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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
RELATÓRIO Perante o douto Juízo da 5ª Vara Cível de Londrina, MARCIO JOSÉ FELICIANO ajuizou a presente ação de reintegração de posse em face de RAPHAEL ANGELO dizendo, em síntese, que: a) é proprietário do imóvel situado na Rua Pedro Cândido Romero, nº 85, bloco 01, apartamento nº. 104, do Residencial Mirante do Lago, em Londrina/PR, financiado pela Caixa Econômica Federal, adquirido pelo valor de R$ 265.000,00; b) no ano de 2014 vendeu o imóvel para o senhor Fred Kairuz Junior pelo valor de R$ 60.000,00, que fez o pagamento com cheques e o restante com financiamento, oportunidade em que passou a ele uma procuração conferindo poderes para que transferisse o imóvel para o respectivo nome; c) ocorre que os cheques não compensaram e em 09/04/2015 revogou a procuração que havia outorgado; d) em 2017 o senhor Fred Kairuz Junior quis efetuar o pagamento pela compra do imóvel e lhe entregou mais alguns cheques de terceiros e da empresa Kairuz – Transportes e Terraplanagem, mas novamente eles não foram compensados; e) os cheques estão em sua posse até a presente data; f) até o presente momento não conseguiu recuperar a posse do imóvel, tampouco receber a quantia referente a sua venda; g) o IPTU, condomínio e tudo que se refere ao imóvel permanece em seu nome e todos os moradores que passaram pelo apartamento tem o conhecimento de que o senhor Fred Kairuz Junior não pagou pela compra do mesmo, de modo que inexiste terceiro de boa-fé; e, h) possui a informação de que o atual morador do imóvel vem efetuando o pagamento de algumas parcelas do financiamento do imóvel. Diante disso, requereu a concessão da medida liminar de reintegração de posse no imóvel, com a sua posterior confirmação e procedência da ação, com a condenação do Réu ao pagamento de perdas e danos.O Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos iniciais e condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da causa (mov. 164.1).Foram opostos embargos de declaração pelo Autor (mov. 169.1), os quais foram acolhidos sem efeitos modificativos (mov. 177.1).O Autor recorreu a este egrégio Tribunal (mov. 182.1), alegando, em essência que: a) durante toda a instrução processual ficou demonstrado que o Apelado está na posse do imóvel de forma ilegal, com posse clandestina, visto que adquiriu o imóvel de um terceiro que não tinha poderes para venda do imóvel; b) a transferência de propriedade somente se dá com a lavratura da competente Escritura de Venda e Compra, o que também não foi feito pelo Apelado; c) o Apelado não demonstrou sua boa-fé ao adquirir o imóvel, tendo em vista que juntou um contrato com um terceiro, senhor Odair, que nem mesmo tinha documentos hábeis para poder negociar o apartamento; e, d) comprovou nos autos que possivelmente foi vítima de um estelionatário, tendo em vista que o senhor Fred possui três CPFs, demonstrando a má fé de todos os adquirentes do imóvel. Requereu, ao final, o provimento do recurso e a reforma da sentença.Foi apresentada resposta ao recurso (mov. 186.1)É o relatório.
VOTOConheço do recurso, porque preenchidos os requisitos extrínsecos e intrínsecos a isso necessários, em especial os da tempestividade, adequação e preparo.Trata-se de ação de reintegração de posse que tem como objeto o imóvel situado na Rua Pedro Cândido Romero, nº 85, bloco 01, apartamento nº. 104, do Residencial Mirante do Lago, em Londrina/PR, matriculado sob nº 85.577 no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Londrina.Da análise dos autos e dos documentos encartados, denota-se que o imóvel objeto da ação foi adquirido pelo Autor em 31/05/2013 diretamente da construtora Artenge Construções Civis Ltda. (mov. 1.14) tendo firmado contrato de financiamento com a Caixa Econômica Federal para tanto (mov. 1.4). Pela sua narrativa, teria vendido o bem ao senhor Fred Kairuz Junior em 2014, conforme os cheques correspondentes aos pagamentos de mov. 1.10, motivo pelo qual, em 28/02/2014, teria outorgado a procuração de mov. 1.8 ao comprador, outorgando-lhe amplos poderes sobre o bem. Como os cheques não foram compensados, em 06/04/2015 revogou a respectiva procuração. Por fim, narrou que, em 2017, o senhor Fred o procurou para acertar os pagamentos, oportunidade que lhe entregou outros cheques (mov. 1.9), mas que também não foram compensados. Por seu turno, o Réu narrou que adquiriu o imóvel do senhor Aldair de Paula Alcântara em junho de 2014, o qual teria adquirido o bem do senhor Fred Kairuz Junior, conforme declaração de mov. 19.4. Afirmou que realizou 2 depósitos (R$ 7.000,00 e R$ 43.000,00) a título de entrada, entregou uma motocicleta e mais 8 cheques que totalizaram o valor de R$ 35.000,00. Ainda, como parte do acordo verbal, depositava o valor das prestações do financiamento diretamente na conta do Autor, conforme os comprovantes de mov. 19.7. Note-se que o Autor, em seu depoimento pessoal, confirmou ter recebido estes depósitos. Alegou que desde então reside no local, o que provou documentalmente pelas contas de mov. 19.5 e 19.8. Pois bem.Conquanto se insira entre os poderes do proprietário o de usar e fruir da coisa, além do de reclamá-la daquele que injustamente a tenha, sua condição de titular do domínio, per si, não significa que seja também possuidor. Com efeito, conquanto possam conviver – e é isso que no mais das vezes ocorre – a propriedade e a posse não precisam necessariamente estar juntas. Pode haver propriedade sem posse, como também posse sem propriedade, e isso, não raro, dá causa a que a pessoa faça uso da ação errada e movimente desnecessariamente a máquina judiciária. Explica-se. As ações de reintegração de posse (1), reivindicatória (2), de imissão de posse (3) e de despejo (4) têm uma coisa em comum: destinam-se, todas, a proporcionar que a posse de determinado bem seja obtida pelo autor. O que varia em cada uma é o fundamento fático/jurídico embasador da pretensão (causa petendi), o que, no mais das vezes, inviabiliza que uma seja usada no lugar da outra, que o manejo da ação errada seja relevado mediante aplicação do princípio da fungibilidade ou que elas sejam cumuladas. A ação de reintegração de posse (1), por exemplo, é dada àquele que exercia posse justa e a perdeu por conta de esbulho cometido pelo réu. Legitimado a propô-la será o possuidor, do qual não se exige que, concomitantemente, seja proprietário. O fundamento do pedido, por sua vez, será o direito à recuperação da posse perdida por conta do esbulho (CCB, artigo 1.210). A ação reivindicatória (2), por seu turno, é o remédio conferido ao proprietário para reaver o bem de quem quer que injustamente o possua ou detenha (artigo 1.228). Seu manejo pressupõe a titularidade do domínio, sendo o seu fundamento o fato de o bem se encontrar na posse injusta ou na detenção de outrem. A ação de imissão de posse (3) também pressupõe a condição do autor de proprietário e, no mais das vezes, é usada nos casos em que ele nunca teve a posse e a deseja haver, como ocorre, por exemplo, quando o vendedor não a transmite. Por fim, a ação de despejo (4) é própria às relações locatícias, destinando-se à recuperação, pelo locador (que, frise-se, não precisa ser necessariamente o proprietário), da posse do bem conferida ao locatário. Nas quatro ações, repita-se, o objetivo é o mesmo: viabilizar a obtenção (inédita ou por retomada) da posse. Variam os fundamentos, pois em (1) não se discute domínio, mas sim a (in)justiça da posse do réu, verificável com base no modo como ele a obteve; em (2), por sua vez, a causa petendi é a propriedade do autor e a (in)existência de causa suspensiva, impeditiva ou extintiva do direito dele de recuperar a posse; em (3) a situação é bastante parecida com (2), pois o fundamento do pedido é o direito do autor de obter a posse daquele que a recebera por força de domínio que lhe foi passado; em (4), finalmente, o fundamento é o descumprimento de obrigação contratual que autoriza exigir do locatário, por força do desfazimento do contrato de locação, a devolução do bem locado. Veja-se que, em (1), a posse do réu é injusta na origem, porque viciada sua aquisição, sendo esse o fundamento para obriga-lo a devolve-la; em (2), a posse também é injusta, mas não necessariamente em razão do modo como foi adquirida, e sim pelo fato de não ser oponível ao proprietário; em (3), também não se discute a justiça da posse no tocante à sua origem, mas apenas se ela pode subsistir em face do direito do adquirente da propriedade; por fim, em (4), a posse do locatário é justa, porque atribuída consensualmente pelo locador. O Autor/apelante optou pela ação possessória, por considerar que, na condição de proprietário, poderia também ser tido por possuidor em face do Réu. Ocorre que o manejo pertinente da ação de reintegração de posse pressupõe que esta tenha sido perdida para o réu em razão de ato por este cometido passível de ser classificado como esbulho, o que, neste caso, não ocorreu.Da prova colhida em audiência (mov. 146) as narrativas levam a essa conclusão. Primeiro porque o Autor afirma que nunca morou no apartamento, tinha a intenção de alugá-lo, mas que acabou vendendo-o para o senhor Fred, outorgando-lhe, inclusive, procuração com amplos poderes sobre o imóvel. Por mais que não tenha sido juntado nos autos o contrato firmado entre o senhor Fred e o senhor Aldair, este último e o Réu afirmaram em seus depoimentos que o negócio realizado entre eles foi realizado em 2014, o que corrobora com a declaração de mov. 19.4 e com os pagamentos de mov. 19.6. Veja-se que, nessa ocasião, a procuração outorgada pelo Autor ao senhor Fred estava vigente, conforme também afirmou o informante Aldair. Ademais, o fato de o próprio Autor confirmar em seu depoimento que o Réu deposita em sua conta o valor das prestações do financiamento retira qualquer clandestinidade da posse por ele exercida. Assim, o que se percebe é que o fato de o Autor não ter recebido os pagamentos referentes a venda que realizou com o senhor Fred não lhe coloca na posição de possuidor do imóvel apto a ingressar com ação possessória em face do Réu, terceiro alheio a esta relação, e que conseguiu comprovar a sua posse direta sobre o bem. Em casos em que o direito do Autor se fundou na propriedade e não na posse, assim decidiu este E. Tribunal de Justiça: Apelação Cível. ação de reintegração de posse. sentença de improcedência. preliminar de nulidade da sentença por falta de fundamentação. rejeição. mérito. requisitos do artigo 561 do CPC não demonstrados. prova oral e documental que rechaça a alegação de posse anterior sobre a área discutida. alegação de propriedade. irrelevância. confusão quanto a natureza das ações possessórias e petitórias. sentença mantida. honorários majorados em face do trabalho recursal. recurso conhecido e desprovido. (TJPR - 18ª C.Cível - 0002863-64.2016.8.16.0189 Rel.: DES. MARCELO GOBBO DALLA DEA – publicação 28.06.2021) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PRELIMINARES EM CONTRARRAZÕES DE INTEMPESTIVIDADE DO APELO E AUSÊNCIA DE PREPARO. NÃO OCORRÊNCIA. PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS E INTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL CUMPRIDOS. PRELIMINAR DOS APELADOS REJEITADA. ALEGAÇÃO EM APELAÇÃO DE REVELIA DA PARTE RÉ. HIPÓTESE NÃO CONFIGURADA. PLURALIDADE DE RÉUS. CONTESTAÇÃO APRESENTADA NO PRAZO POR UM DELES QUE AFASTA OS EFEITOS DA REVELIA (ART. 345, I, DO CPC/15). PRELIMINAR DO APELANTE REJEITADA. REINTEGRAÇÃO NA POSSE. MEIO ADEQUADO PARA A RESTITUIÇÃO DA POSSE ESBULHADA (ART. 1.210, DO CC/02, E ART. 560, DO CPC/15). REQUISITOS DA REINTEGRAÇÃO (ART. 561, I A IV, DO CPC/15) NÃO ATENDIDOS. PRETENSÃO AMPARADA NO DIREITO DE PROPRIEDADE. AUSÊNCIA DE PROVAS DO EXERCÍCIO DA POSSE DIRETA. PARTE AUTORA QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DO FATO CONSTITUTIVO DO SEU DIREITO (ART. 373, I, DO CPC/15). IMPOSSIBILIDADE DE HAVER ESBULHO SEM POSSE ANTERIOR DEMONSTRADA. POSSE DOS REQUERIDOS, ADEMAIS, BASTANTE LONGEVA. PRECEDENTES DO TRIBUNAL. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. CABIMENTO (ART. 85, §§ 2º E 11, DO CPC/15). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 18ª C.Cível - 0020757-64.2015.8.16.0035 - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU CARLOS HENRIQUE LICHESKI KLEIN – publicação 14.05.2021) Posto isso, voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso, majorando em 12% (doze por cento) sobre o valor dado à causa, em atenção ao disposto no artigo 85, § 11 do CPC, os honorários devidos pelo Autor ao advogado do Réu.
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