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Acórdão
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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0002330-82.2020.8.16.0119 da Vara da Fazenda Pública de Nova Esperança.Trata-se de recurso de apelação cível interposto contra a sentença (mov. 51.1) que, em Mandado de Segurança, impetrado pelas apelantes contra ato supostamente ilegal praticado pelo Delegado da Receita Estadual do Paraná - 9ª DRR Maringá, negou a segurança pleiteada, nos termos do art. 487, inc. I, do CPC, em que as apelantes pretendiam o reconhecimento da proibição da cobrança pela incidência de ICMS-ST sobre as vendas realizadas em bonificação, apontando serem ilegais e afirmando que deve permanecer o entendimento atual, no qual não deverá recair a tributação sobre as elas, por estarem repassando o desconto incondicional às farmácias/drogarias.As apelantes alegam (mov. 58.1), em síntese, que: a) que possuem como objeto social o comércio atacadista de medicamentos e drogas de uso humano, e como a prática comum do mercado em seu segmento comercial enviam produtos bonificados para seus clientes, como forma de conceder-lhes descontos incondicionais nas mercadorias adquiridas; b) que o fisco não vem cobrando ICMS sobre os valores das bonificações; que, no entanto, o fisco vem tributando as farmácias (suas clientes), em relação ao ICMS e também na forma de substituição tributária (ICMS-ST), o qual não deverá recair sobre as apelantes, pela inexistência de responsabilidade solidária entre os contribuintes; c) que por mais que o tributo seja devido de forma antecipada, pela substituição tributária, não há como deduzir se as bonificações ofertadas pelas distribuidoras serão repassadas aos destinatários finais pelas farmácias, por isso, é plenamente possível a não tributação antecipada e tão pouco de forma solidária. Requer o provimento do recurso, a fim de que seja determinada a proibição que qualquer cobrança pela incidência de ICMS-ST sobre as vendas realizadas em bonificações, afirmando serem ilegais e estarem as apelantes repassando o desconto incondicional às farmácias/drogarias, portanto, indevido a tributação supramencionada.O Estado do Paraná apresentou contrarrazões (mov. 61.1), afirmando que o sujeito passivo realizou operações em substituição tributária e que o entendimento pacífico do STJ é de que incide o ICMS nas mercadorias bonificadas em tais operações.A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso (mov. 22.1).É o relatório.
Verifica-se nos autos que as apelantes buscam, através de Mandado de Segurança, o reconhecimento da proibição de início da cobrança pela incidência de ICMS-ST sobre as vendas realizadas em bonificação, por serem ilegais, devendo permanecer o entendimento atual de não incidência do tributo por estarem repassando o desconto incondicional às farmácias/drogarias.É importante pontuar que o objetivo do Mandado de Segurança é a correção de ato ou omissão do Poder Público que atenta contra direito líquido e certo.Sobre o tema, Hely Lopes Meirelles conceitua o direito líquido e certo: “é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.”[1] No mesmo sentido, os autores Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz, Luís Otávio Sequeira de Cerqueira, Renato Marcão, Rogerio Favreto, Sidney Palharini Júnior[2], pontuam a necessidade de que a prova documental pré-constituída seja inequívoca para concessão da segurança, uma vez que a medida não admite dilação probatória: “Direito líquido e certo para fins de cabimento e concessão de segurança é, portanto, aquele que pode ser objeto de prova pré-constituída, representada por documentação sobre a qual não paire dúvida (prova inequívoca), porque o rito especialíssimo do mandado de segurança não admite dilação probatória.” No caso em apreço, verifica-se que a parte apelante, a fim de comprovar seu direito, juntou apenas os contratos sociais das impetrantes (mov. 1.6 e 1.7), algumas notícias de diferentes estados sobre a tributação do ICMS-ST (mov. 1.2), uma manifestação do SINDIFARMA – Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado do Paraná (mov. 1.3) e os comprovantes de inscrição e situação cadastral dos CNPJS das apelantes (mov. 1.4 e 1.5).Feito esse esclarecimento, deve ser analisado a base de cálculo do ICMS e o entendimento atual acerca das mercadorias que são dadas em bonificação.É previsto no art. 13 da Lei Complementar Estadual nº 87/96, a qual dispõe sobre as normas gerais em relação ao ICMS, a base de cálculo nas diversas hipóteses de incidência: “Art. 13. A base de cálculo do imposto é:(…) § 1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo:(…)II - o valor correspondente a:(…)a) seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição;” No entanto, mercadorias dadas em bonificação são uma espécie de desconto com caráter incondicional e, assim, não se considera que há circulação econômica da mercadoria.Entende-se como venda com bonificação, aquela em que a operação mercantil engloba a mercadoria e um brinde, ou seja, o fornecedor remete ao cliente quantidade superior àquela do objeto da operação requerida. Por essa razão, o STJ possui o entendimento que não deve ser incluída na base de cálculo do ICMS os valores correspondentes a mercadorias dadas em bonificação pela empresa a seus clientes.Pela pertinência: TRIBUTÁRIO. ICMS. COMPROVAÇÃO DA VENDA COM BONIFICAÇÃO. REEXAME. SÚMULA 7/STJ. MERCADORIAS DADAS EM BONIFICAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. INTELIGÊNCIA DO RESP REPETITIVO 1.111.156/SP. SÚMULA 83/STJ. 1. (...) 2. Não há incidência do ICMS nas operações que envolvem mercadorias dadas em bonificação porque a lei prevê que a base de cálculo do ICMS é a operação mercantil efetivamente realizada, o que não ocorre na hipótese de bonificação, que é uma modalidade de desconto consistente na entrega de maior quantidade de produto vendido em vez de concessão de redução no valor da venda, de modo que o provedor das mercadorias é beneficiado com a redução do preço médio de cada produto, sem, contudo, implicar redução do preço do negócio. 3. Registre-se que referido entendimento foi reiterado pela Primeira Seção desta Corte por ocasião do julgamento do Recurso Especial repetitivo 1.111.156/SP, desta relatoria, DJe 22/10/2009. Agravo regimental improvido. (STJ – 2ª Turma - AgRg no AREsp 661673/RS – Rel. Min. Humberto Martins – J. 14.04.2015 – destaque acrescentado) Nesse sentido, restou consolidada a Súmula 457 do STJ: “Os descontos incondicionais nas operações mercantis não se incluem na base de cálculo do ICMS.”. Quando há a venda com bonificação e, portanto, o desconto incondicional, trata-se de uma hipótese que não se enquadra na previsão do art. 13, § 1º, II, “a” da Lei Complementar Estadual nº 87/1996, descrito acima. Conforme previsão legal, somente as bonificações incondicionais estão livres de integrar a base de cálculo do imposto.No entanto, é necessário que a empresa comprove efetivamente o caráter de incondicionalidade deste benefício, através de emissão de notas fiscais das referidas operações ou contrato de fornecimento entre as partes, por exemplo. Porém, não se verifica a apresentação dos referidos documentos no presente caso.Nesse sentido, é o parecer da Procuradoria Geral de Justiça: “Ante a não apresentação das notas fiscais das mercadorias efetivamente adquirida pelo destinatário não é possível a comprovação da natureza da operação e, portanto, impede de incluí-las em hipótese de não incidência do ICMS, eis que a remessa de bonificação representa uma operação acessória à compra e venda. E para comprovar a bonificação enviada para o beneficiário, as impetrantes deveriam apresentar as notas fiscais das operações principais, ou a existência de um contrato de fornecimento entre as partes, prova que não foi produzida.” Da mesma forma foi pontuado pela sentença recorrida: “Todavia, extrai-se dos autos que não existe qualquer documento que indique detalhes sobre a operação realizada entre as impetrantes e seus clientes. Assim não há como saber se as bonificações são realizadas de forma incondicionada, nem mesmo se as operações são realizada pela sistemática da substituição tributária.” Pontua-se ainda, que estão em concordância com o entendimento já adotado por este Tribunal: TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. ICMS. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE BONIFICAÇÕES. DESCONTO INCONDICIONAL. PRÁTICA COMERCIAL QUE VISA O APRIMORAMENTO DO MERCADO. NÃO REALIZAÇÃO DO FATO GERADOR DO ICMS. HIPÓTESE NÃO CONTEMPLADA PELO ART.13 §1º, II "a" DA LC 87/1996. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE QUE AS MERCADORIAS DADAS EM BONIFICAÇÃO INTEGRAM OPERAÇÃO MERCANTIL ÚNICA, DE MODO A CONFIGURAREM DESCONTO INCONDICIONAL. AUSÊNCIA DE PROVAS QUE COMPROVEM O DIREITO. ENTENDIMENTO DO STJ E DESTE TRIBUNAL. VERBA HONORÁRIA. MANUTENÇÃO DO VALOR. APLICAÇÃO CORRETA DO ART. 20, §§3º E 4º, DO CPC. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. EX OFFICIO. HONORÁRIOS. OMISSÃO DA SENTENÇA. CORREÇÃO, A PARTIR DA FIXAÇÃO, PELO IPCA. JUROS MORATÓRIOS DE 1% AO MÊS. CÓDIGO CIVIL, ART. 406, A PARTIR DO TRÂNSITO EM JULGADO. SENTENÇA MODIFICADA PARCIALMENTE DE OFÍCIO. (TJPR - 2ª C.Cível - AC - 1289585-3 - São José dos Pinhais - Rel.: Silvio Dias - Unânime - J. 02.12.2014 – destaque acrescentado) Por oportuno, cito trecho do julgado que se enquadra para a esse caso: “No presente caso, não se está a negar a tese jurídica da apelante, no sentido de que o ICMS não incide sobre mercadorias dadas em bonificação que configurem desconto incondicional de outra operação, atraindo, assim, a incidência do art. 13, §1º, II, "a", da LC 87/1996. O que se está a afirmar é que, ao contrário do que afirma a apelante, o presente caso, além do exame jurídico, exige, sim análise dos elementos fáticos da demanda de modo aferir a comprovação do suporte fático que vai atrair, ou não, a incidência do tributo em questão. E, conforme entendeu o magistrado de primeiro grau, os documentos que acompanharam a petição inicial, sendo os únicos a instruir a demanda, não são suficientes para que se possa afirmar que as mercadorias dadas em bonificação consistem em desconto incondicional de uma operação jurídica única de compra e venda de mercadoria. Isso porque, nas notas fiscais referentes às bonificações não há qualquer referência ou observação de sua correlação com as notas fiscais de compra e venda apresentadas, ainda que haja identidade de destinatário e da mercadoria doada. Nessas condições, não há como afirmar que as notas fiscais esgotam um negócio jurídico único em que a primeira indique desconto incondicional dado na operação documentada na segunda. (…) De outro modo, poderiam ter sido juntados contratos de fornecimento entre a apelante e seus clientes, nos quais se caracterizasse a concessão de mercadorias em bonificação como um desconto incondicional das operações realizadas. Acrescente-se a isso que a análise dos livros fiscais da apelante permitiria afirmar, com certeza, que os valores destacados a título de ICMS nas notas fiscais de bonificação foram, de fato, escriturados como débitos do tributo e resultaram em recolhimento indevido, o que não é possível verificar simplesmente pela juntada das guias de recolhimento do valor total do imposto.” Nesse raciocínio, esta Câmara Cível, em análise de agravo de instrumento interposto pelas impetrantes para concessão de medida liminar, sob a relatoria do Des. Salvatore Antonio Astuti, indeferiu o pedido pela ausência de prova pré-constituída, que restou ementado da seguinte forma: Tributário. Liminar em Mandado de Segurança. Pretensão de que o pedido seja analisado com base na tutela de evidência. Impossibilidade. Lei especial que prevalece sobre a geral. Ausência dos requisitos legais previstos no art. 7º, inc. III, a Lei n. 12.016/2009. Entrega de mercadorias em bonificação. ICMS. Equiparação a descontos incondicionais nas operações mercantis. Não incidência. Inteligência da Súmula n. 457 e Resp n. 1111156/SP ambos do STJ. Necessidade, porém, de prova pré-constituída, ausente no caso. Precedentes. Agravo de Instrumento não provido.(TJPR - 1ª C.Cível - 0055398-13.2020.8.16.0000 - Nova Esperança - Rel.: DESEMBARGADOR SALVATORE ANTONIO ASTUTI - J. 01.02.2021) Na fundamentação do agravo de instrumento, foi destacado que: “No entanto, apenas as bonificações incondicionais estão livres de integrar a base de cálculo do imposto. E, no caso dos autos, não é possível afirmar, indene de dúvidas, que a bonificação de que trata o mandado de segurança preventivo será dada sem vinculação a qualquer tipo de condição. Cabe destacar que os impetrantes optaram por via judicial que, como se sabe, não admite dilação probatória, e exige, em razão de sua natureza, provas pré-constituídas e robustas do direito alegado, inexistentes no caso”. Como bem apontado no parecer da Procuradoria Geral de Justiça, é através da comprovação por documentação que se verifica se há incidência ou não do ICMS sobre às atividades das apelantes: “Essa comprovação documental traduz um dever jurídico que vinculam as impetrantes, sobre cuja atividade incide, de modo indeclinável, a exigência de satisfação dessa verdadeira obrigação processual”. Assim, verifica-se que, ante a insuficiência de provas juntadas pela apelante, não houve a comprovação do fato constitutivo de seu direito, conforme lhe incumbe o art. 373, inc. I do CPC[3].Ademais, ausente a prova pré-constituída, inexiste o direito líquido e certo, que constitui requisito essencial para análise da concessão da segurança.Por não haver a possibilidade de dilação probatória no âmbito do mandado de segurança, que pressupõe a produção prévia pelo impetrante, das provas pré-constituídas destinadas a evidenciar a incontestabilidade do direito público subjetivo por ele titularizado, a manutenção da sentença, no presente caso, é medida que se impõe.Portanto, voto no sentido de negar provimento ao recurso, conforme a fundamentação supra.
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