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Acórdão
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Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Recurso de Sentido Estrito nº 0011093-88.2019.8.16.0028, da 1ª Vara Criminal de Colombo, em que é recorrente: CLAUDINEI VIEIRA DA SILVA e recorrido: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. RELATÓRIO O Ministério Público do Estado do Paraná ofereceu denúncia em face de Claudinei Vieira da Silva pela prática dos seguintes fatos delituosos: ‘’Fato 01 – Descumprimento de medidas protetivas de Urgência Em 18 de dezembro de 2019, às 22h00min, no terreno da residência da vítima, situado na Rua José Feitosa, nº 105, São Sebastião, neste Município e Foro Regional de Colombo/PR, o denunciado CLAUDINEI VIEIRA DA SILVA – agindo dolosamente, com consciência, vontade e intenção orientadas à prática delitiva a seguir descrita, além de plena ciência da reprovabilidade de sua conduta – descumpriu a decisão judicial proferida nos autos nº 0009371-19.2019.8.16.0028, em trâmite perante este Juízo, que deferiu as medidas protetivas de urgência previstas na Lei nº 11.340/06 em favor da vítima VALESCA HOLZ NETO, consistentes em a) proibição de aproximação da ofendida e de seus locais de residência e trabalho, bem como rondá-los, devendo guardar distância mínima de 100 (cem) metros, e b) proibição de manter contato com a vítima por qualquer meio de comunicação, incluídas redes sociais e aplicativos, da qual o denunciado havia sido citado e intimado em 18/11/2019 – conforme certidão de mov. 29.1 dos autos de Medidas Protetivas de Urgência nº 0009371-19.2019.8.16.0028 – o que fez ao comparecer à residência da vítima, com ela manter contato e contra ela praticar o crime descrito no Fato 02, tudo conforme boletim de ocorrência nº 2019/1470949 (mov. 1.2), termos de declaração dos condutores (mov. 1.3 e 1.4) e termos de declaração (mov. 1.6 e 46.2). Fato 02 – Tentativa de FeminicídioNas mesmas circunstâncias de tempo e local do crime descrito no Fato 1, o denunciado CLAUDINEI VIEIRA DA SILVA – agindo dolosamente, com consciência, vontade e intenção orientadas à prática delitiva a seguir descrita, além de plena ciência da reprovabilidade de sua conduta – deu início à execução de um crime de homicídio qualificado pelo feminicídio, o que fez ao, logo após afirmar que mataria a vítima e se suicidaria em seguida, efetuar disparos de arma de fogo (não apreendida) em direção à vítima VALESCA HOLZ NETO, sua excompanheira, conforme boletim de ocorrência nº 2019/1470949 (mov. 1.2), termos de declaração dos condutores (mov. 1.3 e 1.4), termos de declaração (mov. 1.6 e 46.2), interrogatório (mov. 1.7) e informação (mov. 46.1). O homicídio apenas não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do denunciado, que, por erro de pontaria, não atingiu a vítima com os disparos, que vieram a atingir o teto e as paredes da residência. O crime foi cometido contra mulher por razões das condições do sexo feminino, envolvendo violência doméstica contra VALESCA HOLZ NETO, sua ex-companheiro, em contexto de discussão sobre assuntos relacionados a WILLIAM HOLZ NETO SILVA, seu filho em comum. Fato 03 – Tentativa de Homicídio agravadoNas mesmas circunstâncias de tempo e local dos crimes descritos nos Fatos 01 e 02, o denunciado CLAUDINEI VIEIRA DA SILVA – agindo dolosamente, com consciência, vontade e intenção orientadas à prática delitiva a seguir descrita, além de plena ciência da reprovabilidade de sua conduta – deu início à execução de um crime de homicídio, o que fez ao, logo após afirmar que mataria a vítima e se suicidaria em seguida, efetuar disparos de arma de fogo (não apreendida) em direção à vítima WILLIAM HOLZ NETO SILVA, seu filho, conforme boletim de ocorrência nº 2019/1470949 (mov. 1.2), termos de declaração dos condutores (mov. 1.3 e 1.4), termos de declaração (mov. 1.6 e 46.2), interrogatório (mov. 1.7) e informação (mov. 46.1).O homicídio apenas não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do denunciado, que, por erro de pontaria, não atingiu a vítima com os disparos, que vieram a atingir o teto e as paredes da residência. Fato 04 - Embriaguez ao volanteNas mesmas circunstâncias de tempo, após a prática dos crimes descritos nos Fatos 01 e 02 e 03, em via pública, em frente à residência do denunciado, situada na Rua Elói Chicora, nº 29, São Gabriel, neste Município e Foro Regional de Colombo/PR, o denunciado CLAUDINEI VIEIRA DA SILVA – agindo dolosamente, com consciência, vontade e intenção orientadas à prática delitiva a seguir descrita, além de plena ciência da reprovabilidade de sua conduta – conduziu o veículo automotor Ford/EcoSport, cor prata, placas AQW-6B64, com capacidade psicomotora alterada em razão de influência de álcool, constatada pela presença de 0,56 mg de álcool por litro de ar alveolar expelido, conforme extrato de teste de alcoolemia realizado por dispositivo Etilômetro (mov. 1.5) e termos de declaração dos condutores (mov. 1.3 e 1.4).’’ A denúncia foi recebida em 07 de dezembro de 2020 (mov. 79.1). O réu foi devidamente citado (mov. 91.1), constituiu defensor e apresentou resposta à acusação (mov. 99.1). Após o regular trâmite processual, sobreveio a r. sentença, em que o MM. Juiz, Dr. Hermes da Fonseca Neto, pronunciou o réu, em relação ao descumprimento de medida protetiva (art. 24-A, da Lei nº 11.340/06); tentativa de feminicídio (art. 121§ 2º, inciso VI e § 2º-A, inciso I, combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal); tentativa de homicídio (art. 121, caput, combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal); e condução de veículo com a capacidade psicomotora alterada (art. 306, §1º, inciso I, do Código de Trânsito brasileiro) (mov. 185.1). Irresignado, Claudinei Vieira da Silva interpõe o presente recurso (mov. 196.1). Em suas razões recursais, o recorrente pugna pela absolvição quanto ao descumprimento da medida protetiva, eis que não possuía ciência da referida medida, no momento dos fatos. Afirma, ainda, que o réu deve ser impronunciado quanto aos crimes de tentativa de feminicídio e tentativa de homicídio ou, subsidiariamente, deve haver a desclassificação para o crime de disparo de arma de fogo. Finalmente, pugna pelo afastamento da qualificadora de feminicídio, uma vez que não se demonstraram que o crime fora cometido em razão da condição do sexo feminino. Foram apresentadas Contrarrazões pelo apelado. (mov. 199.1) A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça, Dr. Milton Riquelme de Macedo, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do recurso manejado pela defesa. (mov. 13.1 - AP).
VOTO Presentes os pressupostos processuais objetivos (cabimento, adequação, tempestividade, regularidade, inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer) e subjetivos (interesse e legitimidade), o recurso comporta conhecimento quanto ao mérito. Descumprimento de medida protetiva Alega o apelante que não tinha plena ciência da decisão que concedeu a medida protetiva em favor da vítima, razão pela qual, deve ser absolvido. Sem razão, no entanto. Da detida análise dos autos, verifica-se que a decisão de concessão de medidas protetivas em favor da vítima foi proferida em 24 de outubro de 2019, nos autos sob nº 0009371-19.2019.8.16.0028, sendo o réu devidamente cientificado da referida decisão, como se constata da certidão emitida no mov. 10.2. Veja-se: Insta salientar, que a certidão supracitada é dotada de fé pública, eis que emitida por servidor público, razão pela qual, não há que se falar em descumprimento da medida protetiva por ausência de inequívoca intimação. Extrai-se do depoimento da vítima Valesca Holz Neto, em solo policial, in verbis: ‘’Na data dos fatos, a declarante estava em seu terreno e seu ex convivente Claudinei entrou em seu terreno e ficou procurando por ela. Willian, seu filho, disse que ela não estava, mas ele não acreditou e foi atrás da declarante até a encontrar e iniciar uma discussão. Claudinei ficou cobrando porque Willian tinha mentido que ela não estava em casa e ele disse que era porque toda vez ele queria agredir a declarante, e os ânimos começaram a se exaltar, até que Claudinei sacou uma arma e deu um tiro para cima. Depois deu mais um tiro da direção da declarante e mais outro na direção de Willian. Aquilo assustou a declarante pois ela nem sabia que Claudinei tinha arma. Ele ficou mais um tempo discutindo e ameaçando, dizendo que iria mata-los e depois se matar e saiu correndo, pois sabia que a polícia estava a caminho. Nenhum dos disparos atingiu a declarante ou seu filho. Afirma que Claudinei estava alcoolizado. A declarante possui medida protetiva contra ele, pois já tinha a ameaçado anteriormente. (mov. 46.2) Não destoa seus depoimento em juízo: ‘’disse que anteriormente aos fatos havia realizado o pedido de medidas protetivas contra o réu; disse que em relação aos fatos, estava na chácara ao telefone e foi abordada pelo Claudinei e ele estava transtornado; alegou que quando entrou encontrou com o filho, Willian, mas ele mentiu para o pai, dizendo que ela não se encontrava; quando o réu a encontrou e ficou muito nervoso, pois o filho estava mentido para ele; (...) disse que trancou eles no barracão; começou a discutir com eles; que nessa discussão ele apresentou uma arma e atirou para cima e depois atirou na direção dela e do seu filho; (...) disse que quando adentrou ao local ele estava sob efeito de álcool; (...) (mov. 127.2) Em seu interrogatório, o réu Claudinei relatou que: ‘’disse que recebeu um telefonema, mas estava no mercado e pelo que consta foram na casa dele duas vezes, mas ele não estava, mas não tinha ciência de ter assinado; disse que no telefonema falaram que tinha uma medida protetiva em favor da vítima e ele deveria ir ao Fórum; (...) disse que sabia que tinha alguma coisa, mas não sabia exatamente o que era; (...) confirma que teve contato do servidor em relação a medida protetiva (...) (mov. 164.2) Desse modo, resta-se inequívoco que o apelante possuía plena ciência da decisão de medida protetiva, haja vista que o mesmo confirma a ligação do servidor público informando sobre a sua concessão. Assim, como corroborado pelo próprio juízo a quo: ‘’considerando que o suposto crime de feminicídio tentado ocorreu em 18.12.2019, data posterior aquela que consta na certidão citada, bem como que a respectiva prática exigiu, em tese, contrato e aproximação inferior a 100 (cem) metros com a ofendia, não há dúvidas de que há indícios do descumprimento das medias protetivas pelo réu.’’ (mov.185.1) Como é sabido, o bem jurídico tutelado pelo crime de descumprimento de medidas protetivas, depois da mulher, é a administração pública, bastando para configurá-lo, que exista uma medida protetiva de urgência deferida judicialmente e que o agente a descumpra. Salienta-se que a palavra da vítima assume preponderante importância como meio de prova, inclusive porque há que se dar elevada credibilidade aos depoimentos das vítimas, notadamente quando os fatos são expostos com riqueza de detalhes e estão em consonância com as demais provas coligidas nos autos, como no caso. Em casos análogos, é o entendimento desta 1ª Câmara Criminal: ‘’VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA (ART. 24-A, DA LEI 11.340/2006). CONDENAÇÃO À PENA DE TRÊS (3) MESES DE DETENÇÃO, EM REGIME ABERTO. RECURSO DA DEFESA. 1) PRELIMINAR DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. EXORDIAL QUE PREENCHE TODOS OS REQUISITOS DO ART. 41, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 2) MÉRITO. PLEITO VISANDO À ABSOLVIÇÃO, AO ARGUMENTO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. DESACOLHIMENTO. RÉU QUE TINHA PLANA CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA E VIGÊNCIA DE MEDIDAS PROTETIVAS DEFERIDAS EM SEU DESFAVOR. FIGURA TÍPICA PRECONIZADA NO ART. 24-A DA LEI N.º 11.340/06 PLENAMENTO CARACTERIZADA. CONDENAÇÃO DE RIGOR. 3) ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS À ADVOGADA NOMEADA PELA ATUAÇÃO EM GRAU RECURSAL. INDEFERIMENTO. VERBA HONORÁRIA FIXADA NA SENTENÇA QUE ABRANGE A ATUAÇÃO DA ADVOGADA EM SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. 4) GRATUIDADE DA JUSTIÇA. NÃO CONHECIMENTO. MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, DESPROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - 0003483-62.2019.8.16.0095 - Irati - Rel.: DESEMBARGADOR MIGUEL KFOURI NETO - J. 23.01.2021) ‘’APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS. ART. 24-A, CAPUT, DA LEI Nº 11.340/06. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO POR FRAGILIDADE PROBATÓRIA. NÃO ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA QUE MERECE ESPECIAL RELEVÂNCIA, SOBRETUDO QUANDO EM CONSONÂNCIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA. SENTENÇA MANTIDA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS AO DEFENSOR DATIVO POR SUA ATUAÇÃO EM SEDE RECURSAL. Importante a palavra da vítima, principalmente, quando narrada as agressões perpetradas, conjuntamente com as demais provas presentes nos autos, motivo pelo qual, a r. sentença deve ser mantida em sua integralidade. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - 0005261-17.2018.8.16.0123 - Palmas - Rel.: DESEMBARGADOR NILSON MIZUTA - J. 31.10.2021) Conclui-se, pois, pela suficiência de elementos de prova aptos a comprovar que o apelante cometeu a infração descumprimento das medidas protetivas descrita na exordial acusatória, devendo ser mantida a condenação imposta ao réu. Da pronúncia Alega a defesa, a ausência de autoria delitiva e provas, para a pronúncia do acusado, sob o argumento da aplicação do princípio in dubio pro reo. Sem razão, no entanto.Como é sabido, a pronúncia corresponde a um simples juízo de admissibilidade da acusação, a fim de que os acusados sejam submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri, que detém a competência para a análise meritória exauriente nos crimes dolosos contra a vida. Em que pese os argumentos expostos pela defesa, o pedido de absolvição desmerece provimento, vez que os elementos de prova constantes dos autos são suficientes para embasar a solução condenatória. A materialidade do crime está comprovada pelo boletim de ocorrência (mov. 1.2); decisão de medidas protetivas (mov. 10.1); exame etilométrico (mov. 1.5); depoimentos das vítimas, tanto em solo policial, quanto em juízo (movs. 1.6; 46.2; 127.2 e 127.3); e pelas demais provas colhidas nos autos. Quanto à autoria, esta é certa e recai sobre a apelante. A vítima Valesca Holz Neto, em seu depoimento perante a autoridade judicial elucidou que: ‘’foi casada com o réu por 22 anos e, dessa união, tiveram dois filhos; na época do fato, fazia cerca de três anos que estavam separados e a declarante havia solicitado medida protetiva contra o réu; no dia descrito na denúncia, a declarante estava dentro de um barracão, em sua chácara, seu local de trabalho e onde ocorrem eventos, quando foi abordada pelo réu, bastante alterado em razão, aparentemente, do uso de álcool; este estava bravo porque a vítima Willian, filho de ambos, mentiu que a declarante não estava no local, para evitar brigas, que sempre ocorriam; o réu fecho o barracão e passou a discutir com a vítima Willian e, em um dado momento, apresentou uma arma de fogo; a declarante estava sentada em um canto e a vítima Willian tentou defende-la, colocando-se contra o réu; o réu atirou para cima, depois atirou em direção à declaração e, por fim, atirou em direção a Willian; na verdade, a declarante não se recorda se viu exatamente para onde o réu mirou os dois últimos disparos, por conta do calor do momento; as pessoas que estavam na chácara, na parte de fora do barracão, ouviram os disparos e saíram correndo; o réu falou que mataria ambas as vítimas e depois se mataria; logo depois, o réu falou que acreditava que as pessoas haviam chamado a polícia e que seria melhor ir embora, o que ocorreu; o réu sempre teve problemas com bebida e sempre foi agressivo; o réu sempre a procurava e, até hoje, a declarante ainda sente temor dele; a declarante ouviu de pessoas que frequentam a chácara que o réu diz que, se algo acontecer com ele, vai matar e depois se matar (vide mov. 185.1). A vítima Willian Holz Neto Silva, em juízo, alegou in verbis: ‘’é filho do réu e da vítima Valesca; na época do fato, fazia uns 3 anos que os últimos estavam separados e a vítima Valesca havia solicitado medida protetiva contra o réu; no dia narrado, o declarante estava na chácara e o réu apareceu no local embriagado, perguntando pela vítima Valesca; o declarante mentiu falando que esta última não estava, a fim de evitar brigas; o réu encontrou a vítima Valesca dentro do barracão e chamou o declarante, questionando-se sobre o porquê mentiu; durante a discussão, o réu apontou uma arma de fogo várias vezes contra o declarante e vítima Valesca; o réu acabou atirando para o alto, depois em direção à vítima Valesca e, por fim, em direção ao declarante, tendo a bala passado por cima de sua cabeça; o réu dizia que mataria os dois e depois se mataria; em um determinado momento, o réu falou que a polícia estava chegando e decidiu ir embora (vide mov. 185.1). Finalmente, a Policial Militar, Debora Ribeiro Pontes alegou que: ‘’foi passado pelo COPOM uma situação de disparo de arma de fogo; a declarante se dirigiu ao local indicado e, lá, soube que o réu havia acabado de sair; a declarante viu duas marcas de tiro na parede; o filho do réu passou informações do carro deste, bem como o endereço de sua casa; a declarante acabou encontrando o réu em seu carro carro, nas proximidades; este último estava bem nervoso e alterado em razão do uso de álcool, tendo a declarante que se valer de força para efetuar a prisão; foi realizado o teste do etilômetro e o réu foi conduzido à Delegacia; em conversa com a vítima, este disse que o fato ocorreu por ciúmes, uma vez que o réu não aceita o término do relacionamento (vide mov. 185.1).Vale ressaltar que não se ignora os elementos trazidos aos autos que respaldam a tese defensiva, entretanto, nesta fase judicial é impossível a avaliação dos elementos de convicção reunidos, ou mesmo a comparação de testemunhos colhidos, sob pena de ocasionar, prematuramente, uma influência negativa na decisão a ser tomada pelos Jurados. Assim, não pode o réu ser impronunciado, havendo suficientes traços de autoria e comprovada a materialidade. Dessa forma, de acordo com os elementos de convicção angariados, está demonstrada a materialidade e também os suficientes indícios de autoria, prevalecendo o princípio in dúbio pro societate. José Frederico Marques leciona que a pronúncia "(...) não é decisão de mérito e sim de caráter estritamente processual" (A Instituição do Júri, 1º vol., pág. 229), limitando-se a declarar admissível a acusação para posterior julgamento pelo Júri, sendo que, relativamente à autoria, contenta-se a lei processual com indícios. Júlio Fabbrini Mirabete esclarece que: “(...) Como juízo de admissibilidade, não é necessário à pronúncia que exista a certeza sobre a autoria que se exige para a condenação. Daí que não vige o princípio do in dubio pro reo, mas se resolvem em favor da sociedade as eventuais incertezas propiciadas pela prova (in dubio pro societate) (Código de Processo Penal Interpretado, 11ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, pág. 1084).Nesse sentido, é o entendimento desta 1ª Câmara Criminal: ‘’RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. RÉU IMPUTADO PELA PRÁTICA DOS DELITOS DE AMEAÇA (1° E 2° FATO), TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO POR MOTIVO FÚTIL E FEMINICÍDIO (3° FATO) E TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO E ERRO SOBRE A PESSOA (4° FATO). PRETENDIDA DESPRONÚNCIA. TESE NÃO COMPROVADA. PRESENÇA DE OUTROS ELEMENTOS DE PROVA QUE DEMONSTRAM AUTORIA E MATERIALIDADE DOS DELITOS. NECESSÁRIA APRECIAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. ALEGAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA QUANTO AO 4° FATO. INOCORRÊNCIA. REQUISITOS DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE NÃO COMPROVADOS. QUESTÕES A SEREM ANALISADAS E DECIDIDAS PELO TRIBUNAL DO JÚRI. POSTULADA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE DISPARO DE ARMA DE FOGO EM VIA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PROVA CABAL A AFASTAR O ANIMUS NECANDI.RECURSO NÃO PROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - 0000184-97.2021.8.16.0098 - Jacarezinho - Rel.: DESEMBARGADOR NILSON MIZUTA - J. 16.11.2021) “PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2.º, INCISOS II, III E IV, CP) E OCULTAÇÃO DE CADÁVER (ART. 211, CP). RECURSOS DAS DEFESAS. 1) ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ALEGAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA INVIABILIDADE. AUSÊNCIA, NESTA FASE, DE PROVA INEQUÍVOCA DE QUE OS ACUSADOS AGIRAM PARA SE DEFENDER DE INJUSTA AGRESSÃO ATUAL OU IMINENTE PERPETRADA PELA VÍTIMA. PRONÚNCIA MANTIDA. 2) EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS. PARCIAL ACOLHIMENTO. MOTIVO FÚTIL E EMPREGO DE MEIO CRUEL MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTES. EXCLUSÃO DA PRONÚNCIA. EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA, POR OUTRO LADO, QUE ENCONTRA AMPARO NO CONJUNTO PROBATÓRIO. 3) ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA QUANTO AO DELITO CONEXO DE OCULTAÇÃO DE CADÁVER. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE SUBSTRATO PROBATÓRIO MÍNIMO. APRECIAÇÃO AFETA AO CONSELHO DE SENTENÇA. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS” (TJPR - 1ª C.Criminal - 0018361-26.2019.8.16.0019 - Ponta Grossa - Rel.: Desembargador Miguel Kfouri Neto - J. 20.04.2021). ‘’RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - SENTENÇA DE PRONÚNCIA - HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO - PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA OU IMPRONÚNCIA - IMPOSSIBILIDADE - PROVA ORAL QUE SINALIZA A EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA DELITIVA - ELEMENTOS SUFICIENTES PARA SUBMISSÃO DO RÉU A JULGAMENTO PERANTE O TRIBUNAL DO JÚRI - RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - 0001664-98.2017.8.16.0115 - Matelândia - Rel.: DESEMBARGADOR ANTONIO LOYOLA VIEIRA - J. 14.06.2021)’’ ‘’RECURSOS EM SENTIDO ESTRITO. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO E HOMICÍDIOS QUALIFICADOS TENTADOS. PRETENDIDA IMPRONÚNCIA POR AUSÊNCIA DE INDÍCIO MÍNIMO DE AUTORIA. INVIABILIDADE. PRESENÇA DA MATERIALIDADE E DE INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA. APRECIAÇÃO PROBATÓRIA APROFUNDADA QUE COMPETE AO CONSELHO DE SENTENÇA, JUIZ NATURAL E SOBERANO DA CAUSA. PLEITO DE MANUTENÇÃO DA QUALIFICADORA DO ART. 121, § 2°, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL (MEDIANTE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DAS VÍTIMAS). VIABILIDADE. QUALIFICADORA QUE NÃO SE MOSTRA MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. RECURSO DO RÉU NÃO PROVIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - 0001773-40.2019.8.16.0084 - Goioerê - Rel.: DESEMBARGADOR ADALBERTO JORGE XISTO PEREIRA - J. 04.07.2021)’’ Ademais, não há que se falar em desclassificação para o crime de disparo de arma de fogo, já que há nos autos suporte mínimo da versão acusatória em relação aos indícios de autoria e materialidade quanto aos delitos narrados na exordial acusatória, reservando-se ao Conselho de Sentença apreciar o mérito da causa. Portanto, deve prevalecer a pronúncia do acusado, para que o caso seja apreciado perante o Tribunal do Júri. Da qualificadora feminicídio Alega o apelante que a qualificadora de feminicídio deve ser afastada, no presente caso, uma vez que não há menção de que a conduta fora cometida ‘’por razões do sexo feminino’’, o que inviabilizaria a discussão em plenário. Sem razão, no entanto. Salienta-se que de acordo com o art. 413, §1º, do Código de Processo Penal, incumbe ao Magistrado especificar as circunstâncias qualificadoras presentes no caso de acordo com as provas até então produzidas, autorizando-se a sua exclusão em sede de pronúncia somente quando totalmente descabidas ou manifestamente improcedentes. Da detida análise da denúncia, verifica-se que consta na denúncia que: ‘’além de plena ciência da reprovabilidade de sua conduta – deu início à execução de um crime de homicídio qualificado pelo feminicídio, o que fez ao, logo após afirmar que mataria a vítima e se suicidaria em seguida, efetuar disparos de arma de fogo (não apreendida) em direção à vítima VALESCA HOLZ NETO, sua ex-companheira.’’ Assim, como há indícios de que a motivação do crime foi exatamente como descrita na inicial acusatória, e não há elementos que demonstrem a manifesta improcedência da qualificadora, por se tratar a decisão de pronúncia de mero juízo de admissibilidade da ocorrência do delito, de sua autoria e das circunstâncias que o envolvem, prudente a sua manutenção, incumbindo ao Conselho de Sentença a deliberação acerca da sua caracterização. Nesse sentido, é o entendimento desta Corte de Justiça: ‘’RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. FEMINICÍDIO, TENTATIVA. LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRETENDIDA IMPRONÚNCIA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA PARA O JULGAMENTO POPULAR. INEXISTÊNCIA DE PROVAS CABAIS DE INOCÊNCIA. CONSTATADA A MATERIALIDADE DO FATO E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. PLEITO DE EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DE CONDIÇÃO DO SEXO FEMININO. IMPOSSIBILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL. IMPOSSIBILIDADE. AMPARO NO CONJUNTO PROBATÓRIO. NÃO COMPROVAÇÃO DA AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI PARA ANALISAR AS TESES DEFENSIVAS. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - 0000731-08.2020.8.16.0120 - Nova Fátima - Rel.: DESEMBARGADOR NILSON MIZUTA - J. 31.10.2021) Desse modo, a r. sentença deve ser mantida em sua integralidade. Do exposto, voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso em sentido estrito interposto por CLAUDINEI VIEIRA DA SILVA.
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