frente a um quadro de descolamento prematuro de placenta (DPP)?O Segundo a literatura, em caso de feto vivo e viável (principalmente acima de 26 semanas de gestação), impõe-se a resolução imediata do caso. (...)” (pág. 18) – grifei.Quesitos da ré Santa Casa: “6. Pode-se afirmar que a conduta de não interromper imediatamente a gestação, com ultrassom obstétrico mostrando fetos vivos e estáveis com 26 semanas de gestação gemelar, é conduta descrita na literatura e adequada às boas práticas médicas?Segundo a literatura, em caso de feto vivo e viável (principalmente acima de 26 semanas de gestação), impõe-se a resolução imediata do caso” (pág. 19) – grifei.Quesitos da ré Unimed: “5. Considerada a extrema prematuridade (26 semanas de gestação), o adiantamento do parto no momento dos primeiros atendimentos seria adequado? Favor justificar a resposta.Segundo a literatura, em caso de feto vivo e viável (principalmente acima de 26 semanas de gestação), impõe-se a resolução imediata do caso.(...).7. O quadro recomendava o interrompimento da gravidez nos primeiros momentos do atendimento?Segundo a literatura, em caso de feto vivo e viável (principalmente acima de 26 semanas de gestação), impõe-se a resolução imediata do caso” (pág. 20) – grifei.Laudo complementar: “4) Informe se o Deslocamento Prematuro de Placenta – DPP apresentado pela autora SOLANGE após a liberação do laudo do Exame de Ultrassom (às 11h31min) pode ser classificado como Grau 2 – tomando por base as informações do fluxograma indicado no quesito 5 (da parte Autora).Sim. US realizada e liberada ao final da manhã, segundo a literatura anexa impõe resolução imediata, com verificação médica do exame ao final da tarde. Prolongado o período entre o diagnóstico por imagem e a decisão de interrupção da gravidez” (pág. 1 do mov. 346.1) - grifei.Logo, evidente que no momento da ciência do descolamento prematuro da placenta, cuja liberação do laudo se deu às 11h 31min (vide linha do tempo de pág. 6 do mov. 319.1), os profissionais da ré Santa Casa deveriam ter agido de forma imediata, realizando a cesárea na autora Solange ou entrado em contato com a ré Sandra, o que não foi informado em nenhum momento no prontuário, conforme já acima destacado.Ademais, não houve qualquer comprovação nos autos de que o objetivo de postergar a realização do parto para garantir a sobrevivência de ambas as bebês seria efetivo e necessário ao caso, situação que justificaria a não resolução imediata conforme indicado pela literatura médica trazida pelo perito judicial, ônus que cabia à ré Santa Casa.Inclusive, a ré Santa Casa concordou com o laudo pericial e seu complemento apresentados nos movs. 319.1 e 346.1 (vide movs. 332.1 e 357.1).Portanto, a negligência dos profissionais da ré Santa Casa ficou demonstrada no caso, inexistindo qualquer excludente de responsabilidade capaz de afastar o dever dela em indenizar os autores pelos danos eventualmente suportados pelos autores.No mesmo sentido é o parecer do Procurador de Justiça, Dr. Colmar José Ribeiro Campos:“Segundo o laudo pericial, que não foi impugnado pelas requeridas, não constam dos prontuários quaisquer informações de exame clínico da parturiente, nem da evolução do seu quadro clínico e das condições dos fetos no período compreendido entre 12h37 e 17h02 do dia 04.04.2014. Nos termos da perícia, ainda, a gravidade do caso impunha resolução imediata, ou seja, cirurgia de emergência para extração dos bebês, tão logo traçado o diagnóstico de descolamento prematuro de placenta, o qual, como se viu, já existia às 11h31 do dia 04.04.2014. Tais circunstâncias por si só evidenciam negligência e imperícia por parte dos profissionais de saúde que participaram do atendimento” (pág. 6 do mov. 43.1/TJ) – grifei.No tocante ao óbito de Luciana e às sequelas da autora Laura, o perito judicial atestou que “Embora tenha se prolongado o período entre o diagnóstico por imagem e a decisão de interrupção da gravidez, não existem elementos para que se afirme comprometimento fetal além dos próprios causados pela prematuridade extrema” (pág. 11 do mov. 319.1).Todavia, o próprio perito destacou que a falta de oxigenação, bem como o atraso na realização do parto em caso de descolamento prematuro de placenta, pode dar causa ao sofrimento fetal e que a dequitação total da placenta pode prejudicar e impedir que os fetos recebam os nutrientes necessários:“17.3. A falta de oxigenação adequada ao feto pode dar causa ao sofrimento fetal? Explique, justifique e indique a literatura referente à temática.Sim” (pág. 16 do mov. 319.1).“24.O atraso na realização do parto em caso de DPP pode trazer sofrimento fetal e sequelas ao nascituro?Sim” (pág. 17 do mov. 319.1).“6) A dequitação total da placenta pode prejudicar ou impedir que os fetos recebam adequadamente os nutrientes de eu necessitam? Quais nutrientes?Sim. Todos” (pág. 2 do mov. 346.1).Além das ponderações do perito, deve ser levado em conta a ausência de comprovação da efetiva assistência às autoras Solange e Laura, bem como à Luciana, no momento do internamento, sem a evidência de realização de exames, tampouco foi ministrado corticoide para maturação dos pulmões (fato confirmado pela ré Sandra) e, ainda, a comprovação da demasiada demora entre o resultado da ultrassonografia (que indicou o descolamento prematura de placenta) e a realização da cesárea.Também ficou comprovado que no momento da realização da cirurgia foi constatado que a placenta de Laura se encontrava totalmente descolada (pág. 2 do mov. 9.21) e que as duas bebês sofreram asfixia perinatal (pág. 3 do mov. 9.37 e pág. 4 do mov. 38.4).Se não bastasse, deve-se levar em conta que na certidão de óbito de Luciana consta como causas “hemorragia pulmonar, membrana hialina, prematuridade extrema” (mov. 9.3) e, apesar de o perito explanar que a causa primária da morte foi a prematuridade extrema, considerando todo o arcabouço probatório, é notório que a falha na prestação dos serviços da ré Santa Casa contribuiu sobremaneira para a ocorrência das sequelas sofridas pela autora Laura e o óbito de Luciana. Esse entendimento está de acordo, inclusive, com a fundamentação elaborada pelo ilustre Procurador de Justiça, Dr. Colmar José Ribeiro Campos, no mov. 43.1/TJ:“Segundo o laudo pericial, “Embora tenha se prolongado o período entre o diagnóstico por imagem e a decisão de interrupção da gravidez, não existem elementos para que se afirme comprometimento fetal além dos próprios causados pela prematuridade extrema”.Essa afirmação é repetida várias vezes ao longo da prova pericial, e, ao contrário do que defende a apelante Santa Casa, não pode ser interpretada no sentido de inexistência de nexo de causalidade. Pois o que afirma o perito, é pela inexistência de elementos que possibilitem afirmar o comprometimento/sofrimento fetal em função do prolongamento da expulsão.Quanto a isso, entretanto, esta Procuradoria diverge da posição do perito, uma vez que contraditória com o restante dos apontamentos do laudo principal e do laudo complementar, que foi categórico quanto à ausência de registros de monitoração da gestante e dos fetos em período superior a 6 horas e quanto ao grau 2 de descolamento placentário da parturiente Solange, que por si só indica sofrimento fetal, nos termos do fluxograma trazido pelo próprio auxiliar do juízo. (...).Com efeito, ainda que sabidamente elevado o risco de mortalidade das gêmeas, por prematuridade extrema, está evidente que o atendimento médico inadequado contribuiu sobremaneira para o agravamento do quadro clínico de ambas, posto que também Laura nasceu com asfixia perinatal” (pág. 12 e 15). Já com relação à obstrução intestinal e aos problemas oftalmológicos, os autores se bastam a afirmar que a falha na prestação de serviços da ré Santa Casa foi ocasionada pelo diagnóstico tardio, o que gerou graves consequências à autora Laura. Todavia, o perito atestou que em três oportunidades foi realizado o teste do olhinho, apresentando normalidade nos dois primeiros exames e não sendo possível avaliar na última vez em razão de um edema na córnea, bem como que não se tratava de obstrução intestinal, mas sim de enterocolite necrotizante, e que as medidas necessárias para a resolução do caso foram tomadas:“13) Esclareça se nos prontuários médicos apresentados pelo Hospital Santa Casa há registro acerca da realização do “Teste do Olhinho” na RN LAURA.O Teste do Olhinho pode detectar alteração que cause obstrução no eixo visual, como catarata, glaucoma congênito e outros problemas – cuja identificação precoce pode possibilitar o tratamento no tempo certo e o desenvolvimento normal da visão. No caso da Laura tem-se o registro de exame fundoscopia, que permite avaliar, além de sinais de obstrução de eixo, e foi considerado normal em duas avaliações, náo sendo possível em uma terceira, por edema de córnea.(...).14) A não realização de cirurgia de desobstrução intestinal em tempo hábil pode acarretar quais complicações e sequelas ao recém-nascido prematuro? Conforme se verifica do prontuário juntado aos Autos, especialmente da informação de determinado médico que assevera que finalmente o corpo clínico aceitou fazer a cirurgia de desobstrução, pode-se afirmar que a cirurgia foi realizada tardiamente?O diagnóstico que levou a necessidade da cirurgia não era de obstrução intestinal, mas sim de enterocolite necrotizante do feto e do recém-nascido. “É a emergência gastrointestinal mais frequente e perigosa do período neonatal, acometendo de 0,1 a 0,7% dos nascidos vivos e cerca de 7% dos bebês internados em UTI Neonatal. Além disso, ocorre em cerca de 5 - 8% dos bebês nascidos com muito baixo peso (abaixo de 1,5kg). A enterocolite é uma doença pela qual a superfície interna do intestino sofre lesões e se inflama. No caso de ser grave, uma porção do intestino pode morrer (necrosar), ocasionando perfuração intestinal e inflamação do peritônio (camada que reveste a cavidade abdominal). A doença afeta principalmente os recém-nascidos prematuros. Nos prematuros muito pequenos ou doentes é possível reduzir o risco atrasando a alimentação oral durante vários dias e depois aumentando progressivamente a quantidade de mamadas. A dieta enteral mínima ou trófica, que é a infusão de quantidades pequenas, poucos mililitros de leite - de preferência leite materno - de forma precoce, pode ajudar a reduzir o risco de ECN. No caso de suspeita de uma enterocolite necrosante, suspende-se a dieta enteral (oral ou por sonda) de imediato. A pressão do intestino alivia-se, eliminando o gás e o líquido por meio de um tubo de sucção colocado no estômago. Administra-se nutrição intravenosa e começa-se um tratamento com antibióticos imediatamente. Se o intestino se perfurar ou a cavidade abdominal se infectar, é necessário intervenção cirúrgica, que será também necessária se o estado do bebê piorar progressivamente. No entanto, aproximadamente 70 % das crianças com ECN não requerem cirurgia”.https://www.prematuridade.com/index.php/interna-post/enterocolite-necrosante-8026No caso em questão, grave evolução com tomada de medidas preconizadas acima. Também conforme a literatura acima, 70% dos casos se resolvem sem cirurgia, que está indicada quando houver perfuração intestinal, infecção na cavidade abdominal ou quando o estado do bebê piorar progressivamente, que era o caso” (págs. ¾ do mov. 346.1) – grifei.Assim, considerando que os profissionais da ré Santa Casa agiram de acordo com a literatura médica e efetuaram os testes e procedimentos necessários, bem como que os próprios autores Solange e Luciano afirmaram que optaram por realizar a cirurgia na parte intestinal em outro hospital, não ficou demonstrado o alegado diagnóstico tardio capaz de causar prejuízos à autora Laura, com relação aos problemas oftalmológicos e intestinais, além daqueles esperados frente à extrema prematuridade, pelo que fica afastado o dever de indenizá-los por eventuais danos materiais e morais a esse título.Quanto ao procedimento de histerectomia realizado na autora Solange, em resposta aos quesitos o perito explanou que a retirada do útero pode ocorrer em razão de complicações no pós-parto por atonia uterina, principalmente em casos de descolamento prematuro de placenta de longa duração e que, além de ser irreversível, sua consequência é a esterilidade da mulher:“19. A histerectomia é indicada em casos de DPP? Em que hipóteses? indique a literatura ou protocolo.O pós-parto pode ser complicado por atonia uterina, principalmente nos casos de DPP com longa duração. O útero pode apresentar-se tigróide, com sufusões hemorrágicas, caracterizando a apoplexia miometrial (útero de Couvelaire). As fibras musculares estão dissociadas, com infiltração sanguínea e com capilares dilatados, comprometendo a retração uterina. A histerectomia estará indicada nos casos graves não responsivos às massagens e uso de ocitócicos. http://www.scielo.br/pdf/ramb/v52n3/a08v52n3.pdf20.Quais as consequências físicas resultantes da histerectmia? Esse quadro é facilmente reversível? Se houver reversibilidade, em quais casos se aplica e qual o custo aproximado do respectivo tratamento médico para reversão do quadro? Esterilidade. Irreversível” (pág. 16 do mov. 319.1) - grifei.Sendo assim, diante da comprovada demora na realização do parto, ante a falha na prestação de serviços, inegável que os profissionais da ré Santa Casa assumiram o risco de gerar complicações no parto e pós-parto da autora Solange, de modo que o prolongado tempo que ela esteve com o descolamento prematuro de placenta, sem qualquer assistência, contribuiu para a necessidade de realização do procedimento de histerectomia, o que acarreta a responsabilidade da ré Santa Casa por eventuais danos sofridos a esse título.De outro lado, com relação à ré Sandra, não verifico a alegada negligência. Os depoimentos das partes e oitivas das testemunhas e informantes de mov. 421 indicam que a autora Solange entrou em contato com a ré Sandra, avisando sobre o sangramento, sendo orientada por ela a ir às dependências da ré Santa Casa, local conhecido por todos eles como de referência para gestações de alto risco.Os autores Solange e Luciano, bem como as suas testemunhas e informante afirmaram que tinham conhecimento da impossibilidade do pronto atendimento pela ré Sandra em razão dela ser responsável por uma cesárea anteriormente agendada que ocorreria naquela manhã.Contudo, confirmaram que ela atendeu a autora Solange, solicitou a internação urgente, por se tratar de “gestação gemelar de 26 semanas + trabalho de parto prematuro” (pág. 1 do mov. 9.20), bem como o exame de ultrassonografia e a deixou aos cuidados da plantonista Dra. Tatyellen e da equipe da ré Santa Casa, fato confirmado pela linha do tempo elaborada pelo perito na pág. 6 do mov. 319.1.Entretanto, não há comprovação nos autos de que a ré Sandra foi avisada pelos funcionários da ré Santa Casa sobre a evolução do quadro da autora Solange, sendo que somente às 17 horas há menção na evolução médica sobre o conhecimento dela quanto ao resultado da ultrassonografia e do descolamento prematuro da placenta, de modo que agiu prontamente para realizar a cesárea e contatar a UTI neonatal (pág. 6 do mov. 319.1).Dessa forma, as provas demonstram que enquanto a autora Solange estava sob os cuidados dos profissionais da ré Santa Casa, era dever desta prestar assistência e efetuar os procedimentos necessários ao seu caso ou informar e comunicar a ré Sandra para que adotasse as medidas que achasse devidas.Nesse sentido, inclusive, é também o parecer muito bem fundamentado do ilustre Procurador de Justiça, anteriormente citado:“(...) ao que tudo indica, a Dra. Sandra não foi informada pela equipe do nosocômio, aos cuidados da qual deixou Solange pela manhã, da evolução do quadro clínico de sua paciente, e tampouco do diagnóstico de descolamento prematuro de placenta.Logo, não era exigível daquela profissional que procedesse com a conduta de extração imediata dos fetos, o que foi feito tão logo teve ciência das condições clínicas críticas de Solange, às 17h.Demonstração disso é a informação lançada às 17h pela própria Dra. Sandra no prontuário médico acima reproduzido, e que sugere que o diagnóstico de descolamento de placenta somente foi levado ao conhecimento da médica obstetra no final da tarde, não sendo possível presumir a ciência antecedente.(...).Vale dizer: cumpria ao corpo clínico da apelante Santa Casa proceder com a cesariana de emergência tão logo constatado o descolamento prematuro de placenta, ou cientificar com urgência a Dra. Sandra para que o fizesse. No entanto, nenhuma das providências foi adotada pelo nosocômio”. (págs. 9 e 12 do mov. 43.1/TJ). Se não bastasse, a resposta do quesito 4 da ré Unimed (pág. 20 do mov. 319.1) e as demais provas constantes nos autos apontam que a ré Sandra atuou de acordo com conduta protocolar para o caso quando tomou conhecimento do resultado da ultrassonografia, bem como quando da realização do procedimento de histerectomia no pós-parto, pelo que não há como imputar à ré Sandra a responsabilidade pela falha na prestação do serviço da ré Santa Casa e as consequências geradas pela demora na realização do parto. Sendo assim, passo à análise dos danos suportados pelos autores.Apesar da condição de saúde da autora Laura, que apresenta “(...) hipotonia muscular (...) com aparente e importante retardo de desenvolvimento neuropsicomotor, sem comunicação verbal inteligível” (pág. 4 do mov. 319.1), não houve efetiva comprovação de que os autores Solange e Luciano foram compelidos a deixar seus respectivos trabalhos para se dedicarem integralmente ao cuidado dela, de forma que não fazem jus ao recebimento de lucros cessantes, como muito bem apontou a sentença de primeiro grau:“Não obstante, entendo que não restou comprovado nos autos que os autores teriam se desligado de seus empregos em virtude das sequelas experimentadas pela menor Laura.O documento acostado ao mov. 9.4 demonstra que a autora Solange se desligou de seu emprego somente em fevereiro de 2015 e as testemunhas nada informaram a respeito da causa de seu afastamento.O autor Luciano se desligou da empresa Cetric em novembro de 2014 e sua superior hierárquica, em seu depoimento, não soube informar a causa de seu desligamento. Relatou apenas que o pedido de demissão teria ocorrido em razão de problemas emocionais e psicológicos, contudo, não há nos autos qualquer comprovação a respeito” (pág. 47 do mov. 443.1) – grifei.Do mesmo modo, o pedido de custeio do plano de saúde de forma vitalícia pela ré Santa Casa às autoras Solange e Laura não merece ser acolhido, uma vez que não foi o ato ilícito, por si só, que gerou a necessidade de contratação do plano de saúde, tanto é que a autora Solange já o possuía antes mesmo da realização do parto, conforme muito bem ponderou o Procurador de Justiça no mov. 43.1/TJ:“Igualmente sem razão a incapaz no que diz respeito à pretendida obrigação das requeridas, de pagamento vitalício de seu plano de saúde.Conquanto a responsabilidade das apeladas Unimed e Santa Casa pelos danos causados a Laura, e, por consequência, de eventuais de tratamentos que se façam necessários à melhora de seu quadro clínico, é do entendimento desta Procuradoria de Justiça que a contratação de plano de saúde é independente, e não possui relação direta com o fato.Ou seja, a incapaz poderia contratar ou necessitar dos serviços de assistência complementar à saúde independentemente de ter sido vítima de algum ilícito ou de possuir qualquer sequela” (pág. 19). Já a pretensão de recebimento de pensão mensal deve ser avaliada de modo isolado a cada uma das autoras Solange e Laura.É certo que o art. 950 do CC dispõe que: “Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu”.Não houve comprovação de que o ato ilícito cometido à autora Solange, pela falha na prestação de serviços já acima narrada, trouxe a ela impedimentos para exercer seu ofício ou profissão, tampouco que houve diminuição de sua capacidade de trabalho, restando indevido o pensionamento em seu benefício.Por outro lado, o juízo de primeiro grau agiu com acerto ao conceder a pensão vitalícia à autora Laura, uma vez que as sequelas físicas e cognitivas decorrentes da longa espera para a realização do parto, diante do descolamento prematuro de placenta, apesar da extrema prematuridade, a impedirão do exercício pleno dos atos da vida civil, motivo pelo qual a indenização a esse título é devida, nos termos estipulados pela sentença.Destaco não ser o caso de pagamento em parcela única na espécie, uma vez que o entendimento deste Tribunal de Justiça é no sentido de que a cota única é contrária ao instituto da pensão vitalícia, eis que não há como se ter certeza da data de um possível óbito para a realização do cálculo, podendo causar prejuízo à vítima ou provocar o enriquecimento sem causa do credor. Veja-se:“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. (...). PENSÃO MENSAL VITALÍCIA. PLEITO DE PAGAMENTO EM PARCELA ÚNICA. ART. 950, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. NÃO CABIMENTO NO PRESENTE CASO. (...). RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.1. “(...) O parágrafo único do art. 950 do Código Civil de 2002, que prevê a possibilidade de pagamento de cota única de pensão decorrente de ato ilícito, não se aplica aos casos de pensão vitalícia. (...) O pagamento, em parcela única, implica, em tese, a desnaturação do próprio instituto da vitaliciedade, pois a vítima do acidente pode ficar desamparada em determinado momento de sua vida ou provocar o enriquecimento sem causa do credor, caso este faleça de forma prematura. (...).” (REsp 1282069/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/05/2016, DJe 07/06/2016). (...)”. (TJPR - 8ª C.Cível - 0002248-39.2019.8.16.0102 - Joaquim Távora - Rel.: DESEMBARGADOR HELIO HENRIQUE LOPES FERNANDES LIMA - J. 17.02.2022) – grifei.No que diz respeito às parcelas vencidas, a regra é que o pagamento se dê em parcela única e, embora a ré Santa Casa tenha demonstrado estar passando por dificuldades financeiras, conforme observado na fundamentação de concessão do benefício da gratuidade da justiça, a não concordância dos autores, que são os ofendidos pelo ato ilícito praticado por ela, impede, ao meu ver, o deferimento do parcelamento requerido.A constituição de capital, nos termos da Súm. 313 do STJ, deve ser calculada com base nos parâmetros fixados em sentença, ou seja, o valor correspondente a um salário mínimo por mês, apenas com relação às parcelas vincendas até a data do seu falecimento.Destaco que, embora a pensão seja vitalícia, exclusivamente para fins de elaboração do cálculo para a constituição de capital, deve ser considerada a idade fictícia de falecimento de 70 (setenta) anos.Também merece acolhimento o pedido de fixação de pensão em favor dos autores Solange e Luciano em razão do óbito de Luciana, eis que decorrente do ato ilícito praticado pela ré Santa Casa, apesar da extrema prematuridade, consubstanciado na longa espera para a realização do parto, diante do descolamento prematuro de placenta.Sobre o tema, o entendimento do STJ é no sentido de que se presume a dependência econômica dos pais em relação aos filhos, ainda que não trabalhassem na época dos fatos (AgRg no AREsp 151.496/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 25/11/2014).Dessa maneira, a pensão mensal deve corresponder a 2/3 do salário mínimo desde a data em que Luciana faria 14 (quatorze) anos de idade até o momento em que Luciana completaria 25 (vinte e cinco) anos de idade, com posterior redução para 1/3 do salário mínimo até a data em que ela completaria 70 (setenta) anos de idade ou até o falecimento de seus genitores.Consigno que as parcelas vencidas do pensionamento deverão ser calculadas de acordo com o salário mínimo vigente à época dos vencimentos, cujas quantias deverão ser corrigidas monetariamente, pelo índice IPCA-E, desde a data de cada vencimento (Súm. 43 do STJ), e acrescidas de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da data da citação (art. 405 do CC). Já as parcelas vincendas deverão seguir as correções habituais do salário mínimo, de acordo com a data dos respectivos vencimentos.Em relação aos danos morais, é incontestável o abalo suportado pelos autores, uma vez que a falha na prestação de serviços da ré Santa Casa resultou na longa espera para a realização da cesárea, fato que causou o agravamento do descolamento prematuro da placenta, o sofrimento fetal das bebês, com o posterior óbito de Luciana e diversas sequelas físicas e cognitivas irreversíveis à autora Laura, bem como a retirada do útero de Solange, situação que causou sofrimento, tristeza e angústia a todos os autores e ultrapassou, em muito, os meros dissabores do cotidiano.Quanto ao quantum, diante da notória dificuldade em arbitrar o valor para indenizações a este título e também da ausência de critérios legais objetivos, a doutrina tem lançado mão de certos parâmetros, tais como as circunstâncias do caso concreto, o alcance da ofensa e a capacidade econômica do ofensor e do ofendido.Ainda, é certo que a indenização deve atender aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, mostrando-se suficiente para compensar a vítima pelo dano sofrido e, ao mesmo tempo, para sancionar o causador do prejuízo e servir de desestímulo à repetição do ato ilícito, sem, contudo, acarretar em locupletamento indevido pelo ofendido.Na hipótese, considerando as circunstâncias do caso concreto, já acima descritas, bem como tendo em vista a manifestação do Ministério Público e o valor fixado por este Tribunal de Justiça em caso semelhante, em que a falha na prestação dos serviços dos profissionais do hospital geraram consequências graves ao parto e, consequentemente, à mãe e ao bebê ([6]), majoro o valor da indenização a título de danos morais para R$ 80.000,00 (oitenta mil Reais) para cada um dos autores, pois suficiente para assegurar a justa reparação pelo dano sofrido, sem lhes causar enriquecimento ilícito.Entretanto, restei vencido quanto à responsabilidade cível da ré Santa Casa com relação à histerectomia realizada na autora Solange, bem como ao óbito de Luciana e à fixação de pensão mensal por seu falecimento, motivo pelo qual passo a transcrever o voto vencedor, da lavra do ilustre Des. Marco Antonio Antoniassi: “DECLARAÇÃO DE VOTO PARCIALMENTE VENCEDOR: Conforme já visto do voto apresentado pelo Exmo. Relator, Des. Gilberto Ferreira, SOLANGE CZEREMETA, LUCIANO PEDROSO E LAURA VITÓRIA CZEREMETA PEDROSO, ajuizaram ação de indenização por danos morais e materiais em face de Sandra Regina Gallinea Bastos, Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa e Unimed Ponta Grossa.Relataram os autores que após 26 semanas de gestação gemelar, a autora Solange passou a sentir fortes dores na região abdominal seguida de hemorragia intensa, ocasião em que foi internada junto à Santa Casa de Ponta Grossa, ainda no começo da manhã. Às 11h31m, com a realização de ultrassom, foram constatados sinais de descolamento placentário com coleção associada, tendo sido realizada a cesárea às 19h. Que a conduta inadequada dos réus consistiu na demora na realização da cesárea, o que culminou com complicações que levaram à histerectomia na autora Solange, no óbito da gêmea Luciana apenas dois dias após o nascimento e sequelas físicas e mentais permanentes em Laura Vitória. Igualmente apontam que a autora Laura permaneceu em UTI neonatal por três meses junto à Santa Casa, não tendo sido diagnosticados corretamente os problemas de visão e do aparelho digestivo. A infante Laura foi transferida para o Hospital Pequeno Príncipe em Curitiba onde passou por cirurgia para corrigir o problema intestinal, ficando internada por longo período. Após instrução processual a Exma. Dra. Erika Watanabe, julgou parcialmente procedentes os pedidos como descreverei, em resumo. Na bem lançada sentença foi destacado que a responsabilidade dos profissionais médicos é subjetiva, enquanto que a do hospital é objetiva, mas vinculada à comprovação de culpa do profissional médico. Quanto ao Plano de Saúde, nos termos do entendimento consolidado no STJ, a responsabilidade é objetiva e solidária pelo erro médico. Em relação à atuação da Santa Casa esclarece a sentença que a autora Solange deu entrada no hospital às 8h28min e após atendimento inicial pela médica plantonista, Dra. Tatyellen, encontrou com a Dra. Sandra, ora ré e que realizava o pré-natal em Solange, a qual solicitou o internamento, deixando-a aos cuidados do corpo clínico do hospital. A Dra. Sandra somente teve novo contato com a paciente às 17:00h, quando então constatou a necessidade da cesárea, a qual foi realizada pouco depois, por volta das 19:00h. Luciana, já falecida, nasceu com 460 gramas e Laura com 790 gramas, ainda, dadas complicações houve a necessidade de retirada do útero de Solange. Após análise dos depoimentos das partes, das testemunhas e, sobretudo da perícia realizada, concluiu-se na sentença por responsabilizar a Santa Casa nos seguintes termos:“Além do teor do laudo pericial, os relatos da autora Solange, da ré Sandra e da informante Angela são uníssonos em demonstrar que o atentimento inicial foi realizado pela médica obstetra plantonista da Santa Casa, Dra. Tatyellen Dalzotto e, posteriormente, só houve novo atendimento no final da tarde. Não há qualquer informação sobre o atendimento inicial realizado pela Dra. Tatyellen, em especial considerando informações do Sr. Perito de que o diagnóstico do descolamento prematura de placenta é clínico. Também não há qualquer anotação da equipe de enfermagem quanto à monitoração do volume de sangue e da vitalidade fetal.”Destacou que o exame de ultrassom indicava o descolamento de placenta e de acordo com a perícia era exigida a imediata interrupção da gestação. Mesmo que pudesse haver uma opção conservadora por parte da equipe médica em tentar prolongar a gestação, dada a precocidade desta, mais uma vez valendo-se da perícia a Dra. Juíza fundamentou que “... esse raciocínio não pode ser confirmado pela documentação anexa, pois não existe registro do exame físico inicial, evoluções informações sobre o volume de sangramento, contração uterina, ou medidas para evitar, já que não havia informação inicial de trabalho de parto prematuro.”Logo, a conclusão foi de evidente falha na prestação de serviço por parte da Santa Casa, na medida em que não foi comprovado o devido acompanhamento da evolução do quadro clínico da autora Solange e tampouco dos fetos. Após análise da falha na prestação do serviço por parte do hospital a sentença ataca a questão do nexo de causalidade entre esta e o resultado, quais sejam, extração do útero da autora Solange, morte de Luciana e sequelas irreversíveis em Laura. Neste particular a sentença concluiu que deve ser afastado o nexo de causalidade entre a histerectomia e a conduta da Santa Casa porque a perda do útero ocorreu em virtude de condições da própria autora Solange que apresentou fatores de risco, quais sejam, descolamento prematuro da placenta e a gestação múltipla, tendo sido tomados todas as cautelas para preservar a vida da parturiente. Já quanto à morte de Luciana e sequelas de Laura a sentença destaca: “... o Sr. Perito afirmou que ‘embora tenha se prolongado o período entre o diagnóstico por imagem e a decisão de interrupção da gravidez, não existem elementos para que se afirme comprometimento fetal além dos próprios causados pela prematuridade extrema’.No caso de Luciana, em virtude de seu baixo peso e ausência de maturação de seus órgãos, em especial o pulmão, a chance de sobreviver era pequena e, infelizmente, a evolução de seu quadro clínico é compatível com as consequências de mortes de bebês extremamente prematuros. Conforme informações de mov. 9.30, item 3, oportuno notar que a placenta de Luciana não estava totalmente descolada, fato esse relatado pela Dra. Sandra, por ocasião da perícia judicial: “que durante a cesariana a placenta da Laura é que estava descolada e a da Luciana não”.Ainda em análise do laudo, destacou o perito que fetos com prematuridade extrema (26 semanas) e baixo peso (460 gramas) raramente sobrevivem. Mesmo tendo o juízo de origem afastado o nexo de causalidade entre a má prestação do serviço (demora na realização a cesárea) e o resultado morte de Luciana, a conclusão foi outra em relação às sequelas experimentadas por Laura, a qual nasceu com maior peso e melhores condições de saúde. Fundamenta-se a sentença no fato de que a ausência de adequado acompanhamento da gestante contribuiu para o agravamento do quadro, já que além da realização do exame ultrassom e exames laboratoriais, não foi realizado qualquer outro exame, além do fato de que foi percebido durante o parto que a placenta de Laura estava descolada, e não a de Luciana. Com base em literatura médica indicada a Exma. Juíza anota existir informações de que a taxa de sobrevivência em prematuros de 26 a 28 semanas é de 75% a 85%, dos quais 10% a 25% terão deficiências graves, 25% a 40% terão deficiências leves a moderadas. Também destaca que às 26 semanas de gestação o bebê mede entre 34 a 36 centímetros e pesa cerca de 800 gramas. Laura apresentou hipotonia muscular, aparente e importante retardo de desenvolvimento neuropsicomotor, sem comunicação verbal inteligível, presença de cicatrizes abdominais transversais, infra umbilical e supra púbica, com certa depressão. Que dentre as possíveis causas da hipotonia muscular lista-se a paralisia cerebral e que tem como causa a privação de oxigênio grave para o cérebro ou trauma craniano significativo durante o trabalho de parto. Assim, como a placenta de Laura estava totalmente descolada, houve grande privação de oxigênio, o que culminou nas graves sequelas já referidas. Por fim, em relação à obstrução intestinal e sequelas na visão de Laura, concluiu-se que após o nascimento, houve o adequado atendimento, sendo tais problemas comuns em bebês prematuros – destaco que para tais sequelas os autores imputam uma negligência ou imperícia do corpo clínico do hospital no correto diagnóstico e resolução dos problemas, ou seja, uma situação pós-parto -. A responsabilidade da ré, Dra. Sandra, foi afastada na medida em que ela não deu causa à demora no atendimento e na realização da cesárea da paciente, estando esta aos cuidados de outros médicos vinculados ao hospital Santa Casa no período da manhã e da tarde, até a chegada daquela, Dra. Sandra, por volta das 17:00h.A partir de toda essa fundamentação, aqui muito resumida, houve a condenação dos Réus (Santa Casa e Unimed) ao pagamento de pensão mensal vitalícia para Laura equivalente a um salário mínimo, a contar de seu nascimento até seu falecimento; indenização por danos morais da ordem de 150 mil reais (valor total) em favor de Solange, Luciano e Laura. Os pedidos em relação a Sandra Regina G. Bastos foram julgados improcedentes. Da r. sentença apresentaram recurso de apelação tão somente os autores e a Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa, cabendo a relatoria ao Exmo. Des. Gilberto Ferreira. Aqui igualmente em apertada síntese o Exmo. Relator concede a gratuidade da justiça em favor da Santa Casa, com efeito “ex nunc”, decisão da qual acompanho integralmente sem outras considerações. Em relação à condenação havida em primeiro grau, da mesma forma concordo integralmente com o relator, já que como visto da sentença houve uma demora na realização da cesárea, constatou-se que a placenta de Laura quando do nascimento estava descolada, causando sofrimento fetal evidente e não houve o devido monitoramento da paciente desde o momento em que foi internada, até o atendimento realizado pela Dra. Sandra, já ao final do dia. Enfim, a negligência do corpo clínico do hospital está devidamente demonstrada. Da mesma forma adiro aos fundamentos do eminente relator em relação ao nexo de causalidade entre a falha no atendimento e as severas sequelas físicas e mentais em Laura, pois, como disse o perito, o atraso na realização do parto em caso de descolamento precoce da placenta pode trazer sofrimento fetal e sequelas ao nascituro. Destacado também no voto a ausência de comprovação da efetiva assistência às autoras no momento do internamento. Quanto às sequelas havidas após o parto, o Exmo. Relator afastou a responsabilidade dos réus apontando que: “...os profissionais da ré Santa Casa agiram de acordo com a literatura médica e efetuaram os testes e procedimentos necessários, bem como que os próprios autores Solange e Luciano afirmaram que optaram por realizar a cirurgia na parte intestinal em outro hospital, não ficou demonstrado o alegado diagnóstico tardio capaz de causar prejuízos à autora Laura, com relação aos problemas oftalmológicos e intestinais, além daqueles esperados frente à extrema prematuridade, pelo que fica afastado o dever de indenizá-los por eventuais danos materiais e morais a este título.”Neste capítulo do voto do relator igualmente estou de acordo, não havendo motivo para novas considerações a este título. Da divergência propriamente dita:São dois os pontos de divergência em relação às conclusões a que chegou o eminente relator, em que pese a bem lançada fundamentação, mas que são próprias da complexidade do caso em análise e da impossibilidade de se produzir provas indene de dúvidas, ou seja, qualquer solução que se apresente está calcada em hipóteses, probabilidades e possibilidades diante de todo arcabouço probatório que veio aos autos. A primeira dessas divergências diz respeito à histerectomia, apontada pelo relator com consequência na demora na realização do parto. A meu sentir, da prova documental, pericial e testemunhal realizada inexistem elementos suficientes à conclusão de que se a cesárea fosse realizada algumas horas antes, seria possível a preservação do útero da autora Solange. Perguntado a esse respeito (quesito 8, mov. 319.1 primeiro grau) esclareceu o Sr. Perito: “8. Se o parto fosse realizado em caráter de emergência – quando a paciente apresentava hipertonia uterina – a histerectomia poderia ser evitada? O tratamento conservador foi adequado?Não é possível afirmar. Segundo literatura citada, DPP com longa duração pode ser complicado por atonia uterina.”O perito não vai além a esse respeito, o que deixa em aberto inúmeras possibilidades. Entretanto, como analisado na r. sentença de primeiro grau: “A atonia uterina corresponde à perda da capacidade de contração do útero após o parto, o que aumenta o risco de hemorragia pós-parto e coloca em risco a vida da mulher e é uma das maiores causas de morte materna.Sobre os fatores de risco, tem-se o descolamento prematuro de placenta, a gestação múltipla na gravidez, trabalho de parto prolongado, aborto, prematuridade, anemia, infecção urinária, polidrâmnio, amniorrexis prematura, doença hipertensiva específica da gestação, inserção baixa de placenta, crescimento intrauterino restrito e óbito intra-uterino...”A diligente juíza Dra. Erika Watanabe traz em sua sentença as respectivas fontes de pesquisa, não havendo aqui necessidade de reproduzi-las. Neste passo, tenho, assim como analisado em primeiro grau, que a histerectomia decorreu da situação extrema vivenciada pela autora Solange e dos fatores de risco de um parto muito precoce, gestação múltipla e deslocamento prematuro de placenta. Não verifico nada de concreto que aponte que as horas de espera em repouso no hospital, com a não realização da cesárea imediatamente após a ultrassonografia, possam ter ocasionado a necessidade da histerectomia, posto que outras situações, já apontadas, eram suficientemente graves para a produção deste resultado. Aliás, é certo pelo apontado no laudo pericial, bem como das testemunhas inquiridas, que a histerectomia foi necessária para preservar a vida da autora Solange. Situação ainda mais delicada, objeto da minha segunda divergência, diz respeito ao falecimento da neonata Luciana, que ao entendimento do Exmo. Relator se deu por força da demora na realização da cesárea. Como já visto neste relato as gêmeas Luciana e Laura foram bebês extremamente precoces, com 26 semanas de gestação.Já se viu que esta precocidade extrema, além da morte, pode causar inúmeras sequelas. Laura, que sobreviveu com sequelas graves, ao nascer tinha apenas 790g, e pela literatura médica o normal seria que a este tempo estivesse com cerca de 800g, do que podemos extrair que seu desenvolvimento até então era regular. O mesmo não se dá em relação a Luciana, nascida com ínfimos 460g, ou seja, muito abaixo do que se esperaria para um feto com 26 semanas de gestação, o que já é indicativo de severos problemas de desenvolvimento. A literatura médica aponta que um bebê de 22 semanas pesa aproximadamente 430g, ou seja, Luciana tinha praticamente este peso quando nasceu, o que indica que seu desenvolvimento sequer era compatível com o desenrolar da sua gestação. Por outro lado, nas poucas vezes em que a perícia foi efetivamente conclusiva, afastou a causa da morte do bebê por força de erro médico, dando-se sim pela prematuridade, senão vejamos: “11) Informe se resposta ‘NÃO’, na parte ‘b’ do quesito nº5, apresentado pela ré SANTA CASA às fls. 19, visa dizer que os elementos dos prontuários médicos não permitem afirmar que a morte da infante, de fato, não decorreu de erro médico; ou se está a afirmar que a morte da infante, de fato, não decorreu de erro médico.O quesito e sua resposta estão copiados abaixo:5. Qual a causa do óbito da gêmea Luciana? É possível afirmar que isso se deve a erro médico?Prematuridade extrema. Não.Não existem elementos para que se afirme comprometimento fetal além dos próprios causados pela prematuridade extrema.” (mov. 346.1)Ainda em relação a Luciana, importante salientar que no momento do parto sua placenta não estava descolada, ou ao menos não totalmente descolada, ao contrário de Laura, esta sim com a placenta descolada. Não posso deixar de concluir pelo motivo acima elencado que o sofrimento fetal naquele período de demora atingiu com muito mais evidência a bebê sobrevivente e não a que veio a óbito. Somente pela análise do peso de cada um dos bebês é possível perceber que o grau de maturação de Laura era muito superior à de Luciana, esta com cerca de 60% do peso daquela.Daí porque o perito conclui, com objetividade e segurança que o falecimento se deu pela prematuridade extrema e não pelo erro médico. Outra informação trazida na perícia e reproduzida na sentença foi a de que que fetos com prematuridade extrema (26 semanas) e baixo peso (460 gramas) raramente sobrevivem.Em que pese toda a fundamentação e explicações oferecidas pelo Exmo. Relator, Des. Gilberto Ferreira, não pude chegar ao mesmo ponto de compreensão, logo, fico com a conclusão ofertada pelo perito no sentido de que a precocidade e não o erro médico foi a causa do óbito. Seguindo em relação ao voto do e. relator, o acompanho quanto à negativa de custeio do plano de saúde dos autores Solange e Luciano e da concessão da pensão em favor de Laura, questões nas quais a sentença está sendo confirmada. Pelo já exposto e por consequência lógica, nego o pedido de fixação de pensão mensal em face do falecimento de Luciana. Por fim, o voto do relator propõe uma majoração do valor da indenização por danos morais para 80 mil reais em favor de cada um dos autores. Mesmo afastando o nexo de causalidade do óbito de Luciana como sendo o erro médico (demora na realização da cesárea), as graves consequências e sequelas havidas em face da autora Laura recomendam que a indenização chegue no valor referido, visando minimamente compensar os pais e a própria Laura pelas dificuldades que enfrentarão por todos os dias de sua vida. Diante do exposto voto por dar parcial provimento ao recurso dos autores para o fim de majorar o valor dos danos morais em favor destes para 80 mil reais e assim como definido pelo relator, na parte conhecida, dar parcial provimento ao recurso da Santa Casa para o fim de lhe conceder os benefícios da gratuidade da justiça com efeitos “ex nunc”, com a readequação do ônus sucumbencial em 50% para cada uma das partes (autor e réus de forma solidária), esta última igualmente proposta no voto do relator”. Sobre o ônus de sucumbência, com relação aos 70% (setenta por cento) estipulados pelo juízo de primeiro grau, considerando que os autores foram em parte vencedores (danos morais e pensionamento mensal com relação à autora Laura) e vencidos (pensionamento mensal com relação à autora Solange e Luciana, lucros cessantes e danos emergentes), tenho por bem readequá-los, ficando os autores, na proporção de 50% (cinquenta por cento), e as rés Santa Casa e Unimed, também ao percentual de 50% (cinquenta por cento), ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.Deixo, todavia, de majorar os honorários advocatícios arbitrados em favor da ré Santa Casa, uma vez que o percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação se mostra de acordo com os parâmetros do art. 85, §2º, do CPC.Quanto aos 30% (trinta por cento) restantes, referente à ré Sandra, fica mantida a condenação dos autores, nos termos estipulados pelo juízo de primeiro grau.Diante do provimento parcial de ambos os recursos, deixo de aplicar ao caso o art. 85, § 11, do CPC.Por tais fundamentos, a Corte: a) à unanimidade, conheceu parcialmente do recurso de apelação 01 da ré Santa Casa e, na parte conhecida, deu-lhe provimento ([7]) para deferir os benefícios da gratuidade da justiça à ré Santa Casa, com efeitos ex nunc, bem como estabelecer os parâmetros para a constituição do capital de garantia e readequar o ônus de sucumbência, nos termos acima descritos; e b) por maioria (vencido este relator, que dava provimento – parcial – em maior extensão) deu parcial provimento ao recurso de apelação 02 dos autores apenas para majorar o quantum arbitrado a título de danos morais para R$ 80.000,00 para cada um dos autores.
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