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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I. RELATÓRIO:Trata-se de apelação interposta contra a sentença (seq. 32.1), proferida nos autos de ação de revisão de cláusulas contratuais c/c repetição de indébito nº 0035318-49.2021.8.16.0014, ajuizada por SANDRA DA SILVA FARIAS em face de BANCO PAN, julgada improcedente, extinguindo o processo com a resolução do mérito, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condenou a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios em favor dos advogados constituídos pela parte ré, arbitrados no valor certo de R$ 200,00 (duzentos reais), com fundamento no art. 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade restou suspensa, ante a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita em favor da parte autora (art. 98, § 3º, do CPC).Irresignada, a parte autora/apelante interpôs recurso de apelação (mov. 38.1), na qual sustentou: (1) que no caso concreto a cobrança de seguro é indevida, pois a instituição financeira compeliu a contratação, exigindo a escolha da companhia que prestaria tais serviços, não possibilitando ao consumidor buscar melhores cotações e/ou coberturas em concorrentes companhias; (2) que não há qualquer prova de que fora possibilitado à parte recorrente livre escolha quanto à contratação do seguro e quanto à companhia seguradora contratada, situação vedada no ordenamento jurídico, como restou reconhecido pelo STJ no julgamento do Resp. 1639259/SP (tema 972); (3) que em razão da inobservância à legislação consumerista e ao tema 972/STJ, requer a reforma da sentença, a fim de reconhecer a ilegalidade da cobrança do seguro, com a devolução dos valores exigidos a esse título, bem como dos juros remuneratórios (frutos) sobre eles incidentes.A parte apelada apresentou suas contrarrazões (seq. 45.1) pugnando pelo desprovimento do recurso apresentado.É o relatório.
II. VOTO E FUNDAMENTAÇÃO: 1. Juízo de admissibilidade recursal:Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do recurso de apelação interposto em ambos os efeitos, na forma do disposto no artigo 1.009 e ss. do Código de Processo Civil, na medida em que estão presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, tanto os intrínsecos: cabimento, legitimação e interesse em recorrer; como os extrínsecos: tempestividade (seq. 37 e 38), regularidade formal (procuração em seq. 1.2/1.3), inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e dispensa de preparo.
2. Mérito:Trata-se de ação de revisão de Cédula de Crédito Bancário nº 085559576, firmado entre SANDRA DA SILVA FARIAS e BANCO PAN, sobre cobranças supostamente abusivas, precisamente a título de seguro.Insurgiu-se a parte autora/apelante com relação a cobrança de seguro no valor de R$ 620,00 (seiscentos e vinte reais). Defendeu que a contratação do seguro é indevida, pois a instituição financeira compeliu a contratação, exigindo a escolha da companhia que prestaria tais serviços, não possibilitando ao consumidor buscar melhores cotações e/ou coberturas em concorrentes companhias, situação vedada no ordenamento jurídico, reconhecida pelo STJ no julgamento do Resp. 1.639.259/SP (tema 972).Assim, a controvérsia cinge-se em verificar a legalidade da cobrança de seguro de proteção financeira.Pois bem. Como bem apontado pela parte apelante, nos contratos de natureza bancária, a matéria referente à contratação de seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), por ocasião do julgamento no Recurso Especial Repetitivo nº 1.639.259-SP (Tema 972). Na oportunidade, sedimentou-se o seguinte entendimento: RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 972/STJ. DIREITO BANCÁRIO. (...). SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. VENDA CASADA. OCORRÊNCIA. RESTRIÇÃO À ESCOLHA DA SEGURADORA. ANALOGIA COM O ENTENDIMENTO DA SÚMULA 473/STJ. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. NÃO OCORRÊNCIA. ENCARGOS ACESSÓRIOS. 1. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA: Contratos bancários celebrados a partir de 30/04/2008, com instituições financeiras ou equiparadas, seja diretamente, seja por intermédio de correspondente bancário, no âmbito das relações de consumo. 2. TESES FIXADAS PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015 [...] 2.2 – Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada. [...] 4. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido. (REsp 1.639.259/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª Seção, j. em 12/12/2018, DJE 17/12/2018).Dessa forma, é abusivo e ilegal o desrespeito ao direito do consumidor de optar, ou não, pela contratação do seguro, bem como de escolher com qual seguradora contratar. A ideia é impedir a chamada venda casada, vedada pela legislação consumerista (CDC, arts. 1º, 6º, V; 39, V; e 51,IV, e § 1º, III). Isto é, a celebração do contrato não pode estar condicionada à celebração de contrato de seguro, tampouco a escolha da seguradora a ser contratada pode ser subtraída do consumidor. No caso dos autos, analisando atentamente a Cédula de Crédito Bancário colacionada (seq. 1.6 e 16.4), infere-se que houve a contratação de seguro de proteção financeira no valor de R$ 620,00 (seiscentos e vinte reais), todavia, não é possível concluir que a contratante/autora teve opção de escolha com relação a escolha da seguradora a ser contratada, mas, tão somente, com a Seguradora Pan Seguros S/A. Caberia à financeira apresentar orçamento com outras seguradoras, ou qualquer outro documento a fim de demonstrar a livre escolha da autora com relação ao seguro ofertado, ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 373, inciso II, do CPC. No entanto, no caso em questão, a consumidora não teve, de fato, opção de escolha com relação à contratação da seguradora, caracterizando, portanto, “venda casada” (art. 39, inciso I, do CDC). Sobre o tema, colaciono um trecho do voto do Relator Ministro Paulo de Tarso Severino, no julgamento do REsp 1.639.259/SP:“Apesar dessa liberdade de contratar, inicialmente assegurada, a referida clausula contratual não assegura liberdade na escolha do outro contratante (a seguradora). Ou seja, uma vez optando o consumidor pela contratação do seguro, a cláusula contratual já condiciona a contratação da seguradora integrante do mesmo grupo econômico da instituição financeira, não havendo ressalva quanto à possibilidade de contratação de outra seguradora, à escolha do consumidor. É esse aspecto da liberdade contratual (a liberdade de escolher o outro contratante) que será abordado na presente afetação, sob o prisma da venda casada, deixando em aberto - até mesmo para outra afetação ou IRDR, se for o caso - a controvérsia acerca da restrição da própria liberdade de contratar. Delimitada, assim, a controvérsia acerca da venda casada à liberdade de escolha do outro contratante, observa-se que essa modalidade de contratação já foi enfrentada por esta Corte Superior no âmbito do seguro habitacional vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH (que também prevê seguro prestamista), tendo-se consolidado a seguinte tese pelo ritos dos recursos especiais repetitivos Tema 54/STJ - É necessária a contratação do seguro habitacional, no âmbito do SFH. Contudo, não há obrigatoriedade de que o mutuário contrate o referido seguro diretamente com o agente financeiro, ou por seguradora indicada por este, exigência esta que configura "venda casada", vedada pelo art. 39, I, do CDC. Essa tese deu origem à Súmula 473/STJ, assim lavrada: Súmula 473/STJ - O mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada. Analisando-se as razões de decidir acima transcritas, verifica-se que a única diferença para o caso da presente afetação diz respeito à liberdade de contratar, que é plena no caso da presente afetação, ao contrário do SFH, em que a contratação do seguro é determinada por lei.”( REsp 1.639.259/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino).No mesmo sentido vem decidindo esta Câmara Cível: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL.RECURSO DO BANCO. PARCIAL CONHECIMENTO. PLEITO DE AFASTAMENTO DA DEVOLUÇÃO EM DOBRO. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO NESTE SENTIDO. INOVAÇÃO RECURSAL. RECURSO NÃO CONHECIDO NESTE PONTO.SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. CONSUMIDOR QUE NÃO PODE SER COMPELIDO A CONTRATAR O SEGURO. TEOR DO RESP 1.639.259/SP. TEMA 972/STJ. CONFIGURAÇÃO DE VENDA CASADA. ILEGALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 13ª C.Cível - 0001111-24.2021.8.16.0014 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADORA ROSANA ANDRIGUETTO DE CARVALHO - J. 26.11.2021)APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. INSURGÊNCIA DO AUTOR. PRELIMINAR DE OFENSA DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE, DEDUZIDA NAS CONTRARRAZÕES. AFASTAMENTO. PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA JUSTIÇA GRATUITA CONCEDIDA AO AUTOR, FORMULADO NAS CONTRARRAZÕES. VIA INADEQUADA. MATÉRIA EXPRESSAMENTE TRATADA NA SENTENÇA. PEDIDO NÃO CONHECIDO. SEGURO PRESTAMISTA. CONSUMIDOR QUE NÃO PODE SER COMPELIDO A CONTRATAR SEGURO COM A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA OU COM A SEGURADORA POR ELA INDICADA. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STJ NO JULGAMENTO DO RECURSO REPETITIVO RESP Nº 1.639.320/SP. SEGURO APRESENTADO COMO PARTE INTEGRANTE DO FINANCIAMENTO, NÃO OBSTANTE A ASSINATURA DE PROPOSTA DE ADESÃO EM SEPARADO. VENDA CASADA CONFIGURADA. PRÁTICA VEDADA NOS TERMOS DO ARTIGO 39, I, DO CDC. RESTITUIÇÃO SIMPLES DOS VALORES PAGOS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA, COM REDISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA.RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 13ª C.Cível - 0032640-71.2019.8.16.0001 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADORA JOSELY DITTRICH RIBAS - J. 12.11.2021)Assim, com base na tese firmada no julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.639.320/SP, entendo por declarar a ilegalidade na cobrança do seguro, devendo a sentença ser reformada nesse tocante. No entanto, apesar da ilegalidade, não há que se falar em repetição do indébito. Explico:Verifica-se do contrato em questão, que o mesmo foi firmado em 29/01/2019, para pagamento em 24 parcelas mensais, no valor de R$654,54, sendo a primeira parcela para 24/02/2019 e a última em 24/02/2021. Contudo, a ação foi ajuizada apenas em 14/07/2021, isto é, data em que o contrato já havia se encerrado.
Ou seja, a parte autora/apelante se beneficiou do seguro durante toda sua vigência, tendo em vista que, na ocorrência de qualquer dos sinistros contemplados na apólice de seguro, a parte estaria segurada.Na verdade, infere-se que a parte aguardou toda a vigência do seguro (24 meses), período o qual, reitero que a parte foi beneficiada, para depois de encerrado, ajuizar ação a fim de requerer a restituição do valor pago, o que não é aceitável. Não é razoável que, em relações contratuais, uma das partes usufruir e se beneficiar com os serviços prestados e, posteriormente a conclusão do contrato, requerer a repetição do valor pago sob justificativa de vício de consentimento. Tal conduta é contrária à boa-fé processual, não podendo ser aceita sob pena de configurar um locupletamento indevido da apelante. A propósito:APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SENTENÇA QUE RECONHECEU A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO. INCONFORMISMO DO AUTOR. (1) PRESCRIÇÃO NÃO CONFIGURADA. PRAZO DECENAL CONTADO DA ÚLTIMA PRESTAÇÃO E NÃO DA DATA DO CONTRATO. (2) MÉRITO. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL (ART. 1.013, § 4º, CPC). SEGURO. IMPOSSIBILIDADE DE ESCOLHA DA SEGURADORA. VENDA CASADA. ILEGALIDADE. TODAVIA, AUTOR SE BENEFICIOU DO SEGURO NO CURSO DO CONTRATO, JÁ FINDO HÁ ANOS. NÃO CABIMENTO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES, SOB PENA DE LOCUPLETAMENTO INDEVIDO. PRECEDENTES DA CÂMARA. RECURSO PROVIDO. DEMANDA JULGADA IMPROCEDENTE NO MÉRITO. (TJPR - 5ª C.Cível - 0067700-32.2020.8.16.0014 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR ROGERIO RIBAS - J. 02.08.2021)AGRAVO. APELAÇÃO CÍVEL. REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. VENDA CASADA. RESP Nº 1.639.259/SP E RESP Nº 1.639.320/SP (TEMA 972). REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DESCABIMENTO. CONTRATO FINDO. UTILIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PELO CONSUMIDOR DURANTE TODO O PERÍODO DO CONTRATO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO VEDADO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DE AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 5ª C.Cível - 0071162-94.2020.8.16.0014 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ MATEUS DE LIMA - J. 02.08.2021)Assim, não há que se falar em restituição dos valores ao apelante/autor, pelo fato de ter sido beneficiado durante toda a vigência da apólice. É de se ter em mente descumprimento de princípios mínimos de boa-fé objetiva porque ao ajuizamento da ação o contrato já havia sido totalmente quitado, portanto, o período da álea todo transcorrido, sem qualquer oposição do contratante. Dito em outras palavras, o contratante estava segurado por todo o período contratual, com a seguradora sendo responsável pelos riscos decorrentes, e não parece ser equilibrado, não ocorrendo qualquer sinistro dentro do período contratual, simplesmente ter-se que devolver do prêmio ao final deste lapso temporal. Por essas razões, me inclino a reconhecer a ilegalidade do seguro, no entanto, julgando improcedente a restituição dos valores pagos, nos termos supra.3. Sucumbência:Conforme decisão do STJ no julgamento do EDcl no AgInt no REsp 1.573.573-RJ, a verba honorária em sede recursal somente é devida em caso de não conhecimento ou desprovimento do recurso.Em decorrência da reforma, impõe-se a readequação da condenação ao ônus de sucumbência, o qual se dá na modalidade recíproca, na proporção de 50% ao autor e 50% ao banco réu, a incidir sobre o valor de R$1.500,00 (um mil e quinhentos reais), forma do art. 85, parágrafos 2º e 11º do CPC. III. DECISÃO:Pelo exposto, VOTO EM CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação, a fim de, tão somente, reconhecer a ilegalidade na cobrança de seguro prestamista, sem qualquer tipo de restituição de valores. Ainda, impõe-se a readequação do ônus de sucumbência, nos termos da fundamentação.
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