Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
Relatório 1. Decidindo (mov. 191.1) Execução de Título Extrajudicial ajuizada por Cocari Cooperativa Agropecuária e Industrial em face de Laudiney Leite de Morares e Cia Ltda., o juiz de direito da Vara Cível de Cruzeiro do Oeste reconheceu a prescrição intercorrente e julgou extinta a demanda, nos termos do art. 924, inciso V c/c 487, II, ambos do CP, condenado a parte executada ao ônus da sucumbência. Insatisfeita, a parte exequente interpôs Recurso de Apelação (mov. 194.1), sustentando que não houve a prescrição intercorrente. Defende que o processo não ficou sem movimentação processual pelo prazo de cinco anos, pois a exequente empreendeu esforços na localização de bens penhoráveis da parte executada. Descreve os pedidos de penhora realizados nos autos. Acrescenta que após a suspensão do processo deu prosseguimento ao feito em todas as oportunidades que teve. Em caso de manutenção da prescrição, requer que os ônus de sucumbência sejam suportados pela parte executada, por ter dado causa ao ajuizamento da ação. Requer o conhecimento e provimento do recurso, ao final. As contrarrazões não foram apresentadas, por ser revel a executada.
É o relatório do que interessa.
Voto 2. Inicialmente, vê-se que o presente recurso de apelação não merece conhecimento no que diz respeito a pretensão de condenação da parte executada ao pagamento dos ônus sucumbenciais, caso mantida a prescrição, pois a sentença foi exatamente neste sentido: Logo, não há possibilidade de melhora da situação da parte apelante no ponto, não devendo ser conhecido o recurso por ausência de interesse recursal. 2.1. À exceção do exposto, o recurso de apelação merece conhecimento, na medida em que presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, tanto os intrínsecos (cabimento, legitimação e interesse em recorrer), como os extrínsecos (tempestividade – movs. 193/194, regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e preparo – movs. 194.2/194.3).
3. Contudo, não merece provimento. Certo é que o Código de Processo Civil de 2015 estruturou um sistema de precedentes obrigatórios, buscando conferir estabilidade, integridade e coerência à jurisprudência dos Tribunais (CPC, art. 926), moldando o processo civil sob a égide dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da confiança. Nessa linha de intelecção, o artigo 927 do CPC/2015 preceitua que os juízes e os tribunais observarão, dentre outros, “os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos” (inciso III - destaquei). Abalizada posição doutrinária destaca que o enunciado normativo em questão consagra a necessidade de stare decisis vertical (respeito aos precedentes e à jurisprudência vinculante das Cortes a que submetidos os órgãos jurisdicionais): “(...) é preciso ter presente que falar na observância de enunciados e acórdãos diz muito pouco. Como é evidente, o que deve ser observado são as rationes decidendi que podem ser extraídas interpretativamente da justificação desses acórdãos. O art. 927, CPC, serve, porém, para deixar claro que é necessário compreender a administração da Justiça Civil dentro de uma perspectiva demarcada por competências claras a respeito de quem dá a última palavra a respeito do significado do direito no nosso país, de qual é a eficácia que se espera desses julgados e de qual é o comportamento que se espera para que o processo civil possa promover de maneira adequada, efetiva e tempestiva a tutela dos direitos. O art. 927, CPC, consagra a necessidade de stare decisis vertical no sistema jurídico brasileiro” (Marinoni, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz; Mitidiero, Daniel. Código de processo civil comentado [livro eletrônico]. 4.ed. em e-book baseada na 4.ed. impressa. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018). No que diz respeito ao tema da prescrição intercorrente ora em destaque, confere-se que o Superior Tribunal de Justiça, por meio da sua 2ª Seção, examinou a questão em sede de Incidente de Assunção de Competência no REsp nº 1.604.412 - SC (Tema nº 01), de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, firmando as seguintes teses: “1.1. Incide a prescrição intercorrente, nas causas regidas pelo CPC/73, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, conforme interpretação extraída do art. 202, parágrafo único, do Código Civil de 2002. 1.2. O termo inicial do prazo prescricional, na vigência do CPC/1973, conta-se do fim do prazo judicial de suspensão do processo ou, inexistindo prazo fixado, do transcurso de 1 (um) ano (aplicação analógica do art. 40, § 2º, da Lei 6.830/1980). 1.3. O termo inicial do art. 1.056 do CPC/2015 tem incidência apenas nas hipóteses em que o processo se encontrava suspenso na data da entrada em vigor da novel lei processual, uma vez que não se pode extrair interpretação que viabilize o reinício ou a reabertura de prazo prescricional ocorridos na vigência do revogado CPC/1973 (aplicação irretroativa da norma processual). 1.4. O contraditório é princípio que deve ser respeitado em todas as manifestações do Poder Judiciário, que deve zelar pela sua observância, inclusive nas hipóteses de declaração de ofício da prescrição intercorrente, devendo o credor ser previamente intimado para opor algum fato impeditivo à incidência da prescrição” – destaquei. Cabe ressaltar que a decisão proferida em IAC – Incidente de Assunção de Competência será vinculante para todos os juízes e órgãos fracionários, a menos que haja revisão de tese, nos termos do que dispõe o artigo 947, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil, veja-se: “Art. 947. É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.§ 1o Ocorrendo a hipótese de assunção de competência, o relator proporá, de ofício ou a requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que seja o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar.§ 2o O órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária se reconhecer interesse público na assunção de competência.§ 3o O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese.§ 4o Aplica-se o disposto neste artigo quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal” – destaquei. Assim, necessário se faz observar as teses fixadas no julgamento do IAC no Resp 1604412/SC para a hipótese dos autos. Inicialmente, verifica-se que o julgado supracitado deixou em evidência que não há necessidade de intimação pessoal do credor para dar prosseguimento ao processo, sob pena de chancelar o prolongamento indefinido das pretensões executórias ao longo do tempo, criando, por consequência, hipótese de imprescritibilidade não prevista em lei e contrariando verdadeiro espírito da Carta da República de 1988. O que se exige, porém, é que o contraditório seja devidamente assegurado a parte interessada, mediante intimação prévia para manifestação a respeito da prescrição intercorrente, nos termos do que predizem os artigos 9º e 10 do CPC. Isso em respeito ao contraditório, a fim de que se possa apresentar eventual fato impeditivo à incidência da prescrição. Neste caso, a exequente foi intimada para que se manifestasse a respeito de eventual prescrição intercorrente nos autos (mov. 185.1), o que foi feito no mov. 187.1. Inegável, então, que o contraditório se perfectibilizou nos autos. Superado este ponto, convém consignar que o prazo prescricional aplicável na espécie não é o quinquenal, mas sim o trienal, conforme disposição dos artigos 70 da Lei Uniforme de Genebra, 18 da Lei nº 5.474/68 e 206, § 3º, VIII do CC, pois se trata de execução de duplicatas. Sobre o tema, é o seguinte julgado desta Câmara: “APELAÇÃO CÍVEL - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - DUPLICATAS - SENTENÇA QUE, DE OFÍCIO, EXTINGUIU O FEITO ANTE O RECONHECIMENTO DA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - INSURGÊNCIA DA EXEQUENTE - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE CONFIGURADA - INAPLICABILIDADE DAS DISPOSIÇÕES DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL A FATOS JÁ CONSOLIDADOS - INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 63, DESTA CORTE - EXECUÇÃO PARALISADA POR QUASE SETE ANOS - PRAZO PRESCRICIONAL DE TRÊS ANOS, NO CASO DE DUPLICATA - ART. 18, I, DA LEI Nº 5.474/68 - EXTINÇÃO ACERTADA - SENTENÇA MANTIDA - .RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO” (TJPR - 14ª C.Cível - 0000230-95.2006.8.16.0071 - Clevelândia - Rel.: Desembargador José Hipólito Xavier da Silva - J. 27.02.2019 - destaquei) Portanto, para que seja reconhecida a prescrição intercorrente os autos devem ter permanecido paralisados por prazo superior a três anos, o que ocorreu na hipótese. Afinal, a ora apelante requereu a suspensão do processo até localização de bens da devedora, nos termos do art. 791, III, do CPC/73, em outubro de 2004 (fl. 03, mov. 1.11). O pedido foi deferido em 30.11.2004, por prazo indeterminado, sendo encaminhados os autos ao arquivo provisório na sequência (mov. 1.12). Portanto, considerando as disposições do IAC acima, o prazo inicial da prescrição se iniciou em 30 de novembro de 2005, após o transcurso de um ano do despacho que deferiu a suspensão e encaminhou os autos ao arquivo provisório. Em razão disso, a parte apelante tinha até o dia 30.11.2008 para movimentar os autos, o que não fez. Pelo que se vê do andamento processual, os autos ficaram até dezembro de 2015 sem nenhuma movimentação, tendo ocorrido a digitalização do mesmo nesta data (mov. 2). E somente em janeiro de 2016 é que a apelante se manifestou (mov. 11), requerendo a penhora de valores via Bacenjud. Evidente, portanto, que a manifestação da parte apelante foi protocolada quando já ultrapassado (e muito) o prazo de prescrição trienal a que se sujeitava a pretensão executiva. Da mesma forma, todas as tentativas de localização de bens listadas neste recurso foram requeridas quando já ocorrida a prescrição, não sendo suficientes para afastá-la, inclusive porque nada de efetivo se concretizou com essas buscas.
Como é cediço, o instituto da prescrição intercorrente relaciona-se ao princípio da segurança jurídica e à pacificação das relações sociais, incidindo nos casos em que, após ajuizamento da demanda, deixa a parte interessada de tomar as medidas necessárias ao prosseguimento do processo. Em última análise, trata-se de resposta ao comportamento desidioso da parte que não dá sequência ao processo por ela mesma intentado. Vê-se, pois, que o fundamento da prescrição consiste na desídia da parte na persecução do seu direito durante longo período de tempo, partindo-se do pressuposto de que as demandas judiciais não estão vocacionadas à eternização, não sendo lícito agrilhoar o credor ao devedor por tempo indeterminado. Neste caso, além de não tomar nenhuma medida efetiva para satisfação da execução desde o seu ajuizamento em 2003, a apelante deixou o processo completamente parado por período muito superior ao do direito material invocado, inevitavelmente incorrendo em prescrição. Diante do exposto, em atenção aos princípios da razoável duração do processo, da segurança jurídica, da orientação constitucional de não eternização das pendências judiciais e, por fim, para cumprir a função jurisdicional de pacificação dos conflitos sociais, impõe-se o desprovimento do presente recurso de apelação, mantendo-se a decisão de extinção do processo, ante a ocorrência da prescrição intercorrente. Por fim, destaque-se que não incide na hipótese os honorários recursais, já que não foram arbitrados honorários em favor da parte contrária, em atenção aos critérios albergados pelo c. STJ[1] na interpretação do disposto no §11 do artigo 85 do CPC/2015. 4. Passando-se as coisas desta maneira, meu voto é no sentido de conhecer parcialmente e, na parte conhecida, negar provimento ao recurso de apelação, mantendo-se a sentença que reconheceu a prescrição intercorrente no caso dos autos.
|